É essencial para o Estado Democrático de Direito que todos os órgãos públicos passem por um controle interno e externo, além do necessário controle social.
O controle da atividade policial é tríplice, pois é realizado pela própria instituição policial, pelo Ministério Público e pela sociedade.
Controlar consiste em fiscalizar e acompanhar a atividade policial com o fim de manter a regularidade da execução das atividades de uma instituição policial. O controle não possui caráter meramente fiscalizatório, pois permite que haja, inclusive, interferência direta na forma como as atividades são executadas. Portanto, o controle vai além da fiscalização e interfere, adentra, na forma de trabalho da policial.[1]
O controle interno (autocontrole) é exercido pela própria instituição em relação aos policiais que compõem seus quadros, enquanto que o controle externo (heterocontrole) é exercido pelo Ministério Público.
A atividade policial lida diretamente com a incolumidade das pessoas e do patrimônio e os policiais possuem poderes, dentro da lei, para que restrinjam liberdades, apreendam bens e, consequentemente, restringem direitos fundamentais.
O policial lida diariamente com um sem-número de pessoas no dia a dia, ao realizar policiamento, abordagens, fiscalizações, operações policiais, prisões, atendimento de ocorrências, investigações, dentre outras atividades.
Nesse contexto podem surgir abusos, como a hipótese em que o policial se excede e pratica agressão contra um abordado ou preso.
Todo aquele que possui poder deve sofrer controle, pois facilmente pode dele abusar, seja por razões particulares ou por não ser um profissional preparado para o exercício da função.
O poder decorre do cargo que determinada autoridade ocupa e deve ser usado para poder atender ao interesse público e observar os direitos previstos na Constituição e nas leis. Jamais o poder foi outorgado a qualquer pessoa para que satisfaça pretensões pessoais ou o utilize para se sentir superior ou melhor do que outras pessoas.
Os órgãos policiais representam o escudo protetor da sociedade e para tanto possuem diversos poderes decorrentes da atividade policial e devem estar sujeitos ao controle interno, externo e social, como uma forma de assegurar o cumprimento da própria finalidade das instituições policiais (a de proteger a sociedade).
O controle social decorre do acompanhamento e fiscalização realizada pela sociedade, pelo povo, pelos cidadãos e constitui uma forma de controle externo.
O controle da atividade pode ser classificado ainda como controle formal ou informal e ordinário ou extraordinário.
O controle formal é todo aquele realizado por órgãos que tenham a incumbência constitucional ou legal de realizar o controle da atividade policial, como as corregedorias, ouvidorias e o Ministério Público.
O controle formal constitucional é exercido pelo Ministério Público, enquanto que o controle formal legal é exercido pelas corregedorias e ouvidorias.
O controle informal relaciona-se ao exercício do controle da atividade policial por órgãos, entidades e pessoas que não possuam como previsão expressa na Constituição ou nas leis, a realização dese controle, como a imprensa, a opinião pública e os conselhos comunitários.[2]
O controle pode ser ordinário ou extraordinário.
O controle ordinário subdivide-se em interno e externo.
O controle ordinário interno é exercido nas atividades de rotina, diante da simples presença do superior hierárquico ou da Corregedoria e pode se dar mediante a expedição de ofícios, requisição de documentos, fiscalização das atividades desempenhadas pelos policiais.
O controle ordinário externo é exercido pelo Ministério Público, ouvidorias, imprensa e sociedade no dia a dia, em razão do simples exercício das atividades de rotina.
O controle extraordinário ocorre em situações que fogem da normalidade, quando se detecta uma situação de ilegalidade ou irregularidade ou quando for necessária realizar uma fiscalização, inspeção, geralmente, de forma inopinada para a verificação e constatação de um fato ilegal, como o comparecimento da Corregedoria a uma Delegacia ou quartel para a realização de correição ou de um membro do Ministério Público.
Os órgãos de controle devem ser facilmente acessíveis para todos, sem maiores formalidades ou quaisquer condicionantes que impeçam ou dificultem o livre acesso.
O controle da atividade policial tem por objetivo manter a legalidade das ações policiais e em caso de violação à ordem jurídica pela polícia, restaurá-la imediatamente e aplicar as punições necessárias, se for o caso.
O controle interno da atividade policial engloba a atividade-meio e fim, enquanto que o controle externo envolve somente a atividade-fim.
Dessa forma, enquanto a própria instituição pode fiscalizar todos os atos praticados pelo órgão policial e adentrar no âmago da instituição, o Ministério Público limita-se a fiscalizar a finalidade constitucional da corporação policial.
Os órgãos policiais devem possibilitar um canal de denúncias anônimas, que permita a realização de denúncias com o consequente acompanhamento pelo denunciante, sem que tenha que identificar-se.
Todos órgãos policiais que integram o sistema de segurança pública e possuam parcela de poder de polícia estão sujeitos ao controle externo da atividade policial.
Naturalmente, o controle interno existe em qualquer instituição.
Portanto, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, a Polícia Civil, a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros Militar, a Guarda Municipal, a Polícia Técnico-Científica, a Polícia Portuária, a Polícia Legislativa, os órgãos do sistema penitenciário e os agentes de trânsito estão sujeitos ao controle externo da atividade policial.
O dever de prestação de contas das atividades estatais decorre da própria da democracia e o Governo possui o dever de prestar contas à sociedade (accountability).
O controle interno, externo e social são essenciais para a accountability decorrente da atividade policial, pois permite que seja verificada a capacidade das instituições policiais em desempenharem seus papéis.
