Imagine a hipótese em que um preso fuja do presídio e tempos depois é localizado pela polícia na rua, mas os policiais verificam que após a fuga não foi expedido o mandado de recaptura (mandado de prisão). Poderá efetuar a prisão?
A doutrina praticamente não aborda essa hipótese e são poucos os julgados a respeito.
O art. 684 do Código de Processo Penal dispõe que: “A recaptura do réu evadido não depende de prévia ordem judicial e poderá ser efetuada por qualquer pessoa.”
Tal dispositivo é constitucional? Sim, pois o art. 5º, LXI, da Constituição Federal diz que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem judicial. Ainda que a prisão ocorra em flagrante, a manutenção da prisão exige ordem judicial (art. 310, II, do CPP).
O preso ao fugir, necessariamente, tinha contra sim uma ordem judicial, razão pela qual a recaptura consiste em um desdobramento do cumprimento da ordem judicial que foi descumprida pelo preso.
Logo, ao recapturar um preso a polícia não necessita de um novo mandado de prisão (mandado de recaptura), pois a ordem judicial já existe. Ao cumprir um mandado de prisão, este permanece válido até que o juiz determine a expedição do alvará de soltura.
A própria lei prevê que não é necessária prévia ordem judicial para que se efetue a recaptura do réu evadido, o que é constitucional.
De qualquer forma, basta realizar o seguinte raciocínio: a polícia ao visualizar que um réu acabou de fugir – o que não é crime – poderá correr atrás e recapturar o réu ou a partir do momento em que o réu colocou os pés nas ruas o policial deve deixá-lo fugir por não ter uma nova ordem de prisão (mandado de prisão)? Seria absurdo exigir um mandado de recaptura nesses casos, pois, obviamente, obrigaria o policial assistir ao réu fugir sem nadar poder fazer. A lei não distingue se a recaptura sem prévia ordem judicial pode ser efetuada somente quando esta acabe de acontecer ou se poderá ocorrer a qualquer momento, enquanto o mandado de prisão que originou a prisão não tiver vencido, razão pela qual não é possível se realizar essa distinção.
Dessa forma, a recaptura de réu foragido pode ser efetuada a qualquer momento, seja logo após ter evadido ou tempos depois, enquanto a ordem de prisão possuir validade.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça[1] já decidiu que é possível a recaptura de preso evadido, mesmo sem mandado de prisão, pois não se trata de prisão inicial.
Quanto aos trâmites operacionais após a recaptura do foragido deve-se observar as normas internas da Corporação, mas não há nenhuma ilegalidade caso o policial conduza o foragido diretamente ao presídio em que estava preso, sem passar pela Delegacia de Polícia, pois a mera fuga e recaptura dispensa providências de polícia judiciária, sendo suficiente que o juiz e o Ministério Público do caso ou da execução penal sejam comunicados.
Corrente contrária à possibilidade de recolher uma pessoa presa com base no art. 684 do Código de Processo Penal, sustenta que o art. 288 do CPP veda o recolhimento à prisão sem que seja exibido o mandado de prisão ao diretor ou policial penal.
Art. 288. Ninguém será recolhido à prisão, sem que seja exibido o mandado ao respectivo diretor ou carcereiro, a quem será entregue cópia assinada pelo executor ou apresentada a guia expedida pela autoridade competente, devendo ser passado recibo da entrega do preso, com declaração de dia e hora.
Não há incompatibilidade entre os artigos 288 e 684, ambos do Código de Processo Penal, pois o art. 685 autoriza a recaptura do foragido sem prévia ordem judicial de recaptura, uma vez que já existe ordem judicial para efetuar a prisão, a qual não se exaure ao ser cumprida pela primeira vez, podendo ser cumprida quantas vezes for necessário, enquanto a decisão judicial que determinou a prisão não tiver sido revogada ou não tiver se exaurido, como a hipótese de uma decisão que determine a prisão temporária.
Portanto, ao efetuar a captura do foragido não é necessário que haja mandado de recaptura (art. 684 do CPP), em que pese na prática ser comum, mas é necessário que se apresente o mandado de prisão ao diretor ou policial penal do estabelecimento penal em que o agente ficará preso (art. 288 do CPP), bem como é necessário apresentar ao preso uma cópia do mandado de prisão (art. 286 do CPP).
O mandado de prisão pode ser o mesmo que originou a prisão inicial, pois este não se exaure após ser cumprido, sendo o seu exaurimento determinado nos autos em que houve determinação judicial para que o agente fosse preso.
Deve-se consignar ainda que os livros de Processo Penal mencionam, genericamente, que a parte da Execução prevista no Livro IV foi revogada pela Lei de Execução Penal – Lei n. 7.210/84 – , por ter regulado integralmente a matéria e disposto no art. 204[2] que as disposições em contrário estavam revogadas.
Ocorre que o conteúdo do art. 684 do Código de Processo Penal não é tratado na Lei de Execução Penal, razão pela qual não foi revogado e permanece em pleno vigor. O mesmo raciocínio se aplica à reabilitação, prevista no Capítulo II do Livro IV, pois a LEP não trata da reabilitação.
NOTAS
[1] (…) não se trata de prisão inicial, mas sim de recaptura de preso evadido, pois o ora paciente era foragido de estabelecimento prisional do Estado do Pará, o que dispensa inclusive mandado de prisão conforme a regra do art. 684 do CPP. 11. Habeas corpus não conhecido. (STJ – HC: 144699 TO 2009/0157801-0, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 04/10/2012, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/10/2012)
[2] Art. 204. Esta Lei entra em vigor concomitantemente com a lei de reforma da Parte Geral do Código Penal, revogadas as disposições em contrário, especialmente a Lei nº 3.274, de 2 de outubro de 1957.