Crime de desobediência praticado por pessoa que não obedece à ordem do oficial de justiça de mandado de entrega de veículo e (im)possibilidade da polícia recolher a depósito veículo que possui restrição de circulação

por | 14 jun 2020 | Atividade Policial

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SÍNTESE

O indivíduo, na qualidade de depositário, que não obedece a ordem do oficial de justiça para que entregue veículo com mandado de busca e apreensão expedido por juízo cível pratica o crime de desobediência (art.330 do CP). STF – HC 169417/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 28.4.2020. (Informativo 975)

Após o estudo do julgado do Supremo Tribunal Federal e aprofundamentos realizados por este autor, chegou-se às seguintes conclusões:

a) O indivíduo que, na qualidade de depositário, não obedece a ordem de oficial de justiça para que entregue veículo com mandado de busca e apreensão pratica o crime de desobediência, seja o mandado decorrente de processo cível ou criminal;
b) O devedor fiduciante que não entrega o veículo para o oficial de justiça, que possui mandado de busca e apreensão, por este não ter encontrado o veículo ou pelo fato do bem não estar na posse do devedor, não pratica crime de desobediência;
c) O devedor fiduciante que não entrega o veículo para o oficial de justiça, após este ter visualizado o veículo e determinado a entrega, contudo o devedor esconde ou foge com o carro, pratica o crime de desobediência;
d) A polícia não deve se empenhar para localizar veículo que possui mandado de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária, todavia se houver restrição de circulação e a polícia parar o veículo em blitz ou em qualquer operação policial, deverá reter e encaminhar o veículo para o depósito.

O crime de desobediência encontra previsão no art. 330 do Código Penal.

Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

Desobedecer significa não cumprir, desatender, recusar.

Ordem legal é aquela que está de acordo com o ordenamento jurídico como um todo. Não é necessário que a ordem para ser legal decorra de previsão específica em lei, sendo suficiente que esteja de acordo com as normas em geral, pois na atuação da administração pública surgem inúmeras situações que não encontram exata previsão em lei de como a administração deve agir e o administrador, dotado de poder de polícia, deve atuar para resguardar o interesse público.

Funcionário público é todo aquele que exerce cargo, emprego ou função pública, remunerada ou não.1

A guada e a conservação de bens penhorados pela justiça podem ficar a cargo de um depositário, que é o responsável por cuidar do bem até que a justiça decida o destino do bem (arts. 159 a 161 do CPC).

No caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal, o depositário não atendeu a ordem dada pelo oficial de justiça na ocasião do cumprimento de mandado de entrega de veículo, expedido no juízo cível. Recusou-se, na qualidade de depositário do bem, a entregar o veículo ou a indicar sua localização.

Tal conduta configura ato atentatório à dignidade da justiça (art. 77, IV, § 2º, do CPC), uma vez que a pessoa que recusou a entrega do veículo participa do processo como um auxiliar da justiça (art. 149 do CPC), na condição de depositário e para que o indivíduo possa praticar ato atentatório à dignidade da justiça é suficiente que participe de qualquer forma do processo.

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;

§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.

O art. 77, § 2º, do Código de Processo Civil assevera que a prática de ato atentatório à dignidade da justiça tem como consequência a imposição de multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta, contudo essa multa não impede a aplicação de sanção penal. Portanto, o tipo penal permite a cumulação de multa de natureza processual com a imposição de responsabilidade criminal, pois diz expressamente, conforme se nota no dispositivo acima que as sanções decorrentes do ato atentatório à dignidade da justiça ocorrem, sem prejuízo das sanções criminais.

Nas hipóteses em que leis de conteúdo extrapenal trouxerem previsões de sanções civis e/ou administrativas, sem previsão de responsabilização criminal para o descumprimento de ordem da autoridade, não haverá o crime de desobediência, por ser o direito penal a ultima ratio e em razão da intervenção mínima do direito criminal. Trata-se de uma construção doutrinária e jurisprudencial.

