O mandado de prisão autoriza a privação da liberdade de uma pessoa, mediante ordem do juiz competente ou da autoridade de polícia judiciária militar competente, neste caso quando se tratar de transgressão militar – somente para as Forças Armadas[1] – ou de crime propriamente militar (art. 5º, LXI, da CF c/c art. 18 do CPPM).
O mandado de prisão autoriza a captura do agente, a condução para a Delegacia, Unidade Militar (quartel), ou presídio, a depender do caso, e o consequente encarceramento.
Na hipótese em que o agente estiver em sua própria casa ou na de terceiros, prevalece que não é possível o ingresso do policial na residência para efetuar a prisão, sem que haja uma autorização judicial específica para ingresso em determinada residência.
Com efeito, a Constituição Federal autoriza o ingresso em domicílio (art. 5º, XI), contra a vontade do morador somente nas seguintes hipóteses: a) em caso de flagrante delito; b) em caso de desastre; c) para prestar socorro; d) para cumprir ordem judicial, durante o dia.
Em se tratando do cumprimento de mandado de prisão não há nenhuma das hipóteses autorizadas constitucionalmente.
De mais a mais, o art. 243, I, do CPP, quando trata do mandado de busca, afirma que o mandado deverá indicar, o mais precisamente possível, a casa, em que será realizada a diligência e ainda, caso haja ordem de prisão, deve constar no mandado de busca (art. 243, § 1º).
Em se tratando de limitação aos direitos fundamentais, a interpretação deve ser restritiva (teoria dos limites dos limites), de forma que o núcleo essencial do direito à inviolabilidade domiciliar seja preservado, em uma ponderação de valores.
O art. 293 do CPP autoriza que o executor do mandado ingresse na casa na qual o agente se encontra, caso o morador, intimado, não o entregue. Possibilita, inclusive, o uso da força e arrombamento das portas, mediante a presença de duas testemunhas, o que deverá ocorrer durante o dia. Caso seja noite, o policial que estiver cumprindo o mandado deverá, após intimar o morador e este não colaborar, cercar as saídas da casa e, ao amanhecer, arrombar as portas e efetuar a prisão.
Em uma leitura constitucional do art. 293 do CPP, prevalece na doutrina[2] que não é autorizado o ingresso na residência do policial que estiver cumprindo o mandado, sem que haja autorização do morador ou autorização judicial, por não ter sido contemplado nas exceções previstas no inciso XI do art. 5º, da Constituição Federal.
Caso contrário poderiam ocorrer diversos ingressos em residências à procura do agente, o que comprometeria o direito constitucional à inviolabilidade domiciliar.
Em sentido contrário, a doutrina[3] que defende a possibilidade de ingresso em domicílio sem autorização judicial específica, argumenta que o mandado de prisão pressupõe autorização judicial para a entrada na casa, por ser inerente ao ato a possibilidade de ingresso durante o dia.
A interpretação mais adequada consiste no meio-termo, de forma que o mandado de prisão pressupõe o ingresso somente na residência do próprio agente que tem contra si o mandado de prisão.
Isto é, em se tratando de ingresso em domicílio de terceiros, não está autorizado, sendo necessária autorização judicial específica ou do próprio morador. Caso a casa seja do infrator, está autorizado o ingresso, ainda que não conste expressamente no mandado de prisão.
Isso porque em uma ponderação de valores, moradores não podem sofrer restrições ao direito à inviolabilidade domiciliar por um ato de terceiro. Lado outro, o agente que consta no mandado de prisão terá o direito à liberdade restringido por um tempo, sendo proporcional e razoável que o direito à inviolabilidade domiciliar seja, momentaneamente, restringido para a sua captura.
Portanto, é possível que o mandado de prisão pressuponha, implicitamente, a autorização judicial para o ingresso de policiais na casa do próprio agente, sendo vedado o ingresso na cada de outras pessoas.
Partindo desse pressuposto, passamos a analisar as seguintes situações:
a) agente que possui contra si mandado de prisão, foge da polícia e ingressa em casa de terceiro com o consentimento do morador, durante o dia ou à noite:
Como houve consentimento do morador, não há que se falar em crime de violação de domicílio por parte do agente.
O policial deverá intimar o morador a autorizar a entrada da polícia (art. 293 do CPP) para efetuar a captura do agente.
