A atividade policial, a liberdade religiosa e a escusa de consciência

WARNING: unbalanced footnote start tag short code found.

If this warning is irrelevant, please disable the syntax validation feature in the dashboard under General settings > Footnote start and end short codes > Check for balanced shortcodes.

Unbalanced start tag short code found before:

“João 17:17; 2 Timóteo 3:16). Jesus: reconhecem Jesus como Salvador e Filho de Deus. Acreditam em Jesus Cristo e procuram seguir seus ensinamentos e modo de agir e que não existem salvação sem Jesus e que quando uma pessoa se torna Testemunha de Jeová, é batizado em nome de Jesus…”

SÍNTESE

Fundamentos

Constituição Federal

• Art. 1º, III
• Art. 5º, VI, VIII
• Art. 6º
• Art. 15, IV
• Art. 42
• Art. 143, § 1º
• Art. 144

Lei n. 8.239/91

• Art. 3º

Lei n. 9.394/96

• Art. 7º-A

Código de Processo Penal

•Art. 436
• Art. 438

Código Eleitoral

• Art. 120, § 4º
• Art. 365

• STF. Plenário. RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 19/11, 25/11 e 26/11/2020 (Repercussão Geral – Tema 386)

• STF. Plenário. RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 19/11, 25/11 e 26/11/2020 (Repercussão Geral – Tema 386)

• Direitos fundamentais
• Princípio da concordância prática ou da harmonização
• Princípio da unidade da Constituição
• Princípio da razoabilidade
• Princípio da isonomia

• Bíblia

Síntese:

a) O respeito às religiões sempre deve ocorrer e por mais que se pense diferente e discorde de um pensamento religioso, isso não deve interferir nas decisões, sob a alegação de que não verifica prejuízo à liberdade religiosa ao determinar que pratique uma conduta ou deixe de praticá-la, pois o sentimento e a consciência de outras pessoas cabe exclusivamente a essas pessoas, o que é, em absoluto, impossível de ser mensurado por quem está do lado de fora. Logo, jamais um pensamento religioso, para alguns, deve ser visto como “bobagem” ou irrelevante. Há determinados religiosos que preferem a morte a executar determinadas condutas ou aceitar certos atos, como uma Testemunha de Jeová que se recusa a receber sangue, ciente de que poderá morrer, ou se recusa a participar de guerras, como ocorreu na 2ª Guerra Mundial, em vários países, cientes de que poderiam ser condenados à pena de morte ou presos. Como dizem, “a liberdade religiosa é a mãe das outras liberdades”.

b) Não é possível dizer que o policial que alega escusa de consciência possui o direito incondicional de não trabalhar no dia sagrado, pois depende de uma série de avaliações por parte da Administração Pública que deverá decidir de forma fundamentada. Obviamente, o gestor público deve facilitar a liberação do religioso e somente quando, realmente, não for possível, deve indeferir o pedido com fundamentos concretos.

c) As Testemunhas de Jeová que optarem por seguir rigorosamente os preceitos religiosos em relação a não portar arma, em razão dos riscos de se envolverem em uma troca de tiros e vir a tirar a vida de uma pessoa, sendo que somente o Dador da vida está autorizado a tirá-la, não está apto para exercer a atividade policial, já que o uso da arma é inerente à profissão, assim como o ato de julgar é inerente ao juiz. Mutatis mutandis, seria o mesmo que admitir que uma pessoa pertencente, hipoteticamente, a uma religião que não permite que homens julguem homens, pois o julgamento cabe a Deus, se torne juiz. Nota-se haver um ônus excessivo para a Administração Pública e a impossibilidade do exercício da função. Nestes casos, quando o fundamento religioso contraria o cerne, a essência da instituição, não é possível compatibilizar o trabalho para que atenda aos preceitos religiosos.

d) Em relação à troca de tiros, dentro da concepção de que o policial é uma autoridade para Deus e pode fazer uso de arma de fogo, alguns teólogos adventistas defendem que não seria permitido matar, outros, contudo, entendem que não há relação com esse mandamento porque o termo em língua original não trata de homicídio de forma geral e sim de assassinato, de modo que se o policial mata uma pessoa no exercício de sua profissão, dentro dos parâmetros estabelecidos por lei e pelo estado, ele não está cometendo assassinato, desta forma, não se encaixaria no mandamento “não matarás”. Em relação às Testemunhas de Jeová, estas possuem orientação no sentido de que a atividade policial não deve ser desenvolvida pelos seus membros em razão do uso da arma de fogo. Além disso, entendem que ao fazer uso da arma a pessoa será culpada pelo sangue, sendo que somente o Dador da vida está autorizado a tirá-la.

e) No que tange ao tributo de sangue, a princípio o tributo de sangue demonstra não ser possível na vida das Testemunhas de Jeová, pois não estão disponíveis para o confronto, razão pela qual não há como jurar o sacrifício da própria vida, a não ser que cumpram este juramento em atividades que não envolvam confronto, como o salvamento de uma pessoa em uma casa em chamas ou opte por, em situação de risco decorrente do confronto, não enfrentá-lo e dar a própria vida. Não foram encontradas informações sobre o assunto em relação às demais religiões estudadas e acredito não haver óbices para a realização do tributo de sangue, já que podem portar arma de fogo e serem policiais, sendo o juramento inerente à atividade policial.

f) Quanto à continência e sinais de respeito às autoridades, à Bandeira Nacional e ao Hino Nacional, a primeira corrente funda-se na impossibilidade de se prestar continência, na medida em que a liberdade religiosa, enquanto direito fundamental, deve prevalecer em relação aos sinais de respeito impostos institucionalmente. Nessa ponderação de valores entre liberdade religiosa e escusa de consciência (art. 5º, VI e VIII, da CF) e continência, como ato decorrente de normas infraconstitucionais, prevalece o direito fundamental. A segunda tem como argumento o dever de se prestar continência, uma vez que as instituições militares possuem patamar constitucional e a hierarquia e disciplina, são previstas constitucionalmente (arts. 42 e 142), assim como a liberdade religiosa e a escusa de consciência (art. 5º, VI e VIII). A continência possui fundamento histórico, cultural e constitucional, pois é um ato decorrente da hierarquia e disciplina, sendo que as normas infraconstitucionais somente regulamentam a forma de se prestar continência que não passa de um ato de respeito, sem configurar qualquer tipo de adoração. Não é razoável e constitui grave ofensa às instituições permitir que um militar seja desobrigado de prestar continência às autoridades, Bandeira Nacional e Hino Nacional.

g) Quanto ao corte de cabelo e da barba, a liberdade religiosa e a escusa de consciência possuem proteção constitucional. Constituem um direito fundamental. A estética militar (corte de cabelo) é muito importante, por razões históricas e culturais, mas possui previsão regulamentar, razão pela qual prevalece o direito fundamental à liberdade religiosa e a escusa de consciência.

h) Quanto à exigência do uso de saia e de vestimentas próprias pela religião durante o exercício da atividade profissional, depende de cada caso, se o serviço é operacional ou administrativo. Caso seja operacional é possível atender aos fundamentos religiosos, caso não haja riscos para a atividade-fim. Caso o serviço seja administrativo deve-se atender à liberdade religiosa e à escusa de consciência.

A atividade policial é extremamente dinâmica e exige constante preparo e treino para que o profissional de segurança pública possua condições de lidar com as mais diversas situações, muitas delas em momentos de alta tensão e sem tempo para decidir ou realizar consultas.

A utilização de arma de fogo, a real possibilidade de utilizá-la e participar de uma “troca de tiro”; a realização de abordagens e prisões na rua; o trabalho a qualquer dia da semana e época do ano com horário para sair, sem hora para chegar, com risco, inclusive, de não chegar mais; a exigência, nas instituições militares, do corte de cabelo curto e periódico; o uso padronizado de fardas; o ato de prestar continência entre os militares e à bandeira nacional, dentre outros, são aspectos que devem ser analisados e considerados ao se analisar o direito fundamental à liberdade religiosa.

A laicidade do Estado assegura a liberdade de consciência e crença, porém, resta saber se o direito a não intervenção do Estado nesta liberdade interfere na atividade policial de modo a exigir do policial a prática de conduta ainda que em desacordo de suas convicções religiosas.

Em 2016 foi lançado o filme “Até o Último Homem”, dirigido por Mel Gibson, que teve grande repercussão mundial e concorreu a diversas premiações. O filme é baseado no Livro “Soldado Desarmado” (da editora Casa Publicadora Brasileira1) e conta a história do soldado Desmond Doss, socorrista norte-americano que foi para a Batalha de Okinawa com a condição de não fazer uso de arma de fogo porque era contrário à sua crença religiosa. O soldado era adventista do sétimo dia e invocou a escusa de consciência para ir à batalha sem fazer uso de armas, o que lhe foi autorizado. Em razão de sua escolha, durante a batalha foi rechaçado e ridicularizado pelos colegas e superiores, chegando a sofrer agressão física face o seu posicionamento, contudo, manteve-se firme na sua crença por entender que, embora devesse respeitar a Lei e os superiores, a exigência do uso da arma ia de encontro a sua crença, o que não poderia admitir. Na batalha, o socorrista salvou 75 (setenta e cinco) homens em cinco horas e tal ato fez com que recebesse a Medalha de Honra e ficou conhecido como “o mais improvável dos heróis”. O soldado foi a primeira pessoa a receber a medalha de honra após invocar a objeção de consciência.

1. O direito fundamental à escusa de consciência

A escusa de consciência é o direito fundamental (art. 5º, VIII, da CF) que uma pessoa possui de se recusar a cumprir com determinada obrigação ou a realizar uma atividade ou praticar um ato por contrariar suas convicções e crenças religiosas, filosóficas ou políticas.

Art. 5º (…)

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Trata-se de norma de eficácia contida, pois a escusa de consciência, também denominada de “objeção de consciência” ou “alegação de imperativo de consciência” é plenamente exercitável sem que haja qualquer consequência para a pessoa, enquanto não houver lei que imponha as consequências. É, portanto, uma norma de aplicabilidade direta, imediata, mas que pode ser restringida pelo legislador, pois o próprio inciso VIII do art. 5º autoriza a fixação de prestação alternativa, desde que seja em lei.

O exercício do direito à escusa de consciência não isenta a pessoa de responsabilidades e de obrigações, pois deverá cumprir prestação alternativa fixada em lei, sob pena de ter os direitos políticos suspensos (art. 15, IV, da CF).

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

Enquanto não houver lei (Poder Legislativo) não há nenhuma consequência para aquele que exercer o direito à escusa de consciência.

O exemplo mais comum de escusa de consciência encontra previsão no art. 143, § 1º, da Constituição Federal, e consiste no serviço militar obrigatório, em tempo de paz, para os homens.

Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.

§ 1º Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar. (Regulamento) (destaque nosso)

A Lei n. 8.239/91 regulamenta o art. 143, §§ 1º e 2º da Constituição Federal e disciplina a prestação de serviço alternativo.

Art. 3º O Serviço Militar inicial é obrigatório a todos os brasileiros, nos termos da lei.

§ 1º Ao Estado-Maior das Forças Armadas compete, na forma da lei e em coordenação com os Ministérios Militares, atribuir Serviço Alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência decorrente de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.

§ 2° Entende-se por Serviço Alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter essencialmente militar.

§ 3º O Serviço Alternativo será prestado em organizações militares da ativa e em órgãos de formação de reservas das Forças Armadas ou em órgãos subordinados aos Ministérios Civis, mediante convênios entre estes e os Ministérios Militares, desde que haja interesse recíproco e, também, sejam atendidas as aptidões do convocado.

§ 4o O Serviço Alternativo incluirá o treinamento para atuação em áreas atingidas por desastre, em situação de emergência e estado de calamidade, executado de forma integrada com o órgão federal responsável pela implantação das ações de proteção e defesa civil. (Incluído pela Lei nº 12.608, de 2012)

§ 5o A União articular-se-á com os Estados e o Distrito Federal para a execução do treinamento a que se refere o § 4o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.608, de 2012) (destaque nosso)

A participação como jurado no tribunal do júri é outro exemplo de obrigação (art. 436 do CPP), sendo possível que o sorteado alegue escusa de consciência, na forma do art. 438 do Código de Processo Penal.

Caso o jurado invoque razões de ordem religiosa, filosófica ou política para não participar do júri o juiz deverá excluí-lo e fixar prestação alternativa.

Art. 436. O serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

Art. 438. A recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

§ 1o Entende-se por serviço alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

§ 2o O juiz fixará o serviço alternativo atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) (destaque nosso)

A Lei n. 9.394/96, com a alteração dada pela Lei n. 13.796/19, passou a prever a possibilidade do aluno ausentar-se da prova ou da aula marcada, caso haja incompatibilidade com os preceitos religiosos do aluno, devendo a instituição atribuir uma das prestações alternativas fixadas em lei, quais sejam:

a) prova ou aula de reposição, conforme o caso, a ser realizada em data alternativa, no turno de estudo do aluno ou em outro horário agendado com sua anuência expressa;

b) trabalho escrito ou outra modalidade de atividade de pesquisa, com tema, objetivo e data de entrega definidos pela instituição de ensino.

Art. 7º-A Ao aluno regularmente matriculado em instituição de ensino pública ou privada, de qualquer nível, é assegurado, no exercício da liberdade de consciência e de crença, o direito de, mediante prévio e motivado requerimento, ausentar-se de prova ou de aula marcada para dia em que, segundo os preceitos de sua religião, seja vedado o exercício de tais atividades, devendo-se-lhe atribuir, a critério da instituição e sem custos para o aluno, uma das seguintes prestações alternativas, nos termos do inciso VIII do caput do art. 5º da Constituição Federal: (Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019) (Vigência)

I – prova ou aula de reposição, conforme o caso, a ser realizada em data alternativa, no turno de estudo do aluno ou em outro horário agendado com sua anuência expressa; (Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019) (Vigência)

II – trabalho escrito ou outra modalidade de atividade de pesquisa, com tema, objetivo e data de entrega definidos pela instituição de ensino. (Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019) (Vigência)

§ 1º A prestação alternativa deverá observar os parâmetros curriculares e o plano de aula do dia da ausência do aluno. (Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019) (Vigência)

§ 2º O cumprimento das formas de prestação alternativa de que trata este artigo substituirá a obrigação original para todos os efeitos, inclusive regularização do registro de frequência. (Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019) (Vigência)

§ 3º As instituições de ensino implementarão progressivamente, no prazo de 2 (dois) anos, as providências e adaptações necessárias à adequação de seu funcionamento às medidas previstas neste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019) (Vigência)(Vide parágrafo único do art. 2)

§ 4º O disposto neste artigo não se aplica ao ensino militar a que se refere o art. 83 desta Lei.(Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019) (Vigência)

O serviço público eleitoral é de natureza obrigatória e a lei não faculta a alegação de escusa de consciência pelo mesário nomeado (art. 365 do Código Eleitoral). Em que pese não haver previsão em lei, por decorrer de previsão constitucional (art. 5º, VIII), os mesários podem alegar objeção de consciência e não trabalharem como mesário, devendo-se analisar, em qualquer caso, dentro de um critério de razoabilidade, a possibilidade de substituição, o que se não for possível impossibilita o atendimento do pleito do mesário.

Art. 365. O serviço eleitoral prefere a qualquer outro, é obrigatório e não interrompe o interstício de promoção dos funcionários para êle requisitados.


A ausência de lei que preveja a possibilidade do mesário em alegar escusa de consciência e participar de serviço alternativo é uma omissão inconstitucional, sendo possível, de todo modo, o seu exercício como decorrência da aplicação direta da Constituição Federal.

De qualquer forma, o § 4º do art. 120 do Código Eleitoral permite a alegação de “motivos justos” para que o nomeado recuse a nomeação e a escusa de consciência, sem dúvidas, é um motivo justo, por ser um direito fundamental.

Art. 120 (…)

§ 4º Os motivos justos que tiverem os nomeados para recusar a nomeação, e que ficarão a livre apreciação do juiz eleitoral, somente poderão ser alegados até 5 (cinco) dias a contar da nomeação, salvo se sobrevindos depois desse prazo.(destaque nosso)


Em que pese assim entendermos, o Tribunal Superior Eleitoral já decidiu que “o interesse público inerente ao processo eleitoral se sobrepõe ao interesse de grupo religioso. Não há amparo legal ou constitucional à pretensão de dispensa do serviço eleitoral.”

“Petição. Comunidade Judaica. […] Nomeação de presidente e mesário. Dispensa por motivo religioso. Indeferimento. 1. As escolas particulares não são templos religiosos. Têm por finalidade precípua a formação educacional de cidadãos para inseri-los na sociedade. Portanto, podem ser designadas como locais de votação pelos Juízes Eleitorais, nos termos do art. 135, §§ 2º e 3º, do Código Eleitoral 2. O interesse público inerente ao processo eleitoral se sobrepõe ao interesse de grupo religioso. Não há amparo legal ou constitucional à pretensão de dispensa do serviço eleitoral. 3. Ressalva-se a possibilidade de formulação de requerimento de dispensa do serviço eleitoral diretamente ao juízo eleitoral competente, que procederá à análise do caso concreto, na forma da Lei. 4. Pedidos indeferidos.” (Res. nº 22.411, de 13.9.2006, rel. Min. José Delgado.)

As situações até aqui abordadas de recusa ao serviço e a atividades podem assim serem visualizadas.

Atividade/ObrigaçãoPrevisãoConsequência
Serviço militar obrigatórioArt. 143, § 1º, da CFPrestação de serviço alternativo
Participação como jurado no tribunal do júriArt. 438 do CPPPrestação de serviço alternativo
Provas e aulas em determinados diasArt. 7º-A da Lei n. 9.394/96Prestação alternativa de atividade escolar
Serviço público eleitoralNão há previsão, contudo deve-se aplicar o art. 120, § 4º, do Código EleitoralNão há previsão

O Professor Flávio Martins2 realiza uma indagação interessante e apresenta a resposta, no sentindo de que não é possível alegar escusa de consciência contra quaisquer obrigações legais a todos imposta.

