Em muitas comunidades, é comum a contratação de serviço de segurança privada, em que os vigias ficam nas ruas, desarmados e de olho nas residências, bem como os realizados por “motovigias” que passam pelas ruas observando as casas que contrataram os serviços e em alguns casos acionam um sinal auditivo.
O serviço prestado por vigias e motovigias configura crime de usurpação de função pública? Há dois entendimentos.
A Lei Federal n. 7.102/83 dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências, sendo regulamentada pelo Decreto n. 89.056/83. A Portaria n. 3.233/12 do Departamento da Polícia Federal dispõe sobre as normas relacionadas às atividades de Segurança Privada.
O primeiro posicionamento diz ser crime de usurpação de função pública (art. 328 do Código Penal), na esteira do entendimento da Polícia Federal exposto, por ser atribuição dos órgãos policiais a preservação da ordem pública e no tocante ao policiamento ostensivo, atribuição da Polícia Militar, nos termos do art. 144, § 5º, da Constituição Federal. Ademais, não há previsão normativa para que a vigilância privada realize trabalhos de segurança em vias públicas e ainda que houvesse contrariaria a Constituição Federal. Outrossim, a segurança privada, armada ou desarmada, submetesse à autorização e fiscalização da Polícia Federal, não sendo lícita qualquer atividade nesse sentido sem controle estatal.
As atividades de segurança privada subdividem-se em quatro: a) vigilância patrimonial; b) transporte de valores; c) escolta armada; e d) segurança pessoal.
No Parecer n. 178/2015-DELP/CGCSP, a Polícia Federal afirma que a circulação de vigilantes em vias públicas – armados ou desarmados, somente é autorizada nas atividades de transporte de valores, escolta armada e segurança pessoal e que a vigilância patrimonial desenvolve-se de forma fixa, no interior dos estabelecimentos, objetivando prevenir a ocorrência de delitos como instrumento ostensivo de dissuasão de intentos criminosos.
É possível que o vigilante, na segurança pessoal, realize observação do local antes da entrada da pessoa que contratou o serviço, desde que esta esteja presente no momento.
De mais a mais, o Presidente da República, ao sancionar a Lei n. 12.009, de 29 de julho de 2009, que regulamenta as atividades de motoboy, mototaxista e “motovigia”, vetou o parágrafo único do art. 3º, que se referia ao “motovigia” como serviço comunitário de rua, o qual teria como atribuições: a) observar o movimento de chegada e saída dos moradores em sua residência; b) acompanhar o fechamento dos portões do imóvel; c) comunicar aos moradores, ou à polícia, qualquer anormalidade nos veículos estacionados na rua; d) comunicar aos moradores, ou à polícia, a presença de pessoas estranhas e com atitudes suspeitas na rua.”
A justificativa para o veto foi que para “instituir nova modalidade de serviço de segurança privada, a proposta deveria ter contemplado mecanismos de controle e fiscalização do seu exercício, determinando, entre outros requisitos, a forma de registro dos profissionais e os cursos necessários à sua capacitação. Da forma como está redigido, o Projeto de Lei não deixa claro como se daria o serviço comunitário de rua, podendo gerar dúvidas quanto à sua compatibilidade com os serviços desenvolvidos pelos órgãos de segurança pública.”
Nesse sentido, caso um vigia de rua ou um “motovigia” seja flagrado realizando trabalhos de segurança privada em via pública poderá ser preso por usurpação de função pública qualificada, nos termos do art. 328, parágrafo único, do Código Penal, na medida em que atuam de forma remunerada. É o entendimento da Polícia Federal exarado no Parecer n. 1757/2013-DELP/CGCSP.
O segundo posicionamento, o qual defendemos, entende ser fato atípico, na medida em que não há uma substituição das atividades da Polícia Militar, mas somente a realização de atividade complementar que visa somar com a segurança pública, mas não substituir a Polícia Militar.
