O álbum de fotos utilizado pelos policiais para identificar infratores nas ocorrências policiais

por | 23 abr 2020 | Atividade Policial

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Na atividade policial pode ocorrer de policiais apresentarem às vítimas e testemunhas álbum de fotos de pessoas com registros criminais ou suspeitas de terem praticado crimes, com o fim de identificar o agente.

Geralmente, os policiais que trabalham em determinada região conhecem os principais agentes infratores que lá atuam, inclusive onde moram e a forma como agem.

Essa apresentação de fotos pode ocorrer após o cometimento do crime, ocasião em que os policiais saem em busca do agente infrator.

Nos dias atuais esse álbum de fotografia tem sido substituído por registros de fotos dos agentes nos próprios celulares dos policiais.

O policial militar pode utilizar álbuns de fotografias para mostrar para as vítimas e testemunhas após a ocorrência do crime, visando identificar os agentes? Seria essa apresentação de foto de terceiros para as vítimas e testemunhas lícita?

Sim, é possível que os policiais tenham uma coletânea de fotos de agentes que supostamente atuem na região em que trabalham, visando colaborar na identificação de criminosos durante o atendimento de ocorrências policiais, sem que isso caracterize violação ao direito de imagem ou ato de abuso de autoridade.

A legalidade da utilização deste meio para obter informações que possam colaborar com a prisão em flagrante do agente decorre da própria finalidade da Polícia Militar, de repressão imediata – termo contido dentro do conceito de preservação da ordem pública – e da finalidade da Polícia Civil, de proceder à investigação criminal.

A Polícia Militar, em situação de flagrante delito, tem à sua disposição a utilização dos meios lícitos necessários para efetuar a prisão do agente, como a possibilidade de entrevistar pessoas, adentrar à residência que o agente esteja, cercar o local do crime e exibir álbum fotográfico visando a identificação do infrator.

O Código de Processo Penal não prevê o reconhecimento fotográfico como meio de prova, o que não impede a sua utilização, por viger no sistema processual penal o princípio da liberdade probatória. Não se admite que tais provas sejam obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, da CF).

Nesse sentido, o item 7 da Edição n. 105 (Provas no Processo Penal I) da jurisprudência em teses do Superior Tribunal de Justiça, admite o reconhecimento fotográfico como meio de prova, tendo o STJ, inclusive, já decidido que “o reconhecimento fotográfico não é inválido como meio de prova, pois, conquanto seja aconselhável a utilização, por analogia, das regras previstas no art. 226 do Código de Processo Penal, as disposições nele previstas são meras recomendações, cuja inobservância não causa, por si só, a nulidade do ato.”[1]

A exposição de fotos de terceiros em um álbum físico ou digital para que a vítima aponte o autor do crime não configura abuso de autoridade, pois inexiste tipo penal com essa previsão na Lei n. 13.869/19 – Lei de Abuso de Autoridade.

O art. 14 da Lei de Abuso de Autoridade criminalizava a obtenção de fotos sem o consentimento do preso ou do investigado, bem como a divulgação dessas com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública. Ocorre que este artigo foi vetado.[2] De qualquer forma, o próprio dispositivo penal previa a possibilidade de se utilizar de fotos e filmagens para fins de investigação criminal.

O art. 13 da Lei de Abuso de Autoridade, por sua vez, não veda a exibição de fotos de presos ou investigados para fins investigativos.

Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a:

I – exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;

II – submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;

III – (VETADO);

III – produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro: (Promulgação partes vetadas)

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.

Veda-se o constrangimento do preso ou detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública.

Nota-se que o crime consiste em forçar o preso/detento, mediante violência ou grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a mostrar-se ou ter parte de seu corpo exibido à curiosidade pública.

Por “curiosidade pública” deve-se entender que a exibição ocorre, exclusivamente, para fins da população saber quem é a pessoa presa, sem que haja um interesse público, como a hipótese em que o preso é mostrado para a imprensa visando a divulgação de sua imagem para que vítimas possam procurar a Delegacia de Polícia.

A curiosidade pública trata do desejo, da vontade de terceiros verem o preso, simplesmente, pra ver quem é o preso, sem que haja qualquer finalidade. As pessoas, naturalmente, são curiosas e querem saber o que aconteceu e terem acesso a fotos de presos em determinadas situações. A lei proíbe isso, mas não proíbe a divulgação de fotos e nomes de presos, quando houver interesse público, como a hipótese em que se divulga imagem e nome de um estuprador, de um autor de roubo em uma região, de um estelionatário, de um autor de homicídio que esteja foragido. O próprio Código Civil (art. 20) autoriza essa divulgação e deve ser feita uma interpretação sistemática.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815)

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

A lei veda a exibição de preso como se fosse um “troféu”, simplesmente, para demonstrar que a polícia prendeu um preso procurado ou perigoso. Além do mais, o preso deve ser forçado a tirar fotos, mediante violência, ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, não configurando crime a divulgação de imagem do preso que foi obtida sem um desses elementos. O fato do preso estar algemado ou encarcerado pode configurar redução de sua capacidade de resistência, mas não é crime tirar fotos do preso nessa situação e divulgá-la quando houver interesse público. O crime ocorrerá somente quando a divulgação visar a curiosidade pública, como exposto, que é a divulgação a título de troféu, gratuita, sem fundamento.

