por Rodrigo Foureaux | 31 jan 2020 | Direito Militar
O Acordo de Não Persecução Penal – ANPP – visa a não propositura de ação penal pelo Ministério Público, desde que preenchidos os requisitos previstos em lei.
No Brasil, o Acordo de Não Persecução Penal, inicialmente, foi previsto na Resolução n. 181, de 07 de agosto de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, no art. 18, § 12, que vedava a aplicação do acordo nos casos de crimes militares que afetassem a disciplina e hierarquia.[1]
Com o advento da Lei Anticrime – Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019 – o Código de Processo Penal, no art. 28-A, passou a prever o ANPP, nos seguintes termos:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
§ 1º. Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.
§ 2º. O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:
I – se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;
II – se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
III – ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e
IV – nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
§ 3º. O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.
§ 4º. Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.
§ 5º. Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.
§ 6º. Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal.
§ 7º. O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo.
§ 8º. Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.
§ 9º. A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento.
§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.
§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.
§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo.
§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.
§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.
Preenchidos os requisitos previstos acima, o Ministério Público poderá propor o Acordo de Não Persecução Penal e em caso de recusa por parte do órgão ministerial, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior do Ministério Público.
Feita essa explanação inicial, cabe discutir se o Acordo de Não Persecução Penal aplica-se à Justiça Militar.
O Código de Processo Penal Militar data de 21 de outubro de 1969 e sofreu apenas 06 (seis) alterações, enquanto que o Código de Processo Penal Comum data de 03 de outubro de 1941 e passou por 57 alterações, o que demonstra o esquecimento, por parte do legislador, na legislação militar, sendo necessário aplicar institutos previstos para o processo penal comum no processo penal militar, até porque o CPPM autoriza no art. 3º, “a” a aplicação, nos casos omissos, da legislação processual penal comum.
Ao se aplicar institutos previstos na legislação processual penal comum no rito processual penal militar deve-se analisar quatro vetores: a) ausência de previsão no Código de Processo Penal Militar; b) ausência de proibição legislativa; c) aplicação ao caso concreto e d) a aplicação não desvirtuar a índole do processo penal militar.
Art. 3º. Os casos omissos neste Código serão supridos:
a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar;
Passamos a analisar cada um dos vetores.
a) ausência de previsão no Código de Processo Penal Militar: o CPPM possui rito próprio que deve ser aplicado nos processos e julgamento dos crimes militares, sendo previsto no art. 3º do CPPM que nos casos omissos é possível suprir a lacuna pela legislação processual penal comum, razão pela qual a regra é que havendo previsão em ambos diplomas legislativos (CPPM e CPP), aplica-se a legislação processual penal militar;
b) ausência de proibição legislativa: por óbvio, se alguma lei criar um instituto processual benéfico e proibir a aplicação na Justiça Militar, não deve ser aplicada, em razão do princípio da legalidade. Nesse sentido, o art. 90-A da Lei 9.099/95 dispõe que “As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar”, razão pela qual, ressalva a discussão acerca da constitucionalidade deste dispositivo, não deve ser aplicada à Justiça Militar os institutos despenalizadores previstos na Lei dos Juizados Especiais Criminais (composição civil dos danos; transação penal; suspensão condicional do processo e exigência de representação nas ações penais relativas aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas)[2];
c) aplicação ao caso concreto: ao decidir pela aplicação de uma previsão legal contida somente na legislação processual penal comum deve-se analisar se se aplica ao caso concreto no processo penal militar, de forma que não faça uma combinação de leis (lex tertia), sob pena do juiz exercer o papel do legislador e criar um rito processual penal inexistente. A aplicação do diploma processual penal comum deve ser compatível com o caso concreto na Justiça Militar, como a hipótese em que o juiz ao revogar a prisão preventiva de um militar, aplica o art. 319 do CPP (medidas cautelares diversas da prisão). Note que as medidas cautelares diversas da prisão aplicam-se ao caso concreto (revogação de prisão), na medida que o CPPM não prevê um rol de medidas cautelares diversas da prisão, limitando-se a prever prisão provisória (arts. 220 a 261); menagem (arts. 263 a 269); liberdade provisória sem fiança (arts. 270 e 271) e aplicação provisória de medidas de segurança (arts. 272 a 276).
O exemplo de inaplicabilidade ao caso concreto consiste na previsão contida no art. 38 do Código de Processo Penal do prazo de seis meses para que o ofendido exerça o direito de queixa ou de representação, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime. Tal dispositivo não se aplica aos processos penais que tramitam na Justiça Militar, uma vez que os crimes militares são de ação penal pública incondicionada[3], como o crime militar de ameaça.
d) aplicação não desvirtuar a índole do processo penal militar: o processo penal militar ter por finalidade servir de instrumento para a aplicação do Direito Penal Militar. Isto é, ao ser praticado um crime militar, o processo penal militar será o veículo utilizado para se chegar à aplicação justa do direito material. A aplicação da legislação processual penal comum não pode desvirtuar a essência e características inerentes do processo penal militar.
A índole do processo penal militar refere-se à essência, às qualidades e características específicas do processo penal de natureza militar, que não pode ser alterada, deturpada, modificada em caso de aplicação das regras do processo penal de natureza comum.
A índole refere-se à aplicação, no processo penal militar, das normas que visam a preservação de valores militares, como a hierarquia e disciplina (arts. 42 e 142, ambos da CF), como a constituição do Conselho de Justiça (Especial ou Permanente) para julgar os crimes militares (art. 27, I e II, da Lei n. 8.457/92 e art. 125, § 5º, da CF); a necessidade da reconstituição dos fatos não atentar contra a hierarquia e disciplina (art. 13, parágrafo único, do CPPM); a possibilidade de desaforamento por interesse da disciplina militar (art. 109, “a”, do CPPM); a possibilidade de decretação da prisão preventiva por exigência da manutenção das normas ou princípios da hierarquia e disciplina militares (art. 255, “e”, do CPPM); a necessidade de se ouvir o Comandante da Unidade para a concessão de menagem em lugar sujeito à administração militar (art. 264, § 2º, do CPPM); a inadmissibilidade de provas que atentem contra a hierarquia e disciplina (art. 295 do CPPM).
Nesse sentido, Jorge César de Assis[4] ensina que:
Deve ser considerado que a chamada índole do processo penal militar está diretamente ligada àqueles valores, prerrogativas, deveres e obrigações, que sendo inerente aos membros das Forças Armadas, devem ser observados no decorrer do processo, enquanto o acusado mantiver o posto ou graduação correspondente.
Fazem parte da índole do processo penal militar as prerrogativas dos militares, constituídas pelas honras, dignidades e distinções devidas aos graus militares e cargos (Estatuto dos Militares, art. 73), e que se retratam já na definição do juízo natural do acusado militar (Conselho Especial ou Permanente); na obrigação do acusado militar prestar os sinais de respeito aos membros do Conselho de Justiça; a conservação, pelo militar da reserva ou reformado, das prerrogativas do posto ou graduação, quando pratica ou contra ele é praticado crime militar (CPM, art. 13); a presidência do Conselho pelo oficial general ou oficial superior (LOJMU, art. 16, letras a e b)[5]; a prestação do compromisso legal pelos juízes militares (CPPM, art. 400) etc.
No entanto, razoável supor que não ofendem a índole do processo penal militar o fato das partes poderem pedir esclarecimentos ao réu quando do interrogatório; nem mesmo a inversão da ordem para a oitiva do réu; nem a utilização do sistema de videoconferência; até mesmo a utilização de embargos de declaração das decisões de primeiro grau (embarguinhos).
Portanto, tem-se que a índole do processo penal militar é preservada quando valores inerentes às instituições militares, bem como as prerrogativas, direitos e deveres dos militares são observados ao se aplicar a legislação processual penal comum.
Em nada afeta a índole do processo penal militar a aplicação do rito do processo penal comum à Justiça Militar, no tocante à ordem de audições, sendo o interrogatório o primeiro ato[6], sendo possível, até mesmo, que seja realizada audiência una de instrução e julgamento e que o interrogatório seja realizado por carta precatória, em que pese não haver previsão no CPPM, o que decorre de aplicação subsidiária do Código de Processo Penal[7]. Todavia, macula a índole do processo penal militar autorizar que um militar cumpra mandado de busca e apreensão na residência de um investigado que seja seu superior hierárquico, sob o argumento de que a legislação processual penal comum não veda esse cumprimento.