Indaga-se: é possível alegar a escusa de consciência contra quaisquer obrigações legais a todos imposta? Pode-se alegar a escusa de consciência, por razão política e filosófica (a crença na anarquia como princípio político e, assim, a busca pelo fim do Estado), para não cumprir a obrigação de pagar impostos ou a convocação para ser mesário nas eleições? Primeiramente, recordemos a afirmação já muito repetida de que não há direitos absolutos. Assim como a vida, a liberdade de expressão e todos os demais direitos, a escusa de consciência também não será absoluta, sob pena de violar interesses maiores. Alegar a convicção política para não pagar impostos violaria o arcabouço dos direitos individuais, coletivos e sociais (principalmente os sociais), já que todos eles têm custo (lembremos da teoria de Sunstein e Holmes na clássica obra The Cost of Rights). Outrossim, admitida a tese de que o anarquista não é obrigado a pagar impostos ao alegar sua convicção política, mais da metade da população brasileira alegaria ser anarquista, para fugir da tributação exagerada que temos. Por fim, não há lei regulamentando (e não haverá) prestação alternativa no caso de escusa de consciência contra o pagamento de tributos. (destaque nosso)

2. O direito fundamental à liberdade religiosa e à segurança pública

A Constituição Federal assegura um feixe de direitos fundamentais que devem conviver entre si harmoniosamente.

O direito à liberdade religiosa possui proteção constitucional e é um direito fundamental (art. 5º, VI, da CF).

Art. 5º (…)

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

A liberdade de crença e culto decorre da laicidade do Brasil.

A liberdade de consciência consiste na liberdade de pensamento, de modo que é assegurado ao indivíduo formular juízos, ideias e opiniões de acordo com suas próprias escolhas, adotando seus padrões de valoração ética e moral, sem intervenção do Estado.

A liberdade de crença está voltada para o âmbito religioso, no sentido de que é possível ao indivíduo professar uma crença religiosa ou não professar qualquer religião. Sendo assim, tal liberdade possui dois aspectos: negativo (de não professar) e positivo (de escolher a própria religião).

A liberdade de culto implica na exteriorização da crença, na autonomia de expressar sua religião por culto, rito, cerimônia, reuniões etc.

A fim de assegurar o exercício dos direitos que decorrem dessa liberdade, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, VIII, assegurou a escusa de consciência, também denominada de objeção de consciência ou alegação de imperativo de consciência.

Todos são livres para escolherem a sua religião e seguir os seus preceitos, sem que haja ingerências estatais, devendo, inclusive, o Estado assegurar o pleno e livre exercício da liberdade religiosa.

O direito à segurança pública, igualmente, possui estatura constitucional.

O preâmbulo da Constituição, que não tem força normativa, mas situa-se no domínio da política e reflete a posição ideológica do constituinte3, menciona que o Estado Democrático é destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Nota-se que a segurança é um valor supremo e funda-se na harmonia social.

O art. 5º da Constituição Federal trata dos direitos e garantais fundamentais e assevera que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

A segurança a que se refere o art. 5º trata da segurança jurídica, e Humberto Barrionuevo Fabretti4 ensina que o termo segurança, no art. 5º, não se relaciona ao risco de ser vítima de um crime, mas “no sentido de estar seguro em relação aos direitos que estão elencados nos incisos do próprio art. 5º.” Ensina ainda que se trata de segurança contra as arbitrariedades do próprio Estado, “que encontra no art. 5º uma série de limitações que garantem a segurança do cidadão.”

O art. 6º trata dos direitos sociais e assevera que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Humberto Barrionuevo Fabretti5 ensina que a “utilização da palavra segurança nesse dispositivo também é feita de maneira genérica, sem se relacionar diretamente à segurança em relação ao crime, mas sim no sentido de se garantir a todos os mesmos direitos sociais.”.

Em se tratando de direitos fundamentais, eventuais restrições devem ocorrer de forma limitada (teoria dos limites dos limites). Lado outro, visando assegurar os direitos fundamentais, a proteção constitucional de cada direito fundamental deve observar o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, que consiste em dar a maior eficácia à norma, de forma que os direitos fundamentais sejam observados em sua plenitude.

No rol de direitos e garantias fundamentais, encontra-se o direito à vida; a proibição de tortura; a liberdade de expressão; a liberdade de consciência, crença e culto; a inviolabilidade da vida privada; a inviolabilidade domiciliar; a liberdade de informação; a liberdade de locomoção (direito de ir, vir e permanecer); de reunião; de propriedade; previsão das penas possíveis no Brasil; aqueles assegurados aos presos; a presunção de inocência; a previsão do direito ao devido processo legal, ampla defesa e contraditório; a vedação a provas ilícitas; mandados de criminalização, dentre outros.

Os mandados de criminalização consistem em comandos constitucionais que obriguem o legislador a criar determinados crimes que visem tutelar bens jurídicos de especial relevância.

O art. 5º da Constituição Federal prevê a punição para qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (XLI); que o racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (XLII); que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, omitirem-se (XLIII) e que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (XLIV).

Trata-se dos mandados de criminalização expressos.

Lado outro, há os mandados de criminalização implícitos, os quais consistem na proteção de bens jurídicos tutelados constitucionalmente, todavia a Constituição não manda, expressamente, que o legislador crie determinado crime, mas em razão da interpretação da Constituição, é possível afirmar que devem ser criados crimes que visem tutelar os direitos e garantias fundamentais.

Pode-se citar como exemplo o crime de corrupção, na medida em que esse crime causa um dano social tão elevado que acaba por comprometer vários direitos fundamentais, como à vida, à saúde, à segurança, à educação, dentre outros.

Em vista do rol de direitos e garantias fundamentais, bem como os direitos sociais, é possível afirmar que a Constituição traz um plexo de direitos voltados para a segurança pública e individual, de forma que seja possível ao estado preservar a ordem pública, sem, no entanto, massacrar aqueles que a violam quando praticam crimes. Busca-se um ponto de equilíbrio entre o direito à segurança pública e os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos de bem e daqueles que praticam crimes e venham a responder criminalmente e serem presos, em vista da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).

A segurança pública, além de ser um valor supremo, é um direito fundamental.

A segurança pública é reflexo do desenvolvimento do estado. Os problemas sociais, a precariedade e ausência da educação, saúde, moradia, trabalho e estrutura familiar refletem diretamente na segurança pública.

A segurança pública depende, ao mesmo tempo, de uma atuação positiva do estado, que assegure plenas e efetivas condições do exercício dos direitos sociais, bem como de uma atuação negativa, consistente em não violar o direito à vida, à liberdade e à propriedade.

O policiamento ostensivo, de incumbência da Polícia Militar, consiste em uma atuação positiva do estado.

A Constituição Federal deve ser interpretada como um todo unitário e harmonioso, sem que um dispositivo constitucional originário suprima outro, de forma que haja equilibro e observância de todos os direitos previstos constitucionalmente. Trata-se do princípio da unidade da Constituição.

José Joaquim Gomes Canotilho6 ensina que “o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar (ex: princípio do Estado de Direito e princípio democrático, princípio unitário e princípio de autonomia regional e local). Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios.” (destaque nosso)

O princípio da concordância prática ou da harmonização auxilia o intérprete na solução desses conflitos, visando extirpar eventuais desentendimentos entre as normas constitucionais, na busca de uma solução que seja minimamente ofensiva àquele direito que eventualmente possa ficar num segundo plano de proteção. Os direitos fundamentais que estiverem em conflito devem ser harmonizados entre si, de forma que um não suprima o outro.

O Professor Flávio Martins7 ensina que

Trata-se de um corolário do princípio da unidade, visto acima. O princípio da concordância prática ou harmonização visa a compatibilizar direitos fundamentais em conflito. É um princípio comumente utilizado, tendo em vista que os direitos fundamentais normalmente têm o formato de princípios, normas de conteúdo mais amplo, vago, indeterminado. Destarte, caberá ao intérprete tentar harmonizar os direitos em conflitos, visando à melhor solução. Nas palavras de José Joaquim Gomes Canotilho, “reduzido ao seu núcleo essencial, o princípio da concordância prática impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros. O campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos)”. (destaque nosso)

Dessa forma, sempre que houver colidência entre o direito fundamental à liberdade religiosa e a segurança pública, deve-se ponderar, em cada caso, qual deve prevalecer, o que é demonstrado neste texto.

2. Religião

A religião consiste no conjunto de princípios e crenças característico de determinado grupo, fixado de acordo com orientações concebidas seja por uma divindade, seja por um orientador, que regem a forma de viver do indivíduo e sua relação com os demais.

É cediço que o Brasil é um estado laico, secular, não-confessional (art. 19, I, da CF), logo, não há adoção de religião oficial, o que assegura o direito à liberdade religiosa.

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Márcio André Lopes Cavalcante8 explica bem a relação entre o Estado laico e a proteção à liberdade religiosa.

O fato de o Estado ser laico (art. 19, I, da CF/88), não lhe impõe uma conduta negativa diante da proteção religiosa.

A separação entre o Estado brasileiro e a religião não é absoluta.

O Estado deve proteger a diversidade em sua mais ampla dimensão, dentre as quais se inclua a liberdade religiosa e o direito de culto.

Nesse sentido, o papel da autoridade estatal não é o de remover a tensão por meio da exclusão ou limitação do pluralismo, mas sim assegurar que os grupos se tolerem mutuamente, principalmente quando em jogo interesses individuais ou coletivos de um grupo minoritário.

A separação entre religião e Estado, portanto, não pode implicar o isolamento daqueles que guardam uma religião à sua esfera privada. O princípio da laicidade não se confunde com laicismo. O princípio da laicidade, em verdade, veda que o Estado assuma como válida apenas uma crença religiosa.

Nessa medida, ninguém deve ser privado de seus direitos em razão de sua crença ou descrença religiosa, salvo se a invocar para se eximir de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa (art. 5º, VIII, da CF/88). (destaque nosso)

Existem diversas religiões no mundo. Em razão da laicidade do Estado Brasileiro e do direito à liberdade de consciência, crença e culto, surgiram no Brasil diversas religiões.

A pesquisa Datafolha9 publicada em 13/01/2020 pelo jornal Folha de São Paulo apontou que 50% dos brasileiros são católicos, 31% evangélicos, 10% não tem religião, 3% são espíritas, 2% são da umbanda, candomblé ou outras religiões afro-brasileiras, 2% outras, 1% é ateu e 0,3% é judeu.

A seguir discorreremos sobre algumas religiões e suas crenças.

2.1 Cristianismo

O cristianismo fundamenta-se na vida e nos ensinamentos de Jesus Cristo, como apresentado no Novo Testamento da Bíblia. Os cristãos afirmam que Jesus Cristo é Filho de Deus, que veio ao planeta Terra e morreu pelos pecados do mundo para salvar a humanidade da condenação do pecado.

Os cristãos acreditam que Jesus Cristo é o Messias profetizado na Bíblia (antigo testamento) e que após a sua morte ascendeu ao céu e um dia retornará para julgar os seres humanos (vivos e mortos) e conceder a imortalidade aos que o aceitaram como salvador. É a maior religião do mundo.

Suas principais crenças são: acreditam na bíblia em sua totalidade e que é um livro sagrado, defendem que há uma trindade formada por Deus Pai, Deus Filho e Espírito Santo e que Jesus Cristo voltará e estabelecerá seu reino.

A religião cristã possui três vertentes: 1) o Catolicismo Romano; 2) a Ortodoxia Oriental e o 3) Protestantismo.

2.1.1 Católicos

A igreja católica é a maior igreja do mundo e em 2016 possuía cerca de 1 bilhão e 300 milhões de fiéis10.

Os católicos são membros da Igreja Católica, conhecida também como Igreja Católica Romana ou Igreja Católica Apostólica Romana. É a mais antiga e com maior número de membros. Possui uma autoridade que é o Papa (atualmente, Papa Francisco), que é sucessor do apóstolo Pedro. O Papa tem autoridade sobre todos os fiéis e sobre toda a hierarquia da Igreja.

A Igreja Católica se considera como a igreja estabelecida por Deus para salvar todos os homens, admitindo a salvação, inclusive, daqueles que não a seguem.

A Igreja acredita no monoteísmo, que consiste na crença de um único Deus. Defendem que Deus é o criador de todas as coisas e tem os atributos da onipresença, onipotência e onisciência. Defende a existência da Trindade, formada pelo Pai, Filho e Espírito Santo. Possui como orientação seguir os ensinamentos de Jesus Cristo e de Maria.

Os católicos acreditam que a Lei de Deus prescreve as condutas que os levam à salvação e felicidade eterna, proibindo os caminhos que os desviam de Deus. Defendem que a salvação vem da fé e das obras.

A Igreja Católica considera a vida humana sagrada e, em virtude disso, condena as práticas de violência, o homicídio, o suicídio, o aborto induzido, a eutanásia, a clonagem humana.

A igreja exige dos seus fiéis o cumprimento obrigatório dos dez mandamentos: 1) Adorar a Deus e amá-lo sobre todas as coisas; 2) Não invocar o Santo Nome de Deus em vão; 3) Guardar domingos e festas de guarda; 4) Honrar pai e mãe; 5) Não matar; 6) Guardar castidade nas palavras e nas obras; 7) não furtar; 8) não levantar falso testemunho; 9) guardar castidade nos pensamentos e nos desejos e 10) não cobiçar as coisas alheias.

A igreja impõe o celibato (estado daquele que não é casado) ao seu clero por entender que desta forma os sacerdotes se entregam e se dedicam mais a Cristo.

Defendem a indissolubilidade do matrimônio até a morte de um dos cônjuges, porém, divórcio nos casos em que não houve um consentimento matrimonial claro e livre de qualquer violência admitem que seja declarado nulo e inexistente pelas autoridades eclesiásticas.

Admitem a veneração de imagens e quadros.

2.1.2 Igreja Ortodoxa11

É a segunda maior igreja cristã do mundo, ficando atrás apenas da Igreja Católica.

Possui doutrina semelhante à da Igreja Católica. Preconizam que é a igreja verdadeira de Jesus Cristo e não reconhecem a primazia do Papa. Defendem que há um único chefe da Igreja que é Jesus Cristo.

Assim como a Igreja Católica Romana, possuem a crença de que Deus mandou seu único filho, Jesus Cristo, ao mundo para a salvação da humanidade e que esse mesmo Deus se manifesta pelo Espírito Santo. Igualmente, Maria é venerada e os santos também recebem homenagens.

Entendem que a Bíblia é a fonte da fé e que a salvação é pela fé e não pelas obras, como entende a Igreja Católica Romana.

Observam o domingo e os dias santos prescritos pela Igreja, assim como são comemoradas festas como o Natal e a Páscoa.

Ao contrário da Igreja Católica Romana, não acreditam no purgatório.

Impõe o celibato ao seu clero, porém admitem o casamento se tiver ocorrido antes da conversão e defendem a indissolubilidade do matrimônio.

3.1.3 Protestantes

No Brasil, o censo realizado pelo IBGE em 2010 aponta para a existência de aproximadamente 42,3 milhões de fiéis no país.

Compreende os batistas, presbiterianos, luteranos, metodistas, adventistas, pentecostais e neopentecostais (Assembleia de Deus, Congregação Cristã do Brasil, Igreja Universal do Reino de Deus e Igreja do Evangelho Quadrangular).

Como visto, é uma das divisões do cristianismo. Originou-se com a Reforma Protestante, um movimento liderado por Martinho Lutero, e se opunha às doutrinas da Igreja Católica, especificamente contra a venda de indulgências, adoração de imagens, celibato, autoridade do papa, dentre outros.

Defendem que a única autoridade a ser seguida é a Bíblia e que pela ação do Espírito Santo o indivíduo tem maior harmonia com Deus. Acreditam que a salvação é conseguida por meio da graça e bondade de Deus e que a pessoa deve relacionar-se diretamente com Deus. Afirmam que a salvação é encontrada somente em Cristo.

2.1.3.1 Adventista do Sétimo Dia

Como fruto da reforma protestante, a Igreja Adventista do Sétimo Dia foi organizada em 1863 nos Estados Unidos. Atualmente, possui 21 milhões de membros em todo o mundo12.

O Brasil é o país com maior número de adventistas no mundo. Em 2019, registrou no Brasil 1.723.409 milhões de membros com 9.558 igrejas13.

Sustentam que o plano de Deus é restaurar toda a sua criação à completa harmonia com perfeita vontade e justiça.

