É perfeitamente possível que o particular, na condição de agente público de fato, pratique crime de abuso de autoridade, ainda que não atue em conjunto com um agente público de direito. Entenda como seria.
O particular é a pessoa que não exerce cargo ou função pública. A Lei de Abuso de Autoridade é destinada aos agentes públicos.
O art. 2º da Nova Lei de Abuso de Autoridade – Lei n. 13.869/19 – define os sujeitos ativos do crime de abuso de autoridade.
Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a:
I – servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;
II – membros do Poder Legislativo;
III – membros do Poder Executivo;
IV – membros do Poder Judiciário;
V – membros do Ministério Público;
VI – membros dos tribunais ou conselhos de contas.
Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo.
Nota-se a ausência de previsão do “particular” como autor do crime de abuso de autoridade, na medida em que não possui atribuições públicas.
O rol do art. 2º é meramente exemplificativo, como se nota quando o caput diz “compreendendo, mas não se limitando a”, além do parágrafo único conceituar agente público de forma a abranger todos que possuam qualquer vínculo com a função pública.
Em que pese o particular não constar na relação do art. 2º da Nova Lei de Abuso de Autoridade, pode praticar o crime de abuso de autoridade quando atua em conjunto com um agente público e, excepcionalmente, ainda que atue sozinho.
Caso atue com um agente público, o particular responderá por crime de abuso de autoridade em razão da comunicabilidade das elementares do crime, ainda que de caráter pessoal (art. 30 do Código Penal).
O art. 30 do Código Penal, que se encontra disposto na parte que trata do concurso de pessoas, diz que “não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.”
Isto é, as elementares do crime, sejam subjetivas ou objetivas, comunicam-se aos partícipes, desde que tenham conhecimento.
As elementares são os dados, elementos, componentes essenciais de uma figura típica, as quais em caso de ausência implicarão na atipicidade absoluta ou atipicidade relativa. Isto é, a conduta deixa de ser crime ou passa a ser outro crime.
A elementar será objetiva quando se referir a fatos (emprego de violência no roubo) e subjetiva quando se referir a pessoa (condição de funcionário público para a incidência do crime de peculato).
Como exemplo de elementares tem-se o art. 121 do Código Penal que prevê o crime de “matar alguém”. Nota-se que há duas elementares: matar e alguém. Retirando qualquer uma das elementares o fato se torna atípico (deixa de ser crime). O verbo “matar” sozinho não possui nenhuma relevância e sentido, e o substantivo “alguém” sozinho também não possui nenhuma relevância. Percebam que o verbo e o substantivo sozinhos são um “nada jurídico”. Portanto, são elementares, uma vez que retirados do tipo penal ocorre a atipicidade absoluta.
Outro exemplo consiste no crime de desacato previsto no art. 331 do Código Penal, cuja redação é a seguinte: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”. Retirando-se o termo “funcionário público”, tem-se a seguinte redação “Desacatar no exercício da função ou em razão dela”, o que consiste em desrespeitar uma pessoa, razão pela qual o crime passa a ser o de injúria (art. 140). Portanto, o termo “funcionário público” é uma elementar do tipo, já que a sua retirada leva à atipicidade relativa (deixa de ser desacato para ser injúria).
Cita-se, ainda, o exemplo da elementar “funcionário público” (elementar de caráter subjetivo) prevista no art. 312 do Código Penal.
Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Caso o funcionário público convide um particular para subtrair um carro da administração pública, valendo-se de sua facilidade em entrar na garagem do prédio público, e o particular tenha ciência de que quem o convidou é um funcionário público, o particular responderá pelo crime de peculato e não por furto, pois a condição de “funcionário público” é elementar do tipo e ainda que seja subjetiva, comunica-se ao coautor (art. 30 do Código Penal). O conhecimento do particular de que o coautor é funcionário público é necessário para que não haja responsabilidade penal objetiva.
Caso o particular não tivesse conhecimento da condição de “funcionário público”, responderia pelo crime de furto.
Em se tratando do crime de abuso de autoridade, o raciocínio é o mesmo.
Em que pese os crimes de abuso de autoridade não conterem expressamente a condição de autoridade para a sua prática, o art. 2º da Lei n. 13.869/19 é uma norma de extensão pessoal, necessária para que os agentes pratiquem os atos definidos como crime de abuso de autoridade, razão pela qual aplica-se o disposto no art. 30 do Código Penal.
A norma de extensão, também denominada adequação típica de subordinação mediata, ampliada ou por extensão, é necessária quando o fato praticado não se enquadra de imediato no tipo penal, sendo necessário que haja uma ponte, uma interligação entre a conduta humana e o tipo penal, como ocorre na tentativa (norma de extensão temporal) na participação (norma de extensão pessoal) e nos crimes omissivos impróprios (norma de extensão da tipicidade).
Nota-se que a norma de extensão é necessária para a caracterização do tipo penal, para que seja possível enquadrar a conduta ao tipo penal, razão pela qual se torna essencial para que haja a tipificação correta.
A título exemplificativo, somente é possível falar em concurso de pessoas em razão da norma de extensão prevista no art. 29 do Código Penal (Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade).
Com o disposto no art. 29 do Código Penal é possível enquadrar o partícipe do crime e não somente quem executou o ato criminoso, mas todos que de alguma forma concorreram para a prática do crime, como no caso do homicídio. Será responsabilizado criminalmente não só quem puxou o gatilho, mas também quem emprestou a arma para que o homicídio ocorresse. Sem o disposto no art. 29 do Código Penal, o agente que emprestou a arma ficaria impune.
O executor do crime não necessita da norma de extensão pessoal, pois enquadra-se diretamente no art. 121 do Código Penal. Noutro giro, os partícipes necessitam da norma de extensão pessoal (art. 29 do Código Penal).
Trata-se de uma norma de extensão pessoal, pois se refere aos sujeitos do crime.
A nova Lei de Abuso de Autoridade contém norma de extensão pessoal, disposta no art. 2º, ao tratar dos sujeitos do crime.
Assim, sempre que houver a prática do crime de abuso de autoridade, para que haja tipificação correta, além de apontar o crime praticado deve combinar com o art. 2º da Nova Lei de Abuso de Autoridade.
Nesse sentido, tem-se que o art. 2º é essencial ao tipo penal, razão pela qual aplica-se o raciocínio do art. 30 do Código Penal (comunicabilidade das elementares do crime) e, consequentemente, o particular que concorrer para a prática de abuso de autoridade, também praticará o crime de abuso de autoridade.
Tome como exemplo um particular, conhecido dos policiais, que adentre a uma residência, juntamente, com os policiais, sem que estivesse presente qualquer circunstância que autorizasse o ingresso na residência. Neste caso, o policial e o particular responderão por crime de abuso de autoridade previsto no art. 22 da Lei n. 13.869/19. O policial com fundamento no art. 22 c/c art. 2º e o particular com fundamento no art. 22 c/c art. 2º, ambos da Lei n. 13.869/19 c/c arts. 29 e 30 do Código Penal.
O particular também poderá praticar o crime de abuso de autoridade, ainda que atue isoladamente, isto é, sem a participação de uma autoridade, pois o próprio particular pode se tornar, em um dado momento, em agente público de fato.
A categoria de agentes públicos subdivide-se em dois grupos: a) agentes públicos de direito e b) agentes públicos de fatos.