A recusa do morador em permitir o acesso do policial, que possui autorização judicial para ingressar no domicílio durante o dia, pode configurar o crime de favorecimento pessoal (art. 348 do CP), que consiste em auxiliar o infrator a subtrair-se da autoridade pública.
Caso o morador impeça o ingresso de policiais, ainda que durante o dia, cujo mandado não autorize expressamente o acesso à residência, ou durante a noite, estará no exercício regular de um direito (art. 5, XI, da CF c/c art. 23, III, do CP), e não poderá sofrer quaisquer consequências.
Igualmente, caso o morador impeça o ingresso de policiais durante o dia, ainda que o mandado de prisão expressamente autorize o ingresso na residência, por ser o infrator ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do morador, não poderá ser punido (art. 348, § 2º, do CP e art. 350, § 2º, do CPM), o que, no entanto, não impedirá que a polícia entre na residência e capture o agente foragido, sem efetuar a prisão do morador, devendo constar no Boletim de Ocorrência a relação de parentesco e juntar documento comprovatório, como a identidade. Neste caso, o morador poderá ser conduzido à Delegacia para a lavratura do Boletim de Ocorrência, mas não poderá ser preso. Caso o morador não autorize o ingresso da polícia, quando o mandado de prisão autorizar o ingresso na residência, em razão da amizade que possui com a pessoa procurada, praticará o crime de favorecimento pessoal, razão pela qual, além de capturar o agente deverá dar “voz de prisão” para o morador.
O legislador optou por isentar de pena, em vista do afeto que nutre as famílias e preservação dos laços familiares, aquele que auxilia à subtração da autoridade pública o autor de crime.
b) agente que possui contra si mandado de prisão, foge da polícia e ingressa em casa de terceiro sem o consentimento do morador, durante o dia ou à noite:
O ingresso em residência sem o consentimento do morador configura o crime de violação de domicílio (art. 150 do CP).
O crime de violação de domicílio é de ação penal pública incondicionada, o que obriga a polícia a atuar e efetuar a prisão em flagrante dentro da residência invadida, ainda que os moradores não solicitem providências ou não autorizem a polícia a entrar.
O crime de violação de domicílio possui o verbo núcleo do tipo “permanecer”, o que demonstra que o flagrante se prolonga no tempo (flagrante permanente), enquanto o agente que invadiu a residência estiver dentro da casa, o que, por si só, autoriza a polícia a ingressar na casa para efetuar a prisão em flagrante e, consequentemente, cumprir o mandado de prisão. Ou seja, neste caso a polícia poderá entrar na casa e cumprir o mandado de prisão, ainda que este não autorize o ingresso na residência em que o agente está, pois o ingresso da polícia será em razão de uma situação caracterizadora de flagrante delito, o que legitima o ingresso da polícia a qualquer hora do dia ou da noite.
Caso os moradores não estejam presentes, deve-se distinguir duas situações.
A primeira consiste em analisar se o infrator encontra-se na casa com autorização dos moradores, como a hipótese do agente que já está em determinada casa há algum tempo e vizinhos sabem que ele possui as chaves. Nesse caso, será necessária autorização judicial para entrar na residência, pois trata-se de casa de terceiro e não há nenhuma das hipóteses previstas na Constituição Federal para o policial ingressar na residência.
A segunda consiste na situação do agente em fuga que adentra em residência, cujo morador está ausente, como o caso de um infrator que sobe uma parede e invade uma casa. Nesse caso, os policiais poderão ingressar na residência, ainda que no período noturno, pois houve o crime de violação de domicílio (art. 150 do CP), por ter sido o ingresso contra a vontade tácita do morador e o agente encontrar-se em flagrante delito.
Na prática, dificilmente, um morador não autorizaria a polícia a ingressar na residência em busca de uma pessoa que possui mandado de prisão contra si, por questões de segurança, salvo se houver relação de parentesco, amizade ou na hipótese em que o morador estiver sob ameaça ou de qualquer forma intimidado pelo agente.