Dessa forma, faz-se necessário analisar se o Acordo de Não Persecução Penal aplica-se à Justiça Militar.
O tema é controverso e, inevitavelmente, suscitará debates na doutrina e na jurisprudência.
A primeira corrente defende a inaplicabilidade do ANPP na Justiça Militar, uma vez que a Lei n. 13.964/19 (Lei Anticrime) promoveu diversas alterações no Código de Processo Penal Comum e somente uma no Código de Processo Penal Militar, ao tratar da nomeação de defensor para militares que figurarem como investigados em inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada (art. 16-A), norma esta que também passou a ser prevista no Código de Processo Penal (art. 14-A).
Portanto, ao se alterar o CPPM somente neste ponto, demonstra que as demais alterações no CPP não contiveram igual previsão no CPPM porque o legislador não quis que fossem aplicadas ao processo penal militar, pois a Lei n. 13.964/19 foi expressa ao alterar o Código de Processo Penal Militar mesmo diante de igual previsão no Código de Processo Penal. Trata-se, portanto, de silêncio eloquente (intencional), devendo-se extrair, consequentemente, que não alterou porque não devem ser aplicadas na Justiça Militar.
Nesse sentido, Rogério Sanches[8] escreve que:
A Res. 181/17 do CNMP vedava o ANPP nos crimes militares que afetassem a hierarquia e disciplina. Nos demais, autorizava.
A Lei 13.964/19 não trata do assunto. Silencia. O que interpretar do seu silêncio? Consigo antever a divergência.
Uma primeira corrente dirá que o silêncio permite concluir que o ANPP, agora, está autorizado para qualquer crime militar.
Outros, não sem razão, dirão que o silêncio indica que o legislador julgou o ANPP incompatível com os crimes militares, próprios ou impróprios.
É que a Lei 13.964/19 fez algumas alterações no CPPM, buscando, ao que tudo indica, espelhar seus dispositivos com os do CPP comum, e nele, CPPM, não tratou do ANPP. Silêncio eloquente, portanto. (destaquei)
Deve-se notar ainda que o Acordo de Não Persecução Penal (art. 28-A do CPP) possui semelhanças com a transação penal (art. 76 da Lei n. 9.099/95) e a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95), pois os três institutos são despenalizadores e visam a realização de um acordo entre o órgão ministerial e o investigado, constituindo um verdadeiro negócio jurídico entre as partes.
O Acordo de Não Persecução Penal é uma exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, assim como a transação penal, enquanto que a suspensão condicional do processo é uma exceção ao princípio da indisponibilidade da ação penal pública, pois nesta a denúncia chega a ser oferecida, momento em que é proposta a suspensão do processo e as condições, enquanto que no ANPP não chega a ser oferecida denúncia.
Em todos é possível acordar a reparação dos danos, sendo possível a aplicação do ANPP nos crimes com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, da transação penal nas contravenções penais e nos crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos e da suspensão condicional do processo nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano.
Assim, pode-se dizer que o Acordo de Não Persecução Penal permite a realização de acordo em crimes mais graves do que aqueles em que são permitidos a realização da suspensão condicional do processo e da transação penal, pois, para esses, a pena mínima deve ser igual ou inferior a um ano (sursis processual) ou pena máxima não superior a dois anos (transação penal), enquanto que para o ANPP a pena mínima deve ser inferior a 04 (quatro) anos.
Assim, é possível realizar Acordo de Não Persecução Penal nos crimes de furto qualificado (art. 155, § 4º, do CP), receptação qualificada (art. 180, § 1º, do CP), casa de prostituição (art. 229 do CP), crime de moeda falsa (art. 289 do CP), falsificação de documento público (art. 297 do CP), peculato (art. 312 do CP), denunciação caluniosa (art. 339 do CP), mas não é possível aplicar a suspensão condicional do processo ou a transação penal, pois todas as penas mínimas são superiores a um ano e as penas máximas são maiores do que dois anos.
Tanto é que o art. 28-A, § 2º, I, do Código de Processo Penal veda a realização do Acordo de Não Persecução Penal quando couber transação penal, exatamente, pelo fato deste benefício processual ser mais benéfico, devendo ser priorizado quando no caso concreto couber a realização do ANPP e da transação penal.
Não consta vedação à realização do Acordo de Não Persecução Penal quando couber suspensão condicional do processo por uma questão processual, pois no primeiro sequer chegar a ser oferecida denúncia, enquanto que no sursis processual o Ministério Público chega a denunciar, o que não impede que seja realizada uma comparação entre ambos os institutos para fins de fundamentar a impossibilidade do ANPP na Justiça Militar, exatamente por abranger crimes mais graves, o que geraria uma incongruência no sistema de benefícios processuais.
Como a transação penal e a suspensão condicional do processo não são permitidas para crimes militares (art. 90-A da Lei n. 9.099/95), com maior razão o Acordo de Não Persecução Penal não deve ser permitido para crimes militares, sob a lógica de que se não é possível aplicar para os crimes menos graves, quanto mais para os crimes mais graves.
Anota-se que benefícios processuais decorrem de opções legislativas e o Código de Processo Penal Militar não foi contemplado, não por esquecimento, mas em razão de vontade deliberada do legislador (silêncio eloquente) que acrescentou somente o art. 16-A no CPPM.
Além do mais, a aplicação do ANPP no âmbito da Justiça Militar viola a índole do processo penal militar, pois retira do Conselho de Justiça, obviamente, nos crimes de sua competência, a análise do grau de afetação à hierarquia e disciplina do crime praticado pelo militar.
A segunda corrente defende a aplicação do Acordo de Não Persecução Penal na Justiça Militar, uma vez que o § 2º do art. 28-A do Código de Processo Penal elencou, em rol taxativo, as hipóteses em que não se aplica o ANPP e não vedou a aplicação aos crimes militares.
Art. 28 (…)
§ 2º. O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
I – se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II – se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
III – ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
IV – nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Deixar de aplicar o Acordo de Não Persecução Penal aos crimes militares fere a isonomia (art. 5º, I, da CF), na medida em que um crime praticado no mesmo contexto fático permitirá que haja soluções distintas, como a hipótese em que dois policiais, um militar e um civil, atuem juntos em serviço e pratiquem o crime de peculato. Para o policial civil será possível realizar o ANPP, para o policial militar não será possível, simplesmente, em razão da condição de militar. Certo é que ser militar impõe condições e ônus que os civis não têm, mas os militares não possuem uma degradação de direitos fundamentais e o ANPP visa preservar o direito fundamental à liberdade.
Por constituir um instituto processual mais benéfico ao investigado deve ser aplicado à Justiça Militar, assim como o interrogatório passou a ser o último ato do processo[9], por ser mais benéfico à ampla defesa e contraditório.
O fato da Lei n. 13.964/19 ter silenciado quanto à aplicação do ANPP na Justiça Militar implica dizer que não há vedação, pois quando o legislador quis vedar disse expressamente, como o fez no art. 90-A da Lei n. 9.099/95[10].
A vedação da aplicação dos institutos despenalizadores da Lei n. 9.099/95 na Justiça Militar somente passou a ser previsto em lei (art. 90-A) com o advento da Lei n. 9.839/99, sendo comum, até então, a aplicação dos benefícios da Lei n. 9.099/95 na Justiça Militar.[11]
A terceira corrente defende ser aplicável o Acordo de Não Persecução Penal em determinados casos, conforme a intensidade de violação dos princípios da hierarquia e disciplina, bem como a natureza do crime militar, se próprio ou impróprio.
Os crimes militares próprios que são aqueles que possuem previsão somente no Código Penal Militar e exige que o sujeito ativo seja militar (teoria clássica), naturalmente, possuem em sua essência uma maior violação à hierarquia, à disciplina e aos deveres militares, tais como os crimes de recusa de obediência, desrespeito a superior, violência contra inferior, abandono de posto, dormir em serviço, dentre outros, o que justifica a não adoção do Acordo de Não Persecução Penal, pois violaria a índole do processo penal militar.
Lado outro, nada impede que seja analisada a aplicação do ANPP nos crimes militares impróprios que não violarem a hierarquia e disciplina, na forma que era prevista pela Resolução n. 181, de 07 de agosto de 2017, do CNMP, ao vedar a aplicação do acordo somente nos crimes militares que afetassem a disciplina e hierarquia.[12]
Isso porque a essência dos valores militares, da hierarquia, disciplina e índole do processo penal militar não serão afetados, o que permite invocar a aplicação do art. 3º, “a”, do Código de Processo Penal Militar.