Quando a própria lei já impõe consequências cíveis e administrativas, sem ressalvar a possibilidade da responsabilização criminal, é porque o legislador já entendeu que aquelas punições, por si sós, são suficientes para atingirem o caráter preventivo e sancionador da conduta ilícita, razão pela qual não se deve invocar o direito penal, que possui caráter subsidiário no tocante à aplicação de punições, por poder atingir um direito fundamental de elevada importância, a liberdade.


Nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica.

Para a configuração do delito de desobediência, salvo se a lei ressalvar expressamente a possibilidade de cumulação da sanção de natureza civil ou administrativa com a de natureza penal, não basta apenas o não cumprimento de ordem legal, sendo indispensável que, além de legal a ordem, não haja sanção determinada em lei específica no caso de descumprimento.2

STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1403618/MS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 15/08/2019.

PENAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. DETERMINAÇÃO JUDICIAL ASSEGURADA POR MULTA DIÁRIA DE NATUREZA CIVIL (ASTREINTES). ATIPICIDADE DA CONDUTA.

Para a configuração do delito de desobediência, salvo se a lei ressalvar expressamente a possibilidade de cumulação da sanção de natureza civil ou administrativa com a de natureza penal, não basta apenas o não cumprimento de ordem legal, sendo indispensável que, além de legal a ordem, não haja sanção determinada em lei específica no caso de descumprimento. (Precedentes). Habeas corpus concedido, ratificando os termos da liminar anteriormente concedida. (STJ – HC: 22721 SP 2002/0065354-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 27/05/2003, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 30.06.2003 p. 271)

No Supremo Tribunal Federal há julgados antigos no mesmo sentido das decisões do Superior Tribunal de Justiça.

Por atipicidade da conduta, a Turma deferiu habeas corpus para trancar ação penal instaurada contra acusado pela suposta prática do delito de desobediência (CP, art. 330). No caso, o paciente teria descumprido ordem judicial, emanada de Juizado Especial Cível, que determinara, em sede cautelar, à empresa de energia da qual ele era preposto, que não efetuasse o corte de energia na residência de determinada pessoa, sob pena de multa diária. Considerou-se que, para a configuração do delito de desobediência, salvo se a lei ressalvar expressamente a possibilidade de cumulação da sanção de natureza civil ou administrativa com a de natureza penal, não basta apenas o não cumprimento de ordem legal, sendo indispensável que, além de legal a ordem, não haja sanção determinada em lei específica no caso de descumprimento. HC 86254/RS, rel. Min. Celso de Mello, 25.10.2005.

HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. ATIPICIDADE. MOTORISTA QUE SE RECUSA A ENTREGAR DOCUMENTOS À AUTORIDADE DE TRÂNSITO. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não há crime de desobediência quando a inexecução da ordem emanada de servidor público estiver sujeita à punição administrativa, sem ressalva de sanção penal. Hipótese em que o paciente, abordado por agente de trânsito, se recusou a exibir documentos pessoais e do veículo, conduta prevista no Código de Trânsito Brasileiro como infração gravíssima, punível com multa e apreensão do veículo (CTB, artigo 238). Ordem concedida. (STF – HC: 88452 RS, Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 02/05/2006, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 19-05-2006 PP-00043 EMENT VOL-02233-01 PP-00180 RT v. 95, n. 851, 2006, p. 469-472)

Um exemplo clássico e enfrentado, reiteradamente, pela jurisprudência consiste no descumprimento de ordem de autoridade de trânsito para que o motorista pare o veículo. Como o Código de Trânsito Brasileiro prevê que esta conduta configura infração de trânsito, mas não ressalva a possibilidade de cumular sanção penal, é pacífico que o motorista pratica somente infração de trânsito.

