A Lei n. 13.880/19 e a apreensão de arma de fogo do autor de violência doméstica

por | 19 abr 2020 | Atividade Policial

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A Lei 13.880, de 08 de outubro de 2019, altera a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) para prever a apreensão de arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica.

Apreender a arma de fogo consiste em recolhê-la com o fim de evitar que o agressor a utilize para qualquer finalidade e que a arma possa ser periciada e utilizada como prova no processo.

Suspender a posse consiste em proibir, temporariamente, que o agressor tenha a arma no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa.

Restringir o porte trata de proibir, temporariamente, que o agressor leve a arma consigo nas ruas ou em qualquer local que não seja sua residência ou local de trabalho, em que seja o titular ou responsável legal. A restrição pode ser total (proibição de portar arma em qualquer hipótese) ou parcial (proibição de um policial portar arma quando não estiver em serviço).

A cassação refere-se à perda do direito de portar ou possuir arma de fogo. Possui caráter definitivo, sendo possível a obtenção de novo direito de portar/possuir arma de fogo após observar todos os trâmites legais e regulamentares.           

O art. 12 da Lei Maria da Penha trata das providências que o Delegado de Polícia deve adotar de imediato nas situações de violência doméstica, passando a prever no inciso VI-A que o Delegado deve “verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento)”.

O art. 18 da Lei Maria da Penha prevê as providências a serem adotadas pelo juiz ao receber os autos que relatam a violência doméstica, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, e passa a prever no inciso IV que caberá ao juiz “determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor”.

Ao utilizar a expressão “sob a posse do agressor” teria o legislador determinado a apreensão da arma somente nos casos de posse de arma? Não, pois o termo “sob a posse do agressor” deve ser entendido como toda arma que seja de responsabilidade do agressor. É esse o significado de “sob a posse do agressor”, pois sempre que a pessoa tiver direito ao porte de arma, necessariamente, terá direito à posse, pois ao entrar com a arma em casa, local onde fica guardada, o porte passa a ser posse. O proprietário de arma de fogo não deve deixar a arma na rua. Noutro giro, é possível que haja a posse sem que haja o porte, como a hipótese em que o proprietário possua autorização somente para ter a arma dentro de casa.

Entender que a apreensão deve ocorrer somente se decorrer da posse de arma significa dizer que o agressor que possua o porte poderá ficar andando com a arma pelas ruas, mas não poderá entrar armado em casa, interpretação que não é razoável.

Nesse sentido, quando a lei dispõe que cabe ao juiz determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor quer dizer que toda arma registrada em nome do agressor deverá ser apreendida.

A alteração na lei não permite que o Delegado de Polícia suspenda o porte ou posse de arma ou que a apreenda, imediatamente, em razão da prática de violência doméstica. A arma poderá ser apreendida pelo Delegado, de imediato, somente se tiver sido utilizada na prática do crime, como apontar a arma para ameaçar ou efetuar disparos de arma de fogo. Caso a arma seja ilegal, por configurar crime autônomo, como porte ou posse ilegal de arma de fogo, também deverá ser apreendida pela autoridade policial.

O Delegado deverá informar nos autos da prisão em flagrante ou do inquérito se o agressor possui arma de fogo ou autorização para ter e caso possua deverá constar nos autos e comunicar a ocorrência registrada à instituição responsável pela concessão do registro ou emissão do porte.

A informação nos autos de que o agressor possui arma de fogo é relevante para que o juiz determine a sua apreensão.

Ao juiz caberá determinar, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a apreensão de arma de fogo eventualmente registrada em nome ou sob posse do agressor.

O inciso IV do art. 18 prevê que caberá ao juiz “determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor”. Trata-se de uma medida protetiva de urgência que o juiz deve conceder de ofício, isto é, ainda que não haja pedido da ofendida, do delegado ou do Ministério Público. Há uma determinação da lei para que o juiz atue de ofício, com a finalidade de prevenir que a arma seja utilizada contra a mulher.

Isso porque o inciso IV do art. 18 prevê que cabe ao juiz DETERMINAR a apreensão IMEDIATA de arma de fogo sob a posse do agressor e o art. 22 já prevê como medida protetiva de urgência a suspensão da posse ou restrição do porte de armas. Ou seja, como a lei já prevê a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, a alteração dada pela Lei n. 13.880/19 seria inócua, pois o recolhimento da arma de fogo do agressor, como consequência da suspensão da posse ou restrição do porte de armas, já encontra-se previsto como medida protetiva de urgência (art. 22, I), mas depende de avaliação do juiz.