Em se tratando de instituições policiais, que são responsáveis por manterem a democracia viva, é de suma importância que a missão constitucional outorgada às polícias seja cumprida com excelência, sob pena de corrosão do Estado Democrático de Direito e instauração do caos social.
A accountability deve ser a mais ampla possível e para que haja maior transparência deve-se priorizar e conceder meios para que um órgão externo à instituição policial, com ao ouvidoria, preste constas à sociedade de todo o trabalho desenvolvido pela polícia (ocorrências atendidas, abusos denunciados, punições aplicadas, demissões ocorridas, elogios recebidos, prisões realizadas etc.).
Obviamente, a prestação de contas por um órgão externo não impede que o próprio órgão policial preste contas, mas o órgão externo, certamente, terá mais credibilidade perante a sociedade, pois o órgão policial pode apresentar resistência em apresentar dados negativos que afetarão a imagem institucional ou que poderão desencadear, até mesmo, em responsabilidade.
Deve-se destacar que todos órgãos policiais, inclusive, os órgãos que controlam a atividade policial também devem se sujeitar ao controle, mas, quem controla o controlador?
Os órgãos controladores da atividade policial também possuem órgãos correicionais e em última instância o controle do controlador é exercido pelo povo, o que é possível em razão do princípio da publicidade e transparência que regem os atos administrativos e chegam ao conhecimento público por intermédio dos sites oficiais, redes sociais e imprensa.
O conhecimento público das providências e atos que regem a administração possibilitam o pleno exercício do controle do controlador.
Em todos os casos, o povo, do qual todo o poder emana (art. 1º, parágrafo único, da CF), é responsável, em todos os níveis, pelo exercício do controle do controlador, o que pode ocorrer mediante cobranças públicas nas redes sociais, realização de passeatas e protestos nas ruas, denúncias formuladas perante os órgãos públicos, denúncia feita perante o Ministério Público, ajuizamento de ação popular e por diversos outros meios.
Fato é que nenhum agente público, independentemente, do cargo que ocupe, deixa de se submeter ao controle interno, externo e social.
a) Controle interno da atividade policial
O controle interno pode ser realizado pelos superiores hierárquicos (controle difuso) ou pelo órgão correicional (controle concentrado).
O poder hierárquico e o disciplinar são os instrumentos jurídicos que legitimam a atuação da administração pública no que tange ao controle interno.
O poder hierárquico permite que a administração pública estruture, organize e ordene a sua estrutura administrativa e que os servidores públicos, em uma relação funcional e hierárquica, deem ordens, controlem, gerenciem, corrijam, coordenem as atividades administrativas.
O poder disciplinar decorre do poder hierárquico e refere-se ao poder da administração pública investigar e aplicar as sanções cabíveis a seus servidores.
A disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam a administração pública e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte dos servidores públicos.[3]
O exercício do poder disciplinar não se confunde com a aplicação de sanções, pois é possível que o poder disciplinar seja exercido sem que haja a aplicação de punições, como ocorre nos casos em que a administração apura um fato, mas conclui que não houve irregularidade.
A disciplina é mantida também quando a autoridade competente conclui que não houve ilegalidade, pois a disciplina não se impõe somente com punições, pois ao concluir pela ausência de irregularidade pode-se dizer que não houve violação à disciplina ou, se houve, não é o caso de punição, quando a lei assim permitir.
O poder disciplinar possui caráter introverso (é voltado para dentro). Isto é, abrange somente aqueles que possuem uma relação funcional com a administração pública.
O controle interno ocorre naturalmente, pela simples presença do superior hierárquico no dia a dia do policial.
Em se tratando de instituição militar, o controle interno é exercido de forma mais intensa, pois, além da hierarquia e disciplina serem os pilares das instituições militares, é possível que qualquer superior hierárquico, ainda que não possua relação funcional, adote providências disciplinares em desfavor do subordinado hierárquico, ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade, o que não é possível nas instituições policiais civis, que, geralmente, concentram o poder disciplinar nos chefes, como ocorre com as delegacias de polícia, em que o poder disciplinar concentra-se no delegado.
Nas instituições militares os superiores hierárquicos, ainda que não possuam relação funcional com o subordinado hierárquico possuem parcela de poder disciplinar, pois podem dar início às providências disciplinares, enquanto que a totalidade do poder disciplinar concentra-se no Comandante – pode dar início, andamento e desfecho a uma apuração de natureza disciplinar – e naqueles que possuam relação funcional hierárquica ou na Corregedoria.
À Corregedoria dos órgãos policiais incumbe, dentre outras atribuições: a) realizar processos e procedimentos administrativos e as atividades de polícia judiciária civil e militar; b) determinar que as unidades policiais realizem processos e procedimento ou investigações; c) requisitar e solicitar a outros órgãos públicos informações relevantes para o desempenho das atividades correcionais; d) realizar, de ofício ou em razão de demanda, supervisões, inspeções, fiscalizações, auditorias e correições nas unidades policiais; e) expedir orientações no âmbito de suas atribuições para todo o órgão policial; f) receber qualquer um do povo que procure a corregedoria para realizar reclamações, sugestões ou elogios.
As corregedorias dos órgãos policiais devem ser de fácil acesso à sociedade para facilitar que qualquer um tenha acesso físico aos órgãos correicionais, sobretudo pela maior parte de pessoas que procuram a corregedoria serem simples e poderem apresentar dificuldades de deslocamento.
No tocante à localização física da corregedoria o ideal é que não seja no mesmo prédio ou estrutura física de outra unidade policial, em razão da insegurança que as pessoas terão em procurar a corregedoria e se depararem com o policial que será representado ou com outros policiais que não pertençam à corregedoria, o que pode afastar a sociedade.
