A Constituição Federal dispõe no art. 5º, XI, que a “casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Nota-se que pela literalidade da Constituição não é possível o ingresso, por determinação judicial, durante o período noturno.
Qual é o conceito de dia?
O tema é divergente e existem, pelo menos, três correntes.
A primeira adota o critério físico-astronômico e considera dia o intervalo entre a aurora (nascer do sol) e o crepúsculo (pôr do sol), pois é o período em que há luz natural do sol.
A segunda adota o critério cronológico por uma questão de segurança, por não depender de interpretação de quem analisa, o que concede maior garantia ao conceito de “dia”. Subdivide-se em outras três correntes, a saber: a) dia é o intervalo entre 06:00 e 18:00h, de forma que o período do dia e da noite possuam igualdade de tempo (12 horas para cada); b) dia é o intervalo entre 06:00 e 20:00h, uma vez que o Código de Processo Civil (art. 212) prevê que os atos processuais serão realizados nesse intervalo de tempo, o que concede uma maior segurança jurídica para o cumprimento de diligências durante o dia; e c) dia é o intervalo de tempo entre 05:00 e 21:00h, em razão do disposto no art. 22, III, da Lei n. 13.869/19, que tipifica como crime de abuso de autoridade o cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar fora desse horário, ou seja, entre 21:00 e 05:00h. Como a Constituição Federal diz que somente pode entrar em domicílio, por determinação judicial, durante o dia, para esta corrente, entende-se que houve uma delimitação do período “dia” (entre 05:00 e 21:00h).
A terceira corrente adota o critério misto, de forma a priorizar o critério para o início e fim de dia que seja mais benéfico para a proteção da inviolabilidade domiciliar. Portanto, adotando-se o primeiro e segundo subcritérios cronológicos, se às 06:00 da manhã ainda estiver escuro, o dia ainda não terá se iniciado, pois ainda não tem luz solar. Caso seja 05:30 e já haja sol, o dia também não terá se iniciado, pois ainda não são 06:00h.
A determinação judicial a que se refere a Constituição Federal abrange todas as hipóteses previstas em lei que permitem ao juiz autorizar o ingresso em domicílio, seja para fins criminais, o que é comum nos mandados de busca e apreensão (art. 240 do CPP) ou mandado de prisão ou cíveis, como um mandado de penhora (art. 846 do CPC).
A Constituição Federal não abriu exceções, foi taxativa ao dizer que por determinação judicial o ingresso em residência deve ocorrer durante o dia, ressalva essa que não ocorre nas demais hipóteses constitucionais de autorização de ingresso em domicílio.
Nesse contexto, seria absoluta a impossibilidade de cumprimento de decisão judicial, em residência, no período noturno?
Não. Em caso concreto, o Supremo Tribunal Federal validou o ingresso a autoridade policial em escritório de advocacia, no período noturno, para a instalação de equipamento de captação de sinais óticos e acústicos, na medida em que o sigilo do advogado não existe para protegê-lo na prática de crimes, não sendo admissível que a inviolabilidade transforme o escritório em um local seguro para praticar crimes. Destacou-se que a inviolabilidade domiciliar não possui valor absoluto e considerou-se ser, no mínimo, duvidosa, a equiparação entre escritório vazio com domicílio stricto sensu, que pressupõe a presença de pessoas que o habitem (STF, Inq. 2424/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 26.03.2010).
Dessa forma, é possível que o juiz autorize, no caso concreto, que o mandado judicial que autoriza o ingresso domiciliar seja cumprido no período noturno.
Tome como exemplo um caso em que traficantes guardem as drogas, no período noturno, em determinadas casas, tendo a polícia recebido diversas denúncias anônimas e ao proceder à verificação dos fatos, com a audição de testemunhas e interceptação telefônica, comprova que as drogas, realmente, são guardadas no período noturno, em certas casas.
Assim, a autoridade policial, com receio de entrar nas residências, na medida em que nem sempre os traficantes guardam as drogas nas casas, requer mandado de busca e apreensão. Nesse caso, é possível que o juiz autorize o cumprimento do mandado durante o período noturno.
De qualquer forma, caso o policial adentre às residências que imagina ter droga, durante o período noturno, após proceder ao levantamento dos fatos, e nada for encontrado, incidirá em estrito cumprimento do dever legal putativo, portanto, não será responsabilizado criminalmente[1].
NOTA
[1] Discute-se na doutrina, em relação ao direito penal comum, se a descriminante putativa por erro de proibição relativa ao erro quanto aos pressupostos de fato de uma causa excludente de ilicitude constitui erro de tipo permissivo ou erro de proibição. Adotando-se a primeira hipótese não haverá responsabilização do policial, seja em razão da exclusão do dolo e da culpa, se escusável o erro, ou exclusão do dolo, se inescusável. Para a corrente que entende haver erro de proibição, se o erro for inevitável, exclui-se a culpabilidade, se for evitável, o agente responde pelo crime doloso com a pena reduzida de 1/6 a 1/3.