O policial também não pode impedir que a imprensa, em via pública, filme ou fotografe o preso. Trata-se do exercício constitucional da liberdade de imprensa que responderá pelos excessos eventualmente praticados. O policial não pode é forçar o preso a se exibir para a imprensa, mas caso a imprensa consiga, em via pública, filmar/fotografar e divulgue essas imagens, não haverá crime por parte do policial. Assim, o policial não deve tomar as câmeras ou dar ordens para que a imprensa não filme e não deve também obrigar o preso a se mostrar para a imprensa.

Ao preso é assegurada proteção contra qualquer forma de sensacionalismo (art. 41, VIII, da Lei n. 7.210/84).

Como os policiais podem obter essas fotos? É possível que forcem pessoas abordadas pelas ruas, sem que tenham qualquer envolvimento com fato criminoso, a autorizarem a extração de fotos? E se houver a prisão em flagrante, o preso pode ser obrigado a deixar que os policiais tirem fotos?

A regra é que as fotos sejam obtidas sem que haja qualquer coação, como as obtidas pelas redes sociais, pela internet, pelos arquivos contidos em  em repartições públicas, como o banco de dados da CNH ou da Justiça Eleitoral. Ocorre que essas fotos das repartições públicas podem estar desatualizadas, sendo necessário buscar outros meios, como as redes sociais.

Não é possível que a polícia aborde uma pessoa qualquer na rua e a obrigue a posar para uma foto, sob pena de pratica o crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP e art. 222 do CPM), uma vez que inexiste qualquer autorização constitucional ou legal para que o policial assim proceda.

Em se tratando de prisão em flagrante, vislumbra-se ser possível a formação de um álbum de fotos pelos próprios policiais dos presos em flagrante, por crimes graves ou de interesse para futuras diligências[3] com o fim de mapearem agentes infratores que atuam na região e utilizarem esse álbum em ocorrências e investigações futuras, com o fim de identificar criminosos. As fotos, nesses casos, podem ser obtidas contra a vontade do preso, assim como estes posam para fotos quando são encarcerados, para que o estabelecimento penal mantenha um cadastro com o máximo de dados relevantes dos presos. Nesta hipótese trata-se de uma medida de gerenciamento administrativo. Como se admite a realização de reconhecimento fotográfico para identificar autor de crime, logicamente, os meios necessários para a obtenção dessas fotos devem ser permitidos, desde que a obtenção não viole normas constitucionais ou legais, como obrigar que o preso, em local público, se exiba para a foto, em meio à população, e não haja o uso de força física, por fugir à razoabilidade.

A obtenção de fotos nos casos de prisão em flagrante justifica-se ainda como um ato de gestão administrativa e mapeamento de presos por região, com o fim de se traçar planejamentos e estratégias de segurança pública, pois o uso interno de fotos pode ser relevante para que testemunhas, vítimas e colaboradores contribuam para a identificação de agentes do crime, o que permitirá que os órgãos policiais atuem direcionados para prevenir e reprimir o crime. Trata-se da aplicação do art. 20 do Código Civil que permite a utilização de imagens para a administração da justiça e a manutenção da ordem pública.

Certo é que a Constituição Federal assegura o direito à inviolabilidade da imagem (art. 5º, X), todavia este direito não é absoluto e, justificadamente, pode ser restringido, tanto é que o próprio art. 20 do Código Civil autoriza a divulgação da imagem nos casos especificados.

Deve-se destacar que a obtenção dessas fotos para serem utilizadas pelos policiais com o fim de proceder ao reconhecimento de pessoas não se confunde com a identificação criminal.

A Constituição Federal (art. 5º, LVIII) assegura que “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”.

A Lei n. 12.037/09 dispõe sobre a identificação criminal e a fotografia é uma das modalidades de identificação criminal, que poderá ser juntada aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação (art. 5º).

Ocorre que a identificação criminal visa identificar o agente, de forma segura e que não haja dúvidas, para que a investigação, persecução penal, eventual condenação e execução da pena tramite exatamente contra a pessoa que tenha praticado a infração penal, enquanto que o reconhecimento fotográfico realizado pela polícia na rua ou logo após a prática de um crime por um agente, na Delegacia, visa esclarecer quem é o autor do crime para efetuar a prisão em flagrante.

