A diferença entre “ameaça” e “grave ameaça” para a caracterização dos crimes que exigem “grave ameaça”

por | 10 jun 2020 | Atividade Policial

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Saber diferenciar quando há ameaça e grave ameaça é de suma importância, na medida em que a “grave ameaça” é utilizada para a obtenção de diversos benefícios penais e encontra-se presente como elemento objetivo do tipo em diversos crimes.

A subtração de um bem móvel mediante o uso de “grave ameaça” caracteriza o crime de roubo (art. 157 do CP), contudo se houver “ameaça”, o crime será o de furto.

A “grave ameaça” impede a concessão do arrependimento posterior (art. 16 do CP); a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito (art. 44, I, do CP); permite o reconhecimento da continuidade delitiva específica (art. 71, parágrafo único, do CP); impede a aplicação de imunidade absoluta (art. 183, I, do CP); é elemento caracterizador para o reconhecimento do crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP); do tráfico de pessoas (art. 149-A do CP); do roubo (art. 157 do CP); da extorsão (art. 158 do CP); do esbulho possessório (art. 161, § 1º, II, do CP); do dano qualificado (art. 163, parágrafo único, I, do CP); do estupro (art. 213 do CP); da coação no curso do processo (art. 344 do CP), dentre outros.

Diante desse panorama, como distinguir a “ameaça” da “grave ameaça”?

A constatação se uma ameaça é grave deve ocorrer em cada caso e deve-se analisar três fatores: a) quem faz a ameaça; b) quem recebe a ameaça; c) circunstâncias do caso.

a) quem faz a ameaça

No tocante ao autor da ameaça deve-se considerar a compleição física; o tom de voz; as condições de saúde do agente em relação à vítima, como a hipótese em que o autor aborde uma pessoa debilitada em uma cadeira de rodas e mande entregar o celular; as roupas que utiliza, como um homem branco que usa uma camisa com símbolo nazista e aborda um negro na rua; se possui tatuagem indicativa de violência, como um desenho com uma arma apontando para uma pessoa e escrito “157” (artigo do crime de roubo previsto no Código Penal).

b) quem recebe a ameaça

Em relação à vítima deve-se considerar suas limitações físicas; a condição social e cultural; a situação de saúde; a fé e a crença, como a vítima que se sente amedrontada ao receber uma ameaça espiritual1 ou promessa de bruxaria.

c) circunstâncias do caso

O local onde o agente aborda a vítima é relevante (rua deserta e escura, em frente a uma guarnição policial, dentro de um shopping); a hora; a forma como é feita a abordagem, se está com as mãos livres ou por debaixo da blusa; se porta algum objeto que possa ser intimidatório, como um punhal, um pedaço de pau, uma arma de fogo ou branca, uma garrafa de vidro; a quantidade numérica, como a hipótese em que dois ou três homens abordam uma pessoa e peçam para entregar um objeto, ainda que não ameaçassem diretamente; o sexo, como a hipótese em que um homem aborda uma mulher na rua e peça para entregar o cordão que usa no pescoço.

Na hipótese em que a vítima conheça o autor da ameaça anteriormente à realização desta e saiba que este é faixa preta em artes marciais, o simples pedido para que a vítima entregue o celular poderá caracterizar a “grave ameaça”.

Todos esses fatores são essenciais para constatar no caso concreto se a vítima sofreu uma ameaça a ponto de se tornar grave e amedrontá-la de forma que venha a ceder facilmente mediante a entrega do objeto subtraído ou saber dos riscos em enfrentar o agente. A ameaça para se tornar grave tem que causar sério e fundado temor na vítima, de forma que esta tenha ciência de que se não ceder, entregar a coisa pedida, poderá sofrer violência ou algum mal. A vítima tem que ter medo e saber que corre sério risco de se lesionar ou até mesmo morrer.

O simples fato da vítima entregar o bem pedido pelo agente infrator, sem que seja mediante expressa “grave ameaça” não significa que houve “grave ameaça” velada, todavia poderá ser um indicativo de que a vítima se sentiu ameaçada de forma grave, tanto é que cedeu a um simples pedido do agente.

A “grave ameaça” pode ser explícita ou velada (implícita). Será explícita quando o agente manifestar-se de qualquer forma (palavras, gestos, por escrito ou por qualquer meio, como apontar uma arma ou fingir estar armado) e velada quando o agente não se manifestar por qualquer meio, sendo possível extrair a grave ameaça das condições do agente, da vítima e das circunstâncias do caso.