1. “Segundo jurisprudência deste Tribunal Superior, a desobediência de ordem de parada dada pela autoridade de trânsito ou por seus agentes, ou mesmo por policiais ou outros agentes públicos no exercício de atividades relacionadas ao trânsito, não constitui crime de desobediência, pois há previsão de sanção administrativa específica no art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual não estabelece a possibilidade de cumulação de sanção penal. Assim, em razão dos princípios da subsidiariedade do Direito Penal e da intervenção mínima, inviável a responsabilização da conduta na esfera criminal.” (HC 369.082/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017) (AGRESP – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 1803424 2019.00.78224-6, JOEL ILAN PACIORNIK – QUINTA TURMA, DJE DATA:18/06/2019)

No caso do agente que desobedeceu à ordem de oficial de justiça para que entregasse o veículo ou indicasse o local em que este estava, em que pese a lei prever sanção de natureza processual – multa –, prevê também que essa sanção não impede a aplicação de sanção penal, portanto, o agente, na condição de depositário, praticou o crime de desobediência (art. 330 do CP).

Questão interessante trata da possibilidade de praticar o crime de desobediência nas hipóteses de alienação fiduciária em que o juiz expede mandado de busca e apreensão e a pessoa que está com o veículo (devedor fiduciante), que é parte no processo, opõe resistência para não entregar o veículo quando o oficial de justiça for cumprir o mandado de busca e apreensão.

Para saber se a oposição pela parte à ordem judicial de busca e apreensão do veículo alienado fiduciariamente configura crime, deve-se analisar quais são as consequências previstas em lei para a hipótese do devedor fiduciante não devolver o veículo ou criar embaraços para a devolução.

O art. 4º do Decreto-Lei n. 911/60 assim dispõe:

Art. 4o Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)


Nota-se que se o bem alienado (veículo) não for encontrado ou não se achar com o devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, ou seja, haverá uma transformação do processo que já se iniciará na fase executiva que visará bloquear valores na conta bancária do devedor ou apreender outros bens que satisfaçam o total do débito.

Portanto, essas são as consequências previstas em lei e não há previsão de sanção criminal, razão pela qual se o devedor esconder o veículo ou não apresentá-lo ao oficial de justiça, a solução é a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva. Não há previsão de sanção penal, uma vez que a não indicação da localização do veículo pelo devedor não configura ato atentatório à dignidade da justiça, pois o Decreto-Lei n. 911/60 já prevê as consequências em razão da não localização do veículo.

Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. DETERMINAÇÃO DE INTIMAÇÃO DO RÉU PARA INDICAR O PARADEIRO DO VEÍCULO, SOB PENA DE CARACTERIZAÇÃO DE ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. SOLUÇÃO DIVERSA PREVISTA NO ART. 4º DO DECRETO-LEI Nº 911/69. RECURSO PROVIDO PARA CASSAR A DECISÃO AGRAVADA. Em se tratando de ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente sob o rito especial do Decreto-Lei nº 911/69, não encontra amparo legal a ordem de intimação do réu para indicar o paradeiro do veículo, sob pena de caracterização de ato atentatório à dignidade da justiça à luz do CPC/2015, especialmente porque o art. 4º daquele Decreto prevê solução diversa em favor do credor, facultando-lhe requerer a conversão em ação executiva na hipótese de não ser localizado o veículo. (TJ-SP – AI: 22313973520188260000 SP 2231397-35.2018.8.26.0000, Relator: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 22/11/2018, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/11/2018)

Situação diversa ocorre na hipótese em que o oficial de justiça visualiza o devedor com o veículo, ocasião em que ordena que este entregue as chaves e o carro e o devedor some com o carro ou o esconde, mesmo após ter recebido ordem expressa do oficial de justiça de que deveria entregá-lo.

Neste caso aplica-se a regra prevista no art. 77, IV, § 2º, do Código de Processo Civil, que permite a aplicação de multa por criar embaraços à efetivação de ordem judicial, sem prejuízo da aplicação de sanção penal (desobediência), uma vez que a lei prevê a conversão da busca e apreensão em ação executiva quando o bem não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o que não é o caso de quando o bem é encontrado e o devedor tenta escondê-lo ou impedir a sua apreensão.