A igreja possui 28 crenças fundamentais14, quais sejam:

  1. as escrituras sagradas: são a palavra de Deus escrita, dada por inspiração divina (Sl 119:105; PV: 30:5,6; Is 8:20; JO 17:17; 1Ts 2:13; 2Tm 3:16,17; HB 4:12; 2PE 1:20,21).
  1. a trindade: há um só Deus: Pai, Filho e Espírito Santo, uma unidade de três pessoas coeternas (Gn 1:26; DT 6:4; IS 6:8; MT 28:19; Jo 3:16; 2Co 1:21, 22; 13:14; Ef: 4:4-6; 1PE 1:2).
  1. Deus Pai é criador, originador, mantenedor soberano de toda a criação (Gn 1:1; Dt 4:35; Sl 110:1, 4; Jo 3:16; 14:9; 1CO 15:28; 1Tm 1:17; Ap 4:11).
  1. Deus Filho encarnou-se como Jesus Cristo e por meio dele foram criadas todas as coisas, revelado o caráter de Deus, efetuada a salvação da humanidade e julgado o mundo (Is 53:4-6; DN 9:25-27; LC 1:35; Jo 1:1-3; 14; 5:22; 10:30; 14:1-3, 9, 13; Rm 6:23; 1CO 15:3,4; 2Co 3:18; 5:17-19; Fp 2:5-11; Cl 1:15-19; HB 2:9-18; 8:1,2).
  1. O Espírito Santo: desempenhou uma parte ativa com o Pai e o Filho na criação, encarnação e redenção, de modo que inspirou as escrituras e encheu de poder a vida de Cristo. Atrai e convence os seres humanos da verdade, de modo que os que se mostram sensíveis são renovados e transformado por Ele à imagem de Deus (Gn 1:1,2; 2Sm 23:2; Sl 51:11; Is 61:1; Lc 1:35; 4:18; Jo 14:16-18, 26; 15:26, 16:7-13; At 1:8; 5:3; 10:38; Rm 5:5; 1Co 12:7-11; 2 Co 12:7-11; 2Co 3:18; 2P 1:21).
  1. A criação: Deus criou o universo em seis dias e descansou no sétimo dia (sábado). Deus criou também o homem (Adão) e a mulher (Eva), que foram formados à imagem e semelhança de Deus (Gn 1-2; 5; 11; Êx. 20:8-11; Sl 19:1-6; 33:6, 9; 104; Is 45:12, 18; At 17:24; Cl 1:16; Hb 1:2; 11:3; Ap 10:6; 14:7).
  1. A natureza da humanidade: o homem e a mulher foram formados à imagem de Deus com individualidade, o poder e a liberdade de pensar e agir. Embora criados como seres livres, cada uma é uma unidade indivisível do corpo, mente e espírito, e dependente de Deus quanto à vida, respiração e tudo o mais (Gn 1:26-28; 2:7; 15:3; Sl 8:4-8; 51:5, 10; 58:3; Jr 17:9; At 17:24-28; Rm 5:12-17; 2Co 5:19,20; Ef 2:3; 1 Ts 5:23; 1 JO 3:4; 4:7, 8, 11, 20).
  1. O grande conflito: toda a humanidade está envolvida no grande conflito entre Cristo e Satanás quanto ao caráter de Deus, sua lei e sua soberania sobre o Universo. O conflito se originou no Céu quando Lúcifer, um ser criado, dotado de liberdade de escolha, por exaltação própria, tornou-se Satanás, o adversário de Deus e conduziu à rebelião uma parte dos anjos. O mundo se tornou o palco do conflito universal, dentro do qual será vindicado o Deus de amor (Gn 3; 6-8; Jó 1:6-12; Is 14:12-14; Ez 28:12-18; Rm 1:19-32; 3:4; 5:12-21; 8:19-22; 1 Co 4:9; HB 1:14; 1PE 5:8; 2PE 3:6; Ap 12:4-9).
  1. Vida, morte e ressurreição de Cristo: Deus promoveu o único meio de expiação do pecado humano, de modo que os que aceitam essa expiação pela fé professam ter vida eterna, e toda a criação compreenda melhor o infinito e santo amor do Criador. Essa expiação vindica a justiça da lei de Deus e a benignidade do seu caráter; pois ela não somente condena o nosso pecado, mas também garante o nosso perdão. A morte de Cristo é substituinte e expiatória, reconciliadora e transformadora (Gn 3:15, Sl 22:1; Is 53; Jo 3:16; 14:30; Rm 1:4; 3:25; 4:25; 8:3,4; 1Co 15:3, 4, 20-22: 2Co 5:14, 15, 19-21; Fp 2:6-11; Cl 2:15; 1Pe 2:21; 1Jo 2:2; 4:10).
  1. Experiência da salvação: Em infinito amor e misericórdia, Deus fez com que Cristo, que não conheceu pecado, se tornasse pecado por nós, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus. Os adventistas entendem que guiados pelo Espírito Santo, sentem a necessidade, reconhecem sua pecaminosidade, arrependem-se de suas transgressões e têm fé em Jesus como salvador e senhor, substituto e exemplo (GN 3:15; Is 45:22, 53; Jr 31:31-34; Ez 33:11; 36:25-27; Hc 2:4; Mc 9:23, 24; Jo 3:3-8, 16; 16:8; Rm 3:21-26; 8:1-4, 14-17; Ef2:4-10; Cl 1:13, 14; Tt 3:3-7; Hb 8:7-12; 1Pe 1:23; 2:21, 22; 2Pe 1:3,4; Ap 13:8).
  1. Crescimento em Cristo: entendem que a vitória de Jesus lhes dá a vitória sobre as forças do mal que ainda procuram controlar os indivíduos ao andar com Jesus em paz, alegria e na certeza do seu amor. Defendem que o Espírito Santo habita neles e os reveste de poder e que nessa vida com Jesus são chamados a crescerem na semelhança do caráter de Cristo, comungando diariamente com Jesus em oração, alimentando-se da palavra de Deus, meditando nela e na providência divina, cantando louvores. Afirmam que são chamados a seguir o exemplo de Cristo pelo ministério compassivo às necessidades físicas, mentais, sociais, emocionais e espirituais da humanidade ( 1C 29:11; Sl 1:1, 2; 23:4; 77:11, 12; MT 20:25-28; 25:31-46; Lc 10:17-20; Jo 20:21; Rm 8:38, 39; 2Co 3:17, 18; Gl 5:22-25; Rf 5:19, 20; 6:12-18; Fp 3:7-14; Cl 1:17,14; 2:6,14,15; 1 Ts 5:16-18, 23; Hb 10:25; Tg 1:17; 2Pe 2:9; 3:18; 1Jo 4:4).
  1. A Igreja: é a comunidade de crentes que confessam a Jesus Cristo como senhor e salvador. Afirmam que a Igreja recebe sua autoridade de Cristo, o qual é a Palavra encarnada revelada nas Escrituras. Defendem que a Igreja é a noiva pela qual Cristo morreu para que pudesse santificá-la e purificá-la e que na sua volta Cristo se apresentará como igreja gloriosa Gn 12:1-3; Êx 19:3-7; Mt 16:13-20; 18:18; 28:19, 20; At 2:38-42; 7:38; 1Co 1:2; Ef 1:22,23; 2:19-22; 3:8-11; 5:23-27; Cl 1:17,18; 1PE 2:9).
  1. O remanescente e sua missão: acreditam que são o povo remanescente de Cristo chamado para guardar os mandamentos de Deus e a fé de Jesus e que anunciam a chegada da hora do juízo, proclama a salvação por meio de Cristo e prediz a aproximação do segundo advento de Cristo( Dn 7:9-14; Is 1:9; 11:11; Jr 23:3; Mq 2:18; 2Co 5:10; 1PE 1:16-19; 4:17; 2pE 3:10-14; JD 3,14; Ap 12:17; 14:6-12; 18:1-4).
  1. Unidade no corpo de Cristo: defendem que todos, independentemente das distinções de raça, gênero, classe e cor, compõem o corpo de Cristo e são iguais e foram unidos pelo Espírito Santo em comunhão com ele e uns com os outros (Sl 133:1; MT 28:19, 20; Jo 17:20-23; At 17:26, 27; Rm 12:4, 4; 1Co 12:12-14; 2Co 5:16, 17; Gl 3:27-29; Ef 2:13-16; 4:3-6, 11-16; Cl 3:10-15).
  1. O Batismo: pelo batismo confessam a sua fé na morte e na ressureição de Jesus Cristo, atestando a morte para o pecado e o propósito de andar em novidade de vida. Reconhecem a Cristo como Senhor e Salvador. Afirmam que o batismo é um símbolo da união com Cristo, do perdão dos pecados e do recebimento do Espírito Santo e que deve ser feito por imersão na água e depende de uma afirmação de fé em Jesus e da evidência de arrependimento do pecado (MT 28:19, 20; At 2:38; 16:30-33; 22:16; Rm 6:1-6; Gl 3:27; Cl 2:12,13).
  1. A Ceia do Senhor: afirmam que é uma participação nos emblemas do corpo e do sangue de jesus como expressão de fé em Cristo e que nessa experiência de comunhão Cristo está presente para encontra-se com seu povo e fortalecê-lo. Afirmam que a preparação envolve o exame de consciência, arrependimento e confissão (MT 26:17-30; Jo 6:48-63; 13:1-17; 1Co 10:16, 17; 11:23-30; Ap 3:20).
  1. Dos e Ministérios Espirituais: afirmam que Deus concede a todos os membros de sua igreja, em todas a épocas, dons espirituais que cada membro deve empregar em amoroso ministério para o bem comum da igreja e da humanidade. Afirmam que o dom é outorgado pelo Espírito Santo (At 6:1-7; Rm 12:4-8; 1Co 12:7-11, 27, 28; Ef 4:8, 11:16; 1Tm 3:1-13; 1Pe 4:10,11).
  1. Dom de Profecia: afirmam que a bíblia revela que um dos dons do Espírito Santo é a profecia e que é uma característica da igreja remanescente e creem que ele foi manifestado no ministério de Ellen G. White (Nm 12:6; 2Cr 20:20; Am 3:7; Jo 2:28,29; At 2:14-21; 2 TM 3:16, 17; Hb 1:1-3; Ap 12:17; 19:10; 22:8, 9).
  1. A Lei de Deus: afirmam que os princípios da Lei de Deus são incorporados nos dez mandamentos e exemplificados na vida de Cristo e que expressam o amor, a vontade e os propósitos de Deus acerca da conduta e das relações humanas e são obrigatórios a todas as pessoas, em todas as épocas. Defendem que a salvação é inteiramente pela graça, e não pelas obras, e seu fruto é a obediência aos mandamentos (Êx 20:1-17; DT 28:1-14; Sl 19:7-14; 40:7,8; Mt 5:17-20; 22:36-40; Jo 14:15; 15:7-10; Rm 8:3,4; Ef 2:8-10; Hb 8:8-10; 1JO 2:3; 5:3; Ap 12:17; 14:12).
  1. O Sábado: afirmam que Deus instituiu o sábado como memorial da criação e este é o dia de guarda e não o domingo porque o quarto mandamento não foi mudado por Cristo quando veio à terra. Sustentam que o sábado é um símbolo da redenção em Cristo, um sinal da santificação, uma prova da lealdade e um antegozo do futuro eterno no reino de Deus (Gn 2:1-3; Êx 20:8-11; 31:13-17; Lv 23:32; DT 5:12-15; IS 56:5,6; 58:13 ,14; Ex 20:12, 20; MT 12:1-12; MC 1:32; Lc 4:16; Hb 4:1-11).
  1. Mordomia: Acreditam que são responsáveis perante Deus pelo uso apropriado do tempo e das oportunidades, capacidades e posses, e das bênçãos da terra e seus recursos que Deus colocou perante o cuidado de cada um. Reconhecem o direito de propriedade da parte de Deus por meio de fiel serviço a Ele e aos seres humanos, devolvendo o dízimo e dando ofertas para a proclamação do evangelho e manutenção e crescimento da igreja (Gn 1:26-28; 2:15; 1Cr 29:14; Ag 1:3-11; Ml 3:8-12; Mt 23:23; Rm 15:26, 27; 1 CO 9:9-14; 2 Co 8:1-15; 9:7).
  1. Conduta Cristã: acreditam que são um povo piedoso que pensam, sentem e agem em harmonia com os princípios bíblicos em todos os aspectos da vida pessoal e social. Afirmam que o corpo é o templo do Espírito Santo e devem cuidar dele de forma inteligente com adequado exercício e repouso, além de alimentação saudável ( Gn 7:2; Êx 20:15; Lv 11:1-47; Sl 106:3; Rm 12:1,2; 1 Co 6:19, 20; 10:31; 2 Co 6:14-7:1; 10:5; Ef 5:1-21; Fp 2:4; 4:8; 1 Tm 2: 9,10; Tt 2:11, 12; 1PE 3:1-4; 1 Jo 2:6; 3 Jo 2).
  1. O casamento e a Família: afirmam que o casamento foi divinamente instituído no Éden e confirmado por Jesus como união vitalícia entre um homem e uma mulher, em amoroso companheirismo. Defendem que o compromisso matrimonial é com Deus e com o cônjuge e só deve ser assumido entre um homem e uma mulher que partilham da mesma fé. Sustentam que quanto ao divórcio, Jesus Cristo ensinou que a pessoa que se divorcia, a não ser por causa de fornicação, e se casa com outro, comete adultério. Afirmam que Deus abençoa a família ( Gn 2:18-25; Êx 20:12; Dt 6:5-9; Pv 22:6; Ml 4:5,6; Mt 5:31, 32; 19:3-9, 12; Mc 10:11, 12; Jo 2:1-11; 1 Co 7:7-10, 11; 2 Co 6:14; Ef 5:21-33; 6:1-4).
  1. O Ministério de Cristo e o Santuário Celestial: defendem que há um santuário no céu onde Jesus intercede em favor de seu povo, tornando acessível aos crentes os benefícios de seu sacrifício expiatório oferecido na cruz (Lv 16; Nm 14:34; Ez 4:6; Dn 7:9-27; 8:13, 14; 9:24-27; Hb 1:3; 2:16, 17; 4:14-16; 8: 1-5; 9:11-28; 10:19-22; AP 8:3-5; 11:19; 14:6,7; 20:12; 14:12; 22:11, 12).
  1. A segunda vinda de Cristo: afirmam que a segunda vinda de Cristo é a bendita esperança da igreja, o ponto culminante do evangelho e que a vinda de Jesus é literal, pessoal, visível e universal e quando Cristo voltar os justos falecidos serão ressuscitados e, juntamente com os justos que estiverem vivos, serão glorificados e levados para o céu, mas os ímpios morrerão ( Mt 24; Mc 13; Lc 21; Jo 14:1+-3; At 1:9-11; 1 Co 15:51-54; 1 Ts 4:13-18; 5: 1-6; 2 Ts 1:7-10; 2:8; 2 Tm 3:1-5; Tt 2:13; Hb 9:28; AP 1:7; 14: 14-20; 19:11-21).
  1. Morte e Ressureição: sustentam que o salário do pecado é a morte, mas Deus concede vida eterna a seus remidos. Afirmam que até a volta de Jesus, a morte é um estado inconsciente para todas as pessoas (Jó 19:25-27; Sl 146:3, 4; Ex 9:5, 6, 10; Dn 12:2, 13; Is 25:8; Jo 5:28,29; 11:11-14; RM 6:23; 1 CO 15:51-54; Cl 3:4; 1 Ts 4:17,17; 1TM 6:15; Ap 20:1-10).
  1. O Milênio e o fim do pecado: defendem que o milênio, reinado de mil anos de Cristo com seus santos no céu, ocorrerá entre a primeira e a segunda ressurreição dos mortos. Durante esse tempo serão julgados os ímpios mortos, a terra estará desolada sem habitantes humanos com vida, mas ocupada por Satanás e seus anjos e, no fim desse período, Cristo e seu povo descerão do céu à terra, quando os mortos ímpios serão ressuscitados e, com Satanás e seus anjos, cercarão a cidade (nova Jerusalém), mas o fogo de Deus os consumirá e purificará a terra ( Jr 4:23-26; Ex 28:18,19; Ml 4:1; 1 CO 6:2,3 ; Ap 20; 21:1-5).
  1. A nova terra: defendem a existência de uma nova terra em que habita a justiça, consistente num lar eterno para os remidos e que o próprio Deus habitará com seu povo (Is 35; 65:17-25; Mt 5:5; 2Pe 3:13; Ap 11:15; 21:1-7; 22:1-5).

2.2 Testemunhas de Jeová

A denominação possui 897.05615 membros no Brasil com 12.531 congregações.

É uma denominação cristã monoteísta, que rejeita a crença da Trindade porque acredita que Jesus é filho de Deus, porém não o adoram.

A igreja possui 15 crenças fundamentais16, quais sejam:

  1. Deus: é o único verdadeiro Jeová que deve ser adorado (Salmo 83:18; Apocalipse 4:11; Êxodo 3:6; 32:11; João 20:17).
  1. Bíblica: é a mensagem inspirada por Deus para os humanos e as crenças se baseiam nos 66 livros. Afirmam que embora acreditem em toda a bíblia não são fundamentalistas, pois reconhecem que parte está escrita em linguagem figurada ou simbólica ((João 17:17; 2 Timóteo 3:16).
  1. Jesus: reconhecem Jesus como Salvador e Filho de Deus. Acreditam em Jesus Cristo e procuram seguir seus ensinamentos e modo de agir e que não existem salvação sem Jesus e que quando uma pessoa se torna Testemunha de Jeová, é batizado em nome de Jesus. Afirmam que Jesus recebeu autoridade sobre todos os homens (Mateus 20:28; Atos 5:31).
  1. O Reino de Deus: não é algo que habita no coração, mas é real no céu e substituirá os governos humanos e realizará a vontade de Deus na terra (Daniel 2:44; Mateus 6:9, 10)
  1. Salvação: o sacrifício de resgate de Jesus permitiu a libertação do pecado e da morte. Defendem que a salvação não pode ser comprada, e que é possível por meio da bondade imerecida de Deus ((Mateus 20:28; Atos 4:12; Mateus 28:19, 20; João 3:16; Atos 3:19, 20;  Tiago 2:24, 26;  Gálatas 2:16, 21).
  1. Céu: Afirmam que Deus, Jesus e os anjos moram no mundo espiritual e que para reinar com Jesus no seu Reino, um pequeno número de pessoas (144.000) serão ressuscitadas para a vida no céu (Salmo 103:19-21; Atos 7:55; Daniel 7:27; 2 Timóteo 2:12; Apocalipse 5:9, 10; 14:1, 3).
  1. Terra: afirmam que Deus criou a terra para ser o lar da humanidade para sempre (Salmo 104:5; 115:16; Eclesiastes 1:4;  Salmo 37:11, 34).
  1. Maldade e sofrimento: afirmam que após um dos anjos de Deus se rebelar passou a existir maldade e sofrimento na terra e que Deus não permitirá isso para sempre (João 8:44;  Gênesis 3:1-6; Romanos 5:12).
  1. Morte: Defendem que os que morrem deixam de existir e não sofrem o tormento eterno de um inferno de fogo. Afirmam que muitos ressuscitarão, porém depois disso, os que se recusam a fazer o que Deus quer serão destruídos para sempre sem qualquer esperança ou ressurreição (Salmo 146:4; Eclesiastes 9:5, 10).
  1. Família: Afirmam que seguem o padrão original de Deus para o casamento constituído apenas entre um homem e uma mulher. Defendem que a imoralidade sexual é a única base válida para o divórcio (Mateus 19:4-9; Efésios 5:22–6:1).
  1. Adoração: não fazem adoração à Cruz nem a qualquer outra imagem (Deuteronômio 4:15-19; 1 João 5:21).
  1. Organização: organizam-se em congregações e cada uma é supervisionada por um grupo de anciãos que não recebem salário. Não fazem cobrança de dízimo, nem qualquer tipo de coleta nas reuniões (Mateus 10:8; 23:8; Mateus 24:45)
  1. União: as testemunhas de jeová têm as mesmas crenças no mundo todo (1 Coríntios 1:10; Atos 10:34, 35; Tiago 2:4; Romanos 14:1-4; Hebreus 5:14).
  1. Modo de agir: evitam prática que desagradam a Deus, incluindo o uso do sangue por meio de transfusões. Consideram-se pacíficos, motivo pelo qual não participam de guerra. Respeitam o governo e as leis desde que não entrem em conflito com as leis de Deus (João 13:34, 35; (Atos 15:28, 29; Gálatas 5:19-21; (Mateus 5:9; Isaías 2:4; Mateus 22:21; Atos 5:29).
  1. Relacionamento com os outros: afirmam seguir a orientação de Jesus no sentido de amar ao próximo e, embora não assumam posicionamentos políticos e nem se associem a outros grupos religiosos, respeitam as decisões que os outros tomam sobre tais assuntos (Mateus 22:39; João 17:16; Gálatas 6:10; 2 Coríntios 6:14; Romanos 14:12).

