Por vezes ouve-se que não se pode apreender veículos em circulação pelas vias públicas cujo o IPVA não tenha sido pago, pois o Estado deve cobrar tributos mediante os meios judiciais (execução fiscal) ou extrajudiciais (lançamento tributário e protesto da Certidão de Dívida Ativa).
Tal afirmação não procede.
Realmente, a Administração Pública não pode cobrar tributos por meios indiretos, como impossibilitar o exercício de uma atividade econômica de um estabelecimento comercial que não tenha pago os impostos. Isso caracteriza sanção política, o que é vedado pelo STF (Súmulas 70, 323, 547) e STJ[1], uma vez que o Estado dispõe de meios legais (ação judicial ou providências extrajudiciais) para cobrar os tributos e essas medidas adotadas pelo Estado com o fim de restringir, impedir ou dificultar a atividade do contribuinte devedor, visando que ele pague o tributo, acarreta na violação dos princípios constitucionais que garantem a livre iniciativa e o livre exercício de qualquer atividade econômica.
Ocorre que em se tratando de normas de trânsito, a proibição à circulação de veículo sem estar com o IPVA pago visa assegurar a fiscalização da circulação dos veículos automotores e não se relaciona com a livre iniciativa e livre exercício da atividade econômica ou com direitos fundamentais.
Não há que se falar, também, em limitação ao direito de propriedade, pois não há uma restrição à propriedade (ao direito de ter um veículo), mas somente a exigência de se observar normas que tratam da fiscalização da circulação dos veículos automotores.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que “O CTB prevê que só poderá ser expedido novo certificado de registro de veículo e novo certificado de licenciamento anual se ficar comprovado o pagamento dos débitos relativos a tributos, encargos e multas vinculadas ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas (arts. 124, VIII, 128, e 131, § 2º). Tais dispositivos são constitucionais e não limitam o direito de propriedade. Além disso, não se constituem em sanções políticas.” (STF. Plenário. ADI 2998/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 10/04/2019, Info 937) (Extraído do Dizer o Direito).
Dessa forma, ao deixar de pagar o tributo dentro do prazo, a circulação do veículo com IPVA atrasado se torna irregular, pois não será licenciado, na medida em que o art. 131, § 2º, do CTB é expresso em dizer que o veículo somente será licenciado quando os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais estiverem quitados.
O art. 128 do CTB diz que “Não será expedido novo Certificado de Registro de Veículo enquanto houver débitos fiscais e de multas de trânsito e ambientais, vinculadas ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas”.
O art. 130 do CTB, por sua vez, diz que para o veículo transitar na via deverá ser licenciado anualmente pelo órgão de trânsito.
Portanto, se não há pagamento de tributo, o veículo não é licenciado, se não é licenciado, não pode transitar nas vias terrestres urbanas e rurais[2] e caso opte por transitar, praticará infração gravíssima de trânsito, cuja medida administrativa é a remoção do veículo (art. 230, V, do CTB).
Caso a Polícia Militar aborde um veículo que não tenha pago os impostos e o prazo fatal para o pagamento já tenha vencido, ainda que tenha pago o licenciamento, poderá lavrar multa e remover o veículo para o pátio, que somente será devolvido ao proprietário mediante o pagamento dos tributos em atraso. Ultrapassado o prazo de 60 (sessenta) dias, sem que o proprietário tenha pago todos os débitos, o veículo será avaliado e levado a leilão (art. 328 do CTB).
O veículo poderá ser restituído ao proprietário até o último dia útil anterior à realização da sessão do leilão, desde que quitados os débitos e regularizado (art. 24 da Resolução CONTRAN n. 623, de 06/09/2016).
Com a venda em leilão, os débitos serão quitados e o valor que sobrar, se for o caso, será repassado para o proprietário. Caso a venda do veículo não seja suficiente para quitar os débitos, a Administração Pública poderá cobrar o valor remanescente mediante ação judicial ou pelas vias extrajudiciais.
Por fim, como o STF decidiu ser constitucional condicionar o licenciamento de veículo ao pagamento de imposto em sede de controle concentrado – Ação Direta de Inconstitucionalidade -, os juízes não podem entender que tal exigência é inconstitucional, razão pela qual eventual processo judicial em que uma parte questione a legalidade da remoção de seu veículo deverá ser julgado, obrigatoriamente, improcedente (julgamento liminar de improcedência do pedido).
NOTAS
[1] RMS 53.989-SE
[2] Art. 2º São vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, que terão seu uso regulamentado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas, de acordo com as peculiaridades locais e as circunstâncias especiais. Parágrafo único. Para os efeitos deste Código, são consideradas vias terrestres as praias abertas à circulação pública, as vias internas pertencentes aos condomínios constituídos por unidades autônomas e as vias e áreas de estacionamento de estabelecimentos privados de uso coletivo.(Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)(Vigência)