O descumprimento de determinações do Poder Público e o coronavírus: consequências criminais

Diante da pandemia do novo coronavírus, o Governo brasileiro tem adotado medidas para prevenir e conter o coronavírus, bem como tratar as pessoas que tenham sido contaminadas.

Nesse contexto, foi editada a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que foi regulamentada pela Portaria n. 356, de 11 de março de 2020, do Ministério da Saúde.

O art. 3º da Lei n. 13.979/20 traz um rol de medidas a serem adotadas para o enfrentamento da emergência de saúde pública, dentre as quais se encontram o isolamento; a quarentena; a realização de exames médicos, testes laboratoriais, vacinação, tratamentos médicos específicos, dentre outras.           

No Distrito Federal, o Governo decidiu por meio do Decreto n. 40.509, de 11 de março de 2020, adotar medidas com o fim de evitar a disseminação do coronavírus, dentre as quais se encontram a suspensão das atividades educacionais em todas as escolas, universidades e faculdades, além dos bares e restaurantes terem que observar na organização das mesas a distância mínima de dois metros entre elas.

A imprensa noticiou, ainda, que foi necessário que o Governo do Distrito Federal entrasse na justiça para que uma pessoa em Brasília realizasse exames.

Diante desse contexto de normas que visam a manutenção da salubridade pública, é necessário analisar quais crimes praticam aqueles que descumprem essas normas.

O art. 268 do Código Penal trata do crime de infração de medida sanitária preventiva, cuja redação é a seguinte:

Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

O tipo penal visa tutelar a saúde pública.

Nota-se que o fato de uma pessoa não cumprir as determinações do poder público com o fim de impedir o surgimento ou a difusão de uma doença contagiosa, pratica o crime previsto no art. 268 do Código Penal. Trata-se, portanto, de uma norma penal em branco.

O coronavírus é uma doença contagiosa, uma doença transmissível.

Portanto, todo aquele que descumprir lei (Lei n. 13.979/20) ou ato administrativo (normas do Poder Público) que vise impedir a introdução ou a propagação de coronavírus no Brasil, desde que descumpra dolosamente, praticará o crime de infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do CP), ainda que não resulte em nenhum resultado concreto, sendo suficiente o mero descumprimento doloso, por se tratar de crime de perigo comum, ou seja, a lei presumiu, de forma absoluta, o risco causado à sociedade em razão da conduta daqueles que descumprem normas do poder público nesses casos.

Qualquer pessoa poderá figurar como sujeito ativo. Caso o sujeito ativo seja funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro, a pena é aumentada de um terço, em razão da maior reprovabilidade da conduta por parte daqueles que têm, como profissão, a obrigação de zelar pelo cumprimento das normas que visam o cuidado com a saúde, além de serem detentores de conhecimentos técnicos (art. 268, parágrafo único, do CP).           

A vítima é a sociedade, a coletividade.

Para que haja a prática do crime previsto no art. 268 do Código Penal é necessário que o agente atue com dolo, ainda que não seja o dolo específico. É suficiente o dolo genérico. Ou seja, é suficiente que o agente atue de forma a descumprir determinação do poder público, ainda que não atue com a finalidade específica de introduzir ou propagar a doença contagiosa. Não se admite a forma culposa.           

A consumação ocorre com o mero descumprimento da norma do Poder Público. Trata-se de crime formal, ou seja, a consumação do crime ocorre ainda que nenhuma pessoa seja contaminada pela doença.

Admite-se a tentativa quando o agente descumpre uma ordem de não fazer, na medida em que para descumprir essa ordem deverá agir e a ação pode ser fracionada em atos, como um agente impedido de sair de casa (isolamento domiciliar) tenta sair, momento em que é flagrado pela polícia. Caso o descumprimento seja de uma obrigação de fazer, como realizar exame médico, a tentativa não se revela possível, na medida que será um crime omissivo. A omissão própria não admite tentativa, pois o crime se consuma, exatamente, no momento em que o agente devia agir e não age.           

A ação penal é pública incondicionada, logo, o Estado é obrigado a tomar providências contra a pessoa que pratica esse crime. Isto é, a polícia é obrigada a prender, se estiver em flagrante, e o Ministério Público deve oferecer denúncia.

Em razão da pena máxima ser de um ano e ainda que haja a causa de aumento prevista no parágrafo único do art. 268 do Código Penal (1/3), a pena não superará dois anos, trata-se de um crime de menor potencial ofensivo, razão pela qual a competência é do Juizado Especial Criminal, sendo possível que haja transação penal e suspensão condicional do processo.

Na hipótese em que do crime de infração de medida sanitária preventiva resultar lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resultar morte, é aplicada em dobro (art. 258 do Código Penal). Trata-se de hipótese de crime preterdoloso (dolo no antecedente e culpa no consequente).