O descumprimento de preceitos religiosos pelas Testemunhas de Jeová pode acarretar em várias consequências disciplinares religiosas, como a impossibilidade de ir a campo (visitas realizadas de casa em casa para levar a palavra de Jeová) e em situações mais extremas até mesmo a desassociação (deixa de ser Testemunha de Jeová para a religião), o que pode causar sérios danos à pessoa, já que nem mesmo os familiares que pertencem à religião a aceitarão e sequer conversarão com a ex-Testemunha de Jeová, o que pode acarretar em uma série de consequências graves, como depressão e risco de suicídio.

2.3 Espiritismo

A doutrina surgiu em 1857 na França pelo pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que usava o pseudônimo Allan Kardec.

É definida como a doutrina fundada sobre a existência, as manifestações e o ensino dos espíritos.

Defendem que o espiritismo é uma doutrina voltada para o aperfeiçoamento moral do homem e acreditam na existência de um Deus único, na possibilidade de comunicação útil com os espíritos através de médiuns e na reencarnação como processo de crescimento espiritual e justiça divina.

São ensinos fundamentais, conforme se extrai da cartilha da Federação Espírita Brasileira17:

  1. Deus é a inteligência suprema causa primeira de todas as coisas. É eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom;
  1. O universo é criação de Deus. Abrange todos os seres racionais e irracionais, animados e inanimados, materiais e imateriais;
  1. Além do mundo corporal, habitação dos Espíritos encarnados, que são os homens, existe o mundo espiritual, habitação dos espíritos desencarnados;
  1. No Universo, há outros mundos habitados, com seres de diferentes graus de evolução: iguais, mais evoluídos e menos evoluídos que os homens;
  1. Todas as leis da natureza são leis divinas, pois que Deus é o seu autor. Abrangem tanto as leis físicas como as leis morais.
  1. O homem é um espírito encarnado em um corpo material o perispírito é o corpo semimaterial que une o espírito ao corpo material;
  1. Os espíritos são os seres inteligentes da Criação. Constituem o mundo dos espíritos, que preexiste e sobrevive a tudo.
  1. Os espíritos são criados simples e ignorantes. Evoluem, intelectual e moralmente, passando de uma ordem inferior para outra mais elevada até a perfeição, onde gozam de inalterável felicidade;
  1. Os espíritos preservam sua individualidade, antes, durante e depois de cada encarnação;
  1. Os espíritos reencarnam tantas vezes quantas forem necessárias ao seu próprio aprimoramento;
  1. Os espíritos evoluem sempre. Em suas múltiplas existências corpóreas podem estacionar, mas nunca regridem. A rapidez do seu progresso intelectual e moral depende dos esforços que façam para chegar à perfeição.
  1. Os espíritos pertencem a diferentes ordens, conforme o grau de perfeição que tenham alcançado: espíritos puros, que atingiram a perfeição máxima; bons espíritos, nos quais o desejo do bem é o que predomina; espíritos imperfeitos, caracterizados pela ignorância, pelo desejo do mal e pelas paixões inferiores;
  1. As relações dos espíritos com os homens são constantes e sempre existiram. Os bons espíritos nos atraem para o bem, sustentam-nos nas provas e nos ajudam a suportá-las com coragem e resignação. Os imperfeitos nos induzem ao erro.
  1. Jesus é o guia e modelo para toda a humanidade. E a doutrina que ensinou e exemplificou é a expressão mais pura da lei de Deus.
  1. A moral de Cristo, contida no Evangelho, é o roteiro para a evolução segura de todos os homens, e a sua prática é a solução para todos os problemas humanos e o objetivo a ser atingido pela humanidade.
  1. O homem tem o livre-arbítrio para agir, mas responde pelas consequências de suas ações;
  1. A vida futura reserva aos homens penas e gozos compatíveis com o procedimento de respeito ou não à Lei de Deus;
  1. A prece é um ato de adoração a Deus. Está na lei natural e é o resultado de um sentimento inato no homem, assim como é a ideia da existência do Criador;
  1. A prece torna melhor o homem. Aquele que oram com fervor e confiança se faz mais forte contra as tentações do mal e Deus lhe envia bons espíritos para assisti-lo. É este um socorro que jamais se lhe recusa, quando pedido com sinceridade.

2.4 Religiões de Matriz Africana

Neste subtópico contei com o apoio essencial de Gleydosn Dantas e de Leonardo Mendes Alvares.

As religiosidades africanas foram ressignificadas na cultura brasileira quando as primeiras pessoas escravizadas da África desembarcaram no Brasil. Era uma forma de preservar e resistir nas suas tradições e valores trazidos da África.

As religiões de matrizes africanas formaram-se em diferentes regiões e estados do país e em diferentes momentos da história e por isso possuem diferentes denominações.

Para fins destes escritos, destacaremos duas dessas religiosidades: o Candomblé e a Umbanda.

O Candomblé surgiu em meados do século XIX, tendo por base o culto às forças da natureza, sendo chamada de animista.

Os seguidores do Candomblé creem na sobrevivência da alma após a morte física e na existência de espíritos ancestrais que podem ser divinizados. (os que não materializam) e os não divinizados (que se materializam em vestes próprias).

Sua crença é baseada, por algo equiparável ao monoteísmo, visto que, cada nação do Candomblé cultua apenas um Ser Supremo, através das suas múltiplas facetas representadas pelos Orixá.

Seus adeptos levam sete anos para concluir a iniciação dentro dos preceitos estipulados.

No ritual de iniciação, o iniciado raspa a cabeça para receber o oxu (uma forma cônica) no seu ori (cabeça), para se estabelecer com o seu sagrado (orixá). É hábito dessas religiosidades que quando os grupos se reúnem para liturgias que duram vários dias, todo o alimento é sacralizado. Logo, mas carnes consumidas são imolados conforme a ritualística e os costumes daquela matriz étnico-cultural.

As religiões de matrizes africanas são iniciáticas e seus adeptos passam por períodos de reclusões, abstenções e preceitos. Podemos destacar desses ritos: as pinturas corporais e a raspagem do cabelo (catulagem) e por este último, um significativo período sem poder cortá-lo novamente.

Por sua vez, a Umbanda, é formada a partir do sincretismo das bases filosóficas culturais do Candomblé, Catolicismo, Espiritismo e das referências religiosas ameríndias.

As religiosidades africanas possuem várias vertentes por diferenças em rituais, métodos e hierarquia, porém possuem crenças comuns18:

1) Existência de um único Ser Supremo, multifacetado e plural;

2) Crença em divindades ancestrais;

3) Consciência da existência e atuação de guias ou entidades espirituais;

4) A imortalidade da alma;

5) Crença nos antepassados;

6) Reencarnação;

7) Lei universal da atração, ou seja, atraímos para perto o que está na mesma vibração em que se está;

8) Se fundamentam na fraternidade.

2.5 Islamismo19

É uma religião que surgiu na Península Arábica por Muhammad (Maomé) e é a segunda maior denominação religiosa do mundo, possuindo mais de 1 bilhão de seguidores.

São monoteístas, ou seja, acreditam na existência de um único Deus chamado Allah. Acreditam na onipotência e onisciência de Deus e que ele é o criador do universo.

Islã origina-se da palavra árabe islam que significa submissão, obediência ou ação de obedecer a Deus (Allah, em árabe).

Defendem que Maomé foi um profeta que recebeu do anjo Gabriel os princípios básicos que norteiam a fé islâmica e suas profecias foram organizadas no Alcorão, que é o livro sagrado do islamismo.

A religião possui cinco pilares, conforme se extrai do site Politize20:

  1. Proclamação da Fé: ninguém merece ser adorado, a não ser Allah e que Maomé é seu mensageiro.
  1. Oração: os muçulmanos fazem oração (salah) cinco vezes ao dia. A oração preza pela manutenção da fé islâmica e pela reafirmação da submissão a Deus.
  1. Caridade compulsória: a zakah é a obrigação do muçulmano que detém melhor condição financeira de prestar apoio aos carentes e necessitados.
  1. Jejum do Ramadã: Ramadã é o nono mês do calendário islâmico e deve ser passado em jejum (sawm) pelos muçulmanos saudáveis. O sawm consiste na completa abstenção de comida, bebida e atividades deleitosas do nascer ao pôr do sol.
  1. Peregrinação à Meca: entre os dias 8 e 13 do mês Dhu al-Hija, último do calendário islâmico, os muçulmanos celebram o Hajj, que consiste numa peregrinação que, ao menos uma vez na vida, todo muçulmano com aptidões físicas e financeiras deve fazer à Cidade sagrada de Meca, na Arábia Saudita.

3. A escusa de consciência e o Supremo Tribunal Federal

Vimos no tópico acima que algumas religiões possuem crenças diferenciadas das demais, o que implica na restrição de determinadas condutas e atividades.

Como exemplo, a Igreja Adventista do Sétimo Dia expressa a crença de que o sábado é o memorial da criação, sendo um dia de guarda para descanso e adoração a Deus. Fundamentam sua crença no quarto mandamento expresso no capítulo 20 do Livro de Êxodo, no capítulo 2 do Livro de Gênesis, no capítulo 58 do Livro de Isaías, dentre outros, todos da Bíblia.

Observando a ideia de que o sábado começa no pôr do sol da sexta-feira e finaliza-se no pôr do sol do sábado, nesse período, os praticantes dessa religião não desenvolvem atividades que denominam de mundanas, realizando apenas atividades assistencialistas, além do descanso e adoração a Deus.

No sábado não desenvolvem suas atividades laborativas normais nem se dedicam a qualquer atividade que tenha por objeto a satisfação pessoal. Em razão disso, não trabalham no sábado, não estudam nem prestam concurso público neste dia porque entendem que tais atividades são mundanas e não devem ser realizadas no sábado.

Outra religião que também entende que o sábado é um dia de descanso é o judaísmo.

Do mesmo modo que os adventistas, os judeus guardam o sábado do pôr do sol da sexta-feira até o pôr do sol do sábado. Nesse dia, os judeus também não desenvolvem qualquer atividade.

De igual modo, a Igreja Adventista da Promessa entende que o sábado é um dia de descanso e que o indivíduo não deve cuidar dos próprios interesses neste dia, mas aprofundar-se na comunhão com Deus e seus irmãos.

Em razão da crença do sábado como dia de descanso, os adventistas do sétimo dia não realizam provas de concurso no sábado, motivo pelo qual formulam requerimento perante a banca solicitando que realize a prova em horário após o pôr do sol do sábado ou em dia diverso (pedido de atendimento especial), o que muitas vezes não é deferido.

Em 2017 o Ministério da Educação realizou uma consulta pública para modificação dos dias de prova do ENEM, isso porque, muitos sabatistas formulavam pedidos para não realizarem a prova no sábado por motivo de crença religiosa.

Na consulta, 63,70% votaram para a realização do Enem em dois dias. Posteriormente, com 42,30% dos votos foi aprovada a alteração para realização do exame em dois domingos, o que ocorreu a partir de 2017.

O tema é objeto recorrente de debate, face as constantes discussões sobre liberdade religiosa que acontecem no país, especialmente diante de notícias de intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana.

A discussão da escusa de consciência e dos guardadores do sábado (ou sabatistas) chegou ao STF por meio do Recurso Extraordinário (RE) 611874 – Tema 386, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, que tinha por objeto a possibilidade de alteração de data nas etapas de concurso público por motivos de crença religiosa do candidato.

O recurso foi da União contra acórdão do TRF da 1ª Região que permitiu a candidato adventista a realização de prova em data, horário e local diverso do estabelecido no calendário do concurso público, desde que não houvesse mudança no cronograma do certame nem prejuízo à atividade administrativa.

No caso, o candidato foi aprovado em primeiro lugar no concurso público para provimento de vaga no TRF-1 para o cargo de técnico judiciário, especialidade segurança e transporte. Após ser aprovado na etapa objetiva, o candidato se habilitou para a prova prática de capacidade física que, conforme edital de convocação seria realizada em um sábado. Como não conseguiu a alteração da data de forma administrativa perante a banca do concurso, o candidato impetrou mandado de segurança, que foi concedido pelo TRF da 1ª Região que entendeu que o deferimento do pedido atendia à finalidade pública de recrutar os candidatos mais bem preparados para o cargo21.

Em 26/11/202022, em sessão virtual realizada pelo plenário, a Suprema Corte fixou a seguinte tese:

“Nos termos do artigo 5º, VIII, da Constituição Federal é possível a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital, por candidato que invoca escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada”.

O ARE 1099099, de relatoria do Ministro Edson Fachin – Tema 1021, por sua vez, discutia o dever do administrador público de disponibilizar obrigação alternativa para servidor em estágio probatório cumprir deveres funcionais a que está impossibilitado em virtude de sua crença religiosa.

O recurso extraordinário foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que manteve sentença em mandado de segurança impetrado por uma professora adventista reprovada no estágio probatório por descumprir o dever de assiduidade, ao não trabalhar entre o pôr do sol de sexta-feira e o pôr do sol de sábado.

No caso, a servidora foi exonerada do serviço público após registrar noventa faltas nas sextas-feiras à noite. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, confirmando a sentença de primeiro grau, concluiu que foi descumprido o dever de assiduidade imposto a todos os servidores, ressaltando que a estabilidade não se adquire automaticamente após o decurso do prazo de três anos. Entendeu o Tribunal de Justiça pela ausência de violação ao livre exercício de culto religioso.

Em 26/11/202023, em sessão virtual realizada pelo plenário, a Suprema Corte fixou a seguinte tese:

Nos termos do artigo 5º, VIII, da Constituição Federal é possível à Administração Pública, inclusive durante o estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que invocam escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, não se caracterize o desvirtuamento do exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada”.

Desse modo, extrai-se dos julgados que o STF pacificou que a Administração Pública deve sim apresentar medida alternativa para que o candidato ou servidor guardador do sábado possa invocar a escusa de consciência para não cumprir determinada obrigação naquele dia que entende ser de descanso/guarda e que a prestação alternativa não deve provocar ônus desproporcional à Administração Pública.

Observa-se que a Suprema Corte assegurou que a liberdade religiosa é um direito fundamental que deve ser protegido.

O Ministro Edson Fachin, Relator do ARE 1099099, votou que é dever do administrador oferecer obrigações alternativas para assegurar a liberdade religiosa ao servidor em estágio probatório e disponibilizar data e horários alternativos para a realização de etapa de concurso público, certame público ou vestibular por força de crença religiosa, pois “São práticas que devem ser adotadas pelo estado e pelo poder público, na medida em que representam concretização do exercício da liberdade religiosa sem prejuízo de outros direitos fundamentais”.

Por sua vez, o Ministro Dias Toffoli, relator do RE 611874, votou que não há direito subjetivo à remarcação de data e horário diversos dos determinados previamente pela comissão organizadora, sem prejuízo de a administração pública avaliar a possibilidade de realização em dia e horário que conciliem a liberdade de crença com o interesse público.

Ponderou que a administração não pode ser obrigada a alterar datas de concursos públicos por questões de crenças religiosas. Propôs que sejam respeitadas as decisões da justiça tomadas até então sobre alterações de datas de certames. Sustentou o Ministro que “Admitir a criação de condições especiais ao exercício de faculdades legais embasados na crena religiosa é estabelecer privilégio não extensível aos que tem outras crenças, ou simplesmente não creem. Tendo em vista que o direito fundamental à liberdade de crença não se encontra sozinho no ordenamento constitucional, há que se estabelecer, portanto, fronteiras ao exercício do direito à liberdade de credo”.

Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski votaram pela possibilidade da realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital por candidato que apresenta objeção de consciência por motivos de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração e a preservação da igualdade entre os candidatos. Essa corrente também reconhece a possibilidade de a administração pública, durante o estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o exercício dos deveres funcionais ao servidor público em avaliação.