A identificação criminal possui um plus, pois nesta o agente já foi capturado; no reconhecimento fotográfico feito pela polícia logo após a prática do crime, geralmente, o agente ainda não foi capturado. A identificação criminal é um procedimento mais formal, pois a foto é juntada aos autos e na atuação policial o álbum pode ser utilizado somente para que a vítima ou testemunha informe com precisão quem é o autor do crime em uma situação de flagrante delito, ainda que não haja dúvidas sobre quem seja o agente, após a  captura deste e confirmação pela vítima ou testemunha. Na identificação criminal é necessário submeter o agente à um procedimento fotográfico, enquanto que na utilização do álbum, as fotos já existem previamente. Destaca-se ainda que o reconhecimento do agente por intermédio de álbum é feito por pessoa leiga, enquanto que a captura de imagem na identificação criminal é feita por um técnico[4].

Caso o preso em flagrante se recuse a mostrar o rosto para a foto, por uma questão de razoabilidade não é recomendado que force o preso a olhar para a foto, sendo possível que o policial capte a foto na primeira oportunidade, quando o preso, por exemplo, por uma distração, exibir o rosto.

O álbum de fotos utilizado pelos policiais é sigiloso, em razão do direito à imagem, e não pode ser divulgado para terceiros que não sejam os próprios policiais que trabalham na região em que as pessoas que aparecem no álbum, supostamente, atuem.

A utilização das fotos deve ocorrer, exclusivamente, para identificar agentes que pratiquem crimes em uma determinada região.

Considerando que o preso não é obrigado a colaborar com os policiais para retirarem foto e que a formação de um álbum de fotos constitui uma mera liberalidade da instituição policial e dos policiais, não há que se falar em crime de desobediência por parte dos agentes presos em flagrante que se recusam a postar para a foto.

Noutro giro, é importante registrar a contravenção penal de recusa de dados sobre a própria identidade ou qualificação prevista no art. 68 da Lei de Contravenções Penais, consistente em “recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência”.

A imagem do rosto constitui um dado sobre a própria identidade? A resposta é positiva, tanto é que a Lei Geral de Proteção de Dados – Lei n. 13.709/18 – disciplina a proteção de dados pessoais e tem como um dos fundamentos a inviolabilidade da imagem. A imagem de uma pessoa é um dado pessoal.

Nesse sentido, o não fornecimento do dado “imagem-retrato” pode configurar a referida contravenção penal.

O agente, assim como qualquer pessoa, não é obrigada a portar documentos pessoais com foto, mas se portar é obrigado a exibi-lo ao policial quando solicitado (determinado), pois é decorrência lógica da abordagem policial (art. 240, § 2º, do CPP) a correta identificação da pessoa que está sendo abordada, até para que possa checar nos sistemas internos se o abordado possui mandado de prisão. A recusa em entregar o documento de identidade pode caracterizar o crime de desobediência (art. 330 do CP).

A partir do momento que o policial tem acesso ao documento de identidade de um preso ou abordado em fundada suspeita, poderá registrar os dados, inclusive, mediante foto do documento. Não poderá reter o documento, sob pena do policial praticar a contravenção penal prevista no art. 3º da Lei n. 5.553/68.

Em qualquer caso os policiais devem se limitar ao uso das imagens (álbum de fotos) para as diligências policiais, sendo vedada a exibição pública, salvo se houver interesse justificável, como a procura pela polícia de um foragido ou agente com mandado de prisão.

Por fim, não é ilícita a divulgação de imagens de presos e de agentes infratores que atuam em uma região entre os policiais que trabalham nessa região, como a divulgação das imagens por intermédio de aplicativo de mensagens[5] ou qualquer outro meio seguro, que mantenha as imagens somente entre os policiais que delas deva ter conhecimento.

NOTAS

[1] HC 427.051/SC, j. 05/04/2018.

[2] Art. 14. Fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar fotografia ou filmagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal, com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Não haverá crime se o intuito da fotografia ou filmagem for o de produzir prova em investigação criminal ou processo penal ou o de documentar as condições de estabelecimento penal.”

[3] Homicídio, roubo, tráfico, receptação, furto, dentre outros. Não há, em um primeiro momento, interesse em registrar fotos de um autor de um mero atrito verbal.

[4] Em sentido semelhante: Identificação criminal também não se confunde com reconhecimento de pessoas. Naquela, notadamente nas hipóteses de identificação datiloscópica e do perfil genético, há o emprego de técnica científica, sendo que o ato de identificação pressupõe conhecimentos técnicos por parte do identificador. No reconhecimento de pessoas (CPP, art. 226), não se exige habilidade específica, cuidando-se de mera comparação leiga feita com a finalidade de se encontrar semelhanças entre pessoas ou coisas. Assim, pode-se dizer que, enquanto o reconhecimento é feito por uma pessoa leiga, a identificação é feita por um técnico.  LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019.p. 147.

[5] Whatsapp, Telegram, Messenger, dentre outros.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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