Deve-se primar pela segurança e sigilo dos dados e imagem daqueles que procuram as corregedorias para realizarem denúncias.
As roupas utilizadas pelo policial que recebe um denunciante na corregedoria é de suma importância para que transmita segurança e o denunciante fique à vontade para narrar os fatos, pois um policial militar fardado ou civil com a camisa da Polícia Civil podem transmitir a ideia de que por ser da mesma corporação, haverá proteção ou corporativismo.
Fato é que policiais é que compõem a Corregedoria, mas aqueles que a procuram devem se sentir seguros para apresentarem a denúncia, sem que fiquem receosos de falarem à vontade pelo fato de ser recebido por um policial que utilizava a mesma farda ou roupa que o policial que abusou da autoridade, o que pode causar receio por incutir a falsa ideia de que “um policial vai proteger o outro”.
Um fator que deve ser considerado é a possibilidade do policial que investiga retornar para a atividade-fim de sua instituição e trabalhar com policiais que um dia já investigou, o que pode gerar desgastes entre os policiais e prejudicar a qualidade do trabalho.
É necessário que os policiais que trabalham juntos possuam relação mútua de confiança e por mais que o policial que trabalhou na Corregedoria seja de confiança, os demais podem ficar receosos e não confiar, o que impossibilitará que trabalhem juntos.
Nesse cenário os policiais que trabalham na Corregedoria devem ser devidamente selecionados, pois além de ser necessário que possuam afinidade com o trabalho, às vezes terá dificuldades de trabalhar na atividade-fim após a passagem pelo órgão correicional.
Por vezes a atuação da Corregedoria é necessária, ainda que o Comandante se faça presente, pois na atividade policial é necessário que o Comandante mantenha elevada a “moral de tropa”, o que pode ser prejudicado caso o Comando da unidade policial adote providências disciplinares contra determinado militar que tenha, em uma ato isolado, se excedido em uma ocorrência policial.
A tropa (grupo de policiais) que atua na rua pode se sentir desmotivada com o Comandante e não trabalhar devidamente, o que causará prejuízos à imagem do Comando da unidade, em razão dos resultados negativos e prejudicará a própria sociedade.
Não é fácil lidar com tropa. Quem exerce função de Comando deve ter talento e saber lidar com os policiais, de forma que seja firme quando necessário, inclusive ao se punir um policial, mas esteja sempre “junto” e demonstre lealdade à tropa.
Nesse cenário a Corregedoria surge como uma “ponte” para atuar em situações específicas e preservar o Comando da unidade.
b) Controle externo da atividade policial
A denominação controle “externo” ocorre porque o órgão que exerce o controle não pertence à mesma instituição que sofre o controle.[4]
O controle externo exercido pelo Ministério Público possui previsão expressa no art. 127, VII, da Constituição Federal.
A Constituição Federal trata do controle externo em diversas passagens, como a possibilidade do Poder Judiciário anular atos administrativos do Poder Executivo (art. 5º, XXXV); fiscalização do município que será exercida pelo Poder Legislativo Municipal (art. 31); a sustação, pelo Congresso Nacional, de atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (art. 49, V); a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, com o auxílio do Tribunal de Contas da União (art. 70); a previsão de que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional (art. 74, IV) e o controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “a”).
O controle externo pode ser realizado por todos os membros do Ministério Público com atribuição criminal, quando do exame dos procedimentos que lhes forem atribuídos (controle difuso) ou através de membros com atribuições específicas para o controle externo da atividade policial, conforme disciplinado no âmbito de cada Ministério Público (controle concentrado).[5]
O controle externo ocorre sob a mesma lógica do sistema de freios e contrapesos (checks and balances), que visa a regularidade, transparência e a manutenção do próprio Estado Democrático de Direito.
O órgão ministerial atua, ainda, com fundamento nos arts. 127, caput, e 129, II, ambos da Constituição Federal, por ser defensor da ordem jurídica e do regime democrático, além dos direitos sociais e individuais indisponíveis, devendo zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição.
A Lei Complementar n. 75/93 dispõe ser atribuição do Ministério Público da União exercer o controle externo da atividade policial (art. 3º), o que se aplica ao Ministério Público estadual (art. 80 da Lei n. 8.625/93).
A Resolução n. 20, de 28 de maio de 2007, disciplina no âmbito do Ministério Público o controle externo da atividade policial.