Os agentes públicos de direito são aqueles que possuem vínculos formais e foram investidos, regularmente, nos cargos empregos e funções públicas, como os agentes políticos, servidores públicos e particulares em colaboração.[1]
Os agentes públicos de fato, conforme lições de Rafael Carvalho Rezende Oliveira, “são os particulares que não possuem vínculos jurídicos válidos com o Estado, mas desempenham funções públicas com a intenção de satisfazer o interesse público. São os particulares que exercem a função pública sem a investidura prévia e válida.”[2]
Rafael Carvalho Rezende Oliveira ensina ainda que os agentes públicos de fato dividem-se em duas categorias:
a) agentes de fato putativos: exercem a função pública em situação de normalidade e possuem a aparência de servidor público (ex.: agentes públicos que desempenham a função pública sem a aprovação em concurso público válido); e b) agentes de fato necessários: exercem a função pública em situações de calamidade ou de emergência (ex.: particulares que, espontaneamente, auxiliam vítimas em desastres naturais).
José dos Santos Carvalho Filho leciona que os agentes necessários “são aqueles que praticam atos e executam atividades em situações excepcionais, como, por exemplo, as de emergência, em colaboração com o Poder Público e como se fossem agentes de direito.”[3]
Nota-se, portanto, que o particular pode, por vontade própria, em uma situação concreta, colocar-se em uma condição que exercerá função pública, como a hipótese em que atua em um desastre ou que efetua a prisão em flagrante de uma pessoa, valendo-se da autorização contida no art. 301 do Código de Processo Penal (flagrante facultativo)[4].
Nesses casos, o particular será agente de fato necessário, razão pela qual passará a ser considerado sujeito ativo do crime de abuso de autoridade, caso pratique um dos crimes previstos na Lei de Abuso de Autoridade – Lei n. 13.869/19.
Isso porque o art. 2º, parágrafo único, da Lei 13.869/19 considera como sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, ainda que não seja servidor da administração pública, sendo suficiente que exerça, mesmo que transitoriamente e sem remuneração, qualquer função pública, onde se encaixa, perfeitamente, os agentes públicos de fato necessários (agentes necessários). O conceito é amplo e engloba qualquer hipótese de exercício de função pública, por qualquer pessoa.
Assim, na hipótese em que um particular em via pública visualize um agente que acabou de praticar um furto e decida prendê-lo (flagrante facultativo), momento em que passa a atuar como agente público de fato, ocasião em que não se identifica e constrange o preso, mediante violência ou grave ameaça, a exibir-se ao público presente, como forçá-lo que mostre o rosto às pessoas que estão assistindo a prisão, com o fim de humilhá-lo, praticará os crimes de abuso de autoridade previstos nos arts. 16 e 13, I, ambos da Nova Lei de Abuso de Autoridade.
Da mesma forma, um particular que atua em um desastre, como o rompimento de barragem em Brumadinho, durante a atuação será considerado agente público de fato e poderá praticar crime de abuso de autoridade, como a hipótese em que adentra a uma residência durante a atuação no local dos fatos, sem que houvesse qualquer justificativa ou autorização (art. 22), ou então exige informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal (art. 33), como obrigar que moradores na região doem alimentos e forneçam moradia para as vítimas do desastre que tenham ficado sem casa.
Não é possível que o particular, na condição de particular, pratique sozinho crime de abuso de autoridade. Assim, se o particular adentrar a uma residência, sozinho, sem qualquer justificativa ou autorização, praticará o crime de violação de domicílio (art. 150 do Código Penal).
No entanto, é perfeitamente possível que o particular, na condição de agente público de fato (agente necessário), pratique crime de abuso de autoridade, ainda que não atue em conjunto com um agente público de direito (servidor público, por exemplo), pois já reunirá, sozinho, a condição necessária para praticar abuso de autoridade, por enquadrar-se como sujeito ativo do crime de abuso de autoridade definido no art. 2º da Lei n. 13.869/19.
REFERÊNCIAS
[1] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Forense, 2017.
[2] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Forense, 2017.
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2018.
[4] Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
No dia 24 de setembro de 2019 o Congresso Nacional derrubou o veto ao artigo 43 da Nova Lei de Abuso de Autoridade que altera a Lei n. 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e da OAB – para passar a prever o crime de violação à prerrogativa de advogado, nos seguintes termos:
Art. 7º-B. Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II a V do caput do art. 7º:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
A imprensa e as redes sociais têm noticiado que violar prerrogativa de advogado passou a ser crime diante da criação do art. 7º-B do Estatuto da Advocacia e da OAB.
Ocorre que tal conduta (violar prerrogativas de advogados) já é crime e não passou a ser crime com a Nova Lei de Abuso de Autoridade, razão pela qual a Nova Lei de Abuso de Autoridade não criminaliza a violação às prerrogativas do advogado, pois já é criminalizado. Não há um crime novo, mas mera continuidade normativo-típica. Isto é, revoga-se um artigo de lei ou uma lei, mas mantém a conduta prevista na norma revogada como crime em outro artigo de lei ou lei.
Isso porque o art. 3º, “j”, da Lei n. 4.898/65 (atual Lei de Abuso de Autoridade até a entrada em vigor da Nova Lei, o que ocorrerá em 03 de janeiro de 2020) prevê que constitui abuso de autoridade qualquer atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
O art. 3º, “j”, da Lei n. 4.898/65 será revogado com a entrada em vigor da Nova Lei de Abuso de Autoridade, mas foi criado o art. 7º-B da Lei n. 8.906/94.
Na verdade o que houve foi uma restrição às condutas consideradas criminosas quando se trata de violação às prerrogativas dos advogados, pois o art. 3º, “j”, da atual Lei de Abuso de Autoridade considera criminosa qualquer violação aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional, o que abrange a violação a qualquer direito dos advogados previstos no art. 7º do Estatuto da Advocacia e da OAB, que supera vinte.
Com o advento da Nova Lei de Abuso de Autoridade somente a violação aos direitos dos advogados previstos nos incisos II, III, IV e V do art. 7º da Lei n. 8.906/94 é considerada crime.
Art. 7º São direitos do advogado:
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008)
III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;
IV – ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB;
V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar; (Vide ADIN 1.127-8)
A título de exemplo, a atual Lei de Abuso de Autoridade considera que pode ser crime a conduta do juiz consistente em não receber advogados, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, ao fundamentar que “A negativa infundada do juiz em receber advogado durante o expediente forense, quando este estiver atuando em defesa do interesse de seu cliente, configura ilegalidade e pode caracterizar abuso de autoridade.”
Isso porque o art. 7º, VIII, do Estatuto da Advocacia e OAB prevê como direito do advogado “dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada” e a atual Lei de Abuso de Autoridade prevê que a violação aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional é crime (art. 3º, “j”).
Diante da Nova Lei de Abuso de Autoridade, o fato do juiz deixar de receber advogados não poderá mais ser considerado crime de abuso de autoridade, pois essa prerrogativa do advogado está assegurada no inciso VIII do art. 7º da Lei n. 8.906/94 e a Nova Lei de Abuso de Autoridade prevê como crime violar os direitos previstos nos incisos II, III, IV e V do art. 7º da Lei n. 8.906/94.
Trata-se de somente um exemplo, dentre vários outros que poderiam aqui ser citados. Basta analisar todos os direitos e prerrogativas dos advogados para concluir que houve na verdade abolitio criminis, pois antes qualquer violação a direitos dos advogados no exercício da profissão poderia ser considerada crime, desde que presente, por óbvio, o elemento subjetivo do tipo (dolo específico). Agora, somente as condutas previstas na Nova Lei de Abuso de Autoridade são consideradas criminosas – e não mais qualquer violação aos direitos dos advogados no exercício da função.
Para a atual Lei de Abuso de Autoridade é suficiente que haja qualquer atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional para que o crime fosse consumado (crime de atentado), enquanto que para a Nova Lei de Abuso de Autoridade é necessário que a conduta reúna todos os elementos do tipo penal para que haja a consumação. Ou seja, antes havia um rigor maior, pois o crime de abuso de autoridade sempre seria consumado e para a nova lei o crime pode ser tentado ou consumado e no crime tentado a pena pode ser reduzida de um a dois terços.