Enquanto o art. 18 (disposições gerais das medidas protetivas de urgência) traz as medidas que o juiz deve adotar, o art. 22 (espécies de medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor) traz as providências que o juiz pode adotar, conforme avaliação a ser feita em cada caso.

O art. 18 diz que “Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas: I – conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; II – determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso; III – comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis. IV – determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor. (Incluído pela Lei nº 13.880, de 2019)”.

O “pedido da ofendida” a que se refere o caput do art. 18 da Lei Maria da Penha deve ser interpretado como pedido de providências para a preservação de sua integridade e prevenção à violência doméstica e, ainda que não tenha requerido nenhuma medida protetiva de urgência, o juiz deverá adotar as providências elencadas nos incisos do art. 18, como comunicar ao Ministério Público e determinar a apreensão imediata de arma de fogo.

O juiz é obrigado a determinar a apreensão da arma, mas não é obrigado a aplicar como medida protetiva de urgência a suspensão da posse ou a restrição do porte (art. 22, I, da Lei n. 11.340/06), o que parece ser incongruente.

Ocorre que é possível que o juiz determine o recolhimento da arma do agressor, sem, no entanto, suspender o porte de arma, como a hipótese em que o agressor é um policial e possua arma particular. A arma particular será recolhida, sem prejuízo de que o policial use arma da instituição a que pertence durante o turno de serviço. Certo é que cada caso demandará análise se o policial pode utilizar a arma durante o serviço. De qualquer forma, ainda que se autorize o policial utilizar a arma durante o serviço, não poderá levá-la para casa, isto é, não poderá utilizar arma da instituição fora das hipóteses em que estiver de serviço.

A suspensão da posse e restrição do porte de arma implica na proibição total do uso de arma, enquanto que a mera apreensão da arma de fogo registrada em nome do agressor implica na proibição relativa, em se tratando de policial ou de autoridades que utilizem arma em serviço.

A lei manda que o Delegado de Polícia comunique se o agressor possui porte/posse de arma à autoridade que tenha autorizado, mas não diz a finalidade que consiste na avaliação da situação pela instituição responsável que poderá suspender o porte/posse, conforme regulamento próprio, bem como aplicar o art. 7º do Decreto n. 9.845/19 (cassação da posse de arma) e o art. 14 do Decreto n. 9.847/19 (cassação do porte de arma)[1].

A cassação somente será determinada a partir do indiciamento do investigado no inquérito policial ou do recebimento da denúncia ou queixa pelo juiz (art. 7º, § 2º, do Decreto n. 9.845/19 e art. 14, § 2º, do Decreto n. 9.847/19), o que não impede que ocorra a suspensão do porte/posse como medida cautelar, em razão da urgência, até que se conclua as investigações e haja o indiciamento ou não.

Em se tratando de prisão em flagrante, é comum que o indiciamento ocorra de imediato, razão pela qual já pode ocorrer a cassação do porte/posse, mas quando não houver situação de flagrante delito ou não ocorrer o indiciamento, a instituição responsável pela concessão do porte/posse pode suspender provisoriamente o porte/posse de arma de fogo.

Portanto, a comunicação do Delegado às autoridades competentes deve ocorrer de imediato para que haja cassação do porte/posse, em caso de indiciamento, ou análise da suspensão do porte/posse, quando não houver indiciamento.

Por fim, como o juiz é obrigado a determinar o recolhimento da arma de fogo, o risco de utilização da arma já não existirá mais, sendo possível a análise da suspensão do porte/posse de arma de fogo, posteriormente, pelas autoridades competentes, pois ainda que o juiz suspenda o porte/posse de arma de fogo, nada impede que a autoridade que tenha concedido o porte/posse o suspenda, na medida em que são esferas distintas e pode ocorrer do juiz revogar a suspensão e o agressor continuar impedido de ter porte/posse de arma em razão de decisão administrativa.

NOTA

[1] As categorias que possuem porte de arma não abrangidas pelo art. 14 do Decreto n. 9.847/19 devem observar as normas das próprias instituições (art. 24, § 3º).

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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