Diante dos entendimentos expostos, qual deve vir a prevalecer?
Inicialmente, a tendência é que prevaleça o segundo entendimento, por ausência de impedimento legal para que o Acordo de Não Persecução Penal seja realizado perante a Justiça Militar, assim como foi permitida a suspensão condicional do processo e demais institutos despenalizadores da Lei n. 9.099/95 na Justiça Militar até que houvesse a alteração legislativa dada pela Lei n. 9.839/99.
Ocorre que um ponto será decisivo para a formação da jurisprudência. Como a Lei n. 9.099/95 veda a concessão de transação penal e de sursis processual nos crimes militares, como autorizar o Acordo de Não Persecução Penal? Isso porque seria autorizar solução consensual para crimes mais graves, o que fere o princípio da proporcionalidade, ou então realizar, por vias transversas, transação penal ou suspensão condicional do processo que passaria a se chamar Acordo de Não Persecução Penal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[13], do Superior Tribunal de Justiça[14] e do Superior Tribunal Militar[15] são pacíficas pela inaplicabilidade dos institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/95 na Justiça Militar.[16]
É importante destacar que ainda que não haja alteração no Código de Processo Penal Militar, é possível aplicar regras introduzidas no Código de Processo Penal Comum, desde que decorra da observância de direitos fundamentais e não, simplesmente, de uma mera alteração processual, sem impactos para a defesa. Isso porque o contraditório e ampla defesa são direitos fundamentais (art. 5º, LV, da CF), devendo ser aplicáveis aos réus as regras mais benéficas que se harmonizam com a Constituição Federal, face à máxima efetividade dos direitos fundamentais e adequação ao sistema acusatório democrático, razão pela qual aplica-se no processo penal militar o interrogatório como último ato processual[17], ainda que no CPPM seja o primeiro ato, bem como defendemos em artigo[18] que deve-se aplicar o juiz das garantias na Justiça Militar.
O Acordo de Não Persecução Penal é uma opção legislativa prevista no Código de Processo Penal Comum e não se relaciona ao exercício do contraditório e ampla defesa (direitos processuais fundamentais). Trata-se de mais uma medida despenalizadora, de um benefício processual penal previsto no ordenamento jurídico brasileiro.
Dessa forma, a tendência é a não aplicação do Acordo de Não Persecução Penal no âmbito da Justiça Militar.
De qualquer forma, ainda que prevaleça a inaplicabilidade, deve-se permitir a aplicação do ANPP para os civis no âmbito da Justiça Militar da União, pois não estão submetidos aos valores militares, à hierarquia e disciplina, já tendo sido decidido pelo STF que se aplicam os benefícios processuais previstos na Lei n. 9.099/95 aos crimes militares praticados por civis.[19]
NOTAS
[1] Art. 18 (…) § 12 As disposições deste Capítulo não se aplicam aos delitos cometidos por militares que afetem a hierarquia e a disciplina.
[2] A vedação contida no art. 90-A da Lei nº 9.099/95, no que tange aos delitos praticados por militares, está em consonância com as peculiaridades da vida na caserna, pois não é possível vislumbrar proposta tendente a mitigar os princípios da hierarquia e da disciplina. (STF – AgR ARE: 1229712 RJ – RIO DE JANEIRO 7000146-02.2018.7.00.0000, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 05/11/2019, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-254 21-11-2019)
[3] O art. 122 do Código Penal Militar prevê que os crimes conta a Segurança Externa do País previstos nos arts. 136 a 141 dependem de representação, nos seguintes termos: “Nos crimes previstos nos arts. 136 a 141, a ação penal, quando o agente for militar ou assemelhado, depende da requisição do Ministério Militar a que aquele estiver subordinado; no caso do art. 141, quando o agente for civil e não houver co-autor militar, a requisição será do Ministério da Justiça.”
[4] Disponível em: < http://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/alteracoescppxcppm.pdf>. Acesso em: 27/01/2020.
[5] Corte feito por este autor, uma vez que com o advento da Lei n. 13.774, de 19 de dezembro de 2018, o art. 16, I e II, da Lei n. 8.457/92, passou a prever que o Juiz Federal da Justiça Militar será o Presidente do Conselho de Justiça.
[6] HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL MILITAR. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. APLICAÇÃO DO RITO PREVISTO NA LEI N. 11.719/2008, COM A REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO. ART. 302 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR. NORMA ESPECIAL. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. PEDIDO CONTRÁRIO À JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A norma contida no art. 400 do Código de Processo Penal comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente nas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. 2. Orientação fixada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 127.900/AM. 3. Interrogatório realizado antes da publicação do precedente. 4. Ordem denegada. (STF – HC: 132078 DF – DISTRITO FEDERAL 9037938-59.2015.1.00.0000, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 06/09/2016, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-202 22-09-2016)
[7] HC 115189, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 03/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-198 DIVULG 15-09-2016 PUBLIC 16-09-2016.
[8] Disponível em: <https://www.instagram.com/p/B7vcXXElVX-/>. Acesso em 27/01/2020.
[9] STF. Plenário. HC 127900/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/3/2016 (Info 816).
[10] Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar. (Artigo incluído pela Lei nº 9.839, de 27.9.1999)
[11] HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR E PROCESSUAL PENAL. CRIME MILITAR. LESÃO CORPORAL DE NATUREZA LEVE (ART. 209, CPM). NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO. Conforme entendimento sufragado nesta Corte e no Col. Supremo Tribunal Federal, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei 9.099/95) aplica-se à Justiça Castrense. Os arts. 88 e 91 da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099, de 26.09.95), que exigem representação do ofendido para a instauração de processo-crime, aplicam-se a todos e quaisquer processos, sejam os que digam respeito às leis codificadas – Código Penal e Código Penal Militar – ou às extravagantes, de qualquer natureza. Precedentes desta Corte e do STF. Ordem concedida. (HC 9.755/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/1999, DJ 18/10/1999, p. 244)
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PENAL MILITAR E PROCESSUAL PENAL. CRIME MILITAR. LESÃO CORPORAL DE NATUREZA LEVE (ART. 209, CPM). NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO (ART. 88 DA LEI 9.099/95). POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI NA JUSTIÇA CASTRENSE. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 9.838/99, QUE ACRESCENTOU O ART. 90-A À LEI 9.099/95. IRRETROATIVIDADE. Até a edição da Lei 9.839, de 27 de setembro de 1999, que acrescentou o art. 90-A ao texto da Lei 9.099/95, prevaleceu na jurisprudência desta Corte e do STF o entendimento de serem aplicáveis à Justiça Castrense as disposições deste último diploma legal. Declarada extinta a punibilidade do réu, em decisão amparada em orientação jurisprudencial à época dominante, não há como, agora, com o advento da Lei 9.839/99, fazer incidir, em sede de embargos de divergência, o novo art. 90-A, da Lei 9.099/95, sob pena de violação ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (art. 5º, XL, CF). Embargos de divergência rejeitados. (STJ, REsp 172085-DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 28.02.2000).
[12] Art. 18 (…) § 12 As disposições deste Capítulo não se aplicam aos delitos cometidos por militares que afetem a hierarquia e a disciplina.