Caso a vítima não se sinta amedrontada a ponto de ceder ao pedido do agente, estar-se-á diante de uma situação de ameaça, pois a grave ameaça afeta seriamente a vítima, de forma que esta fique com medo se não atender ao pedido do agente, pois tem ciência de que poderá sofrer lesão ou ser até mesmo morta.

Tome como exemplo uma vítima, alta e forte, que mexe no celular de frente para o mar, enquanto está sentada em uma cadeira de praia, momento em que um adolescente de 12 anos, franzino, de baixa estatura e de sunga, passa próximo à vítima e lhe pede o celular, senão irá enchê-lo de “porrada”. A vítima olha para o adolescente, mas não leva a sério e continua no celular, momento em que o adolescente toma o celular com força da mão da vítima e sai correndo. Haverá o crime de furto, pois a ameaça não chegou a ser grave.

Nesse sentido, se uma pessoa franzina, de baixa estatura e desarmada aproxima-se de um indivíduo alto, forte, lutador de muay thai e manda passa o celular, senão o encherá de “porrada”, momento em que o lutador imobiliza o agente, não haverá a tentativa do crime de roubo, face à inexistência de “grave ameaça” – houve somente a “ameaça” -, pois a ameaça provocada é insuficiente para intimidar e amedrontar seriamente a vítima.

A grave ameaça deve ser analisada, preponderantemente, de forma subjetiva, de acordo com o medo, intimidação e constrangimento sofrido pela vítima, o que, no entanto, não dispensa a presença de elementos objetivos, o que permite afirmar que é possível o reconhecimento da “grave ameaça” até mesmo se a vítima disser que não se sentiu ameaçada, como a hipótese em que a vítima é abordada por indivíduos fortemente armados que levam o seu veículo. Pouco importa, neste exemplo, se a vítima vai dizer se se sentiu ameaçada de forma grave ou não, pois a leitura de cenário, objetivamente, permite afirmar que houve grave ameaça.

Portanto, para que haja grave ameaça é necessária a presença de elementos subjetivos e objetivos que são analisados de forma proporcional e razoável de acordo com o tripé: a) quem fez a ameaça; b) quem recebeu a ameaça e c) quais eram as circunstâncias do caso.

O Professor Cezar Roberto Bitencourt2 ensina que:

Ameaça grave (violência moral) é aquela capaz de atemorizar a vítima, viciando sua vontade e impossibilitando sua capacidade de resistência. A grave ameaça objetiva criar na vítima o fundado receio de iminente e grave mal, físico ou moral, tanto a si quanto a pessoas que lhe sejam caras. É irrelevante a justiça ou injustiça do mal ameaçado, na medida em que, utilizada para a prática de crime, torna-a também antijurídica.

“Mediante grave ameaça” constitui forma típica da “violência moral”; é a vis compulsiva, que exerce força intimidativa, inibitória, anulando ou minando a vontade e o querer do ofendido, procurando, assim, inviabilizar eventual resistência da vítima. Na verdade, a ameaça também pode perturbar, escravizar ou violentar a vontade da pessoa, como a violência material. A violência moral pode materializar-se em gestos, palavras, atos, escritos ou qualquer outro meio simbólico. Mas somente a ameaça grave, isto é, aquela que efetivamente imponha medo, receio, temor na vítima, e que lhe seja de capital importância, opondo-se a sua liberdade de querer e de agir. O mal ameaçado pode consistir em dano ou em simples perigo, desde que seja grave, impondo medo à vítima, que, em razão disso, sinta-se inibida, tolhida em sua vontade, incapacitada de opor qualquer resistência ao sujeito ativo. No entanto, é desnecessário que o dano ou perigo ameaçado à vítima seja injusto, bastando que seja grave. Na verdade, a injustiça deve residir na ameaça em si e não no dano ameaçado.

E prossegue:

O aferimento da eficácia da ameaça é de caráter puramente subjetivo, sofrendo, certamente, influência direta de aspectos como nível cultural, idade, sexo, condição social, estado de saúde etc. A eficácia virtual da ameaça deve ser avaliada considerando-se o nível médio (de difícil aferição) dos indivíduos com a mesma condição ou padrão da vítima (Manzini). Assim, não se deve excluir a priori a idoneidade da ameaça, ainda que, de plano, pareça mirabolante, pois há pessoas, dominadas por crendices, que são facilmente impressionáveis. Oportuna a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (Rel. Juiz Celso Limongi, RT, 701/305): “Se a vítima se sentiu atemorizada, porque o acusado fazia menção de sacar da cintura uma arma, a ameaça, portanto, existiu, o que caracteriza o roubo simples, não sendo caso de desclassificação para furto por arrebatamento”.