A sociedade passa por uma onda crescente de violência, o que gera insegurança e medo na sociedade, sendo legítimo que busquem meios de se resguardarem e assegurarem, por iniciativa própria, a segurança pessoal e patrimonial, que constitui um direito fundamental.
É impossível que a Polícia Militar esteja presente em todos os locais ao mesmo tempo e o livre exercício da profissão e a livre iniciativa asseguram o direito à contratação de terceiros para que possam, sem o uso de armas, vigiar e “tomar conta” das residências particulares, ainda que façam rondas em via pública.
A Polícia Militar realiza patrulhamento de forma abstrata, que atinge um número indeterminado de pessoas. Os vigias não realizam patrulhamento, mas rondas, no sentido de andar, observar, vigiar, os bens pelos quais foram contratados. A atuação dos vigias tem objeto extremamente delimitado, o que impede a caracterização de usurpação das atribuições da Polícia Militar.
Eventual atuação dos vigias, na maioria das vezes, limitar-se-á a avisar ao contratante da ocorrência de algum fato ilícito ou suspeito; observar quando o contratante sair e chegar em sua residência e no acionamento imediato da Polícia Militar, o que atende ao interesse público, já que poderá evitar a ocorrência de crimes.
De mais a mais, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacificado de que a atividade de vigilância residencial, sem a utilização de arma de fogo, não se sujeita à autorização e fiscalização da Polícia Federal.
No tocante à utilização dos avisos sonoros pode configurar contravenção penal de perturbação de sossego, nos termos do art. 42, III, da Lei de Contravenções Penais, razão pela qual os “motovigias” devem criar outros métodos para se mostrarem presentes para os que contrataram os serviços.
Em caso concreto em que uma empresa foi contratada para a realização de ronda externa, motorizada e a pé, em torno de agência do Banco do Brasil, entre 07:00 e 19:00 horas, de segunda a sexta, para acompanhar toda a movimentação de pessoas no banco e proximidades, com o fim de prevenir e constatar eventuais ocorrências de crimes, a ação penal por usurpação de função pública foi trancada pelo Tribunal de Justiça do Pará, em razão da ausência de dolo específico e vontade livre e consciente de apoderar-se de função pública.
Para que ocorra usurpação de função pública é necessário que haja vontade deliberada de usurpar a função púbica, de se passar por um funcionário público com atribuições pra a prática de atos de ofício.
O crime de usurpação de função pública é doloso e não se exige elemento subjetivo específico. Isto é, basta a conduta dolosa, ainda que não haja finalidade específica.
Em outro caso concreto, o agente realizava rondas de motocicleta para vigiar residências e, caso fosse necessário, acionar a Polícia Militar, tendo o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidido que o “motovigia” não realizava função típica de segurança pública, sendo assim ementado:
PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO. USURPAÇÃO DE FUNÇÃO PÚBLICA. SEGURANÇA PRIVADA. TIPICIDADE NÃO DEMONSTRADA. 1. Não havendo demonstração de uso de arma de fogo, ou mesmo de desempenho de funções típicas de segurança pública, não é possível a conclusão de que a conduta perpetrada pelo paciente configura fato típico, capaz de ser fiscalizado e repreendido pela Polícia Federal como se crime fosse, inclusive com ameaça de prisão. 2. Recurso criminal em sentido estrito desprovido. TRF-4 – RCCR: 50008574820164047017 PR 5000857-48.2016.404.7017, Relator: JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Data de Julgamento: 20/07/2016, OITAVA TURMA) (destaque nosso)
As Forças Armadas são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica e são instituições permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Nota-se que as Forças Armadas possuem três finalidades constitucionais: 1) Defesa da Pátria; 2) Garantia dos poderes constitucionais e 3) Garantia da lei e da ordem.
A defesa da Pátria consiste em ações das Forças Armadas que visam a proteção do Brasil, no âmbito territorial, aquático e aéreo. Visa a proteção da própria soberania brasileira (art. 1º, I, da CF).