De qualquer forma, as penas da Nova Lei de Abuso de Autoridade são mais rigorosas, pois o crime de violação às prerrogativas dos advogados prevê como pena a detenção de 03 (três) meses a 01 (um) ano, enquanto que a atual Lei de Abuso de Autoridade prevê pena de detenção de 10 (dez) dias a 06 (seis) meses. Todavia, para ambos os casos é possível a concessão dos benefícios da Lei n. 9.099/95, razão pela qual, na prática, os efeitos poderão ser os mesmos.
O artigo tem por objetivo analisar de forma fundamentada a impossibilidade de juízes de primeira instância condenarem Oficiais de Instituições Militares à perda do posto e da patente.
A Constituição Federal assegura no art. 142, § 3º, VI e VII, que o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar e que em caso de condenação na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido a julgamento que avaliará se o oficial possui dignidade e compatibilidade para permanecer no oficialato.
Art. 142. (…)
§ 3º. Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
VI – o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).
VII – o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior;(Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 19982).
Nota-se a clareza do Texto Constitucional ao mencionar “só” e ao determinar o julgamento da perda do posto e da patente à condenação na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado.
Isto é, o Oficial de Instituição Militar SOMENTE estará sujeito a perder o posto e a patente por julgamento de tribunal militar nas condenações criminais cuja pena privativa de liberdade seja superior a dois anos e após a sentença transitar em julgado.
A Constituição não contém palavras inúteis e ao utilizar o advérbio “só” foi muito clara ao condicionar a perda do posto e da patente ao julgamento da indignidade ou incompatibilidade para o oficialato.
A dicotomia entre justiça comum e militar contida no inciso VII, do § 3º, do art. 142 da Constituição permite afirmar que a expressão justiça comum contém, além da justiça comum propriamente dita (justiça estadual e federal), a justiça eleitoral, uma vez que a Constituição não criou uma imunidade para que um oficial fosse condenado a qualquer pena na justiça eleitoral sem risco de perder o posto e a patente, devendo-se aplicar o mesmo raciocínio quando a Constituição trata da matéria de competência para processar e julgar autoridades que possuam foro por prerrogativa de função ao mencionar “crimes comuns”, o que abrange inclusive os crimes eleitorais.[1]
O termo “justiça comum” está empregado em sentido amplo e o inciso VII, do § 3º, do art. 142 da Constituição Federal deve ser interpretado de modo que tudo aquilo que não for matéria criminal de competência da justiça militar, encaixa-se no conceito de justiça comum.
Não se deve interpretar que ao não mencionar a justiça eleitoral é porque a Constituição permitiu que os oficiais perdessem o posto e a patente nas condenações por crimes eleitorais, ainda que a pena fosse inferior a dois anos, pois contraria claramente a finalidade do Texto Constitucional, ao condicionar o julgamento a pena privativa superior a dois anos, ainda que se trate de condenação na justiça militar, que, via de regra, julga graves ofensas à hierarquia e disciplina. Seria de todo incongruente permitir a perda do posto e da patente por crime eleitoral, cuja pena fosse inferior a dois anos, que é menos grave que as condenações por crimes militares com penas superiores a dois anos. Haveria grave afronta à proporcionalidade.
Em que pese a previsão acima referir-se aos membros das Forças Armadas, o art. 42, § 1º, da Constituição Federal prevê que se aplica o art. 142, § 3º, aos militares dos Estados.
O art. 125, § 4º, da Constituição Federal trata do julgamento de crimes militares e assegura que cabe ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
Assim, as praças somente perderão a graduação, nos crimes militares, por julgamento do tribunal competente – e não pela primeira instância -, que será o tribunal de justiça militar onde houver (Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul) e o tribunal de justiça comum nos demais estados.
Em se tratando de oficiais, ainda que o julgamento seja proferido pela justiça comum, a competência para processar e julgar a perda do posto e da patente será do tribunal de justiça militar onde houver (MG, SP e RS) e do tribunal de justiça comum nos demais estados.
É importante consignar os conceitos de cargo público militar, posto e patente.
Cargo público militar é o conjunto de atribuições, deveres e responsabilidades, definidas por lei ou regulamento e cometido, em caráter permanente, a um militar.[2]
Posto é o grau hierárquico dos oficiais, conferido pelo Presidente da República ou Ministro da Defesa, em se tratando das Forças Armadas e pelo Governador do Estado, quando for oficial de Instituição Militar Estadual.[3]
A patente é o instrumento jurídico, materializado em um documento, que contém as prerrogativas, direitos e deveres daquele que a recebe, que é o oficial de Instituição Militar.
Por ser materializada por intermédio de um documento destinado ao militar que possui posto, recebe o nome de Carta Patente.
A Carta Patente confirma o posto e é o documento comprobatório de que aquele que a possui detém posto.
A hierarquia militar é a ordenação em postos e graduações dentro da estrutura das Instituições Militares.
Graduação é o grau hierárquico das praças.
Os cargos militares são providos com pessoal que satisfaça aos requisitos de grau hierárquico e de qualificação exigidos para o seu desempenho.[4]
Nota-se que todo cargo militar deve ser ocupado por militar que satisfaça o grau hierárquico compatível com a função, ou seja, a todo cargo corresponde um posto ou graduação.
O cargo de comandante de um Batalhão, certamente, será exercido por um oficial no posto de Tenente Coronel, enquanto que o cargo de um patrulheiro de viatura, certamente, será exercido por um Soldado ou Cabo, enquanto que o Comandante da Viatura, certamente, será um Sargento. Tudo dependerá de normas próprias que regem a carreira militar.
A relação entre cargo, oficial e posto é intrínseca. Não é possível que haja um cargo ocupado por um oficial sem posto. É como se fosse um corpo sem alma. O posto está para o oficial, assim como o crime está para o Direito Penal.
Não é possível que um oficial perca o posto, mas mantenha a patente ou que perca a patente, mas mantenha o posto. A perda de um implica, necessariamente, na perda do outro. Isso porque a Carta Patente é o documento que confirma o posto, logo, se ocorre a perda deste, a consequência lógica e indissociável é a perda daquele, devendo a Carta Patente ser recolhida, pois passará a ser desprovida de valor jurídico.
A condenação de um oficial à perda do posto e da patente implica na perda do cargo, pois perde a condição de oficial que é necessária para o exercício de cargo militar para o qual prestou concurso público.
Não é possível que um oficial condenado à perda do posto e da patente passe a exercer cargo civil na Instituição Militar, pois haveria burla à regra constitucional do concurso público (art. 37, II).
A condenação à perda do posto e da patente implica em um único resultado: exclusão do Quadro de Oficiais da Instituição Militar a que pertencer (demissão), de forma que o condenado volte a ser civil, sequer passará para a reserva não remunerada.
Diante da clareza do Texto Constitucional, é possível afirmar que são necessários os seguintes requisitos para que um oficial seja condenado à perda do posto e da patente:
a) julgamento pelo Tribunal de Justiça Militar nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul e nos tribunais de justiça comum nos demais estados;
b) condenação a pena privativa de liberdade na justiça comum ou militar;
c) a pena privativa de liberdade deve ser superior a dois anos;
d) ocorrência do trânsito em julgado.
Preenchidos os requisitos mencionados nos itens “b”, “c” e “d”, o julgamento perante o tribunal competente se torna obrigatório (art. 142, § 3º, VII, parte final).
Como regra, cabe ao Ministério Público representar pela declaração da indignidade/incompatibilidade para o oficialato.