No exercício do controle externo o Ministério Público deve se atentar, especialmente, para: a) o respeito aos direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal e nas leis; b) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público; c) a prevenção da criminalidade; d) a finalidade, a celeridade, o aperfeiçoamento e a indisponibilidade da persecução penal; e) a prevenção ou a correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados à atividade de investigação criminal; f) a superação de falhas na produção probatória, inclusive técnicas, para fins de investigação criminal; g) a probidade administrativa no exercício da atividade policial; h) a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública.[6]
Dentre as atribuições do Ministério Público no exercício do controle externo, conforme a Resolução n. 20/2007 – CNMP (art. 4º), encontram-se: a) realizar visitas ordinárias nos meses de abril ou maio e outubro ou novembro e, quando necessárias, a qualquer tempo, visitas extraordinárias, em repartições policiais, civis e militares, órgãos de perícia técnica e aquartelamentos militares existentes em sua área de atribuição; b) examinar, em quaisquer dos órgãos referidos no inciso anterior, autos de inquérito policial, inquérito policial militar, autos de prisão em flagrante ou qualquer outro expediente ou documento de natureza persecutória penal, ainda que conclusos à autoridade, deles podendo extrair cópia ou tomar apontamentos, fiscalizando seu andamento e regularidade; c) fiscalizar a destinação de armas, valores, substâncias entorpecentes, veículos e objetos apreendidos; d) fiscalizar o cumprimento dos mandados de prisão, das requisições e demais medidas determinadas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, inclusive no que se refere aos prazos; e) verificar as cópias dos boletins de ocorrência ou sindicâncias que não geraram instauração de Inquérito Policial e a motivação do despacho da autoridade policial, podendo requisitar a instauração do inquérito, se julgar necessário; f) comunicar à autoridade responsável pela repartição ou unidade militar, bem como à respectiva corregedoria ou autoridade superior, para as devidas providências, no caso de constatação de irregularidades no trato de questões relativas à atividade de investigação penal que importem em falta funcional ou disciplinar; g) solicitar, se necessária, a prestação de auxílio ou colaboração das corregedorias dos órgãos policiais, para fins de cumprimento do controle externo; h) fiscalizar cumprimento das medidas de quebra de sigilo de comunicações, na forma da lei, inclusive através do órgão responsável pela execução da medida; i) expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços policiais, bem como o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa seja de responsabilidade do Ministério Público, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.
No exercício das funções de controle externo da atividade policial, o membro do Ministério Público poderá: a) ter livre ingresso em estabelecimentos ou unidades policiais, civis ou aquartelamentos militares, bem como casas prisionais, cadeias públicas ou quaisquer outros estabelecimentos onde se encontrem pessoas custodiadas, detidas ou presas, a qualquer título, sem prejuízo das atribuições previstas na Lei de Execução Penal que forem afetadas a outros membros do Ministério Público; b) ter acesso a quaisquer documentos, informatizados ou não, relativos à atividade-fim policial civil e militar, incluindo as de polícia técnica desempenhadas por outros órgãos; c) acompanhar, quando necessária ou solicitada, a condução da investigação policial civil ou militar; d) requisitar à autoridade competente a instauração de inquérito policial ou inquérito policial militar sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial, ressalvada a hipótese em que os elementos colhidos sejam suficientes ao ajuizamento de ação penal; e) requisitar informações, a serem prestadas pela autoridade, acerca de inquérito policial não concluído no prazo legal, bem assim requisitar sua imediata remessa ao Ministério Público ou Poder Judiciário, no estado em que se encontre; f) receber representação ou petição de qualquer pessoa ou entidade, por desrespeito aos direitos assegurados na Constituição Federal e nas leis, relacionados com o exercício da atividade policial; g) ter acesso ao preso, em qualquer momento; h) ter acesso aos relatórios e laudos periciais, ainda que provisórios, incluindo documentos e objetos sujeitos à perícia, guardando, quanto ao conteúdo de documentos, o sigilo legal ou judicial que lhes sejam atribuídos, ou quando necessário à salvaguarda do procedimento investigatório.[7]
O controle externo exercido pelo Ministério Público possui natureza híbrida, pois, ao mesmo tempo que é administrativo, ao expedir recomendações e realizar fiscalizações, é judicial, ao ajuizar ações, como as penais, de improbidade administrativa e mandado de segurança. Trata-se de um controle de natureza jurídica administrativa-judicial que abrange a esfera cível e criminal.
O controle cível da atividade policial abrange os abusos praticados por policiais no exercício da atividade-fim que caracterizam improbidade administrativa ou infração administrativa.
O controle criminal abrange as infrações penais praticadas pelos policiais no exercício da atividade-fim.
O controle externo realizado pelo Ministério Público abrange a atividade-fim dos órgãos de segurança pública e, eventualmente, a atividade-meio, quando possua relação com a atividade-fim.
Logo, o Ministério Público não possui atribuição para expedir recomendações que abordem a forma como os trabalhos internos dos órgãos policiais devam ser conduzidos, salvo se houver relação com a atividade-fim, como a elaboração de normas que determinem a atuação policial no desempenho de suas missões constitucionais.
Não se inclui, ainda, sujeito ao controle externo ministerial toda a política de comando, forma de conduzir a instituição e as diretrizes institucionais, desde que não violem direitos fundamentais.[8]
João Gaspar Rodrigues[9] cita que são insindicáveis pelo controle externo realizado pelo Ministério Público os atos relacionados com a independência operacional das polícias, desde que não sejam violadores dos direitos fundamentais; os atos praticados por policiais fora da atividade funcional; os atos administrativos internos das polícias ou administrativo-disciplinares e os atos praticados por servidor público ou particular usurpando função policial.
Os atos administrativos de natureza disciplinar são sindicáveis pela própria instituição e em caso de lesão a direitos dos policiais, cabem a eles buscarem o resguardo de seus direitos por intermédio de recursos administrativos ou de ações judiciais.[10]
Em que pese os atos administrativo-disciplinares não serem de incumbência fiscalizatória do controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público, é perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público atuante no Patrimônio Público, que cuida da probidade administrativa, realize fiscalizações, de ofício ou mediante provocação, visando a lisura, transparência e regularidade dos atos administrativos (art. 6º, XIV, “f”, da Lei Complementar n. 75/93 c/c art. 80 da Lei n. 8.625/93).
Na prática há uma resistência velada por parte de muitos policiais que sofrem fiscalização do Ministério Público ou dos órgãos correicionais, por ser da natureza do ser humano não receber de forma positiva aqueles que procuram “falhas” de outros, sobretudo quando puder resultar em punição.