Salienta-se que caso o devedor consiga escondê-lo do oficial de justiça de forma que não seja possível efetivar a apreensão, além de responder por desobediência e sofrer multa processual, a busca e apreensão poderá ser convertida em ação executiva, como decorrência da aplicação teleológica do art. 4º do Decreto-Lei n. 911/60, que tem por finalidade facilitar a satisfação do crédito

Quando o juiz defere o pedido liminar, deve registrar a busca e apreensão do veículo no sistema de Restrições Judiciais Sobre Veículos Automotores, denominado RENAJUD (art. 3º, § 9º, do Decreto-Lei n. 911/60).

O Manual do RENAJUD explica a sua finalidade e as possibilidades de uso.

O sistema RENAJUD é uma ferramenta eletrônica que interliga o Judiciário e o Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, possibilitando a efetivação de ordens judiciais de restrição de veículos cadastrados no Registro Nacional de Veículos Automotores – RENAVAM, em tempo real.

O juiz acessa o sistema com o seu token e senha, ocasião em que aparecerá a tela abaixo.

Nesta tela o juiz terá as opções de inserir, retirar ou consultar restrições ao veículo. Repare que é possível inserir a restrição somente com a placa do carro ou pesquisar quais carros têm no nome de uma pessoa mediante o CPF. É possível também inserir a restrição com o número do chassi, mas é raro as partes terem o número do chassi.

Após inserir a placa do veículo aparecerá uma nova tela.

Nesta tela juiz terá as opções de restringir a transferência, o licenciamento ou a circulação (restrição total) e também terá a opção de registrar a penhora do veículo.

A restrição da transferência impede o registro formal da mudança de propriedade do veículo. Ou seja, o veículo continuará no nome do proprietário que não poderá vendê-lo formalmente.

A restrição do licenciamento, além de impedir o registro formal de mudança de propriedade do veículo, impede também o licenciamento do carro. Ou seja, o veículo não poderá mais ser licenciado, passará a ficar irregular quando o licenciamento atual vencer, o condutor praticará infração gravíssima (art. 230, V, do CTB) e quando o veículo for abordado pelo agente de trânsito deverá ser removido.

A restrição à circulação impede o registro da mudança da propriedade do veículo, impossibilita um novo licenciamento no sistema RENAVAM, como também impede a circulação e autoriza o recolhimento a depósito.

O registro de penhora registra no sistema RENAVAM a penhora efetivada em processo judicial sobre o veículo e seus principais dados, como o valor da avaliação, data da penhora, valor da execução e data da atualização do valor da execução.

A penhora consiste no ato de constrição de bens do devedor com o fim de quitar a dívida que possui, pela qual foi condenado judicialmente a pagar.

Selecionada a opção, basta o juiz confirmar e aparecerão os dados com a confirmação da restrição ou penhora realizada.

A restrição de veículos é muito comum em ações de busca e apreensão ajuizadas por bancos, com base no Decreto-lei n º 911/69.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser possível que o juiz insira o bloqueio de circulação do veículo.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DL 911/69. MORA DO DEVEDOR. RENAJUD. RESTRIÇÃO DE CIRCULAÇÃO. LEGALIDADE. EFETIVIDADE JURISDICIONAL. 1. Ação de busca e apreensão da qual se extrai o presente recurso especial, interposto em 04/08/17 e concluso ao gabinete em 02/03/18. 2. O propósito recursal consiste em definir se a ordem judicial de busca e apreensão de veículo, via RENAJUD, com base no DL 911/69, autoriza a restrição de sua circulação. 3. O sistema RENAJUD é uma ferramenta eletrônica que interliga o Poder Judiciário e o Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, possibilitando consultas e o envio, em tempo real, de ordens judiciais eletrônicas de restrição e de retirada de restrição de veículos automotores na Base Índice Nacional (BIN) do Registro Nacional de Veículos Automotores – RENAVAM. 4. A adoção da padronização e a automação dos procedimentos envolvidos na restrição judicial de veículos via RENAJUD, no âmbito dos Tribunais e Órgãos Judiciais, tem como principal objetivo a redução significativa do intervalo entre a emissão das ordens e o seu cumprimento, comparativamente à tradicional prática de ofícios em papel. 5. A restrição de circulação (restrição total) impede o registro da mudança da propriedade do veículo, um novo licenciamento no sistema RENAVAM e também a sua circulação em território nacional, autorizando o recolhimento do bem a depósito. 6. Como decorre da própria razão que instituiu as ferramentas eletrônicas de efetividade jurisdicional – BACENJUD, INFOJUD e RENAJUD – a ordem de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente autoriza o bloqueio de circulação veicular, com vistas à satisfação da tutela jurisdicional do credor fiduciário, em integral cumprimento à finalidade do DL 911/69. 7. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp. 1.744.401 – MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 13/11/18) (destaquei)