É importante notar que a Constituição obriga a ocorrência do processo de indignidade/incompatibilidade para o oficialato quando a condenação a pena privativa de liberdade for superior a dois anos, mas não impede expressamente a perda do posto e da patente quando a pena for igual ou inferior a dois anos. Assim, é possível afirmar que quando a pena for igual ou inferior a dois anos o processo de indignidade/incompatibilidade para o oficialato deixa de ser obrigatório e passa a ser uma faculdade?
O Regimento Interno do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais prevê em seu artigo 204 que “O processo para declaração da indignidade/incompatibilidade para o oficialato e o de perda da graduação terão início com representação do Ministério Público, após condenação criminal a pena privativa de liberdade superior a dois anos.”
Da mesma forma, o art. 120, I, da Lei n. 6.880/80, que é aplicado pelo Superior Tribunal Militar, prevê que ficará sujeito à declaração de indignidade para o oficialato, ou de incompatibilidade com o mesmo, o oficial que for condenado, por tribunal civil ou militar, em sentença transitada em julgado, à pena restritiva de liberdade individual superior a 2 (dois) anos.
O Código Penal Militar prevê no art. 99 que a “perda de posto e patente resulta da condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, e importa a perda das condecorações.”
Nota-se que a interpretação dada é que o julgamento que pode resultar na perda do posto e da patente está condicionado a uma pena superior a dois anos e não se trata de uma faculdade quando a pena for igual ou inferior a dois anos. Ou seja, não é cabível a instauração de processo para declaração da indignidade/incompatibilidade para o oficialato quando a condenação a pena privativa de liberdade não for superior a dois anos.
Em que pese a claridade da Constituição, antes do advento da Lei n. 13.491/17 que deslocou os crimes praticados por militares em serviço, ainda que previstos fora da Código Penal Militar, para a Justiça Militar, era comum a condenação por juízes de primeira instância da perda do posto e da patente dos oficiais que fossem condenados pelo crime de tortura, posicionamento este que era adotado, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal.[5]
As sentenças condenatórias e o Supremo Tribunal Federal não chegaram a enfrentar com a profundidade necessária o art. 142, § 3º, VI e VII, da Constituição Federal, limitando-se a dizer que por não se tratar de crime militar a competência seria da justiça comum.
Ocorre que o art. 142, § 3, VII, da Constituição, é expresso ao dizer que nos julgamentos perante a justiça comum (que era o caso da tortura) caberá ao tribunal militar – onde houver (MG, SP e RS) – julgar a perda do posto e da patente.
Assim, inúmeros casos nesses estados foram julgados ao arrepio da Constituição Federal e oficiais perderam o posto.
Atualmente, é mais difícil que ocorram essas condenações à perda do posto e da patente, na medida em que os crimes praticados por militares em serviço se tornaram crime militares, com o advento da Lei n. 13.491/17, ainda que não estejam previstos no Código Penal Militar, sendo a hipótese de tortura a mais comum.
No entanto, oficiais podem ser julgados perante a justiça comum por crimes que tenham praticado fora do horário de serviço, como a hipótese de um crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal).
Nesse caso o juiz, ao condenar, ainda que o fato seja deplorável e merecedor de severa sanção, inclusive com a perda do cargo deverá remeter os autos ao Ministério Público para que proponha a representação para a declaração de indignidade/incompatibilidade para o Oficialato.
A forma técnica seria constar um comando na sentença da seguinte forma: “Com o trânsito em julgado, remeta-se cópia dos autos ao Ministério Público para fins do disposto no art. 142, § 3º, VI e VII, da Constituição Federal.” ou “Com o trânsito em julgado, remeta-se cópia dos autos ao Ministério Público para fins de propositura de representação do réu para a declaração de indignidade/incompatibilidade para o Oficialato perante o tribunal competente”.
A Lei n. 9.455/97 prevê no art. 1º, § 5º, que a “condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.”
Discute-se na doutrina se se trata de um efeito automático da sentença penal condenatória, sendo prevalente que sim.
Ocorre que deve ser feita uma leitura constitucional (interpretação conforme a Constituição) desse dispositivo quando o réu for oficial de instituição militar, uma vez que a Constituição não excepciona a hipótese de tortura ao mencionar em que situação o oficial poderá perder o cargo.
Não é possível que nenhuma lei disponha que a perda do cargo para oficiais será de forma automática, sob pena de incidir em inconstitucionalidade.
A recente Lei de Abuso de Autoridade – Lei n. 13.869, de 05 de setembro de 2019 – condicionou a perda do cargo como efeito da condenação à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade (reincidência específica), além de deixar expresso que o efeito não é automático e que o juiz deve declarar os motivos na sentença (art. 4º, parágrafo único).
Ocorre que em se tratando de oficial de Instituição Militar o juiz não pode decretar a perda do cargo em razão do crime de abuso de autoridade, pois compete ao tribunal competente decidir a respeito e a segunda condenação por abuso de autoridade deve possuir pena superior a dois anos.
Caso o juiz na sentença seja omisso quanto à perda do cargo, o tribunal competente poderá analisar o processo de indignidade/incompatibilidade para o oficialato, pois na omissão tem-se que a perda do cargo não foi decidida, o que autoriza que o oficial seja submetido a julgamento perante o tribunal competente, nos termos do art. 142, § 3º, VI e VII da Constituição Federal.
Noutro giro, caso o juiz fundamente e conste expressamente que o oficial não perderá o cargo público, ainda que seja absolutamente incompetente para decidir a respeito e não haja recurso da acusação, o tribunal competente não deverá submeter o oficial a processo de indignidade/incompatibilidade para o oficialato, na medida em que ocorrerá a formação de coisa julgada e não se admite no direito penal a revisão criminal pro societate. Aplica-se o mesmo raciocínio de uma sentença absolutória proferida por juiz absolutamente incompetente. Ocorrendo o trânsito em julgado, não poderá mais ser rescindida.[6]
Não compete ao tribunal do júri decidir acerca da perda do posto e da patente dos oficiais, pois não é o tribunal a que a Constituição Federal se refere, pois menciona ser competência do tribunal militar (art. 142, § 3º, VI) e do tribunal competente, logo após ressalvar a competência do júri para processar e julgar militares nos crimes dolosos contra a vida (art. 125, § 4º).
Além do mais, na série de quesitos constante no art. 483 do Código de Processo Penal não há previsão para que haja quesitação sobre a perda do cargo por servidor público ou militar.
Portanto, eventual quesitação que trate sobre a perda do posto e da patente – ou da graduação – não possui previsão legal, além de afrontar expressamente a Constituição Federal.
No que tange à possibilidade de execução provisória da pena quando houver acórdão penal condenatório proferido por tribunal de segunda instância, o Supremo Tribunal Federal[7] decidiu ser possível a prisão do réu após o esgotamento dos recursos em segunda instância.
A execução provisória da pena atinge a perda do posto e da patente? Isto é, pode haver decretação da perda do posto e da patente sem que haja uma sentença condenatória penal irrecorrível, mas desde que haja decisão de segunda instância que confirme ou condene o oficial?
A sentença penal condenatória possui efeitos secundários (reincidência e suas diversas consequências, revogação de benefícios) e extrapenais (indenização dos danos causados, perda do cargo).
A perda do cargo, como regra, é um efeito extrapenal secundário e genérico, pois exige que seja expressamente motivada na sentença, salvo nos crimes de tortura, em que assume a natureza de efeito extrapenal secundário e específico, por ser um efeito automático da condenação.
Ocorre que para ser um efeito extrapenal (perda do cargo) deve decorrer de aplicação do art. 92, I, do Código Penal, o que não ocorre em se tratando de oficiais, cuja perda do cargo (perda do posto e da patente) encontra previsão constitucional (art. 142, § 3º, VI) e no Código Penal Militar como pena acessória (art. 98, I).