Em tempo de paz, a defesa da Pátria é exercida por intermédio de relações diplomáticas do Governo e as Forças Armadas exercem a defesa da Pátria preventivamente, por meio de seu poderio bélico e militar.[1]
A garantia dos poderes constitucionais consiste na preservação dos poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário), nos termos do art. 2º, da CF.
É função das Forças Armadas assegurar a existência do Estado Democrático de Direito, a ordem constitucional e a independência e harmonia entre os Poderes. Não há espaço para ditadura militar e as próprias Forças Armadas devem reprimir qualquer ação nesse sentido, sendo, inclusive, crime imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
A garantia da lei e da ordem, conhecida mais como GLO, refere-se ao uso das Forças Armadas com o fim de se assegurar o cumprimento da lei, em situações extremas, de forma que ordenamento jurídico passe a ser respeitado. Em se tratando da “ordem”, refere-se à ordem interna, que engloba o conceito de “ordem pública”, o que autoriza o emprego das Forças Armadas, subsidiariamente, nas atividades de segurança pública.
A “ordem interna” é um conceito amplo, que envolve, além da “ordem pública”, todo o funcionamento correto do país, de acordo com o ordenamento jurídico.
Nota-se que o Estado Democrático de Direito sustenta-se na ordem, o qual é de responsabilidade dos órgãos de Segurança Pública e das Forças Armadas.
A Marinha é a Força Marítima e cuida das operações navais, atua no mar e em águas brasileiras. O Exército é a Força Terrestre e cuida das operações militares realizadas em solo. A Aeronáutica é a Força Aérea e cuida do espaço aéreo brasileiro, sendo a responsável pela defesa aeroespacial.
As três Armas possuem atuações subsidiárias gerais e específicas que são reguladas por Lei Complementar, nos termos do § 1º, do art. 142[2] da Constituição Federal.
A Lei Complementar n. 97/99, dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.
As atribuições gerais encontram-se previstas no art. 16[3] da Lei Complementar n. 97/99 e consiste na cooperação com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, na forma determinada pelo Presidente da República.
A cooperação com o Desenvolvimento Nacional se dá no campo da pesquisa, do conhecimento, do saber, na construção, na infraestrutura, na Engenharia e de forma geral nas ações das Forças Armadas que colaborem com o desenvolvimento social e econômico do país.
Em relação à participação das Forças Armadas na Defesa Civil, esta ocorre, geralmente, em ações sociais, como a realização de “operações pipa”4; socorro às vítimas de desastres naturais e provocados pelo homem; reconstrução de estradas; Operação Boiadeiro[5]; apoio médico-hospitalar para comunidades carentes e em locais de difícil acesso; apoio ao programa “Mais Médicos”, dentre outros.
O art. 16-A da Lei Complementar n. 97/99, em razão da alteração ocorrida pela Lei Complementar n. 136/10, trouxe novas atribuições gerais para as Forças Armadas que consiste na atuação preventiva e repressiva, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de: I – patrulhamento; II – revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e III – prisões em flagrante delito.
Portanto, as Forças Armadas possuem como atribuições gerais a realização de atividades preventivas e repressivas, típicas dos órgãos de segurança pública, podendo, inclusive, realizar o patrulhamento, revistar pessoas, coisas e realizar prisões em flagrante.
Não há que se falar em usurpação de função, na medida em que a própria Constituição Federal preconiza que o emprego das Forças Armadas será tratado em Lei Complementar (art. 142, § 1º), bem como dispõe que as Forças Armadas destinam-se à garantia de lei e da Ordem (art. 142).
Portanto, a Constituição Federal autoriza, expressamente, o emprego das Forças Armadas na segurança pública, inclusive, possuem atribuições específicas, o que se passa a analisar.
As atribuições específicas encontram-se previstas nos arts. 17 (Marinha), 17-A (Exército) e 18 (Aeronáutica), todos da Lei Complementar n. 97/99.