Quando o policial constatar que o morador não autoriza o ingresso de policiais por se sentir ameaçado ou intimidado pelo agente em fuga que entrou na residência, deve ingressar na casa e efetuar a captura do agente, pois a vontade do morador em não autorizar está viciada e a demonstração de receio deve ser interpretada como uma autorização para o ingresso, a qualquer hora do dia ou da noite, na medida em que a situação demanda uma atuação rápida da polícia, até porque o agente pode fazer os moradores de refém ou praticar qualquer crime contra os moradores.
c) agente que possui contra si mandado de prisão, esconde-se em casa de terceiro e a polícia descobre onde o agente está, durante o dia ou à noite:
Nesse item deve-se distinguir a situação em que o agente se esconde em casa de terceiro com e sem autorização do morador.
Nos itens “a” e “b” foram tratados os casos em que o agente “foge da polícia”, ou seja, os casos em que a polícia visualiza o agente, este foge e adentra a uma residência.
Neste tópico o agente está em uma casa, não em razão de fuga, mas porque costuma nela se esconder ou porque adentrou a uma residência qualquer e houve denúncia, o que possibilitou a polícia tomar conhecimento do local em que o agente se encontra.
Caso o agente esteja em uma casa com autorização do morador, deve-se aplicar o entendimento exposto no item “a”. Caso seja sem autorização do morador, deve-se aplicar os fundamentos do item “b”, uma vez que, independentemente, do tempo que o agente tenha adentrado a uma residência, se não houver autorização do morador, a situação de flagrante se perpetuará no tempo (flagrante permanente), em razão do verbo “permanecer” contido no art. 150 do Código Penal:
Art. 150 – Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:
Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.
d) agente que possui contra si mandado de prisão, foge da polícia ou esconde-se em sua própria casa, durante o dia ou à noite:
Nesse caso a polícia poderá entrar na residência do agente e efetuar a prisão, pois encontra-se em sua própria casa e o mandado de prisão, por si só, é suficiente para autorizar o ingresso da polícia na própria residência daquele que tem contra si o mandado de prisão, ainda que não conste expressamente a autorização de ingresso em domicílio.
Isso porque em uma ponderação de valores, moradores não podem sofrer restrições ao direito à inviolabilidade domiciliar por um ato de terceiro. Noutro giro, o agente que consta no mandado de prisão terá o direito à liberdade restringido por um tempo, sendo proporcional e razoável que o direito à inviolabilidade domiciliar seja, momentaneamente, restringido para a sua captura.
É consequência lógica do mandado de prisão a autorização implícita para ingresso na residência do agente, pois o provável local em que será encontrado é em sua própria casa. Não há lógica em expedir mandado de prisão para que o agente seja preso somente se estiver em via pública e faça de sua casa um local de proteção para não ser preso, o que desvirtua a finalidade da inviolabilidade domiciliar prevista no art. 5º, XI, da Constituição Federal, que tem como fim a proteção da intimidade, da privacidade, do sossego, não sendo possível utilizar direitos fundamentais para se eximir do cumprimento da lei.
É desnecessário requerer ao juiz autorização judicial específica para entrar na residência do próprio agente que tem contra si mandado de prisão, pois seria de todo incompatível com a lógica do mandado de prisão e sem razoabilidade, autorizar em um mandado, que este somente seja cumprido se o agente estiver em via pública.
Portanto, é possível que o mandado de prisão pressuponha, implicitamente, a autorização judicial para o ingresso de policiais na casa do próprio agente, sendo vedado o ingresso na cada de outras pessoas quando o mandado não autorizar explicitamente, conforme exposto nos itens “a” e “b”.
e) agente que possui contra si mandado de prisão, foge da polícia ou esconde-se em casa desabitada, durante o dia ou à noite:
O crime de violação de domicílio (art. 150 do CP) tem por finalidade proteger a intimidade (art. 5º, X, da CF), a vida privada, o direito à paz, ao sossego, à tranquilidade como decorrência da inviolabilidade domiciliar, que é um direito fundamental (art. 5º, XI, da CF).
O art. 150, § 4º, I, do Código Penal afirma que a expressão “casa” compreende qualquer compartimento habitado, que significa qualquer espaço destinado à ocupação humana, como casas, apartamentos, quartos de hotel e de motel, barcos, boleia de caminhão, abrigo debaixo de pontes e viadutos etc.
Nesse sentido, tendo em vista o bem jurídico tutelado (privacidade) e que um compartimento desabitado não é considerado “casa” para fins violação de domicílio, caso um agente adentre, sem autorização, em uma casa desabitada, como uma que não tem morador e está à venda, não haverá crime de violação de domicílio.
