O policial que trabalha no serviço de inteligência é obrigado a depor em juízo?

por | 25 abr 2020 | Atividade Policial

Compartilhe!

No âmbito da polícia, a atividade de inteligência consiste no serviço realizado com o fim de se obter dados e informações que possam influenciar decisões e ações de segurança pública voltadas para a proteção da sociedade, bem como na coleta de dados e informações que visem esclarecer a autoria, materialidade e a forma como se deu determinado crime.[1]

A Política Nacional de Inteligência[2] menciona que a inteligência é uma atividade especializada e que “exige o emprego de meios sigilosos, como forma de preservar sua ação, seus métodos e processos, seus profissionais e suas fontes. Desenvolve ações de caráter sigiloso destinadas à obtenção de dados indispensáveis ao processo decisório, indisponíveis para coleta ordinária em razão do acesso negado por seus detentores. Nesses casos, a atividade de Inteligência executa operações de Inteligência – realizadas sob estrito amparo legal -, que buscam, por meio do emprego de técnicas especializadas, a obtenção do dado negado.”.

A atividade de inteligência é sigilosa e aqueles policiais que lidam diretamente com ela devem ter seus dados e imagem preservados.

Do contrário, comprometeria a própria essência da atividade de inteligência no levantamento de dados e informações, pois os agentes teriam a identidade revelada e, consequentemente, não poderiam mais atuar secretamente. Isto exigiria da administração pública toda uma reformulação na designação de policiais para o serviço de inteligência, pois teriam que ser substituídos, já que o trabalho realizado por eles poderia estar comprometido por ser de conhecimento dos infratores que atuam no crime, sem omitir o risco real à integridade física e moral dos policiais.

Não se olvide que o serviço de inteligência exige curso e treinamento, e não seria simples a substituição constante dos agentes que atuam na atividade de inteligência. Isto vai de encontro ao princípio da eficiência, além de gerar dispêndios para os cofres públicos.

Uma das formas de atuação dos agentes de inteligência consiste na produção de elementos para a autoridade de polícia judiciária comum ou militar. Os elementos produzidos devem ser relatados e direcionados ao responsável pela apuração, que, em caso de necessidade, poderá ser ouvido em juízo.

O relatório de inteligência poderá conter entrevistas e conversas realizadas com testemunhas que foram gravadas em áudio; levantamento de informações do patrimônio dos investigados; filmagens dos investigados em via pública, dentre outros.

Diante dos elementos produzidos pelo serviço de inteligência, a autoridade que preside a investigação poderá, caso entenda ser o caso, ouvir as pessoas citadas no relatório, que não são os agentes – policiais – de inteligência , momento em que o depoimento dessas pessoas passará a compor o inquérito.

Igualmente, poderá adotar as providências que entender necessárias para a elucidação do crime, sendo o relatório de inteligência um ponto de partida ou até mesmo um ponto de chegada, que venha a corroborar – ou não – com as informações obtidas pela autoridade policial no decorrer das investigações.

Somente em casos extremos é que o agente de inteligência deve ser ouvido em juízo. 

Portanto, conforme o art. 5º, XXXIII, da CF, art. 11, III, da Lei 8.429/92, arts. 3º e 9º, § 2º, da Lei 9.883/99, art. 23, VIII, da Lei 12.527/11, art. 325 do CP e art. 326 do CPM, bem como em observância e respeito à doutrina de inteligência, em regra, o policial que é agente do serviço de inteligência deve ser preservado e não deve ser ouvido em audiência, devendo, para tanto, ser intimada a autoridade responsável pela investigação.

Em razão da obrigatoriedade na manutenção do sigilo por parte do agente de inteligência, a regra é que este não compareça em juízo e caso haja intimação judicial com ameaça de prisão para que assim proceda, a autoridade judicial poderá incidir na prática do crime de abuso de autoridade previsto no art. 15 da Lei 13.869/19.

NOTAS

[1] Art. 2º do Decreto 4.376/02.

[2] Política Nacional de Inteligência. Disponível em: http://www.abin.gov.br/acesso-a-informacao/legislacao-de-inteligencia/coletanea-de-legislacao/politica-nacional-de-inteligencia/. Acesso em: 23 Nov 18.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

Fale com o autor

INSTAGRAM

This error message is only visible to WordPress admins
There has been a problem with your Instagram Feed.

Facebook

Mais lidas

  1. A perturbação do trabalho ou do sossego alheios (178.777)
  2. Atividade jurídica para policiais, militares, bombeiros e guardas municipais para fins de concursos públicos (73.917)
  3. A apreensão de arma de fogo com registro vencido (63.708)
  4. A diferença entre “ameaça” e “grave ameaça” para a caracterização dos crimes que exigem “grave ameaça” (61.281)
  5. Distinções entre o crime de furto mediante fraude (art. 155, § 4º, II, do CP) e o estelionato (art. 171 do CP) (60.775)