O Ministro Alexandre de Moraes destacou que o poder público tem a obrigação constitucional de garantir a plena liberdade religiosa, mas não pode ser subserviente com qualquer dogma ou princípio religioso que possa colocar em risco sua própria laicidade. No entanto, segundo Moraes, não se pode considerar como garantia de plena liberdade religiosa a situação em que o estado obriga alguém a optar entre sua profissão e sua fé. Destacou que “O poder público não está obrigado a seguir o calendário e os dogmas religiosos, mas também não pode fazer tábula rasa da liberdade religiosa, impedindo que todos os adeptos de uma determinada religião tenham acesso a determinado concurso ou cargo público”.

De acordo com o ministro, a proteção judicial à previsão constitucional da liberdade religiosa e da fixação de prestação ou critérios alternativos quando alegada escusa de consciência é necessária e obrigatória, desde que não fira a igualdade de competição e do exercício de cargos públicos e sejam observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

A Ministra Cármen Lúcia ponderou que “O Estado se separa da religião, mas o ser humano não se separa da fé”. Ressaltou, ainda, que os guardadores do sábado não podem ser submetidos a uma situação em que precisem optar por sua fé ou fazer parte de concurso ou função pública.

Asseverou que o estado é leigo, mas o ser humano não precisa de ser. Salientou, ainda, que os dois casos postos a julgamento servem para pensar que o estado tem que cada vez mais saber que todas as formas de tolerância não convivem com a intolerância estatal. “A intolerância administrativa não pode se sobrepor a tolerância religiosa, que está na base de todas as formas de manifestação de fé”.

Destacou a necessidade do estado em tolerar todas as manifestações de fé, ao relembrar Rui Barbosa que disse que “a Constituição não é treslouca, não pode dar com a mão direita para tirar com a esquerda”, de modo que não pode ter garantido liberdades e depois dizer que ou o indivíduo exerce os rituais da fé ou opta por trabalhar. Exemplificou que exigir do candidato que opte por fazer um concurso de magistratura ou opte por ser adventista do sétimo dia não é liberdade.

A Ministra Rosa Weber observou que, nos casos concretos, não feriria a igualdade de competição a possibilidade de o candidato realizar a prova física no dia seguinte, tampouco a compensação, pela professora em estágio probatório, das horas não trabalhadas às sextas-feiras.

Em divergência, o ministro Nunes Marques afirmou que, segundo a Constituição Federal, a administração pública deve obedecer ao princípio da legalidade, que autoriza o Estado a agir apenas quando autorizado por lei e de acordo com esta. O texto constitucional deixa claro, a seu ver, que a prestação alternativa da obrigação legal imposta a todos deve ser fixada em lei, e não por ato tipicamente administrativo. Para o ministro, na ausência de lei prevendo alternativas, a administração pública fica impossibilitada de agir. “Se a legalidade para os cidadãos significa fazer tudo que a lei não proíbe, à administração só é permitido fazer o que a lei permite”, assinalou. Ressaltou, ainda, que a submissão às regras de concurso públicos são obrigações assumidas espontaneamente pelo candidato. Nesse sentido, qualquer dificuldade em cumprir essas obrigações “decorre de uma proibição religiosa, e não estatal”.

O Ministro Gilmar Mendes defendeu que não é razoável, em respeito aos princípios da isonomia e da impessoalidade, a movimentação da máquina estatal para contemplar candidatos impossibilitados de realizar atividade em determinados horários da semana em razão de convicções pessoais. Ponderou que “A administração não deve ficar à mercê de particularidades de cada um dos candidatos”.

Salientou ainda que essa situação poderia conduzir à inviabilidade do concurso público e afetar o interesse da coletividade, pois os conflitos podem afetar a prestação de serviços públicos essenciais à sociedade. Destacou que “Reconhecer o direito subjetivo de guarda de dia da semana a um professor, em determinados municípios, pode significar óbice à educação da população local”.

O Ministro Marco Aurélio defendeu que no caso do candidato, não houve ofensa ao princípio da isonomia nem ônus à administração pública. O tratamento foi igualitário, uma vez que ele apenas realizou a prova de esforço com os candidatos de outro estado e não pretendeu uma segunda chamada. Já no caso da professora paulista, não há direito líquido e certo a ser reparado, porque ela não justificou à administração pública as 90 ausências nem tentou permuta com colega, causando encargos à administração.

O tema enseja conflitos entre os operadores do direito e o debate envolve a laicidade do estado, o princípio da isonomia e o direito à liberdade religiosa.

Diante da evolução da sociedade, que é plural, e do dinamismo social, é natural que haja conflitos de interesses entre os direitos mais caros dos indivíduos e, em razão disso, o operador do direito precisa ponderar tais interesses, o que deve ser feito à luz dos princípios da unidade da Constituição, da concordância prática, da razoabilidade e da isonomia.

Sempre que possível os direitos fundamentais devem ser exercidos, sem que haja supressão de um ou de outro, devendo ser realizadas ponderações para que se alcance o ponto de equilíbrio.

No caso dos adventistas do sétimo dia, que não podem realizar provas aos sábados, é possível ponderar o direito à isonomia e garantir o exercício da liberdade religiosa, assegurando que estes candidatos realizem a prova em outra data e/ou horário, desde que permaneçam em confinamento, portanto, incomunicáveis durante e após o término da prova no horário comum, o que é razoável.

Por fim, Dilson Cavalcanti Batista Neto e Igor Emanuel de Souza Marques, em artigo publicado no Conjur, denominado “A liberdade religiosa dos sabatistas e a Administração Pública”24 realizam excelentes ponderações, que merecem ser expostas.

Alterar dia de prova de concurso público em edital não seria, por definição, uma prestação alternativa, mas seria forçar que todos já inscritos (por exemplo: com passagens compradas, hotéis reservados) tenham de se adequar aos sabatistas. No caso julgado no RE 611874, não houve qualquer alteração de edital para todos, mas somente para o religioso. Houve, ao contrário, um exemplo claro de prestação alternativa. Já que existia outro local (previsto em edital) no qual a prova seria fora do horário sabático, por que não permitir a acomodação? No caso concreto, o candidato arcou com todos os custos para se deslocar a outro lugar para realizar o exame.

Outro possível exemplo de prestação alternativa, que se enquadra melhor em casos de provas objetivas ou discursivas aos sábados, é o do confinamento, como ocorria quando o Enem se dava aos sábados. O argumento de que tal confinamento geraria um custo para a Administração é imoral diante do custo pessoal do próprio religioso em ter que, para manter sua crença, ficar preso um turno inteiro numa sala incomunicáve[6]25.

Argumentos vagos e que tendem ao exagero (reductio ad absurdum), como “o que aconteceria caso surjam novas religiões guardando outros dias?”, ou mesmo “se todos os funcionários fossem sabatistas”, jamais podem ser utilizados para denegar a acomodação de um sabatista. Em primeiro lugar, o costume de guardar o sábado existe antes do Brasil ou mesmo do Ocidente; em segundo lugar, os sabatistas são, notadamete, uma minoria. Sendo assim, é altamente improvável que um número expressivo de funcionários públicos se torne sabatista. Como reforçou o ministro Alexandre de Moraes, “0,8% dos brasileiros, repito, 0,8% são adventistas do 7° dia que guardam o sábado ou judeus. 0,8% Dos 0,8%, 14%, no máximo, são servidores públicos. Ou seja, é o que dá 0,1%, e atuam pelo Brasil todo” [7]26. (destaque nosso)

4. A (im)possibilidade do policial ser escalado de serviço em determinados dias em razão da religião

Face o direito constitucional de liberdade religiosa que assegura que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa, como fica a situação do policial que invoca a escusa de consciência para não trabalhar no sábado?

Em algumas religiões os seguidores guardam um dia de descanso no qual não realizam atividades.

Como visto nos tópicos anteriores, os adventistas do sétimo dia, os judeus, os batistas do sétimo dia, dentre outros, não exercem suas atividades profissionais no sábado.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia possui o entendimento de que algumas atividades são essenciais, como a do profissional de saúde, e permite o trabalho no sábado por entender que o membro está cuidando da vida das pessoas, o que é admissível, haja vista que Jesus curava aos sábados.

Para os adventistas do sétimo dia, a função policial pode ser exercida pelo cristão até mesmo no sábado, desde que não seja algo comum, ou seja, o profissional não deve trabalhar todo sábado de modo a evitar que isso atrapalhe a sua comunhão com Deus, devendo encontrar um equilíbrio para fazê-lo em situações excepcionais e apenas para desenvolver o trabalho necessário a proteção da vida.

Advogam que o profissional deve envidar esforços no sentido de adorar a Deus no sábado mesmo exercendo a profissão. Fundamentam seu argumento no Livro de Neemias, capítulo 13, versículo 19, situação na qual o profeta Neemias designou guardas (policiais) para cumprirem a função de evitar o paganismo e a desobediência do povo da guarda do sábado.

O trabalho exercido por policiais é essencial e possuem a nobre função de proteger, dentre outros bens importantes, a vida, a liberdade e o patrimônio, razão pela qual deve se aplicar o mesmo raciocínio quanto ao trabalho exercido pelos profissionais da saúde, portanto, os policiais adventistas do sétimo dia podem trabalhar aos sábados. Destaco que este entendimento quanto aos policiais não é pacífico perante os adventistas de sétimo dia.

Os católicos embora guardem o domingo não há orientação no sentido de que seus membros devam se abster de atividades seculares e profissionais.

As testemunhas de Jeová entendem que os cristãos não são obrigados a guardar o sábado e que a Bíblia não contém nenhuma ordem para os cristãos usarem o domingo unicamente como dia de descanso.

Os espíritas, não observam um dia de guarda. Embora seu precursor Alan Kardec tenha adotado os dez mandamentos como Lei Divina, defendem que todos os dias são do Senhor, de modo que cada pessoa deve escolher o dia e horário adequado para adoração a Deus.27

No Islamismo, guarda-se a sexta-feira como dia de descanso, contudo, não há fechamento obrigatório dos negócios, exceto durante o horário da oração congregacional. Advogam que é importante que a oração da sexta-feira não seja negligenciada pelo trabalho, estudo ou outros assuntos.

Por fim, nas religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda, não possuem um dia específico de guarda.

Cristãos28Domingo é dia de guarda e descanso, porém admitem o trabalho no domingo.
Adventistas do Sétimo DiaO período entre o pôr do sol de sexta e o pôr do sol de sábado é o período de descanso e não se admite qualquer atividade secular (trabalho, farra e outras correlatas).
Testemunhas de JeováNão defendem a existência de um dia específico de guarda.
Espíritas29Não possuem dia de guarda.
Religiões de Matriz AfricanaNão possuem dia de guarda.
IslamismoA sexta-feira é o dia de descanso e não admitem o trabalho durante o horário da oração congregacional.
JudeusO período entre o pôr do sol de sexta e o pôr do sol de sábado é o período sagrado e não se admite qualquer atividade secular (trabalho, farra e outras correlatas).

Em qualquer caso deve haver uma ponderação de valores a ser feita pelo comando, entre o direito fundamental à liberdade religiosa e o direito fundamental à segurança pública. Sempre que possível e se for razoável, o comando deve atender aos pleitos dos policiais e militares que possuem um dia de guarda, desde que não se caracterize o desvirtuamento do exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, nos moldes dos parâmetros fixados pelo STF no Tema 386.

Nos termos do art. 5º, VIII, da Constituição Federal é possível à Administração Pública, inclusive durante o estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que invocam escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, não se caracterize o desvirtuamento do exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada. STF. Plenário. RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 19/11, 25/11 e 26/11/2020 (Repercussão Geral – Tema 386) (Info 1021). (destaque nosso)

Portanto, é possível traçar alguns parâmetros a serem considerados na avaliação de cada caso.

a) O policial trabalha em uma unidade que possui quantos policiais? Há número suficiente de policiais que possam trabalhar aos sábados e substituir o policial que alega escusa de consciência?

b) Quais serão os prejuízos para a segurança pública, que também é um direito fundamental?

c) O policial a ser substituído no sábado, durante o dia, aceita trabalhar no sábado durante a noite ou aos domingos como forma de reposição do turno não trabalhado?

d) O fato do policial folgar todos os sábados, durante o dia, acarretará em excesso de serviço para os demais policiais ou em ônus desproporcional à Administração Pública?

e) Há desvirtuamento do exercício da função policial pelo fato do policial não trabalhar sábado durante o dia? Isto é, a função policial é comprometida pelo fato do profissional não poder trabalhar aos sábados durante o dia?

Caso o policial trabalhe em uma unidade com muitos policiais será simples atender ao pedido do policial, mediante ajustes na escala, até porque, geralmente, estão dispostos a trabalharem no domingo ou em outro dia para conseguir a liberação no dia sagrado, o que, certamente, vai coadunar-se com o interesse de outros policiais que preferem trabalhar no sábado a trabalhar no domingo.

Por outro lado, se houver poucos policiais e não for possível substituir o policial que alega escusa de consciência para não trabalhar entre o pôr do sol da sexta-feira e o pôr do sol do sábado, não é razoável a autorização, pois gera ônus excessivo para a Administração Pública e prejudica o direito fundamental à segurança pública. O mesmo raciocínio se aplica se, na unidade, a maioria dos policiais forem adventistas do sétimo dia, pois neste caso haveria uma situação insuperável e não é possível deixar a segurança pública comprometida. Haveria excessivo ônus para a Administração Pública.

Dessa forma, não é possível dizer que o policial que alega escusa de consciência possui o direito incondicional de não trabalhar no dia sagrado, pois depende de uma série de avaliações por parte da Administração Pública que deverá decidir de forma fundamentada. Obviamente, o gestor público deve facilitar a liberação do religioso e somente quando, realmente, não for possível, deve indeferir o pedido com fundamentos concretos.

Em casos extremos, como assaltos a banco, homicídios, presença de traficantes e de organizações criminosos na cidade, o plano de chamada pode ser acionado pelo comando, devendo o religioso estar pronto para atender ao chamado e se deslocar para a atividade policial, em cumprimento ao mandamento constitucional da segurança pública, que, nestes casos, prepondera sobre a liberdade religiosa e escusa de consciência, face o interesse público em empregar o policial e a ausência de razoabilidade em deixar uma sociedade em perigo com risco a ter a vida de diversas pessoas violadas, que também é um direito fundamental.

5. A (im)possibilidade de exercer a profissão de policial ou militar em razão da religião

Outra crença defendida por algumas religiões diz respeito ao alistamento militar, no sentido de que o praticante da religião não deve alistar-se ao serviço militar obrigatório ou exercer a função de policial.

Os adventistas do sétimo dia30 defendem que a Bíblia não deixa dúvidas de que Deus aprova e precisa da profissão do policial no contexto de pecado no qual a sociedade vive, no sentido de que os policiais são usados para punir o crime e que a profissão é instituída por Deus (Rm 13:1-4). Ponderam que não há na Bíblia nenhuma proibição para que o cristão siga a carreira policial e militar. Defendem que Deus aprova a profissão desde que exerçam a profissão com honestidade e integridade: sem extorquir, sem dar falso testemunho e com contentamento do salário. (Lc 3:14). O contentamento do salário significa não praticar corrupção.

Por sua vez, os praticantes da religião Testemunha de Jeová defendem que não devem participar de guerras porque obedecem a Deus (Is 2:4) e a Jesus (Mt 26:52) e amam o próximo (Jo:17:16; 13:34, 35). Orientam seus membros também no sentido de não exercer atividade que exija o porte de arma de fogo, porém esclarecem que não é uma imposição, mas fruto da escolha pessoal. Quem porta arma corre o risco de se tornar um culpado de sangue e precisa refletir com oração “se está disposto a carregar o fardo de ter de decidir com rapidez o que fazer quando uma vida humana estiver em jogo”31.

No catolicismo não há orientação quanto a abstenção de prática da profissão.

De igual modo, no Candomblé e na Umbanda não há orientação no sentido de que não devem exercer a profissão.

Por sua vez, no espiritismo não há oposição ao exercício da atividade. Entendem que a função tem por objetivo empreender a ordem e o direito na sociedade, de modo que seu ofício é fundamental e indispensável.

CatólicosPode exercer a atividade policial/militar
Adventistas Do Sétimo DiaPode exercer a atividade policial/militar
Testemunhas De JeováRecomenda-se não exercer a atividade policial/militar
EspíritasPode exercer a atividade policial/militar
Religiões de Matriz AfricanaPode exercer a atividade policial/militar

6. O porte de arma pelo policial e a proibição pela religião

Quanto ao uso de arma de fogo, os adventistas do sétimo dia defendem que o policial cristão pode usar arma de fogo porque é autoridade, conforme escrito na Bíblia no Livro de Romanos, capítulo 13.

A religião Testemunha de Jeová preconiza que a opção pela atividade que exija o uso de arma é uma escolha pessoal do membro, contudo, ao fazer uso dela pode se tornar culpado de sangue. Caso continue a portar arma após ser aconselhado à base da Bíblia a pessoa não pode ser qualificada para nenhum privilégio especial de serviço na congregação.

Entendem, também, que o cristão não deve possuir arma de fogo ainda que seja para proteção pessoal, sob o fundamento de que os princípios da Bíblia mostram que não é correto usar armas de fogo para se proteger de outros humanos. Salientam que a vida humana é sagrada (Livro de Salmos, capítulo 36, versículo 9 e capítulo 51, versículo 14; Livro de Deuteronômio, capítulo 22, versículo 8) e que só quem confia em Deus e obedece aos princípios da Bíblia vai ter uma verdadeira segurança para sempre.

Nesse sentido, seguem ensinamentos extraídos do site oficial das Testemunhas de Jeová.32

Será que um cristão consegue ter uma boa consciência se aceitar um emprego que requeira o porte de armas?

