É possível que o policial acesse o celular do abordado na rua para somente descobrir o número do IMEI e diligenciar se o celular é produto de crime?

por | 31 jan 2020 | Atividade Policial

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Visa o presente artigo analisar a possibilidade de consultas ao IMEI de celulares de abordados em vias públicas pela polícia.

A Lei de Abuso de Autoridade – Lei n. 13.869/19 – prevê como crime o ato consistente em constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro (art. 13, III).

Os celulares possuem um número de identificação denominado IMEI. Pelo número do IMEI é possível saber, caso a vítima tenha registrado, se o celular foi roubado/furtado e se é produto de crime. Para saber o IMEI basta digitar o código “*#06#”. Ocorre que para digitar este código, geralmente, é necessário que o celular esteja desbloqueado.

Inicialmente, deve-se destacar que o acesso ao número IMEI não viola nenhum direito à intimidade, na medida em que trata-se somente de um número, que possibilitará saber se o celular é produto de crime, sem que haja qualquer informação da vida privada da pessoa.

Da mesma forma que a pessoa deve se identificar quando determinado pelo policial e exibir os dados de sua identidade, quando estiver em sua posse, pois isso não implica em nenhuma violação de intimidade, inclusive a recusa em identificar-se configura contravenção penal (art. 68 da LCP) e a atribuição de falsa identidade é fato típico (art. 307 do CP), ainda que em situação de alegada autodefesa (Súmula 522 do STJ), não há nenhuma quebra de intimidade ou da vida privada quando o policial tem acesso somente aos números do IMEI.

Dessa forma, não há nenhuma ilegalidade quando a polícia realiza abordagem a uma pessoa em via pública e decide consultar o número do IMEI para saber se o celular é produto de crime e efetue, conforme o caso, a prisão do agente pelo crime de receptação, pois o agente conduzia ou transportava o celular, e estará em flagrante delito. Na hipótese em que o agente que estiver com o celular for o próprio autor do crime de furto/roubo, não estará em flagrante, pois o ato de conduzir/transportar o celular é pós-fato impunível (princípio da consunção), razão pela qual o celular deverá ser apreendido, sem, no entanto, ser efetuada a prisão em flagrante do agente que deverá responder a inquérito policial.

Ocorre que na atuação policial pode haver dificuldades em acessar o IMEI, caso a pessoa que esteja com o celular se recuse a fornecer os dados, pois não é possível o acesso sem o desbloqueio do celular.

Se o celular não tiver senha ou estiver desbloqueado, não há nenhuma ilegalidade em consultar, exclusivamente, o IMEI, sem que a polícia acesse nenhum outro arquivo ou aplicativo, pois não haverá nenhuma violação à intimidade.

O Supremo Tribunal Federal já considerou lícito o acesso pela polícia ao registro das chamadas efetuadas e recebidas.[1]

Caso haja senha e a pessoa abordada se recuse a fornecer o IMEI, a polícia não poderá acessar o celular de forma forçada, pois deve-se partir do pressuposto de que ninguém é obrigado a agir de forma que possa possibilitar a produção de prova contra si.

O policial poderá realizar buscas em todos os bens do abordado na rua, em caso de fundada suspeita, salvo as restrições legais, como a pasta de um advogado que tenha instrumentos de trabalho (art. 7º, II, da Lei n. 8.906/94). Assim, o policial poderá pegar o celular, tirar a capa de proteção em busca de drogas ou qualquer ilícito, mas não poderá desbloquear o celular contra a vontade do abordado, com o fim de saber o IMEI, mediante a exigência de senha ou aposição do dedo para desbloquear o celular mediante o uso da digital, pois exigiria comportamento ativo do abordado e, eventualmente, produção de provas contra si.

O abordado pode se opor à consulta do IMEI pelo fato do celular ser produto de crime ou, simplesmente, por não querer colaborar com os trabalhos da polícia. De qualquer forma, recusar-se a fornecer o número do IMEI, a depender do caso concreto, pode configurar suspeitas de que o celular seja produto de crime, pois se trata de um procedimento simples, rápido, sem violação à intimidade ou qualquer consequência para o abordado, caso não haja nenhuma ilegalidade com o aparelho.

O abordado é obrigado a fornecer dados pessoais quando exigido pela polícia, configurando, inclusive, contravenção penal a recusa em fornecer dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência (art. 68 da Lei de Contravenções Penais). Caso haja o fornecimento desas informações sejam falsas, também praticará contravenção penal (art. 68, parágrafo único, da Lei de Contravenções Penais).