[13] AÇÃO PENAL. Crime militar. Proposta de suspensão condicional do processo. Falta. Inexistência de ilegalidade. Fato posterior ao início de vigência da Lei nº 9.839/99, que acresceu o art. 99-A da Lei nº 9.099/95. HC denegado. Precedentes. Ao processo por crime militar praticado após o início de vigência da Lei nº 9.839/99, que acrescentou o art. 90-A à Lei nº 9.099/95, não se admite proposta de suspensão condicional. (STF – HC: 86444 MG, Relator: CEZAR PELUSO, Data de Julgamento: 02/06/2009, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-118 DIVULG 25-06-2009 PUBLIC 26-06-2009 EMENT VOL-02366-01 PP-00206)
Ementa: Penal Militar. Habeas corpus. Deserção CPM, art. 187. Crime militar próprio. Suspensão condicional do processo – art. 90-A, da Lei n. 9.099/95 Lei dos Juizados Especiais Civeis e Criminais. Inaplicabilidade, no âmbito da Justiça Militar. Constitucionalidade, face ao art. 98, inciso I, § 1º, da Carta da Republica. Obiter dictum: inconstitucionalidade da norma em relação a civil processado por crime militar. O art. 90-A, da n. 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Civeis e Criminais -, com a redação dada pela Lei n. 9.839/99, não afronta o art. 98, inciso I, § 1º, da Carta da Republica no que veda a suspensão condicional do processo ao militar processado por crime militar. In casu, o pedido e a causa de pedir referem-se apenas a militar responsabilizado por crime de deserção, definido como delito militar próprio, não alcançando civil processado por crime militar. Obiter dictum: inconstitucionalidade da norma que veda a aplicação da Lei n. 9.099 ao civil processado por crime militar. Ordem denegada. (STF – HC: 99743 RJ, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 06/10/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-164 DIVULG 20-08-2012 PUBLIC 21-08-2012)
[14] PROCESSUAL PENAL. CRIME MILITAR. NÃO APLICAÇÃO DA LEI Nº 9.099/1995. INCONSTITUCIONALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTE DO STF. 1 – Conforme decidido pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, não é inconstitucional o art. 90-A da Lei nº 9.099/1995 que veda a sua aplicação aos crimes militares. 2 – Não é de ser acolhida a tese defensiva, no sentido de que a denúncia não poderia ter sido recebida sem representação do ofendido (consequente trancamento da ação penal) e que deveria ter sido ofertada suspensão condicional do processo. 3 – Recurso ordinário não provido. (RHC 75.753/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 25/11/2016).
[15] STM Súmula nº 9 – A Lei nº 9.099, de 26.09.95, que dispõe sobre os Juízos Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não se aplica à Justiça Militar da União.
[16] O Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais já decidiu no mesmo sentido, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0001436-80.2017.9.13.0000 que: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS – FIXAÇÃO DE TESE JURÍDICA – INSTITUTOS DESPENALIZADORES PREVISTOS NA LEI N. 9.099/95 – INAPLICABILIDADE NA JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS – CRIMES PREVISTOS NA PARTE ESPECIAL DO DECRETO LEI N. 1.001/69 – CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 90-A DA LEI N. 9.099/95 RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – SÚMULA N. 9 DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR – INCOMPATIBILIDADE DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES DA LEI N. 9.099/95 COM OS PRECEITOS QUE REGEM AS INSTITUIÇÕES MILITARES – HIERARQUIA E DISCIPLINA MILITARES – ART. 42 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. – Os institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/95 não são aplicáveis no âmbito da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais aos crimes tipificados na Parte Especial do Decreto Lei n. 1001/69 – Código Penal Militar. (Juiz Sócrates Edgard dos Anjos)
[17] STF. Plenário HC 127900/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/3/2016 (Info 816).
[18] A Lei n. 13.964/19 e a adoção do juiz das garantias na Justiça Militar. Disponível em: <https://www.observatoriodajusticamilitar.info/single-post/2019/12/26/A-Lei-n-1396419-e-a-ado%C3%A7%C3%A3o-do-juiz-das-garantias-na-Justi%C3%A7a-Militar>. Acesso em: 27/01/2020.
[19] STF – HC: 99743 RJ, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 06/10/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-164 DIVULG 20-08-2012 PUBLIC 21-08-2012.
por Rodrigo Foureaux | 31 jan 2020 | Atividade Policial
Visa o presente artigo analisar a possibilidade de consultas ao IMEI de celulares de abordados em vias públicas pela polícia.
A Lei de Abuso de Autoridade – Lei n. 13.869/19 – prevê como crime o ato consistente em constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro (art. 13, III).
Os celulares possuem um número de identificação denominado IMEI. Pelo número do IMEI é possível saber, caso a vítima tenha registrado, se o celular foi roubado/furtado e se é produto de crime. Para saber o IMEI basta digitar o código “*#06#”. Ocorre que para digitar este código, geralmente, é necessário que o celular esteja desbloqueado.
Inicialmente, deve-se destacar que o acesso ao número IMEI não viola nenhum direito à intimidade, na medida em que trata-se somente de um número, que possibilitará saber se o celular é produto de crime, sem que haja qualquer informação da vida privada da pessoa.
Da mesma forma que a pessoa deve se identificar quando determinado pelo policial e exibir os dados de sua identidade, quando estiver em sua posse, pois isso não implica em nenhuma violação de intimidade, inclusive a recusa em identificar-se configura contravenção penal (art. 68 da LCP) e a atribuição de falsa identidade é fato típico (art. 307 do CP), ainda que em situação de alegada autodefesa (Súmula 522 do STJ), não há nenhuma quebra de intimidade ou da vida privada quando o policial tem acesso somente aos números do IMEI.
Dessa forma, não há nenhuma ilegalidade quando a polícia realiza abordagem a uma pessoa em via pública e decide consultar o número do IMEI para saber se o celular é produto de crime e efetue, conforme o caso, a prisão do agente pelo crime de receptação, pois o agente conduzia ou transportava o celular, e estará em flagrante delito. Na hipótese em que o agente que estiver com o celular for o próprio autor do crime de furto/roubo, não estará em flagrante, pois o ato de conduzir/transportar o celular é pós-fato impunível (princípio da consunção), razão pela qual o celular deverá ser apreendido, sem, no entanto, ser efetuada a prisão em flagrante do agente que deverá responder a inquérito policial.
Ocorre que na atuação policial pode haver dificuldades em acessar o IMEI, caso a pessoa que esteja com o celular se recuse a fornecer os dados, pois não é possível o acesso sem o desbloqueio do celular.
Se o celular não tiver senha ou estiver desbloqueado, não há nenhuma ilegalidade em consultar, exclusivamente, o IMEI, sem que a polícia acesse nenhum outro arquivo ou aplicativo, pois não haverá nenhuma violação à intimidade.
O Supremo Tribunal Federal já considerou lícito o acesso pela polícia ao registro das chamadas efetuadas e recebidas.[1]
Caso haja senha e a pessoa abordada se recuse a fornecer o IMEI, a polícia não poderá acessar o celular de forma forçada, pois deve-se partir do pressuposto de que ninguém é obrigado a agir de forma que possa possibilitar a produção de prova contra si.
O policial poderá realizar buscas em todos os bens do abordado na rua, em caso de fundada suspeita, salvo as restrições legais, como a pasta de um advogado que tenha instrumentos de trabalho (art. 7º, II, da Lei n. 8.906/94). Assim, o policial poderá pegar o celular, tirar a capa de proteção em busca de drogas ou qualquer ilícito, mas não poderá desbloquear o celular contra a vontade do abordado, com o fim de saber o IMEI, mediante a exigência de senha ou aposição do dedo para desbloquear o celular mediante o uso da digital, pois exigiria comportamento ativo do abordado e, eventualmente, produção de provas contra si.
O abordado pode se opor à consulta do IMEI pelo fato do celular ser produto de crime ou, simplesmente, por não querer colaborar com os trabalhos da polícia. De qualquer forma, recusar-se a fornecer o número do IMEI, a depender do caso concreto, pode configurar suspeitas de que o celular seja produto de crime, pois se trata de um procedimento simples, rápido, sem violação à intimidade ou qualquer consequência para o abordado, caso não haja nenhuma ilegalidade com o aparelho.
O abordado é obrigado a fornecer dados pessoais quando exigido pela polícia, configurando, inclusive, contravenção penal a recusa em fornecer dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência (art. 68 da Lei de Contravenções Penais). Caso haja o fornecimento desas informações sejam falsas, também praticará contravenção penal (art. 68, parágrafo único, da Lei de Contravenções Penais).
Na hipótese em que o agente atribuir a si falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, praticará crime de falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que seja em situação de autodefesa (Súmula 522 do STJ), como dizer se chamar “Fulano”, quando se chama “Sicrano”, pois contra si possui mandado de prisão. Caso o agente apresente qualquer documento falso praticará o crime previsto no art. 304 do Código Penal (uso de documento falso), salvo se for ele o próprio responsável pela falsificação do documento, pois o uso constituirá pós-fato impunível (princípio da consunção), devendo responder pelo crime de falsificação de documento público (art. 297 do CP) ou falsificação de documento particular (art. 298 do CP).
O abordado pode se opor à consulta do IMEI pelo fato do celular ser produto de crime ou, simplesmente, por não querer colaborar com os trabalhos da polícia. De qualquer forma, recusar-se a fornecer o número do IMEI, a depender do caso concreto, pode configurar suspeitas de que o celular seja produto de crime, pois se trata de um procedimento simples, rápido, sem violação à intimidade ou qualquer consequência para o abordado, caso não haja nenhuma ilegalidade com o aparelho.
