É possível que o juiz decida se determinado crime é hediondo?

por | 14 nov 2018 | Atividade Policial

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No tocante aos crimes hediondos existem três sistemas para a identificação de quais são os crimes hediondos em nosso ordenamento jurídico.

Para o sistema legal somente são crimes hediondos aqueles previstos expressamente em lei. O rol de crimes hediondos é taxativo.

sistema judicial define que cabe ao juiz decidir se determinado crime é hediondo ou não.

No sistema misto tem-se um rol exemplificativo de crimes hediondos, sendo possível ao juiz reconhecer, no caso concreto, que determinado crime é hediondo.

Qual o sistema adotado pelo Brasil?

O Brasil adota o sistema legal, com uma exceção.

Já que há exceção por que não seria o sistema misto? Pois, a exceção decorre de criação jurisprudencial e no sistema misto a própria lei autoriza o juiz a considerar a hediondez de determinados crimes.

Qual é a exceção?

No crime de tráfico é possível que o juiz decida se o crime é hediondo ou não!

A dosimetria da pena é divida em três fases. Na primeira o juiz analisa as circunstâncias judiciais, que inclui a natureza e quantidade de droga. Na segunda fase o juiz analisa as agravantes e atenuantes. Na terceira fase analisa as causas de aumento e de diminuição de pena. Uma das causas de diminuição do crime de tráfico encontra previsão no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 e deverá ser aplicada quando o réu for primário, possuir bons antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas, nem integrar organização criminosa.

O Supremo Tribunal Federal, no HC 112.776/MS, decidiu que no tocante à NATUREZA E QUANTIDADE DE DROGA e em observância à DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ NA DOSIMETRIA e ao princípio da individualização das penas, pela possibilidade de considerar tais circunstâncias em um único momento do cálculo da dosimetria da pena, À ESCOLHA DO JUIZ.

Logo, no crime de tráfico de drogas, conforme o caso concreto, o juiz pode decidir se será crime hediondo ou não.

Isso porque o Supremo Tribunal Federal decidiu que o crime de tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06), que ocorre quando o réu é primário, de bons antecedentes, não se dedica às atividades criminosas, nem integre organização criminosa, NÃO É HEDIONDO (HC 118.533).

Como o próprio Supremo Tribunal Federal autoriza que o juiz analise cada caso concreto e decida de forma fundamentada se a natureza e quantidade de droga serão utilizadas para aumentar a pena do réu nas circunstâncias judiciais ou para impedir a causa de aumento de pena, caberá ao juiz dizer se o crime de tráfico cometido pelo réu possui natureza hedionda, pois se fundamentar pela não aplicação do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06, estará dizendo que o crime é HEDIONDO. Lado outro, se optar por aumentar a pena nas circunstâncias judiciais, estará dizendo que o crime NÃO É HEDIONDO, pois não pode o juiz usar a natureza e quantidade da droga para aumentar a pena nas circunstâncias judiciais e para impedir a aplicação da causa de diminuição, sob pena de bis in idem (piora da situação do réu pelo mesmo fato).

Reconhecida a natureza e quantidade para aumentar a pena na primeira fase (circunstâncias judiciais), o juiz não pode utilizar o mesmo fundamento nem para diminuir a pena no mínimo do § 4º do art. 33, da Lei 11.343/06. Isto é, deverá reduzir a pena em 2/3 (máximo) e não em 1/6 (mínimo).

É possível, ainda, que o juiz analise a natureza para aumentar a pena nas circunstâncias judiciais e a quantidade de droga para negar a aplicação da causa de diminuição ou reduzi-la no mínimo.

E quais as consequências do crime de tráfico ser considerado hediondo? A principal refere-se à progressão de regime, sendo que esta ocorrerá após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, ou de 3/5 (três quintos), se reincidente.

Ex.1: acusado é preso portando dez quilos de maconha e de crack. O juiz poderá utilizar a quantidade e natureza para aumentar a pena nas circunstâncias judiciais. Consequentemente, não poderá valorar a natureza e quantidade para impedir a redução da pena na terceira fase em até 2/3 (dois terços) da pena. Ou seja, imagine que a pena base foi fixada em 09 (nove) anos em razão da natureza e quantidade de drogas apreendidas. Na terceira fase, o juiz reduzirá os 09 (nove) anos em 2/3 e fixará a pena definitiva em 03 (três) anos de reclusão, que pode ser fixado no regime semiaberto, face às circunstâncias judiciais desfavoráveis, pois nos crimes cuja pena privativa de liberdade é igual ou inferior a quatro anos, como regra, devem iniciar o cumprimento de pena no regime aberto. Ou seja, após o cumprimento de 1/6 da pena, por não ser hediondo, o acusado progredirá de regime. Isto é, sairá do semiaberto para o aberto após 06 (seis) meses.

Ex.2: acusado primário é preso portando dez quilos de maconha e de crack. O juiz poderá utilizar a quantidade e natureza para negar a aplicação do tráfico privilegiado e, consequentemente, não aumentar a pena nas circunstâncias judiciais, uma vez que a natureza e quantidade de droga serão utilizados como fundamentos para impedir que haja a incidência da causa de diminuição de pena prevista no § 4º, da Lei 11.343/06. Imagine que a pena base foi fixada em 05 (cinco) anos, que é o mínimo, uma vez que a natureza e quantidade de droga não foram utilizadas para aumentar a pena base (circunstâncias judiciais). Na terceira fase, o juiz não reduzirá a pena aplicada, por utilizar como fundamento a natureza e quantidade de droga para deixar de reduzir a pena. O regime inicial imposto poderá ser o fechado, em razão da natureza e quantidade de droga (art. 33, § 3º, do Código Penal). Logo, o crime será hediondo e após o cumprimento de 2/5 da pena, por não ser reincidente, progredirá de regime. Ou seja, ficará preso no regime fechado por 02 (dois) anos.

Ex.3: acusado reincidente é preso com dez quilos de maconha e de crack. O juiz poderá utilizar como fundamento a alta nocividade do crack para aumentar as circunstâncias judiciais, bem como a grande quantidade de droga para negar a aplicação da causa de diminuição ou reduzi-la em 1/6, por exemplo. Caso reconheça a causa de diminuição o crime deixará de ser hediondo (tráfico privilegiado). Imagine que a pena base (circunstâncias judiciais) foi fixada em 06 (seis) anos e a quantidade impediu de reconhecer a causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06. O regime inicial poderá ser o fechado (art. 33, § 3º, do Código Penal). Nessa hipótese, o réu progredirá após cumprir 3/5 da pena, por ser reincidente. Logo, ficará preso no regime fechado por 03 (três) anos, 07 (sete) meses e 05 (cinco) dias, ocasião em que progredirá para o regime semiaberto. Caso seja reconhecida a causa de diminuição em 1/6, a pena final será de 05 (cinco) anos e o réu progredirá após cumprir 10 (dez) meses no regime fechado. Veja como a diferença é significativa, devendo cada caso ser devidamente analisado pelo juiz sentenciante.

Portanto, é possível afirmar que o Brasil adota o sistema legal para os crimes hediondos, com uma exceção, que se trata do crime de tráfico de drogas.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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