Caso o agente atue dolosamente para transmitir a doença e haja lesão corporal ou homicídio, deverá responder pelo crime de lesão corporal (art. 129 do CP) ou homicídio (art. 121 do CP) em concurso com o crime de infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do CP).

Quando o agente descumpre determinações do Poder Público para que impeça a introdução ou a propagação de doença contagiosa não pratica o crime de desobediência (art. 330 do CP), uma vez que este tipo penal é subsidiário. Ou seja, somente quando não houver outro tipo penal ou sanção cível ou administrativa com a ressalva da possibilidade de se praticar desobediência em caso de descumprimento de ordens advindas de funcionários públicos, é que o agente praticará o crime previsto no art. 330 do Código Penal.           

Caso haja mera recomendação do Poder Público, como tem ocorrido em razão do surto de coronavírus, ao se recomendar que as pessoas não se beijem, não se abracem e não se cumprimentem com aperto de mão; que cubram o rosto quando tossir e que lavem sempre as mãos e procurem não tocar no rosto, o não acatamento à recomendação não configurará a prática do crime previsto no art. 268 do Código Penal (infração de medida sanitária preventiva), pois o tipo penal é claro ao dizer que o descumprimento deve ser de determinação do Poder Público, o que não abrange a recomendação. O simples não acatamento de recomendação não configura nenhum crime.

Nesse sentido, todas as determinações do Governo, seja decorrente de lei ou de ato normativo, com o fim de resguardar a saúde pública, no caso, prevenir o coronavírus e impedir a sua propagação, devem ser cumpridas pelos seus destinatários, sob pena da prática de crime de infração de medida sanitária preventiva.

Portanto, ao se determinar que uma pessoa seja isolada ou em quarentena e esta venha a fugir ou descumpra de qualquer modo a ordem, praticará o crime previsto no art. 268 do Código Penal (art. 3, I e II, da Lei n. 13.979/20).

Igualmente, praticará o crime previsto no art. 268 do Código Penal o agente que após receber determinação para que realize exame médico, deixa de realizá-lo ou resiste à sua realização (art. 3, III, “a”, da Lei n. 13.979/20).

Quando houver, no Brasil, vacina para tratar do coronavírus e o Governo determinar a vacinação de toda a população, mediante a estipulação de prazo, para que todos compareçam a um posto de saúde, as pessoas que deixarem de comparecer, praticarão o crime previsto no art. 268 do Código Penal (art. 3, III, “d”, da Lei n. 13.979/20).           

O art. 5º da Lei n. 13.979/20 prescreve que “Toda pessoa colaborará com as autoridades sanitárias na comunicação imediata de: I – possíveis contatos com agentes infecciosos do coronavírus; II – circulação em áreas consideradas como regiões de contaminação pelo coronavírus.”  

Assim, caso uma pessoa tenha contato com outras que tenham coronavírus e tenha ciência disso, mas não comunica às autoridades sanitárias, como ir ao médico ou a um laboratório para fazer exame, ou então viaje para o exterior, em local que haja grande incidência de coronavírus, e ao retornar para o Brasil, não comunique as autoridades sanitárias, praticará o crime de infração de medida sanitária preventiva, em razão da conduta omissiva. Há uma obrigação de fazer (comunicar as autoridades sanitárias) determinada pelo Estado, por intermédio de lei.

Na hipótese em que uma pessoa estiver contaminada com coronavírus e haja determinação do Poder Público para que informe os locais pelos quais passou em determinado período, visando um maior controle de possíveis pessoas que tenham sido contaminadas, a pessoa será obrigada a informar, sob pena de praticar o crime previsto no art. 268 do Código Penal, uma vez que a ordem é legal, na medida em que a Lei n. 13.979/20 trouxe um rol de medidas que visam proteger a sociedade por questões de saúde pública e dentre as medidas encontra-se o dever de colaboração de todas as pessoas (art. 5º).

O Decreto n. 40.509, de 11 de março de 2020, do Governo do Distrito Federal suspendeu atividades educacionais em todas as escolas, universidades e faculdades, pelo prazo de cinco dias. Portanto, caso algum estabelecimento de ensino, no âmbito do Distrito Federal, descumpra a determinação que visa impedir introdução ou a propagação do coronavírus, a autoridade que tenha determinado o prosseguimento das atividades educacionais praticará o crime previsto no art. 268 do Código Penal.

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por intermédio do Decreto Judiciário n. 557, de 11 de março de 2020, determinou que os magistrados e servidores que retornarem de férias do exterior deverão, durante o período de 14 (quatorze) dias, contados da data do retorno ao Brasil, desempenhar atividades funcionais via teletrabalho. Trata-se de uma determinação do Poder Público destinada aos integrantes do Poder Judiciário do Estado de Goiás que visa impedir a introdução ou a propagação do coronavírus, razão pela qual o descumprimento dessa medida acarreta na prática do crime previsto no art. 268 do Código Penal.