Como a perda do posto e da patente exige um procedimento específico (processo para declaração da indignidade/incompatibilidade para o oficialato) não há que se falar em efeito extrapenal de perda do cargo para os oficiais das Instituições Militares.
Ainda que não fosse este o entendimento, em que pese as divergências, no HC n. 126.292/SP, o Ministro Roberto Barroso consignou que “(…) parece claro, o princípio da presunção de inocência e a inexistência de trânsito em julgado não obstam a prisão. Muito pelo contrário, no sistema processual penal brasileiro, a prisão pode ser justificada mesmo na fase pré-processual, contra meros investigados, ou na fase processual, ainda quando pesar contra o acusado somente indícios de autoria, sem qualquer declaração de culpa. E isso não esvazia a presunção de não culpabilidade: há diversos outros efeitos da condenação criminal que só podem ser produzidos com o trânsito em julgado, como os efeitos extrapenais (indenização do dano causado pelo crime, perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, etc.) e os efeitos penais secundários (reincidência, aumento do prazo da prescrição na hipótese de prática de novo crime, etc.). Assim sendo, e por decorrência lógica, do mesmo inciso LXI do artigo 5º deve-se extrair a possibilidade de prisão resultante de acórdão condenatório prolatado pelo Tribunal competente.”
Portanto, não há que se aplicar a perda do cargo a oficiais de Instituições Militares em razão de decisão confirmatória ou condenatória em segunda instância.
A conversão da pena privativa de liberdade superior a dois anos em pena restritiva de direito, nos termos do art. 44 do Código Penal, não impede que o oficial seja submetido a julgamento para a perda do posto e da patente, uma vez que a Constituição Federal exige que a pena seja superior a dois anos e a conversão em pena restritiva de direito é decorrência de condenação a pena privativa de liberdade com pena não superior a quatro anos se o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo
Logo, ainda que haja a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito, é perfeitamente possível submeter o oficial ao julgamento para a perda do posto e da patente quando a exigência de condenação superior a dois anos tiver sido satisfeita. Quando houver descumprimento da pena restritiva de direito a pena privativa de liberdade é restabelecida.
Como a Constituição Federal trata da submissão do oficial ao julgamento por tribunal de justiça – militar, onde houver – nos casos de condenação a pena privativa de liberdade, não há óbices para que o oficial seja condenado à perda da função pública nas condenações por ato de improbidade administrativa (art. 12 da Lei n. 8.429/92).
A perda da função pública implica, necessariamente, na perda do posto e da patente?
O posto e a patente são concedidos ao oficial para que exerça seus deveres, atribuições e responsabilidades em um cargo público militar.
Matheus Carvalho[8] ensina que “Todo cargo público é criado mediante a edição de lei, fazendo parte da estrutura de um órgão público e, necessariamente, lhe será atribuída uma função. Não existe cargo sem função, não obstante exista função sem cargo.”
A função é a atividade em si mesmo, corresponde à atribuição e às tarefas que são de responsabilidade do agente que ocupa um cargo público.
Assim, se um oficial é condenado à perda da função pública, não poderá mais exercer os deveres, atribuições e responsabilidades inerentes ao oficialato. A Carta Patente se esvazia e, consequentemente, torna-se um instrumento sem validade jurídica, o que implica na perda da razão de ser do posto e da patente. Manter o posto e a patente quando se decreta a perda da função pública seria como manter o Direito Penal e abolir todos os crimes. Não há sentido algum.
Ocorre que o inciso VI, do § 3º, do art. 142 da Constituição Federal é claro ao afirmar que o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente.
O inciso VII, do § 3º, do art. 142 da Constituição Federal ao mencionar que o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento acima referenciado não excluiu a hipótese de que a perda do posto e da patente do oficial seja julgada também pelo tribunal quando for condenado em ação cível (improbidade administrativa), tanto é que é em razão do disposto no art. 142, § 3º, VI, da Constituição Federal que as instituições militares não excluem os oficiais por decisão do próprio comando e remetem o processo disciplinar para o tribunal competente[9].
Dessa forma, é possível concluir que o julgamento do posto e da patente dos oficiais por tribunal competente será sempre obrigatória quando houver condenação criminal, com trânsito em julgado, a pena privativa de liberdade superior a dois anos e facultativa nas hipóteses de condenações por improbidade administrativa e em processos disciplinares.
Natureza dacondenação
Julgamento do posto e da patente perante o tribunalcompetente
Fundamento
Criminal
Obrigatório, sempre que a condenação for superior a dois anos.
Art. 142, § 3, VII, da CF.
Cível
Somente se o juiz quiser aplicar a sanção de perda do posto e da patente como consequência da perda da função pública.
Depende da punição aplicada na sentença de improbidade administrativa, nos termos do art. 12 da Lei n. 8.429/92.
Administrativa
Somente se a Administração quiser aplicar a sanção de demissão.
Discricionariedade da Administração, a depender da punição a ser aplicada.
Como a perda da função pública em ação de improbidade administrativa implica em perda do próprio posto e da patente, é necessário que o oficial condenado à perda da função pública por improbidade administrativa seja submetido a julgamento perante o tribunal competente.
Isto é, fato do juiz condenar um oficial à perda da função pública em uma ação de improbidade administrativa não implica, automaticamente, na perda do posto e da patente, pois somente o tribunal competente possui competência para tanto e perder a função pública, sem perder o posto e a patente implica em completo esvaziamento do posto e da patente, o que seria, por vias transversas, condenar à perda do posto e da patente.
Nota-se, mais uma vez, que o inciso VI, do § 3º, do art. 142 da Constituição Federal é claro ao afirmar que o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, sem condicionar que este julgamento esteja restrito a crimes, o que abrange as ações cíveis e processos disciplinares.
Diante de todo o exposto, é possível falar que os oficiais de Instituições Militares possuem vitaliciedade?
A vitaliciedade é uma estabilidade qualificada a determinados agentes públicos, em razão da natureza do cargo e grau de responsabilidade das funções que exerce, sendo necessário que possua uma maior segurança para o exercício da função, não sendo possível perder o cargo em razão de processo administrativo disciplinar. Isto é, via de regra, exige-se sentença judicial transitada em julgado.
Como exemplo tem-se os cargos de magistrados, membros do Ministério Público, Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas.
Em que pese a vitaliciedade do oficial de Instituição Militar não ser devidamente tratada nos livros de Direito Constitucional e de Direito Administrativo, os oficiais também possuem vitaliciedade.
Conforme exposto à exaustação, o oficial só perderá o posto e a patente por decisão do tribunal competente, o que constitui a vitaliciedade, uma vez que a própria Instituição Militar não poderá decretar a perda do cargo.
Percebe-se que a Constituição prevê, claramente, que o oficial só perderá o posto por decisão judicial, o que constitui a sua vitaliciedade, eis que não pode perder a função pública pelas vias administrativas.
Quanto aos juízes e promotores, a vitaliciedade encontra-se prevista no art. 95, I e art. 128, § 5º, I, ambos da Constituição Federal.[10]
“quanto aos oficiais, a Constituição da República estendeu a eles (art. 42, § 1º) a disciplina contida no art. 142, § 3º, VI e VII, relativa aos membros das Forças Armadas. Assim, os oficiais estaduais possuem também a garantia da vitaliciedade, pois só podem perder o posto e a patente mediante decisão judicial.”
Robinson Fernandes[12] menciona Diógenes Gasparini que defende que:
“os oficiais são vitalícios, ao perderem o posto e a patente apenas por decisão de tribunal militar permanente em tempo de paz ou tribunal especial em tempo de guerra, redação que muito se assemelha do disposto para os magistrados, membros dos ministérios públicos e dos tribunais de contas, quanto à exigência de participação de um tribunal não obstante difiram no aspecto sentença e decisão” (grifo nosso).
