O crime de violação de domicílio (art. 150 do CP) tem por finalidade proteger a intimidade (art. 5º, X, da CF), a vida privada, o direito à paz, ao sossego, à tranquilidade como decorrência da inviolabilidade domiciliar, que é um direito fundamental (art. 5º, XI, da CF).
O art. 150, § 4º, I, do Código Penal afirma que a expressão “casa” compreende qualquer compartimento habitado, que significa qualquer espaço destinado à ocupação humana, como casas, apartamentos, quartos de hotel e de motel, barcos, boleia de caminhão, abrigo debaixo de pontes e viadutos etc.
Nesse sentido, tendo em vista o bem jurídico tutelado (privacidade) e que um compartimento desabitado não é considerado “casa” para fins violação de domicílio, caso um agente adentre, sem autorização, em uma casa desabitada, como uma que não tem morador e está à venda, não haverá crime de violação de domicílio.
E não haverá nenhum crime? Depende.
O simples ingresso na casa desabitada, por si só, não é crime! Ocorre que a depender do caso concreto poderá ocorrer algum crime contra o patrimônio, como furto, dano e esbulho possessório (art. 161, § 1º, II, do CP.
Para que haja o crime de esbulho possessório a invasão deve ocorrer mediante violência a pessoa ou grave ameaça ou mediante concurso de pelo menos três pessoas e devem ter o fim de tomar a posse para si (esbulho possessório), não caracterizando o crime o simples ingresso na propriedade alheia.
Caso a invasão, ainda que haja somente um agente, ocorra com o fim de esbulho possessório, a uma casa que seja financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação, o crime será o previsto no art. 9º da Lei n. 5.741/71. Em se tratando de invasão, com a intenção de ocupar, terra da União, dos Estados ou dos Municípios, ainda que seja um agente, o crime será o previsto no art. 20 da Lei n. 4.947/66.
Nota-se que em todos os casos deve haver a intenção de ocupar o imóvel e não caracteriza o crime de esbulho possessório o simples fato de entrar.
Então quer dizer que está liberado? Pode entrar em casa desabitada que a polícia nada pode fazer? Certo? NÃO!
Cada caso deverá ser analisado para saber se houver o início da execução de um crime contra o patrimônio, como o furto, ocasião em que a polícia poderá prender por tentativa de furto.
A tentativa ocorre quando crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. São seus elementos: início da execução; não consumação; circunstâncias alheias à vontade do agente.
Somente haverá tentativa caso o agente tenha iniciado a execução do verbo núcleo do tipo que no caso do furto é o verbo subtrair. Adota-se no Brasil a teoria objetivo-formal ou lógico-formal, segundo a qual o ato executório começa quando o agente inicia a prática do verbo núcleo do tipo.
Assim, para que possa se falar em tentativa, o agente tem que ter iniciado a prática de subtrair, o que pode ser constatado pela polícia no local, ao verificar que o agente, dentro da casa, já pegou alguns objetos ou seja flagrado levando a mão para subtrair um objeto.
Deve-se destacar que os atos preparatórios, por si só, não são puníveis, salvo se o ato preparatório, por si só, for crime, como comprar uma arma ilegal (porte ou posse ilegal de arma de fogo) para matar (homicídio) e adentrar a uma casa habitada (violação de domicílio) para furtar (crime de furto).
Portanto, caso um agente adentre a uma casa desabitada, como uma que está à venda, mas não tinha por finalidade furtar, mas somente fazer suas necessidades ou dormir, não haverá a prática de crime. E a polícia nada poderá fazer? Entendo que nesses casos deva contatar o proprietário para que este possa valer-se do desforço imediato (arts. 1.210, § 1º, e 1.224, ambos do Código Civil), que consiste na autoproteção de seu imóvel. Isto é, o proprietário de um imóvel pode expulsar uma pessoa que adentre ao seu imóvel utilizando-se da força moderada, ainda que não haja autorização judicial, desde que atue tão logo saiba que seu imóvel foi invadido. Nesses casos, caberá à Polícia Militar dar o apoio necessário para retirar o invasor.
Caso o órgão policial não consiga contato com o proprietário, a polícia poderá atuar de acordo com a vontade presumível do proprietário, à semelhança do que ocorre em uma gestão de negócios (art. 861 do CC). Na gestão de negócios há a atuação de uma parte sem que tenha recebido autorização daquele em nome do qual atua. A parte que atua, sem autorização, age de acordo com o interesse e vontade presumível do proprietário. Por óbvio, o comum é que as pessoas não querem que suas casas, ainda que sem moradores, sejam invadidas.
Assim, a Polícia Militar poderá retirar o invasor que tenha entrado para dormir ou fazer suas necessidades da casa desabitada, confeccionar Boletim de Ocorrência por ilícito civil, deixar de conduzir o invasor para a Delegacia, já que não houve crime, liberá-lo no local e adverti-lo que não deverá entrar mais na casa e, em caso de descumprimento da ordem, prendê-lo por desobediência.