Antigamente, o exercício do controle da atividade policial tinha caráter punitivo, mas nos dias atuais há uma finalidade sinérgica e de colaboração, em que procura-se constatar as falhas, irregularidades e dificuldades com o fim de corrigir, dar apoio e prestar um serviço público de qualidade, sendo necessário que haja punição em casos mais graves ou de não observância das orientações perpassadas pelo órgão que exerce o controle.
A forma de trabalho consistente em “ameaças” de tomar providências ou que fique procurando “errinhos” para punir a todo custo só causa prejuízos para a Administração Pública e para a sociedade, pois faz imperar a Administração Pública do Medo, em que todos vão trabalhar com medo, desmotivados, gerará um ambiente de trabalho prejudicial aos servidores e na hora de decidir poderá haver injustiças na aplicação da lei, por medo dos órgãos de controle discordarem da decisão.
Os servidores públicos somente deveriam ser punidos caso agissem de má-fé, erro grosseiro ou culpa grave, jamais por divergência de entendimentos ou quando procura acertar, mas por um pequeno descuido, errou.
Nesse sentido, o art. 28 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro passou a prever, com o advento da Lei n. 13.655, de 25 de abril de 2018, que “O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.”
Tal previsão visa por um freio ao denominado “apagão das canetas”, que consiste no receio dos administradores públicos serem responsabilizados criminal ou administrativamente por suas decisões.
É comum que em ofícios, autoridades constem no documento que se não for atendida a requisição ou ordem, haverá consequências. Geralmente, a expressão utilizada é: “sob pena de…”.
Em se tratando de processos que podem advir consequências previstas em lei para as partes, deve constar a advertência, até para que a parte tenha plena ciência do que poderá ocorrer caso não tome as providências contidas na decisão. Trata-se de uma questão processual e do dever de cooperação.
Lado outro, em se tratando de ofícios e documentos em relações entre órgãos públicos, que não sejam partes em processo, não vejo como necessária a advertência (sob pena de …).
A forma de trabalhar e envolver pessoas ameaçando adotar providências caso não faça o que consta em um documento pode estremecer as boas relações que devem permear os servidores públicos. Pode gerar um ambiente de tensão, prejudicar o próprio serviço e o servidor fazer com má vontade.
Os órgãos públicos devem possuir plena harmonia e um colaborar com o outro.
Entendo que somente quando houver inércia ou resistência na colaboração e atendimento ao que é determinado é que se deve advertir das consequências, o que pode ser feito mediante novo ofício.
Boas relações pessoais, o que não quer dizer, de forma alguma, subserviência ou indulgência, são essenciais para o dia a dia na Administração Pública.
João Gaspar Rodrigues[11] ensina que “Estão sujeitos ao controle externo pelo Ministério Público, os órgãos policiais elencados no art. 144 da Constituição ou qualquer instituição à qual seja atribuída poder de polícia, ainda que mínimo, relacionado com a segurança pública ou a persecução penal. São controláveis: polícias judiciárias (civil/federal), administrativas (militares), legislativas, rodoviária, ferroviária e Institutos de Perícias (IML, IC, II).”
Na sequência, o autor expõe que para que um órgão seja submetido ao controle externo pelo Ministério Público deve atender, no mínimo, a três variáveis: 1. deter poder de polícia, ainda que mínimo; 2. atividade relacionada com a segurança pública; 3. atividade relacionada a persecução penal.
Nesse sentido, João Gaspar Rodrigues defende que são órgãos e agentes controláveis pelo Ministério Público (controle externo) as polícias judiciárias e administrativa, legislativa, rodoviária e Institutos de Perícia; Guardas de Trânsito; Corpo de Bombeiros e não são controláveis o policial preso cautelarmente; os agentes penitenciários e os Guardas Municipais.
O policial preso cautelarmente porque se submete ao controle exercido pelos promotores que atuam na execução penal (art. 68, parágrafo único, e art. 82, ambos da LEP); os agentes penitenciários por integrarem o sistema prisional que já é controlado por outro órgão do Ministério Público e sofrer novo controle caracterizaria bis in idem, além do fato dos agentes penitenciários não possuírem poder de polícia e os Guardas Municipais porque são desprovidos da função constitucional de garantir a segurança pública ou de persecução criminal.
O art. 1º da Resolução n. 20, de 28 de maio de 2007, assevera que “Estão sujeitos ao controle externo do Ministério Público, na forma do art. 129, inciso VII, da Constituição Federal, da legislação em vigor e da presente Resolução, os organismos policiais relacionados no art. 144 da Constituição Federal, bem como as polícias legislativas ou qualquer outro órgão ou instituição, civil ou militar, à qual seja atribuída parcela de poder de polícia, relacionada com a segurança pública e persecução criminal.”
Há, portanto, quatro requisitos para que haja possibilidade do exercício do controle externo do Ministério Público: a) ser órgão policial; b) possuir parcela de poder de polícia; c) exercer atividades relacionadas à segurança pública e d) as atividades exercidas pelos órgãos policiais devem repercutir ou possuir potencial de repercutir na persecução criminal.
Dessa forma, dentre os órgãos de segurança pública, todos os elencados no art. 144 da Constituição Federal estão sujeitos ao controle externo da atividade policial, além dos demais órgãos de segurança pública (órgãos impróprios) que exerçam atividades que repercutam ou possam repercutir na persecução criminal.
Nesse sentido, a polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis e polícias militares, que são os órgãos próprios de segurança pública, e o corpo de bombeiros militar, que é órgão de defesa civil, estão sujeitos ao controle externo da atividade policial.