EXECUÇÃO FISCAL. SISTEMA RENAJUD. APREENSÃO DO VEÍCULO. IMPOSIÇÃO LEGAL. PENHORA. EFETIVAÇÃO. I – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que é legal a localização e restrição de circulação de veículo, por meio do sistema RENAJUD. Precedentes: AgInt no REsp n. 1.678.675/RS, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 13/3/2018 e REsp n. 1.744.401/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 22/11/2018. II – A viabilização da localização e restrição da circulação do veículo objetiva a realização da penhora, tendo como consequência natural a apreensão do bem, sendo indevida autorização para manter a circulação deste, dificultando a satisfação do crédito. III – Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1778360 RS 2018/0293679-6, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 05/02/2019, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/02/2019) (Destaquei)

A penhora de veículos é mais comum em ações judiciais que resultem na obrigação de pagar quantia e a parte, após intimada para pagamento voluntário, não paga e não são encontrados valores em contas bancárias.

Feita essas explanações, deve-se analisar se o policial pode apreender em uma blitz ou durante o patrulhamento um veículo que foi abordado e os policiais mediante consulta aos sistemas internos da polícia constata que há restrição de circulação.

O motorista que utiliza veículo que possui restrição judicial de circulação não pratica, unicamente, por este motivo, infração de trânsito, face à inexistência de previsão legal neste sentido.

Cabe ao Oficial de Justiça realizar a busca e apreensão do veículo (art. 154, I e II, do CPC) e não ao policial militar ou civil. Portanto, não compete aos policiais buscarem o veículo onde quer que este esteja para efetuar a busca e apreensão. Poderão acompanhar o Oficial de Justiça com o fim de resguardar a segurança e o êxito na realização da apreensão do carro, o que muitas vezes já é autorizado pelo juiz no próprio mandado de busca e apreensão (art. 360, III, do CPC).

Na hipótese em que o policial abordar um veículo com restrição de circulação em uma blitz ou em razão de uma ordem de parada durante a realização do policiamento ostensivo, deverá reter o veículo e encaminhá-lo para um depósito, pois, por determinação judicial, o veículo não pode circular em razão de inadimplemento contratual. Como o veículo não pode circular, o policial ao se deparar com um veículo com este impedimento deve cumprir a ordem judicial de ofício, pois, do contrário, nenhum efeito surtiria a possibilidade do juiz restringir a circulação do veículo, já que oficiais de justiça não realizam blitz.

Isto é, a restrição de circulação do veículo visa exatamente possibilitar que policiais e autoridades de trânsito possam reter o veículo e encaminhá-lo para um depósito. Visa facilitar a localização do veículo e satisfazer o crédito da instituição financeira.

O manual do RENAJUD é claro ao dispor que a restrição de circulação “impede o registro da mudança da propriedade do veículo, um novo licenciamento no sistema RENAVAM, como também impede a sua circulação e autoriza o seu recolhimento a depósito.

Deve-se ressaltar que o encaminhamento do veículo para um depósito pela polícia não significa que houve cumprimento da ordem judicial de apreensão do veículo, significa que o veículo está recolhido à disposição da justiça para que, então, o oficial de justiça cumpra o mandado judicial e coloque o veículo à disposição da instituição financeira credora.