A seguir, tabela esquematizada que contém as atribuições subsidiárias específicas de cada Força Armada.
Marinha
Exército
Aeronáutica
Orientar e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, no que interessa à defesa nacional.
Contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao Poder Militar Terrestre.
Orientar, coordenar e controlar as atividades de Aviação Civil.
Prover a segurança da navegação aquaviária.
Cooperar com órgãos públicos federais, estaduais e municipais e, excepcionalmente, com empresas privadas, na execução de obras e serviços de engenharia, sendo os recursos advindos do órgão solicitante.
Prover a segurança da navegação aérea.
Contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao mar.
Cooperar com órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, no território nacional, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução.
Contribuir para a formulação e condução da Política Aeroespacial Nacional.
Implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessária, em razão de competências específicas
Estabelecer, equipar e operar, diretamente ou mediante concessão, a infra-estrutura aeroespacial, aeronáutica e aeroportuária
Cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de áreas portuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução.[6]
Operar o Correio Aéreo Nacional.
Cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, quanto ao uso do espaço aéreo e de áreas aeroportuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução.
Preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, de maneira contínua e permanente, por meio das ações de controle do espaço aéreo brasileiro, contra todos os tipos de tráfego aéreo ilícito, com ênfase nos envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e passageiros ilegais, agindo em operação combinada com organismos de fiscalização competentes, aos quais caberá a tarefa de agir após a aterragem das aeronaves envolvidas em tráfego aéreo ilícito, podendo, na ausência destes, revistar pessoas, veículos terrestres, embarcações e aeronaves, bem como efetuar prisões em flagrante delito.
O emprego das Forças Armadas na garantia da Lei e da Ordem e na participação em operações de paz é de responsabilidade do Presidente da República (art. 15 da Lei Complementar n. 97/99).
A atuação das Forças Armadas com o fim de se cumprir a missão constitucional dos órgãos de segurança pública ocorrerá após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal (art. 15, § 2º).
Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional (art. 15, § 3º).
A atuação das Forças Armadas consistirá em medidas preventivas e repressivas, em área previamente estabelecida e por tempo determinado (art. 15, § 4º).
Durante o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações, será transferido para a autoridade responsável pelas operações, sendo constituído um centro de coordenação de operações, composto por representantes dos órgãos de segurança pública (art. 15, § 5º).
O controle operacional permite atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública (art. 15, § 6º).
Um dos instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal é a Polícia Militar, responsável pela polícia ostensiva e preservação da ordem pública.
Portanto, quando a atuação da Polícia Militar não for suficiente para preservar a ordem pública, poderá haver emprego das Forças Armadas, no caso, do Exército (Força Terrestre).
A atuação do Exército poderá ocorrer mediante decreto que autorize o emprego da Força Armada para a Garantia da Lei e da Ordem ou mediante decreto que institua a intervenção federal.
Haverá intervenção federal quando for necessário “por termo a grave comprometimento da ordem pública” (art. 34, III, da CF), enquanto que o emprego do Exército para a Garantia da Lei e da Ordem não exige “grave comprometimento da ordem pública”, sendo suficiente que o órgão de segurança pública esteja indisponível, seja inexistente ou insuficiente no desempenho regular de sua missão constitucional.
Antes do Presidente da República decretar a intervenção federal (art. 84, X, da CF), em tese, o Conselho da República deve pronunciar-se (art. 90, I, da CF) e o Conselho de Defesa Nacional deve opinar (art. 91, § 1º, II), enquanto que o emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem não exige manifestação do Conselho da República e de Defesa Nacional.
O Congresso Nacional possui competência exclusiva para aprovar a intervenção federal (art. 49, IV, da CF) e a Constituição Federal não poderá ser emendada na vigência da intervenção federal (limitação circunstancial prevista no art. 60, § 1º, da CF). O emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem não exige aprovação do Congresso Nacional e não impede que a Constituição Federal seja alterada.