Todas as Testemunhas de Jeová levam a sério a responsabilidade dada por Deus de sustentar suas famílias. (1 Timóteo 5:8) No entanto, alguns tipos de emprego violam claramente os princípios bíblicos e por isso devem ser evitados. Esses são os relacionados com a jogatina, o uso indevido do sangue e os que incentivam o uso de tabaco. (Isaías 65:11; Atos 15:29; 2 Coríntios 7:1; Colossenses 3:5) Outros tipos de trabalho, embora não sejam condenados diretamente pela Bíblia, podem violar a consciência do empregado ou a de outros.

Ter um emprego que requeira o porte de armas de fogo ou de qualquer outro tipo é uma questão pessoal. No entanto, alguém que precise portar uma arma no trabalho corre o risco de se tornar culpado de sangue, caso seja necessário utilizá-la. Portanto, o cristão precisa considerar com oração se está disposto a carregar o fardo de ter de decidir com rapidez o que fazer quando uma vida humana estiver em jogo. Portar uma arma também põe a pessoa em risco de ser ferida ou morta num ataque ou represália.

A decisão tomada pode afetar outros também. Por exemplo, a responsabilidade primária de um cristão é pregar as boas novas do Reino de Deus. (Mateus 24:14) Seria possível ensinar outros a ‘ser pacíficos para com todos os homens’ e ao mesmo tempo ganhar o sustento em um trabalho que exige o porte de arma? (Romanos 12:18) E os filhos e outros membros da família? Será que ter uma arma em casa poria em risco a vida deles? Além disso, poderia a decisão tomada fazer outros tropeçar? — Filipenses 1:10.

Nestes “últimos dias”, cada vez mais pessoas são “ferozes, sem amor à bondade”. (2 Timóteo 3:1, 3) Sabendo disso, será que a pessoa ficaria ‘livre de acusação’ se escolhesse um emprego em que portasse armas e que talvez o colocasse em confronto com esse tipo de pessoas? (1 Timóteo 3:10) É claro que não. Por esse motivo, a congregação não encararia essa pessoa como “irrepreensível” caso continuasse portando armas depois de ser bondosamente aconselhada à base da Bíblia. (1 Timóteo 3:2; Tito 1:5, 6) Assim, tal pessoa, quer homem quer mulher, não estaria qualificada para nenhum privilégio especial de serviço na congregação.

Jesus garantiu aos seus discípulos que, se colocassem os interesses do Reino em primeiro lugar na vida, eles não precisariam ficar excessivamente preocupados com as necessidades básicas. (Mateus 6:25, 33) De fato, se depositarmos total confiança em Jeová, “ele mesmo [nos] susterá. Nunca permitirá que o justo seja abalado”. — Salmo 55:22.

No catolicismo não há proibição ou orientação pelo não uso da arma de fogo pelo policial.

De igual modo, no Candomblé e na Umbanda não há orientação no sentido de que não devem fazer o uso da arma de fogo.

No espiritismo também não há orientação pelo não uso de arma ou proibição.

CatólicosPodem usar armas.
Adventistas do Sétimo DiaPodem usar armas.
Testemunhas de JeováRecomenda-se não usar armas.
EspíritasPodem usar armas.
Religiões de Matriz AfricanaPodem usar armas.
JudeusPodem usar armas.

As Testemunhas de Jeová que optarem por seguir rigorosamente os preceitos religiosos em relação a não portar arma, em razão dos riscos de se envolverem em uma troca de tiros e vir a tirar a vida de uma pessoa, sendo que somente o Dador da vida está autorizado a tirá-la, não está apto para exercer a atividade policial, já que o uso da arma é inerente à profissão, assim como o ato de julgar é inerente ao juiz.

As instituições policiais possuem como instrumento de trabalho indissociável o uso de arma de fogo e todos que ingressam na instituição passam por cursos de treinamento com arma de fogo e se tornam aptos a usá-la em serviço ou na vida pessoal.

Em serviço, o policial deve estar pronto e ter aptidão para usar arma de fogo, não sendo possível opor escusa de consciência para trabalhar desarmado, na medida em que é da natureza da profissão, na atividade-fim, haver riscos de vida e ter contato direto com criminosos, sendo necessário que o policial utilize da demonstração de força, ainda que potencial, para a proteção da sociedade. No Brasil é inimaginável pensar em policiais desarmados pelas ruas, o que somente geraria riscos para si e para a sociedade.

Não se desconsidera que o direito à liberdade religiosa é um direito fundamental. No entanto, a utilização de arma de fogo na segurança pública, que também é um direito fundamental, deve ser preponderante, face à ausência de razoabilidade em permitir que um policial não use armas na atividade-fim e os riscos decorrentes.

Além do mais, o fundamento constitucional de cunho religioso não pode alterar a essência e os alicerces da instituição, que no caso das instituições policiais, todas possuem previsão constitucional e cuidam da segurança pública (direito fundamental).

Mutatis mutandis, seria o mesmo que admitir que uma pessoa pertencente, hipoteticamente, a uma religião que não permite que homens julguem homens, pois o julgamento cabe a Deus, se torne juiz. Nota-se haver um ônus excessivo para a Administração Pública e a impossibilidade do exercício da função. Nestes casos, quando o fundamento religioso contraria o cerne, a essência da instituição, não é possível compatibilizar o trabalho para que atenda aos preceitos religiosos.

Pode-se cogitar que o policial que não pode pegar em armas trabalhe administrativamente, sem obrigatoriedade de ser escalado para a atividade operacional, que, obrigatoriamente, exige o porte de arma. Caso seja possível atender a esse pedido do policial, é uma forma de solucionar o problema, devendo a Administração Pública observar, em qualquer caso, a razoabilidade e a ausência de ônus excessivo para a administração.

Em alguns casos o policial é dispensado definitivamente da atividade operacional em razão de problemas de saúde, o que, igualmente, pode ser feito com as Testemunhas de Jeová, a critério da administração e observado o interesse público, conforme premissas fixadas pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 386.

6.1 A troca de tiro

A Testemunha de Jeová possui orientação no sentido de que a atividade policial não deve ser desenvolvida pelos seus membros em razão do uso da arma de fogo. Além disso, entendem que ao fazer uso da arma a pessoa será culpada pelo sangue, sendo que somente o Dador da vida está autorizado a tirá-la.

Caso um policial Testemunha de Jeová esteja armado e se depare com um agente armado que efetua disparos contra policiais e terceiros, deve ter disposição de efetuar disparos de arma de fogo contra o agente, não devendo alegar preceitos religiosos para o não uso da arma, já que está em conflito o direito à vida de outras pessoas com a liberdade religiosa, não sendo possível nem razoável que o policial disponha sobre a vida de terceiros, ao deixar de atirar contra um agente armado, por ser Testemunha de Jeová.

Dentro da concepção de que o policial é uma autoridade para Deus e pode fazer uso de arma de fogo, alguns teólogos adventistas defendem que não seria permitido matar, outros, contudo, entendem que não há relação com esse mandamento porque o termo em língua original não trata de homicídio de forma geral e sim de assassinato, de modo que se o policial mata uma pessoa no exercício de sua profissão, dentro dos parâmetros estabelecidos por lei e pelo estado, ele não está cometendo assassinato, desta forma, não se encaixaria no mandamento “não matarás”.

Não há objeções para que cristãos utilizem a arma de fogo em serviço e efetue disparos, quando necessário, de acordo com a lei.

6.2 Tributo de sangue

O tributo de sangue consiste no juramento feito pelos policiais e militares de se comprometerem a defender o próximo e a sociedade, mesmo com o sacrifício da própria vida.

A Lei Estadual de Goiás n. 8.033/76, dispõe sobre o Estatuto dos Policiais-Militares do Estado de Goiás e prescreve em seus artigos 26, I e 30, I, o exercício da função mesmo com o risco e sacrifício da própria vida.

Art. 26 – São manifestações essenciais do valor Policial-Militar:

I – o sentimento de servir à comunidade estadual, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever Policial-Militar e pelo integral devotamento à manutenção da ordem pública, mesmo com o risco da própria vida;

Art. 30 – Os deveres Policiais-Militares emanam de vínculos racionais e morais que ligam o Policial-Militar à comunidade estadual e à sua segurança, e compreendem, essencialmente:

I – a dedicação integral ao serviço Policial-Militar e a fidelidade à instituição a que pertence, mesmo com o sacrifício da própria vida;

O juramento consistente no tributo de sangue é comum nas formaturas dos cursos de formação de ingresso nas instituições policiais e militares.

As Testemunhas de Jeová recomendam seus membros a não exercerem a profissão policial ou militar, em razão da necessidade de utilizarem arma de fogo e poderem se tornar um culpado de sangue.

Na 2ª Guerra Mundial um número significativo de Testemunhas de Jeová foram presas ou executadas por terem se recusado a pegar em armas e participar da guerra.

Quando se faz o juramento de proteger a sociedade mesmo com o risco e sacrifício da própria vida entende-se que o policial ou militar desafiará o perigo inerente à própria profissão, ainda que lhe custe a vida.

Em razão da possibilidade de confronto e riscos da atividade, pode ser necessário que a Testemunha de Jeová se utilize da força, o que contraria seus preceitos religiosos. Ao seguir rigorosamente os ensinamentos de sua religião, a Testemunha de Jeová opta por não participar de atos que possam resultar na morte de terceiros, ainda que em legítima defesa.

A princípio o tributo de sangue demonstra não ser possível na vida das Testemunhas de Jeová, pois não estão disponíveis para o confronto, razão pela qual não há como jurar o sacrifício da própria vida, a não ser que cumpram este juramento em atividades que não envolvam confronto, como o salvamento de uma pessoa em uma casa em chamas ou opte por, em situação de risco decorrente do confronto, não enfrentá-lo e dar a própria vida.

Não foram encontradas informações sobre o assunto em relação às demais religiões estudadas e acredito não haver óbices para a realização do tributo de sangue, já que podem portar arma de fogo e serem policiais, sendo o juramento inerente à atividade policial.

7. Continência e sinais de respeito às autoridades, à Bandeira Nacional e ao Hino Nacional

A continência é uma das formas pelas quais os militares manifestam respeito e apreço aos seus superiores, pares e subordinados (art. 3º da Portaria Normativa n. 660-MD/09).

A continência é a saudação prestada pelo militar. É impessoal e visa à autoridade, não a pessoa (art. 14, § 1º).

A continência deve partir do militar de menor precedência hierárquica e o superior hierárquico deve retribuí-la. Caso o militar esteja em trajes civis, deve responder a continência com um movimento de cabeça, com um cumprimento verbal ou descobrindo-se, caso esteja de chapéu (art. 14, §§ 2º e 3º).

A Bandeira Nacional tem direito à continência: a) ao ser hasteada ou arriada diariamente, em cerimônia militar ou cívica; b) por ocasião da cerimônia de incorporação ou desincorporarão, nas formaturas; c) quando conduzida por tropa ou por contingente de Organização Militar; d) quando conduzida em marcha, desfile ou cortejo, acompanhada por guarda ou por organização civil, em cerimônia cívica; e) quando, no período compreendido entre oito horas e o pôr do sol, um militar entra a bordo de um navio de guerra ou dele sai, ou, quando na situação de “embarcado”, avista-a ao entrar a bordo pela primeira vez, ou ao sair pela última vez (art. 15, I).

O Hino Nacional tem direito à continência quando executado em solenidade militar ou cívica (art. 15, II).

Diante do dever dos militares em prestar continência para as autoridades, para a Bandeira Nacional e para o Hino Nacional, deve-se analisar se um militar pertencente a uma religião que veda este ato, poderá deixar de prestar continência em razão da liberdade religiosa.

Conforme ensinamentos extraídos do site oficial das Testemunhas de Jeová, as Testemunhas de Jeová.33

Saudação à bandeira. As Testemunhas de Jeová acreditam que saudar a bandeira ou curvar-se diante dela, geralmente quando se toca um hino nacional, seja um ato religioso que atribui salvação, não a Deus, mas ao Estado ou a seus líderes. (Isaías 43:11; 1 Coríntios 10:14; 1 João 5:21) Um desses líderes foi o Rei Nabucodonosor, da antiga Babilônia. Para impressionar as pessoas com sua majestade e fervor religioso, esse poderoso monarca construiu uma enorme imagem e obrigou seus súditos a se curvar diante dela enquanto se tocava uma música, similar a um hino nacional. No entanto, três hebreus — Sadraque, Mesaque e Abednego — se recusaram a se curvar diante da imagem, mesmo sabendo que poderiam morrer por causa disso. — Daniel, capítulo 3.

Na nossa época, o nacionalismo tem a bandeira como “principal símbolo de fé e objeto central de adoração”, escreveu o historiador Carlton Hayes. “Os homens tiram o chapéu quando a bandeira passa; e em louvor à bandeira os poetas escrevem poemas e as crianças entoam hinos.” O nacionalismo, acrescentou ele, também tem seus “dias santos”, como o Dia da Independência, bem como seus “santos e heróis” e seus “templos”, ou monumentos. Numa cerimônia pública no Brasil, um ministro general de exército reconheceu: “Cultua-se e venera-se a bandeira . . . como se cultua a Pátria.” E certa vez, The Encyclopedia Americana disse: “A bandeira, como a cruz, é sagrada.”

Essa enciclopédia disse mais recentemente que os hinos nacionais “são expressões de sentimentos patrióticos e muitas vezes incluem pedidos de orientação e proteção divinas para o povo ou seus governantes”. Portanto, os servos de Jeová não são desarrazoados ao considerar como religiosas as cerimônias patrióticas que incluem a saudação à bandeira e hinos nacionais. Tanto é assim que, ao comentar a recusa dos filhos das Testemunhas de Jeová de prestar homenagem à bandeira e de fazer o juramento de lealdade nas escolas dos Estados Unidos, o livro The American Character (O Caráter Americano) disse: “Numa série de casos, a Suprema Corte por fim confirmou que esses ritos diários são religiosos.”

Embora não participe de cerimônias que considera antibíblicas, o povo de Jeová com certeza respeita o direito dos outros de fazer isso. Também respeita as bandeiras nacionais como símbolos e reconhece que os governos devidamente constituídos são “autoridades superiores” que ‘estão a serviço de Deus’. (Romanos 13:1-4) Assim, as Testemunhas de Jeová acatam a exortação de orar “com respeito a reis e a todos os que estão em altos postos”. Mas fazemos isso “a fim de que continuemos a levar uma vida calma e sossegada, com plena devoção a Deus e seriedade”. — 1 Timóteo 2:2. (destaque nosso)

Nota-se que as Testemunhas de Jeová consideram que os atos de saudação e respeito (continência) às autoridades, ao Hino Nacional e à Bandeira Nacional são formas de adoração, em razão do contexto histórico envolvendo Rei Nabucodonosor.

De qualquer forma, as Testemunhas de Jeová respeitam “as bandeiras nacionais como símbolos e reconhece que os governos devidamente constituídos são ‘autoridades superiores’ que ‘estão a serviço de Deus’. (Romanos 13:1-4)”.

O ato de saudar a bandeira ou curvar-se diante dela é um ato religioso que atribui salvação ao Estado e aos seus líderes e não a Deus. Defendem que reconhecem que os governos são devidamente constituídos e são autoridades superiores que estão a serviço de Deus (Rm 13:1-4), porém interpretam que o ato configura uma adoração.

Entendem que Jeová deixou bem claro na bíblia a orientação de que não se admite qualquer tipo de adoração a imagem esculpida.

É importante distinguir adoração de sinal de respeito. Adoração significa venerar, ou seja, cultuar, reverenciar. Pode ser entendido também como forte admiração por uma pessoa ou alguma coisa. Sinal de respeito, no meio militar, consiste no ato de saudar, cumprimentar, considerar a autoridade e não venerar, cultuar, reverenciar. Tratam-se de conceitos distintos.

Dessa forma, o ato de prestar continência à Bandeira Nacional e ao Hino Nacional não constitui um ato de adoração, isso porque não é prestado culto à bandeira ou ao hino nem são reverenciados como seres divinos, mas consiste num sinal de respeito pelo país.

Em que pese haver essa distinção, é importante destacar que para as Testemunhas de Jeová, a continência, enquanto sinal de respeito, significa adoração, portanto, não devem ser prestadas, o que não impede de manterem posição de respeito.

Diante desse cenário, tem-se de um lado o exercício da liberdade religiosa e a impossibilidade, em razão da religião, de se prestar continência no meio militar, e de outro a obrigatoriedade de se prestar continência em razão das normas institucionais. Como solucionar essa questão? É possível antever duas correntes.

A primeira fundada na impossibilidade de se prestar continência, na medida em que a liberdade religiosa, enquanto direito fundamental, deve prevalecer em relação aos sinais de respeito impostos institucionalmente. Nessa ponderação de valores entre liberdade religiosa e escusa de consciência (art. 5º, VI e VIII, da CF) e continência, como ato decorrente de normas infraconstitucionais, prevalece o direito fundamental.

A segunda fundada na possibilidade e dever de se prestar continência, uma vez que as instituições militares possuem patamar constitucional e a hierarquia e disciplina, são previstas constitucionalmente (arts. 42 e 142), assim como a liberdade religiosa e a escusa de consciência (art. 5º, VI e VIII). A continência possui fundamento histórico, cultural e constitucional, pois é um ato decorrente da hierarquia e disciplina, sendo que as normas infraconstitucionais somente regulamentam a forma de se prestar continência que não passa de um ato de respeito, sem configurar qualquer tipo de adoração. Não é razoável e constitui grave ofensa às instituições permitir que um militar seja desobrigado de prestar continência às autoridades, Bandeira Nacional e Hino Nacional.

A situação é complexa! Os direitos fundamentais possuem uma maior carga e densidade valorativa quando correlacionados a outros direitos não fundamentais e devem prevalecer nessas hipóteses, como é o caso do direito à liberdade religiosa e escusa de consciência em detrimento da continência (hierarquia e disciplina), pois, diferentemente, da situação do uso de arma, a ausência de continência não altera a essência do trabalho militar e da instituição.