Ao efetuar o recolhimento do veículo em depósito, a polícia ou autoridade de trânsito deve comunicar o juízo competente para que este tenha ciência e determine o cumprimento da ordem judicial de apreensão e entrega do veículo ao banco.

Nesse sentido, Elmo Lamoia de Moraes3 escreve que:

Nesse diapasão, a inserção da restrição judicial de circulação do veículo, via Renajud, não implicará conduta ativa por parte das autoridades de trânsito, isto é, os agentes estatais não sairão pelas ruas para proceder à “busca e apreensão” do bem.

(…)

O que se pretende com a inserção da restrição judicial de circulação do veículo é subsidiar as atividades ordinárias das autoridades de trânsito, dentro dos seus limites próprios e legais de atuação, sem qualquer ônus ou obrigação adicional.

Em outras palavras, haverá uma conduta “passiva”, integrada à fiscalização ordinariamente já realizada. Após a inserção da restrição judicial de circulação, se, porventura, o automóvel objeto dessa ação for parado em alguma blitz rotineira, será tão somente retido e levado a depósito. Tal fato será comunicado ao Juízo pela autoridade de trânsito, para que, então, seja expedido mandado judicial para que o Oficial de Justiça proceda à apreensão e depósito do bem em mãos da instituição financeira autora.

Nesse contexto, não se pode falar em ausência de competência das autoridades de trânsito para cumprirem a ordem judicial. Isso porque, conforme acima exposto, não cabe à autoridade executiva de trânsito cumprir a liminar de busca e apreensão ou de reintegração de posse (o que será feito pelo Oficial de Justiça), mas tão somente cumprir a ordem judicial de impedir a circulação do veículo e noticiar ao Juízo a sua retenção em barreira policial (o que constitui a competência ordinária do Poder Executivo). (destaquei)

Na eventualidade do motorista do veículo não cumprir a ordem do policial para que entregue as chaves ou opuser alguma resistência para que a polícia encaminhe o veículo para o depósito, praticará o crime de desobediência (art. 330 do CP) ou de resistência (art. 329 do CP), face à inexistência de previsão em lei que possibilite, neste caso, a aplicação somente de multa ou de outra sanção de natureza administrativa ou processual. Isto é, sempre que um funcionário público emitir uma ordem legal e não houver previsão em lei que o descumprimento dessa ordem acarrete somente em consequências administrativas, civis ou processuais, como é o caso da lei prever multa, sem ressalvar a possibilidade de aplicação de sanção penal, o agente que descumprir a ordem deverá responder por crime de desobediência (art. 330 do CP)

Por fim, em que pese o Supremo Tribunal Federal ter decidido pela possibilidade do crime de desobediência na hipótese em que o indivíduo não cumpre ordem de oficial de justiça decorrente de mandado de entrega de veículo em processo de natureza cível, o mesmo raciocínio se aplica ao processo penal, caso se trate de cumprimento de mandado de natureza criminal de busca e apreensão de veículo, em razão da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao processo penal, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

PROCESSUAL CIVIL E PROCESSUAL PENAL. MULTA POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA – ART. 14, V E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/1973. APLICABILIDADE NA SEARA PENAL. IMPOSIÇÃO A TERCEIRO QUE NÃO É PARTE NO PROCESSO (PERITO MÉDICO): POSSIBILIDADE. ATRASO INDEVIDO NA REALIZAÇÃO DE LAUDO DE EXAME EM VÍTIMA DE ROUBO E ENTREGA DE LAUDO INCOMPLETO. DESPROPORCIONALIDADE DA MULTA IMPOSTA.

1. A multa por ato atentatório à dignidade da justiça prevista nos arts. 14, V e parágrafo único, do CPC/1973 e reproduzida, com os mesmos contornos, no art. 77, IV e § 2º, do CPC/2015, tem fundamento no dever de boa-fé para com a solução do litígio e, nesse sentido, pode ser imposta igualmente às partes ou a terceiros que sejam chamados de alguma forma a participar na solução da controvérsia, aí incluídos, é claro os auxiliares da justiça, dentre eles, o perito.