E não haverá nenhum crime? Depende.
O simples ingresso na casa desabitada, por si só, não é crime! Ocorre que a depender do caso concreto poderá ocorrer algum crime contra o patrimônio, como furto, dano e esbulho possessório (art. 161, § 1º, II, do CP). Para que haja o crime de esbulho possessório a invasão deve ocorrer mediante violência a pessoa ou grave ameaça ou mediante concurso de pelo menos três pessoas e devem ter o fim de tomar a posse para si (esbulho possessório), não caracterizando o crime o simples ingresso na propriedade alheia.
Caso a ausência dos moradores seja de forma temporária, como uma viagem de férias ou ainda que seja uma casa de praia, cujos donos passem alguns dias no ano, haverá o crime de violação de domicílio.
Nessas situações em que a casa estiver desabitada, a polícia pode entrar livremente para efetuar a captura do agente, a qualquer hora do dia ou da noite, e, consequentemente, cumprir o mandado de prisão, ainda que no mandado não haja autorização para o ingresso na residência.
O ingresso em imóveis por policiais, de forma irregular, pode caraterizar o crime de abuso de autoridade (art. 22 da Lei 13.869/19), caso esteja comprovado que o policial adentrou com a finalidade específica de prejudicar o morador ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal (art. 1º, § 1º, da Lei 13.869/19).
Em razão das divergências de entendimentos, conforme exposto, caso o policial adentre à residência por acolher um dos entendimentos não há que se falar em abuso de autoridade, uma vez que estará descaracterizado o dolo específico de abusar da autoridade.
Todas as circunstâncias que levarem os policiais a adentrarem na residência deverão ser relatadas no Boletim de Ocorrência.
Por cautela, caso o policial queira se resguardar e não depender de interpretações e entendimentos, é prudente que ingresse em domicílio de terceiros, caso o morador não autorize, ou do próprio infrator, mediante autorização judicial.
Caso o mandado de prisão seja de natureza civil (débito de natureza alimentícia), deve-se aplicar, analogicamente, os dispositivos previstos no Código de Processo Penal, uma vez que o Código de Processo Civil não trata do procedimento para o cumprimento de mandado de prisão ao autorizar a sua expedição nos casos de prisão decorrente de dívida de pensão alimentícia[4].
Portanto, mutatis mutandis, todo o exposto para o cumprimento de mandado de prisão de natureza criminal, aplica-se ao cumprimento de mandado de prisão de natureza civil, ressalvada a possibilidade de efetuar a prisão por favorecimento pessoal daquele que não quiser entregar a pessoa que possua contra si o mandado de prisão que autoriza o ingresso na residência em que a pessoa esteja, uma vez que esta infração penal exige que a pessoa que esteja sendo procurada seja autor de crime, o que não impede que o morador pratique o crime de desobediência (art. 293, parágrafo único, do CPP c/c art. 330 do CP)[5] e a pessoa que tenha contra si o mandado de prisão o crime de resistência (art. 329 do CP)[6] conforme análise do caso concreto.
NOTAS
[1] A Lei n. 13.967/19 alterou o Decreto-Lei n. 667/69 e pôs fim à prisão disciplinar no seio das instituições militares estaduais (art. 18, VII).
[2] Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. 2. ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 800/801. Távora, Nestor; Rosmar Rodrigues Alencar. Curso de Direito Processual Penal. 12ª edição revista e atualizada. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 895. Tourinho Filho (2005, citado por Renato Brasileiro, 2019)
[3] Cunha, Rogério Sanches. Pinto, Ronaldo Batista. Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados – artigo por artigo. Editora Juspodivm. 2017. p. 769. Mirabete (2004, citado por Távora e Alencar, 2017).
[4] Decreto-Lei n. 4.657/42 – Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro. Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
[5] Art. 293. Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão. Parágrafo único. O morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua casa será levado à presença da autoridade, para que se proceda contra ele como for de direito.
Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
[6] Não configura o crime de resistência (art. 329 do CP) quando esta é passiva, podendo configurar o crime de desobediência (art. 330 do CP) ou de desacato (art. 331 do CP). Para que haja o crime de resistência, esta deve ser ativa, consistente no emprego de violência física ou ameaça às autoridades competentes para efetuar a prisão.