No Processo de Indignidade com o Oficialato nº 005/2000, do TJMSP, cujo relator foi o Juiz Cel PM Lourival Costa Ramos, consta que: “prosseguindo, na sistemática da Lei Maior, cabe ao Chefe do Executivo conceder a patente e o posto dos Oficiais (art.. 142, § 3º, I), dispondo ela duas únicas formas de ser cassada aquela prerrogativa dos militares, quando por, exclusiva decisão judicial (art. 142, § 3º, incisos VI e VII), caracterizando isso, a vitaliciedade do cargo dos Oficiais das Instituições Militares (…)”
Em sentido contrário Robinson Fernandes[13] cita Alexandre de Moraes que defende que:
“Os oficiais militares não gozam da vitaliciedade por ausência de expressa previsão constitucional já que a única similitude quanto aos ditames constitucionais para os verdadeiramente vitalícios seria a palavra ‘tribunal’. Para os oficiais militares se requer mera decisão enquanto para os verdadeiramente vitalícios, sentença judicial transitada em julgado. Ademais, por se tratar de decisão administrativa, remanesce a estabilidade de que gozam todos os demais servidores.”
E prossegue:
“Em que pese argumentos em sentido favorável quanto à vitaliciedade dos oficiais militares, não nos parece apenas uma questão de semelhança da redação textual a nível constitucional. Preliminarmente, o constituinte originário não previu a vitaliciedade de forma expressa aos oficiais militares, como fez com os magistrados, membros do ministério público e dos tribunais de contas, o que por si só já bastaria para acreditarmos não ser este o espírito do legislador e a vontade constitucional.
Preliminarmente, o constituinte originário não previu a vitaliciedade de forma expressa aos oficiais militares, como fez com os magistrados, membros do ministério público e dos tribunais de contas, o que por si só já bastaria para acreditarmos não ser este o espírito do legislador e a vontade constitucional.
Malgrado a mera semelhança quanto à exigência de participação dos tribunais para a demissão do cargo, tal proceder não iguala os oficiais militares aos vitalícios, até porque neste caso, exige-se sentença transitada em julgado, isto é, processo de natureza jurisdicional terminado donde não caiba mais recurso, e para aqueles, mera decisão do tribunal.
De sorte, a decisão do tribunal que decretar a perda da patente não suporta recurso extraordinário nos termos da lei, justamente por não se tratar de decisão jurisdicional a despeito de emanar de órgão judicial, caracterizando decisão administrativa mutatis mutandis caracterizam as decisões demissórias em processo administrativo disciplinar, emanando do órgão judicial verdadeiro ato administrativo no exercício de função atípica daquele Poder.
Deveras, tirante a interpretação constitucional literal, que per si já afasta a vitaliciedade dos oficiais militares, ainda sob a exegese constitucional sistemática, depreende-se, analisando os dispositivos da Carta Magna num conjunto, que o oficialato não goza da vitaliciedade.
Com efeito, o constituinte originário estabeleceu apenas a previsão da perda da patente dos oficiais militares por tribunal militar, designando o órgão donde emanará a decisão.
Ademais, todos os agentes públicos que gozam da vitaliciedade como predicamento constitucional, também receberam outras garantias do Poder Constituinte para o exercício do respectivo mister, tais como a inamovibilidade, a autonomia funcional, o que os oficiais certamente não possuem.
Destarte, em que pese entendimentos em sentido contrário, tanto pelo viés da interpretação literal quanto pela interpretação sistemática da Constituição Federal, haja vista a natureza meramente administrativa da decisão do tribunal militar que decretar a perda da patente, podemos concluir que os oficiais militares gozam apenas da estabilidade no serviço público.”
Não é porque a Constituição deixou de mencionar a palavra “vitaliciedade” aos oficiais que estes não a possuem. Trata-se de uma técnica de redação legislativa diversa da que utilizou para os demais casos.
A vitaliciedade dos oficiais deve ser analisada cum grano salis, haja vista que é uma vitaliciedade sui generis.
Ao mesmo tempo em que a vitaliciedade dos oficias é mais “forte” que a dos membros do Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas, ela é mais fraca. Passamos a explicar.
O oficial somente perderá o posto e a patente se for julgado indigno ou incompatível com o oficialato por tribunal militar – onde houver (art. 142, § 3º, VI, CF).
Para ser submetido a julgamento pelo tribunal competente, em caso de crimes comuns ou militares, a pena privativa de liberdade deve ser superior a 02 anos (art. 142, § 3º, VII, CF).
Nota-se que a pena privativa de liberdade superior a dois anos é requisito imprescindível para que os oficiais sejam submetidos ao julgamento da perda do posto e da patente.
Em relação aos membros do Judiciário e do Ministério Público a Constituição não exige que para a perda do cargo a condenação à pena privativa de liberdade seja superior a dois anos.
A Lei 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) dispõe que o membro vitalício do Ministério Público somente perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado, proferida em ação civil própria, em relação à prática de crimes incompatíveis o exercício do cargo, após decisão judicial transitada em julgado (art. 38, § 1º, I).
A Lei Complementar 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) dispõe que o magistrado vitalício somente perderá o cargo em ação penal por crime comum ou de responsabilidade (art. 26, I).
Nota-se que a garantia de ser submetido a processo para perda do cargo decorrente de condenações judiciais superiores a dois anos é exclusiva dos oficiais das Instituições Militares.
Assim, quanto à perda do cargo dos oficiais, que tenham como fato gerador condenações criminais, a pena deverá ser, obrigatoriamente, privativa de liberdade superior a dois anos.
Em relação aos juízes e promotores, a pena poderá ser inferior a dois anos, pois a Constituição somente exige que a sentença judicial tenha transitado em julgado, e as leis que versam sobre a perda do cargo dos juízes e promotores definem que o crime deve ser incompatível com a função ou decorrente de ação penal, sem especificar o quantum da pena, o que atrai a regra geral prevista no art. 92, I, “a” e “b”, do Código Penal. Ou seja, pode-se impingir a pena de perda do cargo quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública ou quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
Logo, no aspecto que tem a perda da função como fato gerador “condenação criminal”, a vitaliciedade dos oficiais é mais forte.
Noutro giro, em relação a perda da função que tenha como fato gerador procedimento administrativo disciplinar, a vitaliciedade é mais fraca.
O oficial poderá perder o cargo em decorrência da prática de diversas transgressões disciplinares elencadas em Regulamento Disciplinar próprio, ou, caso cometa ato que cause grave escândalo à sua própria imagem ou da Corporação, por exemplo. Percebe-se que o rol de hipóteses que o oficial poderá perder o cargo é amplo.
Os juízes e promotores vitalícios não podem perder o cargo por iniciativa da própria instituição, isto é, por decisão administrativa, sendo a sanção máxima a aposentadoria compulsória. Somente por decisão judicial transitada em julgado é que juízes e promotores vitalícios podem perder o cargo.
Verifica-se que os oficiais podem perder o cargo por infração administrativa – desde que a decisão final seja do tribunal competente -, enquanto que juízes e promotores vitalícios têm como sanção máxima a aposentadoria compulsória.
Por isso, afirmamos que, neste aspecto, a vitaliciedade dos oficiais é mais fraca.
Importante mencionar que os Ministros do STF possuem um abrandamento em suas vitaliciedades, uma vez que poderão perder o cargo em decorrência de julgamentos perante o Senado Federal, nos termos do art. 52, II, CF, caso pratiquem crimes de responsabilidade (infrações político-administrativas). Ou seja, podem perder o cargo em decorrência de decisão diversa da judicial, e nem por isso deixa de ser vitalício, uma vez que a própria Constituição excepciona o julgamento nesses casos.