O abordado é obrigado a fornecer dados pessoais quando exigido pela polícia, configurando, inclusive, contravenção penal a recusa em fornecer dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência (art. 68 da Lei de Contravenções Penais). Caso haja o fornecimento desas informações sejam falsas, também praticará contravenção penal (art. 68, parágrafo único, da Lei de Contravenções Penais).
Na hipótese em que o agente atribuir a si falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, praticará crime de falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que seja em situação de autodefesa (Súmula 522 do STJ), como dizer se chamar “Fulano”, quando se chama “Sicrano”, pois contra si possui mandado de prisão. Caso o agente apresente qualquer documento falso praticará o crime previsto no art. 304 do Código Penal (uso de documento falso), salvo se for ele o próprio responsável pela falsificação do documento, pois o uso constituirá pós-fato impunível (princípio da consunção), devendo responder pelo crime de falsificação de documento público (art. 297 do CP) ou falsificação de documento particular (art. 298 do CP).
O direito à não autoincriminação veda a exigência de comportamentos ativos, sendo permitidas as provas decorrentes de um comportamento passivo do investigado.
Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima ensina que: “o acusado tem o direito de não colaborar na produção da prova sempre que se lhe exigir um comportamento ativo, um facere. Portanto, em relação às provas que demandam apenas que o acusado tolere a sua realização, ou seja, aquelas que exijam uma cooperação meramente passiva, não se há falar em violação ao nemo tenetur se detegere. O direito de não produzir prova contra si mesmo não persiste, portanto, quando o acusado for mero objeto de verificação.”[2] (grifo nosso).
Destaca-se ainda que o investigado não pode se opor à produção de provas não invasivas, que são aquelas produzidas com uma mera inspeção corporal, sem que haja penetração no corpo humano, como o exame de DNA feito em um fio de cabelo encontrado no chão.[3]
Renato Brasileiro[4] leciona que:
“Em se tratando de prova não invasiva (inspeções ou verificações corporais), mesmo que o agente não concorde com a produção da prova, esta poderá ser realizada normalmente, desde que não implique colaboração ativa por parte do acusado. Além disso, caso as células corporais necessárias para realizar um exame pericial sejam encontradas no próprio lugar dos fatos (mostras de sangue, cabelos, pelos, etc.), no corpo ou vestes da vítima ou em outros objetos, poderão ser recolhidas normalmente, utilizando os meios normais de investigação preliminar (busca e/ou apreensão domiciliar ou pessoal).”
O Supremo Tribunal Federal confirmou a legalidade da determinação da Justiça Federal para que o médico coletasse e entregasse a placenta para fins de exame de DNA, visando identificar o autor do estupro sofrido pela vítima enquanto estava presa nas dependências da Polícia Federal, na medida em que não houve a produção forçada de prova contra a vontade do agente.[5]
O Superior Tribunal de Justiça considerou legal a prova decorrente de colheita de material genético produzido pelo autor e descartado em um copo e uma colher de plástico após uma refeição, pois o exame foi realizado sem violência moral ou física.[6]
Nota-se que a prova não era invasiva e que não houve a exigência por parte da polícia de um comportamento ativo do investigado.
Nesse contexto, sendo a produção de prova decorrente de um comportamento passivo e não invasivo, é perfeitamente lícita, por não violar o direito a não autoincriminação.
Assim, pode-se pensar na hipótese em que o abordado, em fundada suspeita, tem contra si a realização de uma busca corporal e em seus pertences, ocasião em que a polícia solicita o número do IMEI e o suspeito se recusa a dizer, mas o celular permite o desbloqueio diante do simples fato de apontá-lo para o rosto do portador (reconhecimento facial), ocasião em que a polícia aponta o celular para o rosto do abordado, sem que houvesse nenhuma intimidação ou coação, e este é desbloqueado, sem que houvesse nenhum comportamento ativo do suspeito ou produção de prova invasiva. Em seguida, a polícia digita “*#06#”, verifica somente o IMEI, anota o número e o consulta no banco de dados da polícia, momento em que constata ser este produto de crime.
Diante desse cenário, deve-se verificar se a consulta ao IMEI, da forma que se deu, foi lícita e se a prova poderá ser usada contra o abordado?
Entendo que a consulta ao IMEI foi lícita, uma vez que não se exigiu nenhum comportamento ativo do abordado, não houve a produção de prova invasiva, nem a consulta a qualquer outro dado.[7]
Da mesma forma, caso o IMEI esteja transcrito em parte do celular que não exija o desbloqueio, como a parte que fica embaixo da bateria e o celular permita a retirada da bateria, a consulta ao IMEI será lícita.
Dessa forma, as situações de consultas ao IMEI podem assim serem resumidas:
a) abordado autoriza o acesso: será lícito o acesso ao celular para consultar, exclusivamente, o IMEI;
b) abordado não autoriza o acesso ao celular para consultar o IMEI e não fornece senha, não sendo possível acessar o IMEI sem que haja um comportamento ativo do abordado: policial não poderá consultar, sob pena de praticar crime de abuso de autoridade (art. 13, III, da Lei n. 13.869/19), caso force o acesso com o fim de produzir provas contra o abordado, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, como pegar o dedo do abordado e colocar no celular para desbloquear ou segurar o rosto do abordado e destravar o celular mediante o reconhecimento facial. Neste caso, se não for possível obter dados do IMEI de outra forma e não houver nenhum elemento que justifique a prisão ou retenção do abordado, este deverá ser liberado pela polícia no local, não sendo devido o recolhimento do celular para investigação, simplesmente, em razão da recusa em fornecer o acesso ao IMEI, pelo fato dessa conduta do abordado não configurar infração penal, pois o abordado pode estar a atuar com o fim de não produzir prova contra si. Tudo deverá ser registrado pela polícia para que, posteriormente, a autoridade de polícia judiciária proceda à investigação;
c) abordado não autoriza o acesso ao celular para consultar o IMEI e não fornece senha, sendo possível acessar o IMEI sem que haja um comportamento ativo do abordado: policial poderá consultar o IMEI, como a hipótese em que obtém acesso mediante a realização de reconhecimento facial, sem que o abordado colabore de qualquer forma, como passar o celular na frente de seu rosto em um momento de distração ou retirar a bateria e ter acesso ao número de identificação do celular. Caso verifique pelo IMEI que não há nenhuma ilegalidade, que o celular não é produto de crime, o policial poderá registrar ocorrência pelo crime de desobediência.
NOTAS
[1] STF – HC n. 91.867/PA.
[2] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 78.
[3] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 80.
[4] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 80.
[5] STF – Rcl-QO: 2040 DF, Relator: NÉRI DA SILVEIRA, Data de Julgamento: 21/02/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 27-06-2003 PP-00031 EMENT VOL-02116-01 PP00129
[6] (…) 5. No caso, entretanto, não há que falar em violação à intimidade já que o investigado, no momento em que dispensou o copo e a colher de plástico por ele utilizados em uma refeição, deixou de ter o controle sobre o que outrora lhe pertencia (saliva que estava em seu corpo). 6. Também inexiste violação do direito à não autoincriminação, pois, embora o investigado, no primeiro momento, tenha se recusado a ceder o material genético para análise, o exame do DNA foi realizado sem violência moral ou física, utilizando-se de material descartado pelo paciente, o que afasta o apontado constrangimento ilegal. (…) (STJ, Quinta Turma, HC 354.068/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, julgado em 13/03/2018)
[7] Certo de que este nosso posicionamento sofrerá resistências, o policial deve ter toda cautela ao realizar abordagens e consultar o IMEI de aparelhos celulares quando houver resistência por parte do abordado.
por Rodrigo Foureaux | 24 jan 2020 | Atividade Policial
O porte de armas por policiais é uma prerrogativa em razão da função que exercem, nos termos art. 6, II, da Lei n. 10.826/03[1].
Os policiais possuem a faculdade de portarem arma de fogo quando não estiverem em serviço, seja a arma particular ou da corporação a que pertencem, conforme art. 6º, § 1º, da Lei n. 10.826/03[2].
O porte de arma de fogo por policiais fora do horário de serviço deve ser disciplinado pelo regulamento do Estatuto do Desarmamento, conforme dispõe o art. 6º, § 1º, da Lei n. 10.826/03.
O Decreto n. 9.847, de 25 de junho de 2019, regulamenta a Lei n. 10.826/03 para dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição.