Em qualquer caso as Testemunhas de Jeová, caso não prestem continência, devem tomar posição de respeito.

Em trajes civis os militares cumprimentam autoridades com movimentos de cabeça e prestam sinal de respeito à bandeira ou hino nacional na posição de sentido, o que me parece ser razoável aplicar às Testemunhas de Jeová, para que estas, ainda que fardadas, possam prestar sinal de respeito com acenos de cabeça e posição de sentido. É o meio-termo. Não se deixa de prestar sinal de respeito, que é a finalidade da continência nem deixa de cumprir com os mandamentos religiosos.

Problemas pode haver em solenidades que o militar deva integrar a tropa e marchar, pois durante o desfile há sinais de respeito e continência à bandeira, o que não é admitido pelas Testemunhas de Jeová. Nestes casos, o militar deverá ser desobrigado de compor a tropa e de participar da solenidade, o que não impede que acompanhe a solenidade em posição de respeito.

O argumento de que entrou na instituição militar é por que quis e deve cumprir todas as regras militares não se sustenta, pois a Constituição Federal, ao tratar da liberdade religiosa e escusa de consciência não facultam o cumprimento por instituição ou na forma da lei. Simplesmente determina o respeito à liberdade religiosa e a escusa de consciência, ainda que decorra de um ato voluntário, tanto é que o Supremo Tribunal Federal permitiu a realização de provas de concursos (ato voluntário) em datas e horários distintos dos previstos em edital.

Nos termos do art. 5º, VIII, da Constituição Federal é possível a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital, por candidato que invoca escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada. STF. Plenário. RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 19/11, 25/11 e 26/11/2020 (Repercussão Geral – Tema 386) (Info 1000).

Por outro lado, os defensores da segunda corrente podem argumentar ainda que não é razoável desconfigurar toda uma história das instituições militares ao deixar de prestar continência, o que causa ônus desproporcional à imagem e valores (hierarquia e disciplina) da Administração Pública Militar, sendo que a razoabilidade e ônus desproporcional à Administração Pública, devem ser sopesados ao deixar de aplicar obrigações às Testemunhas de Jeová, conforme assentado pelo STF no Tema 386.

O catolicismo admite a adoração a imagem (quadro ou escultura), posto que as pessoas se curvam diante de imagens de Jesus, de Santos e de Maria. Entendem que tal ato não é contrário à Bíblia.

Os adventistas do sétimo dia não admitem a adoração a nenhum tipo de imagem, ainda que seja representativa de um ser divino. Sequer adoram a imagem (quadro ou escultura) de Jesus, por entender que os mandamentos divinos escritos em Êxodo 20: 3-5, são claros ao proibir a adoração de imagens de escultura.

De outro vértice, os adventistas do sétimo dia não interpretam a continência à bandeira como ato de adoração, mas de respeito à bandeira do País (Rm 13:1-6), razão pela qual não há vedações ou limitações religiosas para que os adventistas prestem continência.

8.O corte de cabelo e da barba

As religiões de matrizes africanas, como Candomblé e Umbanda, promovem o corte de cabelo de seu membro em um ritual de iniciação e durante um período de alguns meses não é permitido que o membro pratique determinadas condutas, dentre elas, cortar o cabelo.

Nas instituições militares é sabido que o corte de cabelo é obrigatório e deve ser feito de forma constante.

A Constituição Federal assegura o direito fundamental à liberdade religiosa e de crença, sendo possível alegar escusa de consciência para deixar de cumprir determinadas obrigações.

Feitas essas ponderações, como fica a situação do militar que se inicia em religiosidade africana, sendo que não poderá, por razões religiosas, cortar o cabelo por um prazo de tantos meses, mas para a instituição militar o cabelo deve ser cortando constantemente, em prazo bem inferior ao estipulado pela religião.

Nesses casos, o que prevalece? A liberdade religiosa e a escusa de consciência possuem proteção constitucional. Constituem um direito fundamental. A estética militar (corte de cabelo) é muito importante, por razões históricas e culturais, mas possui previsão regulamentar.

Nessa ponderação deve prevalecer o direito fundamental à liberdade religiosa, na medida em que possui proteção constitucional e a estética militar não possui igual proteção.

Dessa forma, é razoável que a administração militar autorize que o policial recém-ingressado na religião não corte o cabelo pelo período necessário, podendo, se for o caso, movimentar o militar para a administração durante o período em que o cabelo estiver maior e autorizar o uso de trajes civis ou deixá-lo no serviço da P/2 ou outro que use trajes civis.

Pode também, excepcionalmente, a critério do comando, autorizar que o militar trabalhe fardado com o cabelo maior exclusivamente pelo tempo necessário.

Não há fundamento constitucional, legal nem razoabilidade em obrigar o militar a cortar o cabelo durante os poucos meses que se fazem necessários para atender ao ritual religioso, pois essa proteção, como dito, é um direito fundamental, enquanto que cortar o cabelo é uma previsão regulamentar.

Deve-se perquirir ainda como fica a situação dos pertencentes à religião Sikh, cujos seus adeptos não podem cortar o cabelo de nenhuma parte do corpo. Nestes casos, os fundamentos são os mesmos do corte de cabelo dos membros das religiões de matrizes africanas, no entanto, por ser uma situação extrema, que pode acarretar em nunca cortarem cabelo e ficarem com a barba e cabelo da cabeça grandes, deve o membro da religião realizar coque, amarrar e tomar os cuidados necessários para que não haja prejuízos para o exercício da atividade policial.

É inviável que um policial com longo cabelo e barba trabalhe na rua, em razão do dinamismo da atividade policial, como correr, pular muros, entrar em contato corporal com terceiros, sendo que o cabelo poderá se tornar um empecilho ou dificultador para o exercício dessas atividades, além de ser um potencial alvo de ataque por parte de agentes infratores e gerador de riscos para a própria vida do Sikh que poderá se lesionar ao ter os cabelos presos durante a atividade policial, como ao correr, pular um muro etc. Dessa forma, caso não seja possível ajustar o cabelo para o trabalho na rua (coque, por exemplo), será lícito à Administração Pública Militar exigir que corte o cabelo, por uma questão de razoabilidade e do direito fundamental à segurança pública, caso não seja razoável colocá-lo no serviço administrativo, em razão da ausência de efetivo ou de habilidades para trabalhar na administração, a depender da realidade de cada unidade militar.

9. A exigência do uso de saia e de vestimentas próprias pela religião durante o exercício da atividade profissional

Algumas religiões exigem que a mulher use apenas saia, sem poder usar calça, ou então exigem que a mulher use uma vestimenta específica.

Para os judeus ortodoxos, por exemplo, as mulheres são obrigadas a usarem saias e não calças em razão da modéstia e da orientação bíblica de que a mulher não pode usar roupa de homem e o homem não pode usar roupa de mulher prescrita no livro de Deuteronômio 22:5. Ou seja, a mulher não pode fazer uso de calça em nenhuma hipótese.

Para os adventistas do sétimo dia34, a orientação de Deuteronômio 22:535 não é no sentido de que a mulher não pode usar calça, mas que não pode usar roupa de homens. Defendem que a bíblia se preocupa com os princípios de modéstia, decência e discrição cristã, de acordo com 1 Tm 2:9, 10. Não há proibição de uso de calças para o exercício de atividade profissional.

Por sua vez, as Testemunhas de Jeová36 defendem que na Lei que Jeová deu a Moisés havia regras que protegiam os israelitas do modo de vida imoral dos povos em volta deles. Uma das regras dizia que mulher não devia usar roupa de homem e que homem não devia usar roupa de mulher (Deuteronômio 22:5). Segundo eles, essa lei deixa claro que Jeová detesta estilos de roupa que fazem um homem parecer uma mulher, que fazem uma mulher parecer um homem ou que deixam dúvida se é um homem ou uma mulher. Não há objeção para o uso de calças pelas mulheres no âmbito da atividade profissional, em que pese haver orientação interna para que as mulheres usem apenas saias. Quando as mulheres realizam atividade de campo, como ir às ruas e bater de porta em porta com a finalidade de levar a palavra de Jeová, obrigatoriamente, devem ir de vestido ou saia.

No Islamismo, as mulheres devem se vestir com modéstia e não devem deixar à mostra partes do corpo para nenhum homem além de seu marido, pai ou familiar mais próximo e crianças pequenas. Embora o Alcorão não seja específico quanto ao estilo de roupas usados pelas mulheres, em alguns países o uso do hijab37 é obrigatório para as mulheres. As vestimentas mais comuns são o hijab e o nicabe (niqab)38.39

HijadNiqab

Diante deste cenário, como fica a situação da militar no exercício de suas atividades quando tiver que usar a farda?

Aplica-se aqui o mesmo raciocínio da estética militar feita quando foi abordado o corte de cabelo.

A liberdade religiosa e a escusa de consciência possuem proteção constitucional. Constituem um direito fundamental. A estética militar (farda) é muito importante, por razões históricas e culturais, mas possui previsão regulamentar.

Nessa ponderação deve prevalecer o direito fundamental à liberdade religiosa, na medida em que possui proteção constitucional e a estética militar não possui igual proteção.

Em relação ao uso de saia, deve-se levar em consideração que a instituição estuda e adota as melhores vestimentas para o policial em serviço, de forma que possua mobilidade e conforto para a atuação nas mais diversas situações. O uso de saia ou vestidos pode prejudicar a mobilidade e dificultar a atuação policial, pois durante a atividade-fim, ou seja, atividade operacional, na rua, a policial deve estar preparada e em condições de correr, pular muros, se necessário, entrar em contato corporal, e o uso de saia/vestido pode dificultar essas ações, além de poder expor a mulher. Não é razoável e pode causar prejuízos à segurança pública (direito fundamental) permitir o uso de saias e vestidos na atividade-fim, razão pela qual a Administração Militar pode vetar.

Diversa é a situação em que a mulher militar atua administrativamente. Neste caso, deve prevalecer o direito fundamental à liberdade religiosa e à escusa de consciência, sendo permitido o uso de saia, pois não há razoabilidade em obrigá-la a usar calça em uma situação que não haverá nenhum prejuízo para a sociedade e para a instituição. Inclusive, as instituições militares possuem saia como uma das vestimentas institucionais, sendo perfeitamente possível compatibilizar o trabalho com a religião da mulher.

Em relação ao uso de hijad e niqab deve ser feita uma distinção. Como se pode notar pelas imagens, o hijad permite a visualização de todo o resto, enquanto que o niqab permite ver os olhos. A atividade policial operacional (rua) exige que os policiais sejam prontamente identificados, razão pela qual, salvo situações específicas, utilizam tarjetas e o rosto fica visível, por uma questão de transparência e publicidade do trabalho policial, como decorrência dos atos da Administração Pública.

A publicidade encontra previsão constitucional (art. 37 da CF) e, nestas situações, não é razoável permitir que a mulher trabalhasse sem o rosto estar à vista de todos. A imagem do servidor público e a liberdade religiosa cede espaço para o direito de todos saberem quem está praticando atos administrativos, seja em razão da natureza dos atos administrativos que exigem pronta identificação, salvo situações específicas de determinadas operações, seja em razão do necessário controle social, interno e externo da atividade policial.

Dessa forma, o uso de hijad na atividade-fim (rua) em nada prejudica os trabalhos policiais e o direito fundamental à liberdade religiosa e escusa de consciência deve prevalecer sobre a estética militar. Já o uso de niqab não deve ser permitido na atividade operacional (rua), em razão dos nítidos prejuízos, conforme exposto, devendo prevalecer, neste caso, a transparência e publicidade dos atos da Administração Pública, pois um direito fundamental não pode ser utilizado para impedir o acompanhamento dos trabalhos na Administração Pública.

No tocante ao trabalho administrativo, deve prevalecer o direito fundamental à liberdade religiosa e à escusa de consciência, sendo permitido o uso de hijad e niqab, pois não há razoabilidade em obrigar a mulher a não usar essas vestimentas, pois não haverá nenhum prejuízo para a sociedade e para a instituição e em âmbito interno todos saberão quem usa essas vestimentas.

Destaca-se que em qualquer caso cabe à Administração Pública Militar decidir se a policial trabalhará no serviço operacional ou administrativo, em vista do interesse público, adequando, sempre que possível, o trabalho aos preceitos religiosos da mulher.

Deve-se observar, ainda, o uso de turbantes por parte dos membros da religião Sikh, que é uma vestimenta inserida na cabeça, conforme foto abaixo40.

Neste caso, seja na atividade operacional ou administrativa, não há nenhum prejuízo para a sociedade e para a instituição, devendo prevalecer o direito fundamental à liberdade religiosa sobre a estética militar, pelos fundamentos acima expostos.

Nos Estados Unidos, conforme notícia divulgada pela Folha de São Paulo, denominada “Exército dos EUA autoriza soldados a usar barba, turbante e véu em serviço”, foram adotadas medidas que facilitam a muçulmanos, sikhs e adeptos de outras religiões a manter suas tradições enquanto prestam serviço militar. A política de vestuário e aparência militar foi revisada para passar a permitir o “uso de turbantes, véus, barbas e outras vestimentas que cobrem a cabeça, desde que seu uso tenha motivos religiosos.”41

Conforme a reportagem da Folha, os Sikh surgiram na “região de Punjabe, entre a Índia e o Paquistão, que combina elementos hindus e islâmicos e determina que os homens tenham barba e usem turbante.”

10. Considerações finais

Os direitos fundamentais, como regra, não são absolutos. São relativos e, em uma ponderação, o caso concreto deve ser analisado e, sempre que possível, eventual conflito entre direitos fundamentais deve ser solucionada pela permanência de todos, ainda que sejam relativizados em maior ou menor grau.

Alguns direitos são tratados como absoluto, como o direito a não ser torturado nem escravizado, como defendido por Norberto Bobbio. O direito do brasileiro nato em não ser extraditado já foi considerado pelo Supremo Tribunal Federal como um direito absoluto.42

A liberdade de religião e a escusa de consciência não são direitos absolutos e podem ser relativizados, conforme os diversos exemplos.

Em caso de guerra a Constituição Federal autoriza a restrição a diversos direitos fundamentais, mediante a decretação do Estado de Sítio (art. 137, II, da CF), sendo possível, até mesmo, a pena de morte. Nesse caso o direito fundamental à liberdade religiosa cede espaço à obrigação de servir o país e as Forças Armadas, podendo ser imposta, inclusive, pena de prisão, como ocorreu, em vários países, na 2ª Guerra Mundial.

O policial ou militar que alegar escusa de consciência para se eximir de atividades funcionais ou obrigatórias ou então não se ajustar a determinado padrão institucional de vestimentas e condutas, deverá comprovar, se a administração assim exigir, a condição de pertencer a uma determinada religião, o que pode ocorrer, por exemplo, nos casos em que um policial/militar se converte após ingressar na instituição e ninguém tem conhecimento de que esta pessoa se tornou membro de uma religião específica.

O argumento de que entrou na instituição policial ou militar é por que quis e que por isso deve cumprir todas as regras não se sustenta, pois a Constituição Federal, ao tratar da liberdade religiosa e escusa de consciência não facultam o cumprimento por instituição ou na forma da lei. Simplesmente determina o respeito à liberdade religiosa e a escusa de consciência, ainda que decorra de um ato voluntário, tanto é que o Supremo Tribunal Federal permitiu a realização de provas de concursos (ato voluntário) em datas e horários distintos dos previstos em edital.

Os temas abordados neste texto são polêmicos e complexos. O respeito às religiões sempre deve ocorrer e por mais que se pense diferente e discorde de um pensamento religioso, isso não deve interferir nas decisões, sob a alegação de que não verifica prejuízo à liberdade religiosa ao determinar que pratique uma conduta ou deixe de praticá-la, pois o sentimento e a consciência de outras pessoas cabe exclusivamente a essas pessoas, o que é, em absoluto, impossível de ser mensurado por quem está do lado de fora. Logo, jamais um pensamento religioso, para alguns, deve ser visto como “bobagem” ou irrelevante. Há determinados religiosos que preferem a morte a executar determinadas condutas ou aceitar certos atos, como uma Testemunha de Jeová que se recusa a receber sangue, ciente de que poderá morrer, ou se recusa a participar de guerras, como ocorreu na 2ª Guerra Mundial, em vários países, cientes de que poderiam ser condenados à pena de morte ou presos. Como dizem, “a liberdade religiosa é a mãe das outras liberdades”.

O tema debatido neste texto permite várias abordagens e, oportunamente, acrescentaremos os seguintes tópicos: a) o uso de imagens e símbolos religiosos nas instituições policiais e militares; b) A (im)possibilidade de se obrigar policiais e militares a participarem de cultos religiosos; c) O ensino militar e escusa de consciência; d) A prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

NOTAS

1 Disponível em:<https://www.cpb.com.br/produto/detalhe/16006/soldado-desarmado>. Acesso em: 15/01/2021.

2 NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

3 ADI 2.076, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 15-8-2002, Plenário, DJ de 8-8-2003.

4 Fabretti, Humberto Barrionuevo. Segurança Pública. Fundamentos Jurídicos para uma Abordagem Constitucional. Atlas: São Paulo, 2014. p. 112.

5 Fabretti, Humberto Barrionuevo. Segurança Pública. Fundamentos Jurídicos para uma Abordagem Constitucional. Atlas: São Paulo, 2014. p. 113.

6 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 5a edição, Coimbra, Portugal, Livraria Almedina.

7 NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

8 Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2020/12/nocoes-gerais-sobre-escusa-de.html>. Acesso em: 27/01/2021.

9 Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml>. Acesso em: 26/01/2021.

10Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2018-06/anuario-pontificio-catolicos-mundo.html>. Acesso em: 20/01/2021.

11Informações extraídas do site: https://www.todamateria.com.br/igreja-ortodoxa/.