O Corpo de Bombeiros Militar é responsável pela realização de atividades de defesa civil, além de outras atribuídas em lei, como a realização de fiscalizações e vistorias periódicas nos estabelecimentos comerciais e de serviços e nos edifícios residenciais multifamiliares.[12]
Nota-se que é um órgão dotado de poder de polícia, com possibilidade de restringir direitos, cujas atividades possuem potencial de ensejar persecução criminal ao se constatar ilegalidades no decorrer da fiscalização.
A polícia legislativa, por expressa previsão normativa[13] também está sujeita ao controle externo da atividade policial.
Dúvidas surgem quanto ao exercício do controle externo da atividade policial em relação os demais órgãos de segurança pública, denominados órgãos impróprios.[14]
A Guarda Municipal, a Polícia Técnico-Científica, a Polícia Portuária, a Polícia Legislativa, os órgãos do sistema penitenciário e os agentes de trânsito compõem o sistema de segurança pública como órgãos policiais impróprios ou em sentido amplo.
As Guardas Municipais possuem poder de polícia, em que pese ser mais limitado e direcionado à proteção dos bens, serviços e instalações municipais, conforme previsto na Lei 13.022/2014, razão pela qual é um órgão dotado de atribuições que possuem repercussão criminal, até mesmo porque colaboram com os demais órgãos policiais, podem efetuar prisões em flagrante e, a nosso ver, cumprir mandado de busca e apreensão[15] quando se tratar de crime contra o patrimônio municipal.
A Polícia Técnico-Científica possui como atribuição realizar e produzir provas técnicas e científicas, geralmente, decorrentes de infrações penais, o que implica diretamente na repercussão criminal.
A Polícia Portuária tem por finalidade garantir a segurança nos portos brasileiros, bem como atender a ocorrências relacionadas às zonas portuárias. Realiza fiscalização, revista de pessoal e de veículos e se relaciona com os órgãos públicos com o fim de se garantir a segurança portuária, razão pela qual suas atividades possuem implicações na persecução penal.
Os órgãos do sistema penitenciário são fiscalizados pelo Ministério Público ao realizar as inspeções mensais, motivo pelo qual se torna desnecessário que haja acompanhamento pelo órgão ministerial que atua no controle externo o que não impede que haja acompanhamento das atividades dos agentes penitenciários pelo controle externo do Ministério Público, uma vez que os agentes penitenciários, no exercício da função de guarda, vigilância, proteção e segurança dos presos e presídios lidam, diariamente, com a integridade física e moral dos presos, o que possui potencial para que haja persecução criminal.
Noutro giro, deve haver razoabilidade no controle ministerial para que não haja um “excesso fiscalizatório”, já que o membro do Ministério Público responsável por realizar a inspeção mensal no presídio poderá inspecionar todas as atividades dos agentes penitenciários e do presídio, sem necessidade de que outro membro do Ministério Público compareça ao mesmo presídio para realizar nova fiscalização.[16]
Os agentes de trânsito exercem atividades para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas, sendo responsáveis por cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito das respectivas atribuições, além de estabelecer, em conjunto com as Polícias Militares, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito, dentre outras.
Portanto, os agentes de trânsito, além de possuírem poder de polícia nas atividades de trânsito, possuem atribuições com potencial para que haja persecução criminal, pois cuidam da segurança do trânsito, que no Brasil, é extremamente violento.[17]
Diante do panorama apresentado, tem-se o seguinte quadro:
Órgão | Controle externo pelo Ministério Público |
Polícia Federal | Sim |
Polícia Rodoviária Federal | Sim |
Polícia Ferroviária Federal | Sim |
Polícia Civil | Sim |
Polícia Militar | Sim |
Corpo de Bombeiros Militares | Sim |
Guarda Municipal | Sim |
Polícia Técnico-Científica | Sim |
Polícia Portuária | Sim |
Polícia Legislativa | Sim |
Órgãos do Sistema Penitenciário | Não* |
Agentes de Trânsito | Sim |
Policiais presos | Não* |
*Conforme exposto, não é necessário a realização do controle externo.
As ouvidorias referentes às atividades policiais são órgãos civis responsáveis por ouvir as pessoas e colher manifestação de qualquer um, desde que tenha relação com as atividades desempenhadas pelos órgãos policiais.
A ouvidoria visa dar voz ao cidadão para que haja eco dentro do órgão policial. Trata-se de um canal direto de comunicação entre o cidadão e as organizações policiais, bem como uma forma de participação ativa das pessoas na gerência e dinâmica institucional.
João Gaspar Rodrigues[18] ensina que “As ouvidorias da polícia são órgãos civis de controle externo da atividade policial, mas não completamente autônomos. Recebem denúncias sobre abusos policiais, monitoram os inquéritos internos e sindicâncias disciplinares conduzidos pelas corregedorias. Também iniciaram um processo de análise dos defeitos operacionais e estruturais do atual modelo de policiamento no Brasil. O sucesso das ouvidorias depende, em grande medida, dos recursos institucionais, da autonomia e do apoio político que recebem. O grau de transparência é alto, o de fiscalização médio e de responsabilidade é baixo.”
E ainda discorre sobre os benefícios que as ouvidorias podem trazer (Human Rights Watch, 2009), a saber:
a) – promover a participação do usuário na administração pública, em cooperação com outras entidades de defesa do usuário;
b) – acompanhar a prestação dos serviços, visando a garantir a sua efetividade;
c) – propor aperfeiçoamentos na prestação dos serviços;
d) – auxiliar na prevenção e correção dos atos e procedimentos incompatíveis com os princípios estabelecidos nesta Lei;
e) – propor a adoção de medidas para a defesa dos direitos do usuário, em observância às determinações estabelecidas na Lei 13.460/17;
f) – receber, analisar e encaminhar às autoridades competentes as manifestações, acompanhando o tratamento e a efetiva conclusão das manifestações de usuário perante órgão ou entidade a que se vincula; e
g) – promover a adoção de mediação e conciliação entre o usuário e o órgão ou a entidade pública, sem prejuízo de outros órgãos competentes.