O art. 24, § 3º, do Decreto n. 9.847/19 assevera que “Ato do Comandante da Força correspondente disporá sobre as hipóteses excepcionais de suspensão, cassação e demais procedimentos relativos ao porte de arma de fogo de que trata este artigo.”
O § 4º do art. 24, por sua vez, dispõe que “Atos dos comandantes-gerais das corporações disporão sobre o porte de arma de fogo dos policiais militares e dos bombeiros militares.”
O art. 26 do Decreto n. 9.847/19 preceitua que:
Art. 26. Os órgãos, as instituições e as corporações a que se referem os incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, estabelecerão, em NORMAS PRÓPRIAS, os procedimentos relativos às condições para a utilização das armas de fogo de sua propriedade, AINDA QUE FORA DE SERVIÇO.
§ 2º As instituições, os órgãos e as corporações, ao definir os procedimentos a que se refere o caput, disciplinarão as normas gerais de uso de arma de fogo de sua propriedade, FORA DO SERVIÇO, quando se tratar de locais onde haja aglomeração de pessoas, em decorrência de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, ESCOLAS, estádios desportivos e clubes, públicos e privados.
Nota-se, portanto, de forma inequívoca, que cabe à própria instituição policial regulamentar o porte de arma de seus integrantes, ainda que não estejam em serviço, em quaisquer locais onde haja aglomeração de pessoas, sendo o rol mencionado no § 2º do art. 26 meramente exemplificativo, pois o dispositivo é expresso ao mencionar “evento de qualquer natureza, tais como…”.
De qualquer forma, ainda que o referido dispositivo não fosse meramente exemplificativo, menciona o termo “escolas”, o que, por si só, é suficiente para abranger as universidades.
Sendo assim, as universidades não podem proibir que militares das Forças Armadas, policiais federais, civis, militares e penais, estes quando forem do quadro efetivo; os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes; os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; os policiais legislativos do Senado e da Câmara dos Deputados; as guardas portuárias e os integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário, portem arma de fogo nas dependências das universidades, inclusive em sala de aula.
Isso porque compete à própria instituição a que o policial ou um dos mencionados acima pertencer, mediante edição de norma própria, decidir os casos em que seus integrantes poderão portar arma de fogo fora do horário de serviço, quando houver aglomeração de pessoas, em decorrência de evento de qualquer natureza.
A regra é que seja proibido o porte de arma de fogo em salas de aula (art. 20 do Decreto n. 9.847/19), mas em se tratando de policiais e das categorias acima especificadas, não entram nessa regra, pois o próprio decreto remete a análise da possibilidade de portar arma nesses locais às instituições a que pertencerem (art. 26, § 2º).
A Polícia Militar de Minas Gerais possui a Resolução n. 4.085/10 versa sobre o porte de arma de fogo de propriedade do militar e o porte de arma de fogo pertencente à Polícia Militar de Minas Gerais.
O art. 41, § 2º, da Resolução 4.085/10 da PMMG assevera que se o militar não estiver em serviço poderá portar arma desde que não a conduza ostensivamente, além de comunicar o responsável pela segurança do local.
Caso esteja em serviço e fardado, poderá (deverá) portar a arma ostensivamente, já que esta fica no coldre para que possa ser feito o saque imediato da arma, caso seja necessário, além de se dar visibilidade.
É certo que as universidades gozam de autonomia (art. 207 da CF), mas não para decidir se policiais podem entrar armados em suas dependências. Gozam de autonomia didático-científica e administrativa para organizar seus serviços, podendo, inclusive estipular normas de segurança, desde que não contrariem leis e como exposto, a lei é muito clara ao autorizar que o policial entre armado nas universidades, desde que a instituição a que pertencer, permita.
Não há que se falar que por disposição contratual da universidade, o aluno policial, não deve portar arma em sala de aula, na medida em que a própria lei e decreto definem que a atribuição para tratar do porte de arma pelo policial é das instituições a que pertencem.
Portanto, eventual previsão em regulamento das universidades que proíba o aluno policial de adentrar em suas dependências armado, exorbita a competência que possui para dispor acerca de seu funcionamento administrativo e não é válida.
Caso a universidade pretenda regulamentar ou proibir o porte de armas, por alunos policiais, em suas dependências, deverá fazer em conjunto com as instituições envolvidas, em razão do disposto no art. 26 do Decreto n. 9.847/19, não sendo lícito às próprias universidades proibirem o porte de arma de fogo pelo policial em sala de aula.
Nota-se que as restrições ao porte de arma por policiais somente pode ser feita por lei, decreto ou norma da própria instituição policial.
Em que pese toda a previsão normativa mencionada, em caso concreto, o Tribunal de Justiça de São Paulo, sem enfrentar as previsões legais citadas, que possuíam conteúdo semelhante à época da decisão (Decreto 5.123/04), decidiu que o policial militar não pode comparecer armado, às dependências da faculdade, sendo lícito que a universidade determine a retirada do aluno, na medida em que a presença de armas não se compraz com o ambiente escolar e constitui exercício regular de um direito por parte da universidade.[3]
Dessa forma, é possível expor as seguintes conclusões, caso a instituição a qual pertencer o policial permita o porte de arma de fogo em universidades, ainda que estas não permitam:
a) policial militar fardado em serviço: poderá entrar armado em sala de aula;
b) policial militar fardado que não esteja em serviço, como o caso do militar que vai para a aula e em seguida entrará de serviço ou que saiu do serviço e foi para a aula: por estar fardado, não portar arma ostensivamente e em condições de uso imediato, pode comprometer a segurança do policial e dos presentes, razão pela qual poderá estar armado ostensivamente;
c) policial federal, civil ou penal uniformizado, em serviço ou fora de serviço: poderá entrar armado em sala de aula e portá-la ostensivamente, por razões de segurança, conforme explicado no item “b”;
d) policial federal, civil, militar ou penal sem uniforme/farda, em serviço ou fora de serviço: poderá entrar armado em sala de aula, mas não poderá portar a arma ostensivamente, podendo deixá-la por debaixo da blusa, por exemplo, bem como avisar ao chefe da segurança da universidade.
NOTAS
[1] Art. 6º. É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para: II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput do art. 144 da Constituição Federal e os da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP); (Redação dada pela Lei nº 13.500, de 2017)
[2] Art. 6º. É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para: (…) § 1o As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
[3] Apelação nº 437.010-4/2-00, Rel. Des. DONEGÁ MORANDINI, j. em 12/06/2007.
por Rodrigo Foureaux | 20 jan 2020 | Atividade Policial
O art. 20 da Lei de Abuso de Autoridade prevê como crime a conduta de “Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do PRESO com seu advogado”.
A questão a ser definida é: a partir de que momento uma pessoa é considerada presa para fins de incidência do art. 20 da Lei de Abuso de Autoridade.
A Lei de Abuso de Autoridade, no art. 13, menciona as expressões “preso” e “detento”, o que dá a entender que distingue o status de “preso” e “detido” e não há em nosso ordenamento jurídico uma distinção clara entre preso e detido, levando a crer que detido é a pessoa que tem a sua liberdade restringida legalmente por qualquer motivo, como a hipótese em que uma pessoa é presa em flagrante e recebe “voz de prisão”. Enquanto o Delegado não formalizar a prisão (Auto de Prisão em Flagrante), a pessoa estará “detida”, passando a ser “presa” quando o Delegado ratificar o Auto de Prisão em Flagrante.
Em se tratando do cumprimento de mandado de prisão, o status de “preso” ocorre imediatamente ao receber a voz de prisão, pois a decisão pela prisão já existe, sendo, somente, cumprida.
A prisão em flagrante subdivide-se em algumas fases: captura (ocorre com a voz de prisão), condução, lavratura do Auto de Prisão em Flagrante e encarceramento. O status de “preso”, tecnicamente, ocorre a partir da lavratura e ratificação do APF.
Ocorre que as expressões preso e detido são utilizadas sem rigor técnico, indistintamente, pela doutrina, jurisprudência e pela lei.
O Estatuto da OAB assegura ao advogado o acesso ao seu cliente quando estes estiverem presos, detidos ou recolhidos (art. 7º, III).
Teria o legislador tornado crime somente o ato de impedir o acesso do advogado quando o seu cliente estivesse preso? Ou o termo “preso” contido no art. 20 da Lei de Abuso de Autoridade abrange qualquer hipótese em que a pessoa esteja com a sua liberdade ambulatorial restringida, em razão, simplesmente, de uma “voz de prisão”?