O decreto de intervenção deve ser submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas, o que inexiste em relação ao decreto para a Garantia da Lei e da Ordem.
A intervenção federal para por termo a grave comprometimento da ordem pública pode ser decretada de ofício pelo Presidente da República, ainda que não haja manifestação do Governador, enquanto que o emprego das Forças Armadas em Operação para a Garantia da Lei e da Ordem depende de reconhecimento formal do Governador do esgotamento dos órgãos de segurança pública
Na intervenção federal há um maior grau de quebra da ordem pública, geralmente demonstrada pelo alto grau de criminalidade alinhada de perda do controle pelo estado ou desinteresse em combater o crime organizado.
Na intervenção federal há uma limitação da autonomia do estado, o que não ocorre em operação GLO.
O Exército já foi empregado por diversas vezes em Operações para a Garantia da Lei e da Ordem.
O Decreto de 28 de julho de 2017 dispôs no art. 1º que “Fica autorizado o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem, em apoio às ações do Plano Nacional de Segurança Pública, no Estado do Rio de Janeiro, no período de 28 de julho a 31 de dezembro de 2017.”, sendo o Exército utilizado na Rocinha.
O Decreto do Presidente da República de 17 de janeiro de 2017 autorizou o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no sistema penitenciário brasileiro com o fim de se detectar armas, aparelhos de telefonia móvel, drogas e outros materiais ilícitos ou proibidos e dispôs que o emprego dependeria, em respeito ao princípio federativo, de anuência do Governador do Estado ou do Distrito Federal, bem como que seria realizado em articulação com as forças de segurança pública competentes e com o apoio de agentes penitenciários do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e Cidadania (art. 2º, § 1º).
O Decreto de 08 de agosto de 2016 ampliou e sistematizou as determinações presidenciais de emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016.
Portanto, têm-se diversos exemplos de atuações do Exército para a garantia da Lei e da Ordem, o que deve ocorrer conforme previsão do art. 15 da Lei Complementar n. 97/99, com as alterações dadas pelas Leis Complementares n. 117/04 e n. 136/10.
O Decreto n. 9.2887, de 16 de fevereiro de 2018, por sua vez, decretou a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro com o objetivo de pôr termo a grave comprometimento da ordem pública, com validade até 31 de dezembro de 2018.
Dessa forma, os órgãos de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro (PM, CBM e PC) e o sistema penitenciário ficaram sob o controle operacional do interventor nomeado.[8]
A seguir, tabela elucidativa acerca das distinções entre o emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem e a decretação da intervenção federal.
Operação GLO
Intervenção federal
Fundamento legal
art. 15 da Lei Complementar n. 97/99
art. 34, III, da Constituição
Finalidade
Preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio
Pôr termo a grave comprometimento da ordem pública
Competência
Presidente da República
Presidente da República
Pressupostos
• Esgotamento dos instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal; • Anuência do Governador; • Não há necessidade de grave comprometimento da ordem pública.
• Desnecessidade de esgotamento dos instrumentos previstos no art. 144 da Constituição Federal; • Desnecessidade de anuência do Governador; • Grave comprometimento da ordem pública.
Formalidades
Basta um decreto do Presidente da República
Antes de decretar a intervenção federal deve ouvir o Conselho da República e Conselho de Defesa Nacional.
Controle pelo Congresso
O Congresso não aprova operação GLO
Necessidade de aprovação do Congresso Nacional
Possibilidade de se alterar a Constituição
É possível alterar a Constituição na vigência de operação GLO
Não é possível alterar a Constituição (limitação circunstancial)
Autonomia do Estado
Não há uma relativização da autonomia federativa
Há uma relativização temporária da autonomia federativa.