As ouvidorias deverão receber, analisar e responder, por meio de mecanismos proativos e reativos, as manifestações encaminhadas por usuários de serviços públicos e elaborar, anualmente, relatório de gestão, que deverá consolidar as manifestações, e, com base nelas, apontar falhas e sugerir melhorias na prestação de serviços públicos (art. 14, I e I, da Lei 13.460/17).
A ouvidoria encaminhará a decisão administrativa final ao usuário, observado o prazo de trinta dias, prorrogável de forma justificada uma única vez, por igual período (art. 16 da Lei 13.460/17).
As ouvidorias podem ser órgãos de controle externo ou interno, a depender da instituição a qual pertença.
Nesse sentido, João Gaspar Rodrigues[19] ensina que a maioria das ouvidorias apresentam-se como um mecanismo de controle interno da Administração Pública.
As ouvidorias, em que pese se aproximarem do ombusdsman, com ele não se confunde.
O ombusdsman significa Delegado do Parlamento, originou-se na Constituição da Suécia de 1809 e tinha por finalidade possibilitar que qualquer pessoa realizasse reclamações contra atos de funcionários do rei, inclusive juízes.[20]
O ombusdsman visa resolver os problemas a ele levados de uma forma política, pacífica, amigável, administrativa, sem que haja necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário.
No Brasil, a instituição do ombudsman aproxima-se das atribuições das ouvidorias, do Ministério Público e da Defensoria Pública, razão pela qual pode-se dizer que as funções do ombudsman de atender o povo e buscar mecanismos para a resolução de problemas encontra-se espalhadas nesses órgãos.
A seguir, quadro que contém as semelhanças e distinções entre a ouvidoria e o ombudsman com foco na atividade policial.
Qualquer pessoa e outros órgãos podem colaborar no controle interno e externo da atividade policial, comunicando irregularidades aos órgãos incumbidos constitucionalmente ou por lei de realizarem o controle da atividade policial, como o Ministério Público, as ouvidoras e corregedorias.
O Poder Judiciário ao julgar processos ajuizados pelo Ministério Público ou por qualquer cidadão, que vise o controle da atividade policial, também exerce o seu controle ao resolver o conflito jurídico, mas não pode atuar de iniciativa.
Decisões judiciais resolvem o conflito jurídico, mas não necessariamente o conflito social, que deve ser o principal objetivo dos processos levados à justiça, razão pela qual deve-se, sempre que possível, priorizar a conciliação e a resolução pacífica dos conflitos.
c) Controle social da atividade policial
O controle social pode ser exercido por qualquer um do povo ao filmar ou fotografar uma ação policial, publicar informações nas redes sociais, realizar denúncias e elogios. A imprensa, igualmente, ao acompanhar o trabalho da polícia participa do controle social.
Geralmente, as pessoas procuram as ouvidorias e corregedorias para formularem reclamações, mas elogios também podem ser feitos, o que incentivará que o policial continue a prestar bons serviços e servirá de exemplos para os demais.
O controle social pode ser positivo ou negativo. Será positivo quando visar demonstrar a lisura e legalidade da atividade policial; será negativo quando denunciar a prática de alguma irregularidade na ação policial.
O policial deve tratar todo usuário do serviço de segurança pública – ou seja, todos da sociedade, sem exceção – com urbanidade, respeito, acessibilidade e cortesia no atendimento, além de utilizar de uma linguagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos (art. 5º, I e XIV, da Lei n. 13.460/17).
As boas práticas de empresas privadas devem ser incorporadas pela Administração Pública e uma forma de se exercer o controle social consiste na implementação de uma forma do usuário do serviço público avaliar a qualidade do serviço prestado, assim como ocorre nas empresas privadas.
Pode-se criar um aplicativo ou permitir que pela internet ou por intermédio de um sistema nas unidades policiais ou viaturas ocorra a avaliação do atendimento prestado pelo policial, com respostas objetivas (tempo que demorou o atendimento e se o serviço foi prestado) e subjetivas (grau de satisfação do usuário).
Pode-se adotar também a prática do órgão policial entrar em contato com a pessoa que tenha demonstrado insatisfação com o serviço policial, visando colher maiores informações, prestar satisfação, resolver o problema e quando for o caso, até mesmo, pedir desculpas, de forma que a polícia preste um serviço de qualidade e resgate a imagem institucional.
As avaliações feitas pela sociedade poderão ser utilizadas pela Administração Pública como critério de promoção por merecimento e para a concessão de recompensas.
Seja qual for o controle exercido sobre a atividade policial, não pode ser exacerbado, pois prejudicaria a própria qualidade do serviço e a manutenção de vigilância ostensiva no local de trabalho caracteriza o crime de redução a condição análoga à de escravo (art. 149, § 1º, II, do CP).
Os policiais precisam de liberdade para trabalhar, sem prejuízo, no entanto, que sofram o tríplice controle (interno, externo e social), de forma que o controle interno não intimide ou prejudique a atuação policial, o externo não queria substituir a Administração Pública naquilo que houver discricionariedade e o social não transforme o policial no algoz da sociedade. É necessário que haja um ponto de equilíbrio!