Nessa lógica, o argumento de que o fato de não se exigir trânsito em julgado para a perda do posto e da patente dos oficiai afasta a sua vitaliciedade não merece prosperar, pois a própria Constituição dá tratamento distinto em casos de vitaliciedade, como o fez para os Ministros da Suprema Corte.
A Súmula 673 do STF preceitua que “O art. 125, § 4º, da CF/88, não impede a perda da graduação de militar mediante procedimento administrativo” refere-se, como diz o próprio texto, à perda da graduação e a Constituição distingue posto de graduação em diversas passagens, razão pela qual referida súmula não se aplica aos oficiais.
Das decisões da perda do posto e da patente não cabem recursos para os tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça), uma vez que o acórdão prolatado no julgamento de representação para exclusão da carreira de militar, mesmo se tramitar em órgão dotado de competência jurisdicional, decorre do exercício de competência administrativa militar, o que afasta o cabimento de recurso extraordinário e especial.[14]
A finalidade da Constituição, ao condicionar a perda do posto e da patente ao julgamento do tribunal competente, foi conceder um julgamento justo aos oficiais de Instituições Militares, dada as peculiaridades da caserna, da vida militar e das responsabilidades dos oficiais enquanto comandantes, o que os distinguem, em muito, da vida civil.
Deve-se analisar todo o histórico de vida pessoal e profissional do militar, de forma que, às vezes, um ato isolado sem maior gravidade não acarrete em perda do posto e da patente.
Ao condicionar o julgamento por um tribunal militar tem por finalidade permitir que juízes que possuam toda uma experiência da caserna possa analisar melhor os fatos e se o oficial é digno de permanecer na instituição, em uma ponderação de valores e análise de todo o histórico do oficial e da gravidade do fato praticado. Na impossibilidade do oficial ser julgado por tribunal militar, deve ser julgado por tribunal de justiça comum, cujos julgadores, por serem de segunda instância, possuem toda uma experiência de vida, o que pode permitir a realização de um julgamento mais equilibrado, somado ao fato de haver maior segurança jurídica na aplicação da perda do posto e da patente, por se tratar de decisão colegiada por tribunal.
Ante todo o exposto é possível concluir que:
a) juízes não podem condenar oficiais à perda do posto e da patente em sentenças condenatórias criminais ou por improbidade administrativa;
b) somente o tribunal de justiça militar onde houver (MG, SP e RS) e o de justiça comum podem condenar oficiais à perda do posto e da patente mediante a instauração de um processo para declaração da indignidade/incompatibilidade para o oficialato, não sendo devida a condenação no bojo do processo judicial, uma vez que o processo de indignidade/incompatibilidade possui rito próprio e peculiaridades diversas do processo judicial;
c) caso um oficial seja condenado a uma pena privativa de liberdade superior a dois anos, deve ser submetido ao processo para declaração da indignidade/incompatibilidade para o oficialato após o trânsito em julgado, não sendo possível a execução provisória da pena;
d) caso um oficial seja condenado a uma pena privativa de liberdade igual ou inferior a dois anos não deve ser submetido ao processo para declaração da indignidade/incompatibilidade para o oficialato;
e) os oficiais de Instituições Militares possuem vitaliciedade.
NOTAS
[1] STF, Pleno, Inq. 1.872/DF, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 20/04/2007.
[2] Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais – Lei n. 5.301/69. Art. 38 – São adotadas as seguintes definições: I – cargo é o conjunto de atribuições definidas por lei ou regulamento e cometido, em caráter permanente, a um militar;
Estatuto dos Militares. Lei n. 6.880/80. Art. 20. Cargo militar é um conjunto de atribuições, deveres e responsabilidades cometidos a um militar em serviço ativo.
[3] Art. 42, § 1º, da CF. § 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
Art. 142, § 3º, I, da CF. I – as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais – Lei n. 5.301/69. Art. 8º – Hierarquia militar é a ordem e a subordinação dos diversos postos e graduações que constituem carreira militar. § 1º – Posto é o grau hierárquico dos oficiais, conferido por ato do Chefe do Governo do Estado.
Estatuto dos Militares. Lei n. 6.880/80. Art . 16. Os círculos hierárquicos e a escala hierárquica nas Forças Armadas, bem como a correspondência entre os postos e as graduações da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, são fixados nos parágrafos seguintes e no Quadro em anexo.
§ 1°. Posto é o grau hierárquico do oficial, conferido por ato do Presidente da República ou do Ministro de Força Singular e confirmado em Carta Patente.
[6] HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA PROFERIDA POR JUIZ DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. OCORRÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO. REPRESENTADO MAIOR DE IDADE. REMESSA À JUSTIÇA COMUM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. A sentença absolutória transitada em julgado, ainda que emanada de juiz absolutamente incompetente não pode ser anulada e dar ensejo a novo processo pelos mesmos fatos. 2. Incide, na espécie, o princípio do ne bis in idem, impedindo a instauração de processo-crime pelos mesmos fatos por que foi o paciente absolvido perante Juízo absolutamente incompetente. 3. Não havendo no ordenamento jurídico brasileiro revisão criminal pro societate, impõe-se acatar a autoridade da coisa julgada material, para garantir-se a segurança e a estabilidade que o ordenamento jurídico demanda. 4. Ordem concedida. (STJ – HC: 36091 RJ 2004/0081309-6, Relator: Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, Data de Julgamento: 24/02/2005, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: –> DJ 14/03/2005 p. 426LEXSTJ vol. 188 p. 283)
[8] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4ª edição. Salvador: Juspodivm. 2017. p. 863.
[9] Nesse sentido é a previsão contida no Código de Ética dos Militares do Estado de Minas Gerais (art. 74, § 3º, da Lei n. 14.310/02).
[10] Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: I – vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado.
Art. 128. O Ministério Público abrange: § 5º – (..) I – as seguintes garantias: vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado.
[11] RAMOS, Dircêo Torecillas; ROTH, Ronaldo João; COSTA, Ilton Garcia da. Direito Militar: Doutrina e Aplicações. Rio de Janeiro: Campus Jurídico. 2011. p. 97.
Diante da Nova Lei de Abuso de Autoridade é possível classificar os crimes de abuso de autoridade em sentido amplo e em sentido estrito. Confira no texto como classificar os crimes de abuso de autoridade.
A Nova Lei de Abuso de Autoridade – Lei n. 13.869, de 05 de setembro de 2019 – tipificou diversas condutas como crime de abuso de autoridade que não estavam previstas na antiga Lei de Abuso de Autoridade – Lei n. 4.898, de 09 de dezembro de 1965 -, mas também deixou de tipificar como crime de abuso de autoridade diversos crimes previstos na Lei n. 4.898/65.
Dessa forma, é possível classificar os crimes de abuso de autoridade em sentido amplo e em sentido estrito.
O crime de abuso de autoridade em sentido estrito consiste na prática de crimes previstos na Nova Lei de Abuso de Autoridade, enquanto que o crime de abuso de autoridade em sentido amplo refere-se a todos os crimes praticados pelos sujeitos ativos do crime de abuso de autoridade (art. 2º da Lei n. 13.869/19) que constituam genericamente um abuso de autoridade, mas que não esteja previsto na Lei 13.869/19 como crime de abuso de autoridade. Ou seja, há uma conduta criminosa por parte do agente público, em razão das funções, sem, no entanto, caracterizar crime previsto na Nova Lei de Abuso de Autoridade.
Um exemplo claro, diante da Nova Lei de Abuso de Autoridade, consiste no crime de abuso de autoridade previsto no art. 3º, “i”, da Lei n. 4.898/65 (qualquer atentado à incolumidade física do indivíduo).