O Superior Tribunal de Justiça3 já enfrentou o tema e no inteiro teor consta didática explicação.

Conforme destaca Weber Martins Batista, ‘como se trata de um estado de alma, sua análise é eminentemente subjetiva. Assim, a gravidade da ameaça deve ser analisada com base nas circunstâncias do caso, tendo em consideração o meio usado pelo agente, o local do fato, a hora em que aconteceu, se era possível algum auxílio de terceiro e, sobretudo, levando em conta as condições pessoais do agente e da vítima. Pode acontecer que o meio e modo de que se valeu o sujeito ativo – que não seria capaz de, em condições normais, intimidar um homem de mediana coragem – seja suficiente para atemorizar a vítima, pessoa mais fraca ou colocada em circunstâncias adversas’.

(…) Por outro lado, não há necessidade sequer que o agente verbalize o mal que vai praticar, caso não obtenha sucesso na subtração. Imagine-se a hipótese do agente que, sem mostrar a sua arma, leva, simplesmente, sua mão à cintura, dando a entender que a sacaria, caso fosse preciso. O simples gesto de levar as mãos à cintura já se configura em ameaça suficiente para fins de caracterização do roubo. Da mesma forma, a superioridade de forças, principalmente quando ocorre entre homens e mulheres, também já é suficiente. Suponha-se, neste caso, que o agente, um homem alto, forte e mal-encarado, chegue perto da vítima, uma mulher, e anuncie o roubo dizendo tão-somente: ‘Passe a bolsa’. Nenhuma promessa de mal foi anunciada. Entretanto, poderia a vítima imaginar que algum mal lhe aconteceria caso não entregasse sua bolsa ao agente? A resposta só pode ser positiva.” (Rogério Greco, in “Curso de Direito Penal: parte especial”, vol. 3, Impetus, 6.ª ed., 2009, p. 64/65.)

Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça.

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA FURTO. IMPROPRIEDADE. EMPREGO DE GRAVE AMEAÇA. ASPECTOS PESSOAIS DA VÍTIMA EM RELAÇÃO AO RÉU. CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE ROUBO. RECURSO PROVIDO.

1. Configura-se o crime de roubo quando há o emprego de violência ou grave ameaça contra a vítima. O crime de furto, por sua vez, caracteriza-se quando não há emprego de nenhuma espécie de violência, física ou moral, nem grave ameaça.

2. A gravidade da ameaça, no crime de roubo, deve ser aferida no caso concreto. As condições pessoais da vítima, em relação ao Réu, devem ser consideradas pelo magistrado para aferir a força intimidadora que caracteriza a grave ameaça.

3. No caso, a vítima, então com 13 anos de idade, sentiu-se atemorizada quando o (treze) Réu determinou que lhe entregasse o objeto do crime, uma bicicleta, em virtude de sua compleição física avantajada.

4. Recurso provido.

(STJ – REsp: 1111808 SP 2009/0033707-6, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/09/2009, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: –> DJe 13/10/2009)

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. APELAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO SIMPLES. VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA.

I – Hipótese em que não se questiona a dinâmica dos fatos, restando definido no v. acórdão guerreado, de maneira clara e ausente de dúvidas, que o recorrido, no momento da subtração do veículo, ameaçou atirar na vítima caso não ficasse quieta.

II – Para a configuração do crime de roubo é necessário haver o emprego de violência ou grave ameaça contra a vítima. Entretanto, a violência não precisa ser de tal gravidade a ponto de ensejar lesões corporais, como nas vias de fato. Ademais, a grave ameaça pode ser empregada de forma velada, configurando-se, isso sim, pelo temor causado à vítima, o que leva a permitir que o agente promova a subtração sem que nada possa a pessoa lesada fazer para impedi-lo . (Precedentes).