2. O embaraço ao exercício da jurisdição, inspirado no contempt of court do direito norte-americano, embora descrito no Código de Processo Civil, pode, também, ocorrer no Processo Penal, admitindo-se, assim, a imposição de multa por descumprimento de ordem judicial, também na seara penal, tanto em virtude da permissão de aplicação analógica admitida no art. 3º do Código de Processo Penal, quanto em razão da teoria dos poderes implícitos, segundo a qual, uma vez estabelecidas expressamente as competências e atribuições de um órgão estatal, ele está implicitamente autorizado a utilizar os meios necessários para poder exercer essas competências.

3. Esta Corte tem admitido a aplicação de multas diárias coercitivas (astreintes), instituto que também tem origem no Processo Civil (art. 461, § 4º, CPC/1973 ou art. 537 do CPC/2015), a terceiros que descumprem ordens judiciais proferidas na seara penal, mesmo em sede de inquérito policial. Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes: RMS 55.109/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 17/11/2017; AgRg no RMS 54.105/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 24/04/2018, DJe 09/05/2018; RMS 55.019/DF, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 01/02/2018; RMS 54.444/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 13/10/2017.

4. No caso concreto, a resistência ao cumprimento de decisão judicial está estampada na postura omissa tanto do Instituto Técnico-Científico do Polícia – ITEP/RN quanto do recorrente, que não se dispuseram a contactar outro hospital em busca de suposta informação necessária para a elaboração de laudo pericial, o que não lhes apresentaria grande dificuldade, obrigando a vítima a perambular entre duas instituições médicas que se negavam a atendê-la, presa nos liames de uma burocracia e falta de boa vontade injustificáveis por parte dos profissionais da saúde. Essa mesma falta de boa vontade se vê na conduta do impetrante ao apresentar laudo complementar incompleto que, na sequência, foi devidamente elaborado por outro profissional, sem que ele se queixasse de qualquer dificuldade ou impedimento.

5. Revela-se desproporcional à gravidade da conduta a imposição de multa de 20 (vinte) salários mínimos, se a ordem veio, eventualmente, a ser cumprida mediante a nomeação de novo perito e se o valor da multa se revela bastante superior ao salário recebido por profissional da saúde em instituição médica do interior do país.

6. Recurso ordinário provido em parte, para reduzir o valor da multa imposta para 5 (cinco) salários mínimos.

(STJ – RMS: 45525 RN 2014/0110474-8, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 19/06/2018, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/2018)

Ante todo o exposto é possível afirmar que:

a) O indivíduo que, na qualidade de depositário, não obedece a ordem de oficial de justiça para que entregue veículo com mandado de busca e apreensão pratica o crime de desobediência, seja o mandado decorrente de processo cível ou criminal;

b) O devedor fiduciante que não entrega o veículo para o oficial de justiça, que possui mandado de busca e apreensão, por este não ter encontrado o veículo ou pelo fato do bem não estar na posse do devedor, não pratica crime de desobediência;

c) O devedor fiduciante que não entrega o veículo para o oficial de justiça, após este ter visualizado o veículo e determinado a entrega, contudo o devedor esconde ou foge com o carro, pratica o crime de desobediência;

d) A polícia não deve se empenhar para localizar veículo que possui mandado de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária, contudo se houver restrição de circulação e a polícia parar o veículo em blitz ou em qualquer operação policial, deverá reter e encaminhar o veículo para o depósito.

NOTAS

1 Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

2 Julgado citado nos comentários do Professor Márcio Cavalcante do Dizer o Direito do Informativo 975 do STF. Disponível em: <https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/06/info-975-stf.pdf>. Acesso em: 13/06/2020.

3 A Inserção de restrição judicial de circulação sobre veículos objeto de ação de busca e apreensão e reintegração de posse como instrumento de efetividade da função jurisdicional. Disponível em: <https://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/8424/1/A%20INSERCAO%20DE%20RESTRICAO%20JUDICIAL%20de%20circula%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20ve%C3%Adculos.pdf>. Acesso em: 14/06/2020,

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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