A determinação do Poder Público pode ser exarada pela União, Estado, Distrito Federal ou Municípios e pode decorrer de lei ou de um ato administrativo, como decreto, regulamento e portaria.           

Todos devem colaborar para impedir a introdução ou a propagação do coronavírus e o descumprimento de determinações do Poder Público poderá caracterizar o crime de infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do Código Penal).

A continência prestada por atletas militares nas olimpíadas

Visando fortalecer a equipe militar de atletas nas olimpíadas e em competições esportivas, bem como possibilitar àqueles que, apesar de serem atletas de alto rendimento, não têm condições de treinarem e se prepararem para as competições, o Ministério da Defesa e o Ministério do Esporte criaram em 2008 o Programa Atletas de Alto Rendimento – PAAR.

Os atletas são selecionados por intermédio de processo seletivo que considera os resultados dos concorrentes em competições esportivas oficiais na modalidade que estejam concorrendo.

Após o processo seletivo, os classificados passam a incorporar a Força Armada que realizou o processo seletivo, podendo ser o Exército, Marinha ou Aeronáutica.

Na Aeronáutica, os atletas são declarados Terceiros-Sargentos, incluídos no Quadro de Sargentos da Reserva de 2ª Classe Convocados (QSCon), bem como no Corpo de Graduados da Reserva da Aeronáutica.

Na Marinha os atletas são incorporados como Grumete, o que equivale à base da hierarquia militar da Força Marítima.[1]

No Exército, os atletas selecionados são incorporados como 3º Sargento Técnico Temporário.[2]

O Quadro de Sargentos da Reserva de 2ª Classe Convocados destina-se a preencher, em caráter temporário, em tempo de paz, as necessidades operacionais da Força Aérea relativamente aos Quadros de Sargentos de carreira, pertinentes às áreas profissionais de nível médio necessárias ao Comando da Aeronáutica.[3]

Após ser incorporado, o atleta passa por treinos militares, consistentes na adaptação e preparação às peculiaridades do da vida militar e do Serviço Militar Temporário

Os atletas selecionados e incorporados passam à condição de militares, momento em que estarão sujeitos ao ordenamento jurídico vigente afeto aos militares.[4]

Isto é, os atletas que pertencem às Forças Armadas e participam das olimpíadas e competições esportivas são militares e a eles se aplicam o Código Penal Militar, o Código de Processo Penal Militar e toda a legislação militar.

Em que pese serem atletas formalmente militares, na prática não exercem atividades militares e se dedicam aos treinamentos visando um bom desempenho nas competições esportivas.

Mutatis mutandis, os médicos que integram as Forças Armadas são militares, mas não exercem atribuições militares, mas sim da própria atividade de medicina, assim como os atletas que exercem atividades próprias de atletas.

Os atletas militares fazem jus à remuneração mensal e a todos os direitos decorrentes da graduação que ocupam, além de possuírem locais próprios para treinamentos; atendimento médico, odontológico, alojamento, dentre outros, que permitem ao atleta concentração e preparo para as competições esportivas.

Os atletas de alto rendimento que ingressam nas Forças Armadas podem permanecer por até 08 (oito) anos, de acordo com o interesse da Administração.

Por serem militares, comumente, prestam continências no pódio olímpico, durante o hasteamento da Bandeira Nacional.

A continência é a saudação prestada pelo militar (art. 14 da Portaria Normativa n. 660/09).

A Bandeira Nacional, ao ser hasteada ou arriada, diariamente, em cerimônia militar ou cívica, tem direito à continência (art. 15, I, “a” da Portaria Normativa n. 660/09).

O momento de recebimento de uma medalha, em uma Olimpíada, com o hasteamento da Bandeira Nacional, constitui uma cerimônia cívica, por ser um ato patriótico e honroso à nação.

Dessa forma, por força do Regulamento de Continências – Portaria Normativa n. 660/09 – estão os atletas militares obrigados a prestarem continência à bandeira do Brasil durante o seu hasteamento, por ocasião do recebimento de uma medalha olímpica, desde que estejam fardados ou em trajes militares que permitam a continência.

O fato dos atletas estarem uniformizados com trajes civis não impede que seja prestada continência, como uma forma de manifestação de respeito à Bandeira Nacional e agradecimento à Força Armada da qual faz parte. Trata-se, portanto, de uma faculdade dos militares que são atletas olímpicos.

NOTAS

[1] Item 11.3 do Aviso de Convocação n. 2/2017 da Marinha do Brasil.

[2] Item 7.1 do Aviso de Convocação n. 05-SSMR/1, de 26 de setembro de 2018, do Exército Brasileiro.

[3] Item 2.4.2 da PORTARIA DIRAP N° 6.210-T/SAPSM, DE 28 DE OUTUBRO DE 2018

[4] Item 2.4.11 da PORTARIA DIRAP N° 6.210-T/SAPSM, DE 28 DE OUTUBRO DE 2018.