Exemplo:
Decreto de 17 de janeiro de 2017 que autorizou o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no sistema penitenciário brasileiro com o fim de se detectar armas, aparelhos de telefonia móvel, drogas e outros materiais ilícitos ou proibidos
Decreto n. 9.288, de 16 de fevereiro que decretou Intervenção Federal no Rio de Janeiro.
As Forças Armadas, no âmbito de atuação na segurança pública, possuem poder de polícia típico dos órgãos de segurança pública.
Nesse sentido, leciona Luiz Otávio de O. Amaral[9]:
Com efeito, tal poder, já no âmbito preventivo e até mesmo no repressivo as Forças Armadas sempre tiveram, até porque são nesse setor a polícia das polícias, a última polícia na garantia da ordem interna. Ora, as Forças Armadas quando empenhadas na segurança pública (substituta eventual da polícias tradicionais) possuem o mesmo poder de polícia que a PM. O problema não é de poder de polícia, mas sim de exercício, excepcional, das funções de autoridade policial para fins judiciais (ou seja, processualmente falando-se) que, em princípio, é competência das polícias civis (estaduais e Federal) consoante o nosso mais que ultrapassado Código de Processo Penal de 1942.
Assim, todas as atribuições operacionais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, poderão ser exercidos pelo Exército, como a realização de abordagens, prisões, realização de blitzen, bem como a prestação de socorro em casos de desastre.
Questão controversa diz respeito à possibilidade das Forças Armadas confeccionarem auto de prisão em flagrante e realizarem inquéritos policiais decorrentes de crimes comuns que são atribuições da Polícia Federal e da Polícia Civil.
A própria Constituição Federal assevera que cabe às Forças Armadas a garantia da lei e da ordem e que lei complementar disporá sobre o emprego das Forças Armadas.
A Lei Complementar n. 97/99 autoriza o emprego das Forças Armadas mediante a adoção de medidas preventivas e repressivas, quando os órgãos de segurança pública forem indisponíveis, insuficientes ou inexistentes.
O auto de prisão em flagrante e o inquérito policial são medidas de natureza repressiva, por serem posteriores ao crime e visarem reunir elementos probatórios sobre a autoria e materialidade, além das circunstâncias em que se deram os fatos.
Portanto, tem-se que em situações excepcionais, quando inexistir ou for impossível a atuação do órgão de polícia judiciária originariamente competente, poderá as Forças Armadas, em situação de emprego GLO, confeccionarem auto de prisão em flagrante e conduzirem inquéritos policiais.
Por fim, da mesma forma que a polícia militar e o corpo de bombeiros militar são forças reservas e auxiliares do Exército, esta Força Armada é força reserva e auxiliar da polícia militar e do corpo de bombeiros militar. Há uma via de mão dupla.
Enquanto que a previsão de ser força reserva e auxiliar dos órgãos de segurança pública militares possui dignidade constitucional, em se tratando do Exército, a previsão de ser força reserva e auxiliar das forças militares estaduais está expressamente contida em lei e implicitamente na Constituição.
Na Constituição quando menciona, genericamente, que o Exército é responsável pela garantia da lei e da ordem[10], podendo-se extrair que o conceito de “ordem” é mais amplo que o conceito de “ordem pública”, mas, de qualquer forma, este está contido naquele.
A previsão expressa em lei decorre do contido na Lei Complementar n. 97/99[11], ao mencionar que a “atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.” (art. 15, § 2º).
E ainda o disposto no art. 16, que menciona caber às Forças Armadas, como atribuição subsidiária geral, cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, na forma determinada pelo Presidente da República, bem como o previsto no art. 16-A que dispõe ser atribuição subsidiária das Forças Armadas ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores.[12]
Além das distinções entre as previsões legais, os pressupostos que autorizam a atuação de cada força reserva e auxiliar são distintos.
A convocação da Polícia Militar, total ou parcialmente, será efetuada nas seguintes situações (art. 1º do Decreto 88.540/83[13]):
a) Em caso de guerra externa (art. 137, II, da CF);
b) Para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção (art. 137, I, da CF).
