É possível que haja autorização judicial para a polícia cumprir mandado em casa no período noturno?

por | 1 maio 2020 | Atividade Policial

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A Constituição Federal dispõe no art. 5º, XI, que a “casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Nota-se que pela literalidade da Constituição não é possível o ingresso, por determinação judicial, durante o período noturno.

Qual é o conceito de dia?

O tema é divergente e existem, pelo menos, três correntes.

A primeira adota o critério físico-astronômico e considera dia o intervalo entre a aurora (nascer do sol) e o crepúsculo (pôr do sol), pois é o período em que há luz natural do sol.

A segunda adota o critério cronológico por uma questão de segurança, por não depender de interpretação de quem analisa, o que concede maior garantia ao conceito de “dia”. Subdivide-se em outras três correntes, a saber: a) dia é o intervalo entre 06:00 e 18:00h, de forma que o período do dia e da noite possuam igualdade de tempo (12 horas para cada); b) dia é o intervalo entre 06:00 e 20:00h, uma vez que o Código de Processo Civil (art. 212) prevê que os atos processuais serão realizados nesse intervalo de tempo, o que concede uma maior segurança jurídica para o cumprimento de diligências durante o dia; e c) dia é o intervalo de tempo entre 05:00 e 21:00h, em razão do disposto no art. 22, III, da Lei n. 13.869/19, que tipifica como crime de abuso de autoridade o cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar fora desse horário, ou seja, entre 21:00 e 05:00h. Como a Constituição Federal diz que somente pode entrar em domicílio, por determinação judicial, durante o dia, para esta corrente, entende-se que houve uma delimitação do período “dia” (entre 05:00 e 21:00h).

A terceira corrente adota o critério misto, de forma a priorizar o critério para o início e fim de dia que seja mais benéfico para a proteção da inviolabilidade domiciliar. Portanto, adotando-se o primeiro e segundo subcritérios cronológicos, se às 06:00 da manhã ainda estiver escuro, o dia ainda não terá se iniciado, pois ainda não tem luz solar. Caso seja 05:30 e já haja sol, o dia também não terá se iniciado, pois ainda não são 06:00h.

A determinação judicial a que se refere a Constituição Federal abrange todas as hipóteses previstas em lei que permitem ao juiz autorizar o ingresso em domicílio, seja para fins criminais, o que é comum nos mandados de busca e apreensão (art. 240 do CPP) ou mandado de prisão ou cíveis, como um mandado de penhora (art. 846 do CPC).

A Constituição Federal não abriu exceções, foi taxativa ao dizer que por determinação judicial o ingresso em residência deve ocorrer durante o dia, ressalva essa que não ocorre nas demais hipóteses constitucionais de autorização de ingresso em domicílio.

Nesse contexto, seria absoluta a impossibilidade de cumprimento de decisão judicial, em residência, no período noturno?

Não. Em caso concreto, o Supremo Tribunal Federal validou o ingresso a autoridade policial em escritório de advocacia, no período noturno, para a instalação de equipamento de captação de sinais óticos e acústicos, na medida em que o sigilo do advogado não existe para protegê-lo na prática de crimes, não sendo admissível que a inviolabilidade transforme o escritório em um local seguro para praticar crimes. Destacou-se que a inviolabilidade domiciliar não possui valor absoluto e considerou-se ser, no mínimo, duvidosa, a equiparação entre escritório vazio com domicílio stricto sensu, que pressupõe a presença de pessoas que o habitem (STF, Inq. 2424/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 26.03.2010).

Dessa forma, é possível que o juiz autorize, no caso concreto, que o mandado judicial que autoriza o ingresso domiciliar seja cumprido no período noturno.

Tome como exemplo um caso em que traficantes guardem as drogas, no período noturno, em determinadas casas, tendo a polícia recebido diversas denúncias anônimas e ao proceder à verificação dos fatos, com a audição de testemunhas e interceptação telefônica, comprova que as drogas, realmente, são guardadas no período noturno, em certas casas.

Assim, a autoridade policial, com receio de entrar nas residências, na medida em que nem sempre os traficantes guardam as drogas nas casas, requer mandado de busca e apreensão. Nesse caso, é possível que o juiz autorize o cumprimento do mandado durante o período noturno.

De qualquer forma, caso o policial adentre às residências que imagina ter droga, durante o período noturno, após proceder ao levantamento dos fatos, e nada for encontrado, incidirá em estrito cumprimento do dever legal putativo, portanto, não será responsabilizado criminalmente[1].

NOTA

[1] Discute-se na doutrina, em relação ao direito penal comum, se a descriminante putativa por erro de proibição relativa ao erro quanto aos pressupostos de fato de uma causa excludente de ilicitude constitui erro de tipo permissivo ou erro de proibição. Adotando-se a primeira hipótese não haverá responsabilização do policial, seja em razão da exclusão do dolo e da culpa, se escusável o erro, ou exclusão do dolo, se inescusável. Para a corrente que entende haver erro de proibição, se o erro for inevitável, exclui-se a culpabilidade, se for evitável, o agente responde pelo crime doloso com a pena reduzida de 1/6 a 1/3.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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