III – Dito em outras palavras, a grave ameaça é a violência moral, a promessa de fazer mal à vítima, intimidando-a, atemorizando-a, viciando sua vontade de modo a evitar um eventual reação (Luiz Régis Prado in ‘Curso de Direito Penal Brasileiro – Vol. 2’, Ed. RT, 5ª edição, 2006, pág. 418). É necessário que a ameaça seja bastante para criar no espírito da vítima o fundado receio de iminente e grave mal, físico ou moral (Nelson Hungria in ‘Comentários ao Código Penal – Vol. VII’, Ed. Forense, 4ª edição, 1980, pág. 54). Não se exige, contudo, o propósito, por parte do agente, de cumprir verdadeiramente a ameaça, nem que ela possa ser cumprida, basta que, no caso concreto, ela seja idônea para constranger e intimidar o ofendido (Heleno Cláudio Fragoso in ‘Lições de Direito Penal – Parte Especial – Vol. 1’, Ed. Forense, 11ª edição, 1995, pág. 20). Ainda, fatores ligados à vitima (v.g.: sexo, idade, condição social e de saúde, etc) devem, no caso concreto, serem sopesados para que se possa aquilatar o grau de temebilidade proporcionado pela conduta do agente. Recurso especial provido.” (REsp 951841/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 12/11/2007 p. 292, sem grifos no original.)

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a grave ameaça “é o constrangimento ou a intimidação provocada na vítima a fim de subtrair um bem móvel de sua propriedade. Trata-se de um elemento subjetivo, tendo em vista a necessidade de se analisar, no caso concreto, se o ato praticado pelo agente foi realmente capaz de incutir na vítima um temor fundado e real. Contudo, o caráter subjetivo da grave ameaça não dispensa a correlação de proporcionalidade e razoabilidade que deve existir entre a conduta praticada pelo agente e a ameaça sentida pela vítima.”4

Flávio Augusto Monteiro de Barros5 ensina que:

A ameaça pode se dar por palavras, gestos, escritos e meios simbólicos. Ela deve referir-se a um mal imediato, pois se for futuro, não caracterizará o roubo, mas sim o delito de extorsão. A ameaça, para a tipificação do roubo, há de ser grave, a ponto de atemorizar a vítima. Na análise da gravidade da ameaça, leva-se em conta as qualidades pessoais da vítima, tais como o sexo, idade, saúde, temperamento, etc. Como ensina Nelson Hungria, não se pode excluir a idoneidade da ameaça ainda quando represente a a promessa de certos males fantásticos (p. ex., os relacionados com a prática de magia negra ou feitiçaria), pois há pessoas, imbuídas de crendices, que se deixam impressionar com semelhante espécie de ameaça. Cumpre ainda destacar que o mal prometido, em si mesmo, não precisa ser injusto, sendo suficiente a injustiça da pretensão que se visa obter com a ameaça. Com efeito, admite-se o roubo com ameaça justa, como na hipótese da pessoa que subtrai a outra, ameaçando contar à polícia o delito cometido por esta última. (destaquei)

Nota-se que a grave ameaça não precisa ser de causar um mal injusto. O mal pode até ser justo, desde que o fim buscado pelo agente seja injusto (subtrair um bem). Isto é, a análise é se o meio utilizado (grave ameaça justa ou injusta) visa um fim justo ou injusto. Caso seja um fim injusto, caracterizará o crime de roubo, como o exemplo citado pelo Professor Flávio Augusto Monteiro de Barros.

O art. 153 do Código Civil dispõe que não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, contudo, no direito penal, deve ser analisada a finalidade da ameaça, razão pela qual a ameaça do exercício normal de um direito que tenha por fim subtrair coisa alheia móvel pode configurar grave ameaça e caracterizar o crime de roubo, como a hipótese em que uma pessoa ameaça ingressar com uma ação penal privada e por danos morais, em razão da prática de diversos crimes contra a honra pela vítima, caso esta não lhe entregue o seu veículo. A ameaça é grave, pois causará um fundado temor de perda temporária da liberdade (ação penal), além da perda patrimonial (ação por danos morais).

O Código Penal utiliza o termo “ameaça”, sem o uso da expressão “grave ameaça”, em três passagens, sendo uma utilizada de forma equivocada.

A primeira utilização é no crime de ameaça (art. 147 do Código Penal).

Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.

Em que pese o crime de ameaça não utilizar o termo “grave ameaça”, a parte final do tipo penal é expressa em dizer que a ameaça deve ser a ponto de causar na vítima um mal injusto e grave, razão pela qual pode-se dizer que o crime de ameaça somente se configura se houver grave ameaça de causar um mal injusto.