São os casos de Estado de Sítio previstos no art. 137, incisos I e II, da Constituição Federal[14], que constituem um estado de legalidade extraordinário.
A seguir, tabela que demonstra as hipóteses de atuação da PM na defesa da Pátria e do Exército na segurança pública.
Polícia Militar
Exército
Fundamento legal
art. 1º do Decreto 88.540/83
art. 15 da Lei Complementar n. 97/99
Finalidade primária
Polícia Ostensiva e preservação da ordem pública
1) Defesa da Pátria; 2) Garantia dos poderes constitucionais e 3) Garantia da lei e da ordem.
Finalidade secundária
1) Defesa da Pátria; 2) Garantia dos poderes constitucionais e 3) Garantia da lei e da ordem.
Polícia Ostensiva e preservação da ordem pública
Competência
Presidente da República
Presidente da República
Pressupostos
• Guerra externa; • Para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção.
• Esgotamento dos instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal; • Anuência do Governador.
Formalidades
Decreto do Presidente da República
Decreto do Presidente da República
Portanto, as polícias militares e o corpo de bombeiros militares são forças reservas e auxiliares do Exército, por disposição expressa da Constituição Federal (art. 144, § 6º) e o Exército é força reserva e auxiliar das polícias militares e o corpo de bombeiros militares por disposição expressa da Lei Complementar 97/99 (arts. 15, § 2º, 16 e 16-A) e implícita da Constituição (art. 142).
Em situação de normalidade, cabe à Polícia Militar o exercício da polícia ostensiva e a preservação da ordem pública e ao Corpo de Bombeiros Militar a execução de atividades de defesa civil, além de outras atribuições definidas em lei. Em situações excepcionais o Exército poderá executar atividades relacionadas à polícia ostensiva e à preservação da ordem pública, bem como executar atividades de defesa civil.
Lado outro, cabe ao Exército a defesa da Pátria e em situações excepcionalíssimas[15], as polícias militares e corpos de bombeiros militares poderão ser convocados com o fim de se defender a Pátria amada, Brasil!
NOTAS
[1] Em ranking elaborado pela Global Firepower, o Brasil aparece como a 17ª maior potência militar do mundo. Disponível em: . Acesso em 18 dez. 18.
[2] Art. 142 (…) § 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.
[3] Art. 16. Cabe às Forças Armadas, como atribuição subsidiária geral, cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, na forma determinada pelo Presidente da República. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, integra as referidas ações de caráter geral a participação em campanhas institucionais de utilidade pública ou de interesse social. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)
[4] Distribuição de água pelo Exército nas regiões tomadas pela seca.
[5] Operação realizada pelo Exército que teve por objetivo evitar a entrada de gado suspeito em território nacional, em razão dos casos registrados de febre aftosa em países que fazem divisa com o Brasil.
[6] Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004.
[7] Em que pese ser obrigatório ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, neste caso, houve Decretação de intervenção federal sem a manifestação dos referidos conselhos, o que gerou discussões se o decreto seria inconstitucional.
[8] O art. 2º do Decreto nomeou o General de Exército Walter Souza Braga Netto.
[9] AMARAL, Luiz Otavio. Polícia, poder de polícia, Forças Armadas x Bandidos. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5458>. Acesso em: 20 dez. 2018.
[10] Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
[11] Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.
[12] O art. 16-A prescreve que cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de: I – patrulhamento; II – revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; III – prisões em flagrante delito. Parágrafo único. As Forças Armadas, ao zelar pela segurança pessoal das autoridades nacionais e estrangeiras em missões oficiais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, poderão exercer as ações previstas nos incisos II e III deste artigo. (Incluído pela Lei Complementar nº 136, de 2010).
[13] Regulamenta a convocação de Polícia Militar prevista no artigo 3º do Decreto-Lei n. 667, de 02 de julho de 1969.
[14] Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.