Na hipótese em que o agente atribuir a si falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, praticará crime de falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que seja em situação de autodefesa (Súmula 522 do STJ), como dizer se chamar “Fulano”, quando se chama “Sicrano”, pois contra si possui mandado de prisão. Caso o agente apresente qualquer documento falso praticará o crime previsto no art. 304 do Código Penal (uso de documento falso), salvo se for ele o próprio responsável pela falsificação do documento, pois o uso constituirá pós-fato impunível (princípio da consunção), devendo responder pelo crime de falsificação de documento público (art. 297 do CP) ou falsificação de documento particular (art. 298 do CP).

O abordado pode se opor à consulta do IMEI pelo fato do celular ser produto de crime ou, simplesmente, por não querer colaborar com os trabalhos da polícia. De qualquer forma, recusar-se a fornecer o número do IMEI, a depender do caso concreto, pode configurar suspeitas de que o celular seja produto de crime, pois se trata de um procedimento simples, rápido, sem violação à intimidade ou qualquer consequência para o abordado, caso não haja nenhuma ilegalidade com o aparelho.

O abordado é obrigado a fornecer dados pessoais quando exigido pela polícia, configurando, inclusive, contravenção penal a recusa em fornecer dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência (art. 68 da Lei de Contravenções Penais). Caso haja o fornecimento desas informações sejam falsas, também praticará contravenção penal (art. 68, parágrafo único, da Lei de Contravenções Penais).

Na hipótese em que o agente atribuir a si falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, praticará crime de falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que seja em situação de autodefesa (Súmula 522 do STJ), como dizer se chamar “Fulano”, quando se chama “Sicrano”, pois contra si possui mandado de prisão. Caso o agente apresente qualquer documento falso praticará o crime previsto no art. 304 do Código Penal (uso de documento falso), salvo se for ele o próprio responsável pela falsificação do documento, pois o uso constituirá pós-fato impunível (princípio da consunção), devendo responder pelo crime de falsificação de documento público (art. 297 do CP) ou falsificação de documento particular (art. 298 do CP).

O direito à não autoincriminação veda a exigência de comportamentos ativos, sendo permitidas as provas decorrentes de um comportamento passivo do investigado.

Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima ensina que: “o acusado tem o direito de não colaborar na produção da prova sempre que se lhe exigir um comportamento ativo, um facere. Portanto, em relação às provas que demandam apenas que o acusado tolere a sua realização, ou seja, aquelas que exijam uma cooperação meramente passiva, não se há falar em violação ao nemo tenetur se detegere. O direito de não produzir prova contra si mesmo não persiste, portanto, quando o acusado for mero objeto de verificação.”[2] (grifo nosso).

Destaca-se ainda que o investigado não pode se opor à produção de provas não invasivas, que são aquelas produzidas com uma mera inspeção corporal, sem que haja penetração no corpo humano, como o exame de DNA feito em um fio de cabelo encontrado no chão.[3]

Renato Brasileiro[4] leciona que:

“Em se tratando de prova não invasiva (inspeções ou verificações corporais), mesmo que o agente não concorde com a produção da prova, esta poderá ser realizada normalmente, desde que não implique colaboração ativa por parte do acusado. Além disso, caso as células corporais necessárias para realizar um exame pericial sejam encontradas no próprio lugar dos fatos (mostras de sangue, cabelos, pelos, etc.), no corpo ou vestes da vítima ou em outros objetos, poderão ser recolhidas normalmente, utilizando os meios normais de investigação preliminar (busca e/ou apreensão domiciliar ou pessoal).”

O Supremo Tribunal Federal confirmou a legalidade da determinação da Justiça Federal para que o médico coletasse e entregasse a placenta para fins de exame de DNA, visando identificar o autor do estupro sofrido pela vítima enquanto estava presa nas dependências da Polícia Federal, na medida em que não houve a produção forçada de prova contra a vontade do agente.[5]

O Superior Tribunal de Justiça considerou legal a prova decorrente de colheita de material genético produzido pelo autor e descartado em um copo e uma colher de plástico após uma refeição, pois o exame foi realizado sem violência moral ou física.[6]

Nota-se que a prova não era invasiva e que não houve a exigência por parte da polícia de um comportamento ativo do investigado.

Nesse contexto, sendo a produção de prova decorrente de um comportamento passivo e não invasivo, é perfeitamente lícita, por não violar o direito a não autoincriminação.