Repare que dessa vez o tipo penal exigiu que o mal causado fosse injusto, diversamente do crime de roubo, conforme explicado. Portanto, não configura o crime de ameaça se uma pessoa ameaça a outra de processá-la por crime contra a honra – pois, constitui exercício regular de um direito -, contudo se junto da ameaça subtrai uma coisa alheia móvel, haverá o crime de roubo.

A ameaça será justa quando visar o exercício de direitos, como ingressar na justiça contra uma pessoa que lhe deve determinada quantia em dinheiro. Será injusta quando contrariar o direito, como ameaçar agredir uma pessoa que não devolve um livro que foi emprestado.

A segunda é no crime de roubo majorado (art. 157, § 2º-A, I, do Código Penal).

Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

A redação dada pela Lei n. 13.654/18, que acrescentou o § 2º-A no art. 157 do Código Penal, se equivocou ao usar o termo “ameaça”, pois, naturalmente, o emprego de arma de fogo é suficiente para causar uma “grave ameaça”. Além do mais, o próprio tipo penal exige que a ameaça seja grave e seria incompatível e ilógico prever que o roubo majorado, por presumir situação mais grave ainda, não exigisse que a ameaça fosse grave.

A terceira ocorre no crime de resistência (art. 329 do Código Penal).

Art. 329 – Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:

Pena – detenção, de dois meses a dois anos.

É a única hipótese prevista no Código Penal que não se exige que a ameaça seja grave. A distinção entre a “ameaça” e a “grave ameaça” reside em sua intensidade. Em qualquer caso a ameaça deve possuir poder intimidatório, em menor (ameaça propriamente dita) ou maior grau (grave ameaça).

Tome como exemplo uma pessoa influente que é abordada enquanto dirige, opõe-se à remoção de seu veículo irregular e promete para o agente de trânsito que se o veículo for removido ele também será de suas funções enquanto agente de trânsito, pois conhece várias pessoas influentes. Haverá ameaça, pois esta não chega a ser grave, uma vez que não causa um fundado e sério temor no agente, o que é suficiente para caracterizar o crime de resistência. Caso o particular tivesse ameaçado o agente de morte, a ameaça seria grave, o que também caracteriza o crime de resistência, pois basta que ocorra ameaça, independentemente, do grau desta.

Diante de todo o exposto, pode-se citar os seguintes exemplos:

Exemplo 01: agente alto e forte aborda uma pessoa baixa e franzina, em local ermo, e pede que a bolsa seja entregue. Haverá o crime de roubo, em razão da “grave ameaça” decorrente da compleição física dos envolvidos e do local em que o agente realizou a abordagem.

Exemplo 02: um homem aborda uma mulher sozinha em via pública e com tom intimidativo grita para a mulher passar a bolsa, o que é feito. Haverá o crime de roubo, em razão da diferença de sexo e tom de voz utilizado para a prática do crime, o que caracteriza “grave ameaça”.

Exemplo 03: uma mulher, sem armas, de baixa estatura, aborda um homem forte na rua, que pratica artes marciais e fala para passar a carteira aos gritos, o que é feito. Haverá o crime de furto, pois a ameaça não se tornou grave em razão das diferenças físicas e de sexo e real possibilidade do homem contê-la, tendo entregue a carteira em razão do susto, o que não é suficiente para caracterizar a “grave ameaça”.

Exemplo 04: três homens abordam outro homem em via pública, o cercam e falam para passar o celular e a carteira, o que é feito. Haverá crime de roubo, em razão da “grave ameaça” decorrente da superioridade numérica.

Exemplo 05: um agente na rua, com uma arma de fogo em mãos, se aproxima de um veículo blindado, com o vidro fechado, e manda descer do carro, o que é feito. Haverá o crime de roubo, uma vez que está presente a “grave ameaça”, pois, em que pese o veículo ser blindado, eventual disparo causaria danos patrimoniais no carro.

NOTAS

1 REsp 1.299.021/SP.

2BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial. 8ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2012.

3STJ – REsp: 1111808 SP 2009/0033707-6, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/09/2009, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: –> DJe 13/10/2009.

4STF – HC: 117819 MG, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 22/10/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-221 DIVULG 07-11-2013 PUBLIC 08-11-2013

5 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de Direito Penal. Partes Geral e Especial. Volume Único. 1ª Ed. Salvador: Editora JusPODIVM. 2019. p. 955/956.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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