O termo “preso” contido no art. 20 da Lei de Abuso de Autoridade foi utilizado de forma genérica, para se referir a qualquer situação que uma pessoa tenha sua liberdade ambulatorial restringida. Portanto, a partir do momento em que o policial dá “voz de prisão” para uma pessoa, esta passa a ter o direito de se comunicar com o advogado e este o direito de se comunicar, pessoal e reservadamente, com o seu cliente.
Isso porque a Lei de Abuso de Autoridade, em diversas passagens, menciona a expressão “preso” que, inequivocamente, permite interpretar que esse “status” ocorre a partir do momento em que o policial dá “voz de prisão”, como a hipótese em que veda a permanência – e condução – de presos no mesmo espaço de confinamento; obriga o policial a se identificar para o preso no momento de sua captura e veda o interrogatório do preso durante o período noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações (note que chama o agente de preso antes de terminar o APF), dentre outros.
Ocorre que na atividade policial, na rua, após a polícia dar “voz de prisão” para um agente, devido à dinâmica das operações policiais e necessidade de segurança dos policiais e do preso, pode ser que não seja possível que haja esse contato imediato, o que deve ser avaliado pelo Comandante da operação policial ou da guarnição que efetuou a prisão.
Permitir o contato do advogado com o preso na rua, a depender do caso concreto, pode gerar riscos para a guarnição, para o preso e até mesmo para o próprio advogado, sendo recomendável que os contatos entre advogado e preso ocorram tão logo a guarnição policial chegue à Delegacia, antes que o Delegado inicie a adoção das providências que o caso requer, de forma que possa ouvir a versão do preso e orientá-lo tecnicamente como deverá proceder.
Pelo fato da entrevista entre o preso e o advogado ter que ser pessoal e reservada, a guarnição policial deve manter uma distância que preserve o sigilo da conversa, o que, muitas vezes, em razão da distância, por si só, é arriscado para a segurança, pois o flagrante acabou de ocorrer, a pessoa acabou de ser presa e os ânimos estão, certamente, aflorados.
Pode-se cogitar que o advogado converse com o preso enquanto este estiver na parte traseira da viatura, que possui grades, conhecida como “camburão”. O advogado chegaria no banco detrás da viatura e conversaria com o preso pelas grades. Ocorre que os policiais teriam que manter uma distância para preservar a entrevista reservada, deixando a viatura policial sozinha, que muitas vezes possui armas e instrumentos utilizados pelos policiais. Teriam os policiais que retirarem todas armas e instrumentos da viatura para preservarem o direito do advogado acessar o cliente ou teriam os policiais que retirar o preso da viatura e deixá-los conversarem a uma distância mínima que preserve, simultaneamente, o sigilo da conversa e a segurança dos presentes?
O próprio art. 20 da Lei de Abuso de Autoridade permite que o policial não autorize a entrevista pessoal e reservada do preso com o seu advogado, desde que haja justa causa e os fundamentos expostos são suficientes para fundamentar a “justa causa” para impedir a entrevista pessoal e reservada entre advogado e cliente na rua.
Portanto, cabe ao policial que estiver comandando a ocorrência verificar se é o caso de autorizar a entrevista entre advogado e cliente, na rua.
Destaco que a regra é a possibilidade do advogado acessar o cliente na rua, devendo o policial fundamentar concretamente a negativa de acesso no Boletim de Ocorrência.
Por fim, em qualquer situação, para que haja abuso de autoridade o policial deve agir com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
por Rodrigo Foureaux | 10 jan 2020 | Atividade Policial
Visa o presente artigo analisar a possibilidade de consultas ao IMEI de celulares de abordados em vias públicas pela polícia.
A Lei de Abuso de Autoridade – Lei n. 13.869/19 – prevê como crime o ato consistente em constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro (art. 13, III).
Os celulares possuem um número de identificação denominado IMEI. Pelo número do IMEI é possível saber, caso a vítima tenha registrado, se o celular foi roubado/furtado e se é produto de crime. Para saber o IMEI basta digitar o código “*#06#”. Ocorre que para digitar este código, geralmente, é necessário que o celular esteja desbloqueado.
Inicialmente, deve-se destacar que o acesso ao número IMEI não viola nenhum direito à intimidade, na medida em que trata-se somente de um número, que possibilitará saber se o celular é produto de crime, sem que haja qualquer informação da vida privada da pessoa.
Da mesma forma que a pessoa deve se identificar quando determinado pelo policial e exibir os dados de sua identidade, quando estiver em sua posse, pois isso não implica em nenhuma violação de intimidade, inclusive a recusa em identificar-se configura contravenção penal (art. 68 da LCP) e a atribuição de falsa identidade é fato típico (art. 307 do CP), ainda que em situação de alegada autodefesa (Súmula 522 do STJ), não há nenhuma quebra de intimidade ou da vida privada quando o policial tem acesso somente aos números do IMEI.
Dessa forma, não há nenhuma ilegalidade quando a polícia realiza abordagem a uma pessoa em via pública e decide consultar o número do IMEI para saber se o celular é produto de crime e efetue, conforme o caso, a prisão do agente pelo crime de receptação, pois o agente conduzia ou transportava o celular, e estará em flagrante delito. Na hipótese em que o agente que estiver com o celular for o próprio autor do crime de furto/roubo, não estará em flagrante, pois o ato de conduzir/transportar o celular é pós-fato impunível (princípio da consunção), razão pela qual o celular deverá ser apreendido, sem, no entanto, ser efetuada a prisão em flagrante do agente que deverá responder a inquérito policial.
Ocorre que na atuação policial pode haver dificuldades em acessar o IMEI, caso a pessoa que esteja com o celular se recuse a fornecer os dados, pois não é possível o acesso sem o desbloqueio do celular.
Se o celular não tiver senha ou estiver desbloqueado, não há nenhuma ilegalidade em consultar, exclusivamente, o IMEI, sem que a polícia acesse nenhum outro arquivo ou aplicativo, pois não haverá nenhuma violação à intimidade.
O Supremo Tribunal Federal já considerou lícito o acesso pela polícia ao registro das chamadas efetuadas e recebidas.[1]
Caso haja senha e a pessoa abordada se recuse a fornecer o IMEI, a polícia não poderá acessar o celular de forma forçada, pois deve-se partir do pressuposto de que ninguém é obrigado a agir de forma que possa possibilitar a produção de prova contra si.
O policial poderá realizar buscas em todos os bens do abordado na rua, em caso de fundada suspeita, salvo as restrições legais, como a pasta de um advogado que tenha instrumentos de trabalho (art. 7º, II, da Lei n. 8.906/94). Assim, o policial poderá pegar o celular, tirar a capa de proteção em busca de drogas ou qualquer ilícito, mas não poderá desbloquear o celular contra a vontade do abordado, com o fim de saber o IMEI, mediante a exigência de senha ou aposição do dedo para desbloquear o celular mediante o uso da digital, pois exigiria comportamento ativo do abordado e, eventualmente, produção de provas contra si.
O abordado pode se opor à consulta do IMEI pelo fato do celular ser produto de crime ou, simplesmente, por não querer colaborar com os trabalhos da polícia. De qualquer forma, recusar-se a fornecer o número do IMEI, a depender do caso concreto, pode configurar suspeitas de que o celular seja produto de crime, pois se trata de um procedimento simples, rápido, sem violação à intimidade ou qualquer consequência para o abordado, caso não haja nenhuma ilegalidade com o aparelho.
O abordado é obrigado a fornecer dados pessoais quando exigido pela polícia, configurando, inclusive, contravenção penal a recusa em fornecer dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência (art. 68 da Lei de Contravenções Penais). Caso haja o fornecimento desas informações sejam falsas, também praticará contravenção penal (art. 68, parágrafo único, da Lei de Contravenções Penais).
Na hipótese em que o agente atribuir a si falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, praticará crime de falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que seja em situação de autodefesa (Súmula 522 do STJ), como dizer se chamar “Fulano”, quando se chama “Sicrano”, pois contra si possui mandado de prisão. Caso o agente apresente qualquer documento falso praticará o crime previsto no art. 304 do Código Penal (uso de documento falso), salvo se for ele o próprio responsável pela falsificação do documento, pois o uso constituirá pós-fato impunível (princípio da consunção), devendo responder pelo crime de falsificação de documento público (art. 297 do CP) ou falsificação de documento particular (art. 298 do CP).