A Nova Lei de Abuso de Autoridade não prevê como crime o ato de atentar ou causar lesões à incolumidade física das pessoas, o que está previsto na antiga Lei de Abuso de Autoridade.
Dessa forma, caso um policial se exceda e atente contra a integridade física de uma pessoa não praticará mais crime? Não praticará mais crime de abuso de autoridade, mas responderá pelo crime de lesão corporal (tentado ou consumado, a depender do caso) ou contravenção penal de vias de fato.
Assim, o atentado à integridade física de uma pessoa deixa de ser crime de abuso de autoridade, mas permanece como crime no ordenamento jurídico, todavia, como lesão corporal ou vias de fato, a depender do caso concreto.
Inequivocamente, o policial que atente contra a integridade física de terceiros ou cause lesões, pratica abuso de autoridade, mas agora não mais em sentido estrito, por não estar previsto na Nova Lei de Abuso de Autoridade, mas sim em sentido amplo, pois o policial abusa de sua autoridade.
A conduta somente caracterizará crime de abuso de autoridade em sentido amplo caso seja possível enquadrá-la em algum tipo penal que não esteja previsto na Nova Lei de Abuso de Autoridade.
O crime previsto na antiga Lei de Abuso de Autoridade consistente em qualquer atentado à liberdade de associação não caracteriza mais crime de abuso de autoridade, seja em sentido amplo ou estrito, pois este ato, por si só, deixa de ser crime diante da Nova Lei de Abuso de Autoridade.
Caso haja constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, para que alguém participe ou deixe de participar de determinado sindicato ou associação profissional, haverá o crime previsto no art. 199 do Código Penal, sendo possível falar em crime de abuso de autoridade em sentido amplo, caso seja praticado por servidor público.[1]
Assim, a Nova Lei de Abuso de Autoridade ao mesmo tempo em que criou vários crimes de abuso de autoridade, aboliu diversas condutas que eram previstas como crimes de abuso de autoridade. As condutas previstas como crimes na Nova Lei de Abuso de Autoridade são os crimes de abuso de autoridade em sentido estrito, enquanto que as condutas que não mais estejam previstas na Lei de Abuso de Autoridade e/ou configurem crime em razão da autoridade incorrer em abusos, caracteriza crime de abuso de autoridade em sentido amplo.
NOTA
[1] Art. 199 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Camburão
é a parte detrás da viatura dotada de estrutura com grades. É o
porta-malas que possui grades. É também conhecido como “xadrez”
ou “gaiola”.
Quando a viatura possui camburão, geralmente, os presos são conduzidos para a delegacia algemados e dentro do “xadrez”.
Essa condução está de acordo com a lei?
A Lei n. 8.653/93 dispõe no art. 1º que “É proibido o transporte de presos em compartimento de proporções reduzidas, com ventilação deficiente ou ausência de luminosidade.”
O Estatuto da Criança e do Adolescente assevera que “O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade.” (art. 178)
Obviamente, uma pessoa ao se tornar adulta mantém a sua dignidade enquanto pessoa, razão pela qual a mesma lógica do art. 178 do ECA deve ser aplicada aos adultos.
O
Código de Trânsito Brasileiro define que como infração gravíssima
o transporte de passageiros em compartimento de carga, salvo por
motivo de força maior, com permissão da autoridade competente e na
forma estabelecida pelo Contran (art. 230, II).
A Resolução 626/2016 do CONTRAN autoriza o transporte provisório e precário, por motivo de força maior, de suspeitos da prática de crime, em compartimento de carga de viaturas policiais e veda o transporte de presos em compartimento de proporções reduzidas, com ventilação deficiente ou ausência de luminosidade (art. 2º, parágrafo único).
Dessa forma deve-se analisar se o camburão não é de proporções reduzidas, se possui ventilação adequada e luminosidade suficiente.
Os compartimentos fechados das viaturas, em que pese serem pequenos, são suficientes para transportarem uma e se for uma viatura maior até duas pessoas. Não há conforto, assim como não há nas prisões no Brasil, mas é o suficiente para transportar presos do local dos fatos até a delegacia.
As grades, geralmente, possuem aberturas que permitem a ventilação do compartimento fechado e a luminosidade ocorre, naturalmente, com essas aberturas ou com a luz da parte detrás da viatura.
Os veículos que possuem compartimento para o transporte de presos devem possuir o Certificado de Adequação à Legislação de Trânsito (CAT) e, consequentemente, os requisitos acima exigidos são verificados previamente à autorização para que a viatura transporte presos.
Nesse sentido, não há ilegalidade na conduta do policial que prende um infrator e o coloque no “xadrez” da viatura, desde que o compartimento fechado possua os seguintes requisitos:
a) Não seja de proporção reduzida, devendo-se entender como tal aquela em que o preso terá que ficar espremido ou apertado;
b) Haja ventilação adequada;
c) Haja luminosidade;
d) A viatura possua o Certificado de Adequação à Legislação de Trânsito (CAT);
e) As condições do compartimento fechado não sejam atentatórias à dignidade do preso, como um compartimento com odor de urina, fezes ou que de qualquer forma esteja insalubre ou sujo;
f) Não haja risco à integridade física ou mental do preso, como a hipótese da viatura ter que passar por ruas esburacadas e que possam comprometer a integridade do preso.
Caso não preencha todos esses requisitos ou a viatura não possua compartimento fechado, o preso deverá ser conduzido no banco detrás da viatura, o que justifica, por si só, o uso de algemas nos braços e até nos pés.
O risco de conduzir um preso sem algemas no banco detrás da viatura justifica a utilização de algemas, pois a integridade física dos policiais estará em risco.
Não há como confiar que um agente que acabou de ser preso pelos policiais oferece segurança ao ser levado no banco detrás da viatura. O risco à integridade física dos policiais, nesses casos, é presumida.
Há diversos relatos de presos que já tomaram ou tentaram tomar armas de policiais ou que causaram algum acidente, com a utilização das mãos e das pernas.
Dessa forma, a necessidade do uso de algemas em presos no banco detrás da viatura é presumido e cabe, exclusivamente, ao policial – e mais ninguém – fazer o juízo de valor dessa necessidade. É o policial que estará no banco da frente da viatura e a vida e integridade dele que estará em risco. Entendo que esta circunstância não deve sofrer qualquer censura por parte de qualquer órgão, ainda que o agente preso tenha praticado contravenção penal ou um crime de menor potencial ofensivo, pois somente o policial terá condições de avaliar as circunstâncias dos fatos no caso concreto. Ainda que seja um preso por crime de desacato (menor potencial ofensivo) poderá querer agredir os policiais na viatura ou causar uma tragédia. Deve-se levar em consideração também o receio e temor do policial que estiver na parte da frente da viatura, ao perder a tranquilidade por ficar pensando que o preso no banco detrás poderá agredi-lo ou praticar qualquer fato prejudicial aos policiais, o que pode, inclusive, gerar uma reação por parte dos policiais que venha a causar lesões no próprio preso.
Logo, o uso de algemas no banco detrás da viatura visa proteger, num primeiro momento, a vida e a integridade dos policiais e, consequentemente, a do próprio preso.
Caso o preso seja conduzido no compartimento fechado, em um primeiro momento, não se faz necessária a utilização de algemas, o que não impede que o policial utilize, caso verifique no caso concreto que há riscos para a guarnição policial.
Ou seja, em se tratando de preso no banco detrás da viatura presume-se a necessidade do uso de algemas. Caso o preso esteja no compartimento fechado presume-se a desnecessidade do uso de algemas. Obviamente, os policiais deverão avaliar os riscos ao abrirem o compartimento fechado, de forma que evite uma agressão ou tentativa de fuga do preso.