Assim, pode-se pensar na hipótese em que o abordado, em fundada suspeita, tem contra si a realização de uma busca corporal e em seus pertences, ocasião em que a polícia solicita o número do IMEI e o suspeito se recusa a dizer, mas o celular permite o desbloqueio diante do simples fato de apontá-lo para o rosto do portador (reconhecimento facial), ocasião em que a polícia aponta o celular para o rosto do abordado, sem que houvesse nenhuma intimidação ou coação, e este é desbloqueado, sem que houvesse nenhum comportamento ativo do suspeito ou produção de prova invasiva. Em seguida, a polícia digita “*#06#”, verifica somente o IMEI, anota o número e o consulta no banco de dados da polícia, momento em que constata ser este produto de crime.

Diante desse cenário, deve-se verificar se a consulta ao IMEI, da forma que se deu, foi lícita e se a prova poderá ser usada contra o abordado?

Entendo que a consulta ao IMEI foi lícita, uma vez que não se exigiu nenhum comportamento ativo do abordado, não houve a produção de prova invasiva, nem a consulta a qualquer outro dado.[7]

Da mesma forma, caso o IMEI esteja transcrito em parte do celular que não exija o desbloqueio, como a parte que fica embaixo da bateria e o celular permita a retirada da bateria, a consulta ao IMEI será lícita.

Dessa forma, as situações de consultas ao IMEI podem assim serem resumidas:

a) abordado autoriza o acesso: será lícito o acesso ao celular para consultar, exclusivamente, o IMEI;

b) abordado não autoriza o acesso ao celular para consultar o IMEI e não fornece senha, não sendo possível acessar o IMEI sem que haja um comportamento ativo do abordado: policial não poderá consultar, sob pena de praticar crime de abuso de autoridade (art. 13, III, da Lei n. 13.869/19), caso force o acesso com o fim de produzir provas contra o abordado, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, como pegar o dedo do abordado e colocar no celular para desbloquear ou segurar o rosto do abordado e destravar o celular mediante o reconhecimento facial. Neste caso, se não for possível obter dados do IMEI de outra forma e não houver nenhum elemento que justifique a prisão ou retenção do abordado, este deverá ser liberado pela polícia no local, não sendo devido o recolhimento do celular para investigação, simplesmente, em razão da recusa em fornecer o acesso ao IMEI, pelo fato dessa conduta do abordado não configurar infração penal, pois o abordado pode estar a atuar com o fim de não produzir prova contra si. Tudo deverá ser registrado pela polícia para que, posteriormente, a autoridade de polícia judiciária proceda à investigação;

c) abordado não autoriza o acesso ao celular para consultar o IMEI e não fornece senha, sendo possível acessar o IMEI sem que haja um comportamento ativo do abordado: policial poderá consultar o IMEI, como a hipótese em que obtém acesso mediante a realização de reconhecimento facial, sem que o abordado colabore de qualquer forma, como passar o celular na frente de seu rosto em um momento de distração ou retirar a bateria e ter acesso ao número de identificação do celular. Caso verifique pelo IMEI que não há nenhuma ilegalidade, que o celular não é produto de crime, o policial poderá registrar ocorrência pelo crime de desobediência.

NOTAS

[1] STF – HC n. 91.867/PA.

[2] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 78.

[3] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 80.

[4] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 80.

[5] STF – Rcl-QO: 2040 DF, Relator: NÉRI DA SILVEIRA, Data de Julgamento: 21/02/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 27-06-2003 PP-00031 EMENT VOL-02116-01 PP00129

[6] (…) 5. No caso, entretanto, não há que falar em violação à intimidade já que o investigado, no momento em que dispensou o copo e a colher de plástico por ele utilizados em uma refeição, deixou de ter o controle sobre o que outrora lhe pertencia (saliva que estava em seu corpo). 6. Também inexiste violação do direito à não autoincriminação, pois, embora o investigado, no primeiro momento, tenha se recusado a ceder o material genético para análise, o exame do DNA foi realizado sem violência moral ou física, utilizando-se de material descartado pelo paciente, o que afasta o apontado constrangimento ilegal. (…) (STJ, Quinta Turma, HC 354.068/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, julgado em 13/03/2018)

[7] Certo de que este nosso posicionamento sofrerá resistências, o policial deve ter toda cautela ao realizar abordagens e consultar o IMEI de aparelhos celulares quando houver resistência por parte do abordado.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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