O traço distintivo entre a contravenção penal prevista no art. 68, parágrafo único, da Lei de Contravenções Penais e o art. 307 do Código Penal reside na finalidade do agente. Caso esteja presente a finalidade de obtenção de vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem, haverá crime. Do contrário, haverá contravenção penal.
Ao Estado é dado o direito e dever de identificar todas as pessoas e exigir os dados necessários e na atualidade é absolutamente comum o fornecimento do número do celular para que facilite eventuais e necessários contatos com qualquer pessoa, sendo, portanto, lícita a exigência pelo policial do fornecimento de dados do celular do abordado, como número do celular e do IMEI, em que pese a recusa ao fornecimento desses dados não constituir contravenção penal, até porque na época em que a lei foi editada (1941) não havia celular e trouxe a previsão de contravenção penal quando a recusa decorra do não fornecimento da dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência, não sendo possível realizar analogia in malam partem para incluir dados do celular, devendo-se observar, rigorosamente, o princípio da taxatividade.
Os dados do IMEI são relevantes, pois permitem a identificação do celular, do seu usuário e se é proveniente de crime, caso o IMEI tenha sido cadastrado em banco de dados após a subtração do celular.
Por ser o abordado obrigado a fornecer o número do celular e os dados do IMEI quando exigido pela polícia, e por não constituir contravenção penal, a recusa injustificada configura crime de desobediência (art. 330 do CP), pois a ordem emanada do policial é legal.
Ordem legal é aquela que esteja de acordo com o ordenamento jurídico, não sendo necessário que haja previsão em lei (stricto sensu), especificamente, da possibilidade de uma exigência, para que se configure o crime de desobediência.
A recusa será justificada quando o celular for produto de crime, pois o abordado não é obrigado a colaborar com a polícia quando for possível que haja produção de provas contra si.
O direito à não autoincriminação veda a exigência de comportamentos ativos, sendo permitidas as provas decorrentes de um comportamento passivo do investigado.
Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima ensina que: “o acusado tem o direito de não colaborar na produção da prova sempre que se lhe exigir um comportamento ativo, um facere. Portanto, em relação às provas que demandam apenas que o acusado tolere a sua realização, ou seja, aquelas que exijam uma cooperação meramente passiva, não se há falar em violação ao nemo tenetur se detegere. O direito de não produzir prova contra si mesmo não persiste, portanto, quando o acusado for mero objeto de verificação.”[2] (grifo nosso).
Destaca-se ainda que o investigado não pode se opor à produção de provas não invasivas, que são aquelas produzidas com uma mera inspeção corporal, sem que haja penetração no corpo humano, como o exame de DNA feito em um fio de cabelo encontrado no chão.[3]
Renato Brasileiro[4] leciona que:
Em se tratando de prova não invasiva (inspeções ou verificações corporais), mesmo que o agente não concorde com a produção da prova, esta poderá ser realizada normalmente, desde que não implique colaboração ativa por parte do acusado. Além disso, caso as células corporais necessárias para realizar um exame pericial sejam encontradas no próprio lugar dos fatos (mostras de sangue, cabelos, pelos, etc.), no corpo ou vestes da vítima ou em outros objetos, poderão ser recolhidas normalmente, utilizando os meios normais de investigação preliminar (busca e/ou apreensão domiciliar ou pessoal).
O Supremo Tribunal Federal confirmou a legalidade da determinação da Justiça Federal para que o médico coletasse e entregasse a placenta para fins de exame de DNA, visando identificar o autor do estupro sofrido pela vítima enquanto estava presa nas dependências da Polícia Federal, na medida em que não houve a produção forçada de prova contra a vontade do agente.[5]
O Superior Tribunal de Justiça considerou legal a prova decorrente de colheita de material genético produzido pelo autor e descartado em um copo e uma colher de plástico após uma refeição, pois o exame foi realizado sem violência moral ou física.[6]
Nota-se que a prova não era invasiva e que não houve a exigência por parte da polícia de um comportamento ativo do investigado.
Nesse contexto, sendo a produção de prova decorrente de um comportamento passivo e não invasivo, é perfeitamente lícita, por não violar o direito a não autoincriminação.
Assim, pode-se pensar na hipótese em que o abordado, em fundada suspeita, tem contra si a realização de uma busca corporal e em seus pertences, ocasião em que a polícia solicita o número do IMEI e o suspeito se recusa a dizer, mas o celular permite o desbloqueio diante do simples fato de apontá-lo para o rosto do portador (reconhecimento facial), ocasião em que a polícia aponta o celular para o rosto do abordado, sem que houvesse nenhuma intimidação ou coação, e este é desbloqueado, sem que houvesse nenhum comportamento ativo do suspeito ou produção de prova invasiva. Em seguida, a polícia digita “*#06#”, verifica somente o IMEI, anota o número e o consulta no banco de dados da polícia, momento em que constata ser este produto de crime.
Diante desse cenário, deve-se verificar se a consulta ao IMEI, da forma que se deu, foi lícita e se a prova poderá ser usada contra o abordado?
Entendo que a consulta ao IMEI foi lícita, uma vez que não se exigiu nenhum comportamento ativo do abordado, não houve a produção de prova invasiva, nem a consulta a qualquer outro dado.[7]
Da mesma forma, caso o IMEI esteja transcrito em parte do celular que não exija o desbloqueio, como a parte que fica embaixo da bateria e o celular permita a retirada da bateria, a consulta ao IMEI será lícita.
Dessa forma, as situações de consultas ao IMEI podem assim serem resumidas:
a) abordado autoriza o acesso: será lícito o acesso ao celular para consultar, exclusivamente, o IMEI;
b) abordado não autoriza o acesso ao celular para consultar o IMEI e não fornece senha, não sendo possível acessar o IMEI sem que haja um comportamento ativo do abordado: policial não poderá consultar, sob pena de praticar crime de abuso de autoridade (art. 13, III, da Lei n. 13.869/19), caso force o acesso com o fim de produzir provas contra o abordado, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, como pegar o dedo do abordado e colocar no celular para desbloquear ou segurar o rosto do abordado e destravar o celular mediante o reconhecimento facial. Neste caso, se não for possível obter dados do IMEI de outra forma e não houver nenhum elemento que justifique a prisão ou retenção do abordado, este deverá ser liberado pela polícia no local, não sendo devido o recolhimento do celular para investigação, simplesmente, em razão da recusa em fornecer o acesso ao IMEI, pelo fato dessa conduta do abordado não configurar infração penal, pois o abordado pode estar a atuar com o fim de não produzir prova contra si. Tudo deverá ser registrado pela polícia para que, posteriormente, a autoridade de polícia judiciária proceda à investigação;
c) abordado não autoriza o acesso ao celular para consultar o IMEI e não fornece senha, sendo possível acessar o IMEI sem que haja um comportamento ativo do abordado: policial poderá consultar o IMEI, como a hipótese em que obtém acesso mediante a realização de reconhecimento facial, sem que o abordado colabore de qualquer forma, como passar o celular na frente de seu rosto em um momento de distração ou retirar a bateria e ter acesso ao número de identificação do celular. Caso verifique pelo IMEI que não há nenhuma ilegalidade, que o celular não é produto de crime, o policial poderá registrar ocorrência pelo crime de desobediência.
NOTAS
[1] STF – HC n. 91.867/PA.
[2] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 78.
[3] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 80.
[4] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 80.
[5] STF – Rcl-QO: 2040 DF, Relator: NÉRI DA SILVEIRA, Data de Julgamento: 21/02/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 27-06-2003 PP-00031 EMENT VOL-02116-01 PP00129
[6] (…) 5. No caso, entretanto, não há que falar em violação à intimidade já que o investigado, no momento em que dispensou o copo e a colher de plástico por ele utilizados em uma refeição, deixou de ter o controle sobre o que outrora lhe pertencia (saliva que estava em seu corpo). 6. Também inexiste violação do direito à não autoincriminação, pois, embora o investigado, no primeiro momento, tenha se recusado a ceder o material genético para análise, o exame do DNA foi realizado sem violência moral ou física, utilizando-se de material descartado pelo paciente, o que afasta o apontado constrangimento ilegal. (…) (STJ, Quinta Turma, HC 354.068/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, julgado em 13/03/2018)
[7] Certo de que este nosso posicionamento sofrerá resistências, o policial deve ter toda cautela ao realizar abordagens e consultar o IMEI de aparelhos celulares quando houver resistência por parte do abordado.