NOTAS
[1] Nesse sentido: O termo “controle” não é sinônimo de fiscalização, que simplesmente remete a algo exterior em relação à função ou atividade fiscalizada; o conteúdo do controle é mais profundo, engloba uma interferência, uma “intromissão” produtiva (ANDREA FERREIRA, 1995, P. 350-356) e uma participação efetiva na atividade controlada. E o controle externo corresponde à interferência direta e a uma forma, mais ou menos aprofundada de co-participação. Na verdade, como destaca L. Pondé (1995, p. 208/210) em seus estudos clássicos, o poder de interferência é indissociável da noção ed controle. E poderíamos acrescentar: avaliação, monitoramento e auditoria (RODRIGUES, João Gaspar. ATIVIDADE POLICIAL, DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONTROLE EXTERNO. Curitiba: Editora Juruá, 2016. p. 85.)
[2] João Gaspar Rodrigues ensina que “O controle formal é aquele desenvolvido por órgãos que possuem um mandato explícito: previsão constitucional (Ministério Público) ou legal (corregedorias e ouvidorias). E aí podemos ter o controle interno formal (órgãos dirigentes e administradores da polícia), interno informal (estratégias de profissionalização da polícia) e o controle externo formal (Judiciário e Ministério Público). O controle informal (ou controle externo informal, ou ainda controle social difuso) é exercido de forma difusa pela imprensa, opinião pública, por indivíduos, grupos (ONG´s, associações, conselhos comunitários etc.), grupos de pressão ou pela sociedade em geral.” (RODRIGUES, João Gaspar. ATIVIDADE POLICIAL, DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONTROLE EXTERNO. Curitiba: Editora Juruá, 2016. p. 87.)
[3] Conceito de disciplina extraído do art. 14, § 2º, da Lei 6.880/80 e adaptado.
[4] Viviane de Oliveira Cubas ensina que “Os primeiros mecanismos de controle externo da atividade policial surgiram na década de 1950, nos Estados Unidos, quando grupos da sociedade civil começaram a exigir alguma forma de reparação em relação às queixas abertas contra policiais. Essas reivindicações ganharam mais força em razão dos confl itos entre policiais e manifestantes durante os protestos políticos realizados nos anos 1960 e, desde então, vários modelos de controle externo se desenvolveram. Inicialmente, o controle externo tinha como foco a punição das más condutas policiais. Hoje, porém, essa atividade se tornou muito mais abrangente e passou a ter como objetivo não apenas a punição, mas a garantia de máxima conformidade da atividade policial com os requerimentos legais e as políticas estabelecidas (GOLDSTEIN, 2003).” CUBAS, Viviane de Oliveira. ‘Accountability’ e seus diferentes aspectos no controle da atividade policial no Brasil. Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, v. 3, n. 8, p.75-99, jun. 2010. Quadrimestral.
[5] Art. 3º da Resolução n. 20, de 28 de maio de 2007.
[6] Art. 2º da Resolução n. 20/2007 – CNMP e art. 3º da Lei Complementar n. 75/93.
[7] Art. 5º da Resolução n. 20/2007 – CNMP.
[8] RODRIGUES, João Gaspar. ATIVIDADE POLICIAL, DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONTROLE EXTERNO. Curitiba: Editora Juruá, 2016. p. 95/97.
[9] RODRIGUES, João Gaspar. ATIVIDADE POLICIAL, DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONTROLE EXTERNO. Curitiba: Editora Juruá, 2016. p. 95.
[10] Na prática, muitas vezes, os policiais que se sentem lesados deixam de recorrer à justiça, pois temem que possam vir a sofrer perseguições veladas no dia a dia.
[11] RODRIGUES, João Gaspar. ATIVIDADE POLICIAL, DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONTROLE EXTERNO. Curitiba: Editora Juruá, 2016. p. 111.
[12] Art. 5º da Lei 13.425, de 30 de março de 2017.
[13] Art. 1º da Resolução n. 20, de 28 de maio de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público.
[14] Em nosso livo “Atividade Policial” denominados como órgão policial impróprio aquele que possui como atribuição precípua outra finalidade, que não a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, e encontra-se espalhado pelo ordenamento jurídico, como a Guarda Municipal, na proteção de bens, serviços e instalações municipais; os agentes de trânsito, na fiscalização do trânsito, e colaboram com a segurança pública.
[15] O tema foi tratado em nosso livro denominado “Segurança Pública”.
[16] O mesmo raciocínio aplica-se aos policiais presos, condenados com trânsito em julgado ou provisórios.
[17] Brasil tem mais de 560 mil acidentes de trânsito em 2 anos. Disponível em: <https://www.revistaapolice.com.br/2018/09/brasil-tem-mais-de-560-mil-acidentes-transito-2-anos/>. Acesso em: 04/07/2019. Brasil registra 47 mil mortes por acidentes no trânsito anualmente. Disponível em: <https://www.revistaapolice.com.br/2018/05/brasil-47-mil-mortes-acidentes-transito/> Acesso em: 04/07/2019.
[18] RODRIGUES, João Gaspar. ATIVIDADE POLICIAL, DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONTROLE EXTERNO. Curitiba: Editora Juruá, 2016. p. 77/78.
[19] RODRIGUES, João Gaspar. ATIVIDADE POLICIAL, DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONTROLE EXTERNO. Curitiba: Editora Juruá, 2016. p. 77/78.
[20] ANDAKU, Juliana Almenara. O papel do ombusdman no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1209, 23 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9077. Acesso em: 4 jul. 2019.