A (im)possibilidade do exercício do poder de polícia por empresas de segurança privada

por | 2 maio 2020 | Segurança Pública

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A segurança pública é um serviço essencial e não admite delegação, o que não impede a atuação de empresas privadas, por não ser exclusividade do Estado, pois, em que pese ser um dever do Estado, é de responsabilidade de todos, nos termos do art. 144 da Constituição Federal.

A segurança privada consiste nas atividades desenvolvidas com a finalidade de proceder à vigilância patrimonial das instituições financeiras e de outros estabelecimentos, públicos ou privados, bem como a segurança de pessoas físicas ou de realizar o transporte de valores ou garantir o transporte de qualquer outro tipo de carga[1].

O poder de polícia é um instrumento do Poder Público, uma atividade típica do Estado e decorre do poder de império, sendo, portanto, indelegável a particulares, o que poderia gerar um desequilíbrio na relação entre particulares e a quebra da ordem social.

Um dos poderes administrativos é o poder de polícia, que consiste na prerrogativa do Estado em limitar, restringir, impor limites à atuação de um particular, em observância ao interesse público.

O poder de polícia autoriza que a Administração Pública, amparada pelo ordenamento jurídico, utilize-se de mecanismos que restrinjam e limitem o exercício de direitos em busca da promoção do bem comum e do interesse social.

Conforme o art. 78 do Código Tributário Nacional, Poder de Polícia é a “atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”

A expressão “poder de polícia” pode ser utilizada em sentido amplo e estrito. Em sentido amplo refere-se a toda atuação estatal que limite direitos individuais, a exemplo da edição de leis. O sentido estrito consiste na atividade administrativa, na atuação concreta da Administração Pública que restringe e limita direitos.

A atuação do Estado, no exercício do poder de polícia, desenvolve-se em quatro fases, denominadas de ciclo de polícia, conforme ensinamentos de Diogo de Figueiredo Moreira Neto: a ordem de polícia (1ª fase), o consentimento de polícia (2ª fase), a fiscalização de polícia (3ª fase) e a sanção de polícia (4ª fase).

A ordem de polícia decorre da previsão normativa que legitima e valida a atuação do Estado na restrição de direitos individuais em prol do interesse público. Trata da criação de leis e normas que fundamentem o exercício do poder de polícia.

O consentimento de polícia é a anuência conferida pela Administração Pública quando a lei exige a manifestação do Estado, o que ocorre, geralmente, por intermédio das licenças e alvarás.

A fiscalização de polícia trata da verificação do cumprimento da ordem de polícia, bem como a constatação da regularidade das licenças e alvarás concedidos pela Administração Pública.

A sanção de polícia ocorre quando se constata violação à ordem de polícia. Consiste na atividade administrativa de natureza punitiva.

A ordem e a sanção de polícia são indelegáveis, enquanto que o consentimento e fiscalização de polícia são delegáveis, uma vez que os primeiros decorrem do poder de império e de coerção do Estado, enquanto que os últimos não implicam na adoção, genuinamente, de medidas coercitivas, estando afetos ao poder de gestão do Estado, e consistem em uma forma de auxílio e colaboração com o Poder Público, que detém a palavra final.

Assim, o Estado pode delegar a particulares a incumbência de emitir carteira nacional de habilitação e a fiscalização e organização do trânsito.

Os aspectos materiais do poder de polícia também são delegáveis a particulares, a exemplo da contratação de uma empresa para a instalação de radares em vias públicas e consequente encaminhamento das multas para o Poder Público, pois não consiste em atos decorrentes do poder de polícia propriamente dito, mas somente uma atividade secundária, de auxílio ao Estado.

Isto é, a execução de atos materiais pode ser transferida para particulares, sob a tutela do Poder Público.

Em se tratando de empresas de segurança privada não há que se falar em poder de polícia por possuírem natureza privada e o Estado é o único detentor deste poder, o que não impede de delegar atos materiais ou o consentimento e fiscalização de polícia.

Assim, é possível que o Poder Público delegue à empresa de segurança privada, em determinadas situações, a fiscalização de polícia ou a execução de certos atos materiais, mas, originariamente, as empresas de segurança privada não possuem poder de polícia.

A atuação de seguranças privados possui natureza contratual, sendo desprovida de qualquer poder de polícia.

NOTA

[1] Art. 10, I e II, da Lei 7.102/83.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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