12 Disponível em: <https://documents.adventistarchives.org/Statistics/ASR/ASR2020.pdf>. Acesso em: 16/01/2021.

13 Disponível em: <https://documents.adventistarchives.org/Statistics/ASR/ASR2020.pdf.> Acesso em: 16/01/2021.

14 Livro Nisto Cremos: as 28 crenças fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia / Associação Ministerial da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, (organização); tradução Hélio L. Grellmann – 10ª ed. – Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018.

15 Disponível em: <https://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/worldwide/BR/>. Acesso em: 20/01/2021.

16 Disponível em:<https://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/perguntas-frequentes/crencas-testemunhas-de-jeova/>. Acesso em: 20/01/2021.

17Disponível em: <https://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2015/06/Conhe%c3%a7a-o-Espiritismo-folder-1.pdf>. Acesso em: 21/01/2021;

18 Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Umbanda>. Acesso em: 20/01/2021. As informações foram confirmadas Gleydosn Dantas e de Leonardo Mendes Alvares.

19 Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/religiao/islamismo.htm>. Acesso em: 20/01/2021.

20 Disponível em: <https://www.politize.com.br/islamismo-como-e-a-religiao-muculmana/>. Acesso em: 27/01/2021.

21 Disponível em:<http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=177596&ori=1>. Acesso em: 22/01/2021.

22 STF. Plenário. RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 19/11, 25/11 e 26/11/2020 (Repercussão Geral – Tema 386) (Info 1000).

23 STF. Plenário. RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 19/11, 25/11 e 26/11/2020 (Repercussão Geral – Tema 386) (Info 1021).

24Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-dez-01/opiniao-liberdade-religiosa-sabatistas-administracao#author>. Acesso em: 27/01/2021.

25[6] Para uma análise pormenorizada sobre o confinamento dos sabatistas no ENEM, cf. BATISTA NETO, Dilson Cavalcanti; MARQUES, Igor Emanuel de Souza. O confinamento dos sabatistas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): uma reflexão sobre liberdade, igualdade e economia. In GRIM, Brian J.; LAZARI, Rafael de; SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa e Desenvolvimento Econômico. Belo Horizonte: D´Plácido, 2018, p. 179-200.

26[7] Transcrição do vídeo do julgamento. BRASIL. STF. RE 611874 e ARE 1099099. min. rel. Dias Toffoli e Edson Fachin. Disponível em: https://bit.ly/2JiBies, acesso em 26 de novembro de 2020.

27 Disponível em:<https://jeflemos.wordpress.com/2014/09/20/a-guarda-do-sabado-no-espiritismo/>. Acesso em: 28/01/2021.

28 Com exceção dos Adventistas do Sétimo Dia.

29 Não se desconhece a afirmação de doutrina espírita de que são cristãos.

30 Disponível em: <https://leandroquadros.com.br/cristao-policial/>. Acesso em: 22/01/2021.

31 Disponível em: <https://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/2005808?q=crist%C3%A3o+arma+de+fogo&p=par>. Acesso em: 22/01/2021.

32 Disponível em: <https://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/2005808?q=crist%C3%A3o+arma+de+fogo&p=par>. Acesso em: 27/01/2021.

33 Disponível em: <https://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/1102008085#h=1:0>. Acesso em: 28/01/2021.

34  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=da-UQLH2wb4>. Acesso em: 29/01/2021.

35  Disponível em: <https://noticias.adventistas.org/pt/coluna/emanuele-salles/deus-proibiu-que-as-mulheres-vestissem-calca/>. Acesso em: 29/01/2021.

36 Disponível em: <https://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/2016684>. Acesso em: 29/01/2021.

37 É o conjunto de vestimentas da doutrina islâmica.

38=É um véu que cobre o rosto e só revela os olhos.

39As imagens foram extraídas do site: https://www.pexels.com/.

40 Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/01/1847894-exercito-dos-eua-autoriza-que-soldados-usem-barba-turbante-e-veu.shtml>. Acesso em: 29/01/2021.

41 Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/01/1847894-exercito-dos-eua-autoriza-que-soldados-usem-barba-turbante-e-veu.shtml>. Acesso em: 29/01/2021.

42O brasileiro nato, quaisquer que sejam as circunstâncias e a natureza do delito, não pode ser extraditado, pelo Brasil, a pedido de Governo estrangeiro, pois a Constituição da República, em cláusula que não comporta exceção, impede, em caráter absoluto, a efetivação da entrega extradicional daquele que é titular, seja pelo critério do jus soli, seja pelo critério do jus sanguinis, de nacionalidade brasileira primária ou originária. [HC 83.113 QO, rel. min. Celso de Mello, j. 26-6-2003, P, DJ de 29-8-2003.]

O uso de aplicativo pessoal de comunicação para tratar de questões de serviço na atividade policial

O tema é polêmico, não existe lei em sentido formal nem encontrei doutrina a respeito.

Fundamentos

• Art. 5º, I, da Constituição Federal
• Art. 37 da Constituição Federal
• Art. 6º da Lei n. 13.726/18
• Princípio da razoabilidade
• Direito à desconexão

Síntese:

a) A Administração Pública, os policiais e servidores podem comunicar entre si pelo Whatsapp do celular, seja pessoal ou funcional;
b) As comunicações devem ocorrer, como regra, durante o horário de expediente ou turno de serviço operacional;
c) A Administração Pública pode obrigar que os policiais e servidores ingressem e permaneçam em grupos de trabalho, por ato normativo do comando, desde que o grupo não seja movimentado, como regra, fora do horário de serviço e que seja, realmente, destinado a assuntos de serviço;
d) O policial não permanece, como regra, de sobreaviso ou de prontidão nos horários de descanso (folga e férias) e possui o direito à desconexão, o que não exclui a obrigatoriedade de atender ao comando quando for acionado e se tiver em condições físicas e psicológicas.

Aplicativos de comunicação, como Whatsapp e Telegram tornaram-se os instrumentos de comunicação entre as pessoas mais utilizados no mundo. E-mails e ligações telefônicas têm sido substituídos por mensagens enviadas por intermédio desses aplicativos.

Diante desse panorama deve-se analisar a possibilidade desses aplicativos pessoais serem utilizados para tratar de questões de serviço.

Não há lei no Brasil que trate do uso de celular pessoal no serviço, devendo-se aplicar princípios, sobretudo o da razoabilidade.

O art. 5º, II, da Constituição Federal diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e o art. 37, caput, diz que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”

Trata-se de aplicação do princípio da legalidade.

Para tanto, deve-se analisar o grau de abrangência do princípio da legalidade, se se trata somente de leis em sentido estrito, aprovadas pelo Poder Legislativo, ou normas jurídicas que podem ser editadas pelo Poder Executivo, como uma portaria, resolução, decreto.

Gilmar Mendes Ferreira e Paulo Gustavo Gonet Branco discorrem sobre o conceito de legalidade e ensinam que:1

O conceito de legalidade não faz referência a um tipo de norma específica, do ponto de vista estrutural, mas ao ordenamento jurídico em sentido material. É possível falar então em um bloco de legalidadeou de constitucionalidade que englobe tanto a lei como a Constituição.Lei, nessa conformação, significa norma jurídica, em sentido amplo, independente de sua forma.

Quando a Constituição, em seu art. 5º, II, prescreve que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, por “lei” pode-se entender o conjunto do ordenamento jurídico (em sentido material), cujo fundamento de validade formal e material encontra-se precisamente na própria Constituição. Traduzindo em outros termos, a Constituição diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não esteja previamente estabelecida na própria Constituição e nas normas jurídicas dela derivadas, cujo conteúdo seja inovador no ordenamento (Rechtsgesetze). O princípio da legalidade, dessa forma, converte-se em princípio da constitucionalidade (Canotilho), subordinando toda a atividade estatal e privada à força normativa da Constituição.

Flávio Martins Alves Nunes Júnior2 leciona que:

(…) como prevê a Constituição (art. 5º, II), “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Indaga-se: essa “lei” a que a Constituição se refere, é lei no sentido amplo ou lato (qualquer ato normativo do poder público, envolvendo decretos, portarias, resoluções, medidas provisórias etc.) ou lei no sentido estrito (um ato emanado do Poder Legislativo)? A expressão “lei” do artigo 5º, II, da Constituição Federal se refere à lei no sentido lato ou amplo. Assim, é possível que sejamos obrigados a fazer algo, por conta de uma Medida Provisória, por exemplo. (…) Da mesma forma, a Prefeitura de um Município poderá, por ato normativo (resolução, portaria etc.) da Secretaria de Transportes, reduzir a velocidade máxima permitida em algumas vias públicas. As pessoas serão obrigadas a dirigir seus veículos naquela velocidade, sob pena de multa.

Importante: não se pode confundir o princípio da legalidade com o princípio da reserva legal.

Enquanto o princípio da legalidade, base do Estado de Direito, é o parâmetro norteador de todos os atos do poder público e das pessoas, a reserva legal consiste numa determinação constitucional de elaboração de uma lei em sentido estrito para disciplinar determinadas relações. Nas palavras de Gilmar Mendes, “diante de normas densas de significado fundamental, o constituinte defere ao legislador atribuições de significado instrumental, procedimental ou conformador/criador do direito.

(…) há uma diferença substancial entre o princípio da legalidade e o princípio da reserva legal. Enquanto o primeiro se refere à lei no sentido amplo (qualquer ato normativo do poder público), o segundo se refere à lei no sentido estrito (ato emanado do Poder Legislativo).

Nota-se, portanto, que o princípio da legalidade não se restringe somente à lei em sentido formal, sendo possível que atos do Poder Executivo estejam abrangidos pelo conceito de legalidade.

A Administração Pública não pode inovar no direito ao editar atos normativos, sob pena de usurpar competência legislativa e ferir a separação de poderes, o que não a impede de editar normas que visem resguardar o interesse público, nos limites da lei.

Matheus Carvalho3 ensina que:

Neste diapasão, se faz necessário lembrar que a Legalidade não exclui a atuação discricionária do agente público, tendo essa que ser levada em consideração quando da análise, por esse gestor, da conveniência e da oportunidade em prol do interesse público. Como a Administração não pode prever todos os casos onde atuará, deverá valer-se da discricionariedade para atender a finalidade legal, devendo, todavia, a escolha se pautar em critérios que respeitem os princípios constitucionais como a proporcionalidade e razoabilidade de conduta, não se admitindo a interpretação de forma que o texto legal disponha um absurdo.

O poder normativo da Administração Pública possibilita a edição de atos normativos com o fim de complementar a lei, sem, no entanto, inovar no ordenamento jurídico, o que é admitido, para a doutrina majoritária, somente na hipótese de regulamento autônomo previsto no art. 84, VI, da Constituição Federal.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

VI – dispor, mediante decreto, sobre:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

A organização do funcionamento estrutural e hierárquico de uma instituição decorre do poder hierárquico, que permite que a administração pública estruture, organize e ordene as suas atividades administrativas e que os servidores públicos, em uma relação funcional e hierárquica, deem ordens, controlem, gerenciem, corrijam, coordenem as atividades administrativas e observem o cumprimento das regras impostas pelos superiores hierárquicos, em observância ao interesse público.

Demonstrado ser possível a edição de atos normativos pela Administração Pública, com o fim de dar fiel cumprimento à execução da lei e que o princípio da legalidade previsto no art. 5º, II e art. 37, ambos da Constituição Federal, não tratam, necessariamente, de lei em sentido formal, é perfeitamente possível que a instituição policial, mediante ato do Poder Executivo ou do Comando da Instituição edite norma que tratem dos meios e forma de comunicação entre os servidores públicos e policiais.

A comunicação por aplicativo de mensagens permite que o administrador público se comunique com várias pessoas ao mesmo tempo, além de tudo ficar registrado para futuros fins, o que serve de prova.

O art. 6º da Lei n. 13.726/18, que racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação, prevê que:

Art. 6º Ressalvados os casos que impliquem imposição de deveres, ônus, sanções ou restrições ao exercício de direitos e atividades, a comunicação entre o Poder Público e o cidadão poderá ser feita por qualquer meio, inclusive comunicação verbal, direta ou telefônica, e correio eletrônico, devendo a circunstância ser registrada quando necessário.

Nota-se ser possível, como regra, que a mera comunicação entre os órgãos públicos e os cidadãos ocorra por qualquer meio, inclusive por aplicativo de mensagens. Neste caso a administração deve fornecer um número funcional e não o pessoal do servidor, já que o número de telefone é um dado privado, restrito à administração e não deve ser tornado público.4

O usuário de serviço público possui o direito à facilitação do acesso ao servidor público (art. 5º, I, da Lei n. 13.460/17), o que não significa que número de telefone particular deva ser fornecido.

Em se tratando de números funcionais dos servidores públicos, que são aqueles fornecidos pela administração, podem ser de amplo acesso ou não. Será de amplo acesso se tiver como finalidade a comunicação com o público (Whatsapp de atendimento ao público) ou restrito se for para uso interno do servidor (comunicação com os servidores públicos) e, eventualmente, com o público externo (contato com particulares ou servidores públicos de outras instituições).

Questão relevante a ser tratada decorre da possibilidade ou não de superiores hierárquicos demandarem os policiais por aplicativos de conversas pessoais (Whatsapp e Telegram, por exemplo).

Não se aplica aos policiais as regras celetistas, na medida que constituem uma categoria especial de servidores, com deveres e direitos próprios, dada as peculiaridades das atribuições. São estatuários e não celetistas.

No âmbito celetista, a Justiça do Trabalho já decidiu que quando o uso do celular se limita a receber ordens de serviço não cabe indenização pelo uso do celular.

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. INDENIZAÇÃO PELO USO DO CELULAR EM SERVIÇO. O celular utilizado pelo reclamante se limitava a receber as ordens de serviço emanadas da reclamada, sendo que o contato do autor com a reclamada para informar os reparos e a realização dos serviços era feito pelo telefone do cliente e através do serviço gratuito “0800”. Recurso provido. (TRT-4 – RO: 00011753220105040005, Data de Julgamento: 24/11/2011, 5a. Turma)

Por outro lado, caso o celular seja utilizado preponderantemente no serviço, seja para o atendimento ao público ou constantes contatos com superiores e funcionários, os gastos do celular devem ser custeados pelo empregador.

INDENIZAÇÃO PELO USO DE CELULAR. Tratando-se de ferramenta necessária à execução das atividades laborais, não pode o empregador transferir o ônus do negócio ao obreiro. Indenização devida. (TRT-4 – RO: 00007629520105040303 RS 0000762-95.2010.5.04.0303, Relator: CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA, Data de Julgamento: 15/05/2013, 3ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo)

Não há nenhuma ilegalidade no fato de um superior hierárquico demandar um policial e repassar questões de serviço por intermédio de aplicativos de conversas pessoais. Trata-se de um meio idôneo, rápido, simples, eficiente e econômico.

Os gastos com o pacote de dados do policial ao receber mensagens no Whatsapp/Telegram são mínimos, se houver, na medida em que atualmente há vários planos de operadoras que permitem mensagens de Whatsapp ilimitadas, e foge da razoabilidade interpretar que mensagens de serviço não possam ser enviadas por aplicativos de mensagens pessoais. Algumas ponderações necessitam ser feitas.

1. Não é razoável, economicamente viável e não atende ao interesse público exigir que a Administração Pública forneça um celular funcional para todos os servidores, o que é comum para os cargos de direção, em razão das responsabilidades e por não ser incomum que o celular dos policiais que ocupem o Comando sejam fornecidos para diversas autoridades. Evita-se, portanto, a divulgação do celular pessoal e mantém o número ligado à função e não à pessoa, pois esta um dia sairá da função e quem assumi-la continuará com o mesmo número que já é de conhecimento de outras pessoas e autoridades. Em casos especiais, por estratégia, é possível que o número do celular da autoridade seja trocado de tempos em tempos.

2. O Whatsapp/Telegram e correlatos no celular pessoal do policial é uma ferramenta de comunicação particular, contudo isso não impede de receber qualquer ordem de serviço ou orientação, pois é um meio lícito e idôneo de comunicação (pode demonstrar se a pessoa está on-line, se recebeu a mensagem, dentre outros, obviamente, a depender da configuração). Para que a ordem do superior possua validade basta chegar ao conhecimento do destinatário, por qualquer meio, ainda que por intermédio de terceiros.

3. A Administração Pública deve manter todos os contatos dos servidores atualizados, com a finalidade de contatá-lo sempre que necessário, como o acionamento de um plano de chamada. O uso pessoal do Whatsapp acaba, muitas vezes, confundindo-se com o uso profissional. É a forma atual mais eficaz, rápida e comum de comunicação. Certo que a Administração Pública não pode obrigar qualquer servidor a ter celular, por ausência de previsão legal, mas caso tenha, não é possível impedir que o celular seja utilizado para receber ligações e mensagens para tratar de assuntos de serviço, pois seria criar uma dificuldade de comunicação da Administração com o servidor em tempos de mundo virtual, gerando um ônus excessivo para a Administração que teria que se deslocar até a casa do servidor com possibilidade de não encontrá-lo.

4. Diversos gastos em razão do trabalho devem ser suportados pelos policiais, como os gastos de gasolina para o deslocamento para o trabalho5 e os cortes de cabelo que devem ocorrer periodicamente e o recebimento de mensagens em aplicativos representa um gasto mínimo, se o policial estiver usando o pacote de dados, isso caso as mensagens pelo Whatsapp não sejam ilimitadas, o que retira qualquer possibilidade de aumento de gastos. O mesmo raciocínio aplica-se, no que couber, para todos os servidores públicos que devem comprar roupas adequadas para trabalharem, pagarem a gasolina do deslocamento, dentre outros.

5. Caso haja preocupação do policial com os gastos em razão do pacote de dados basta desativar a opção de baixar documentos e vídeos e selecionar o que pretende baixar utilizando o pacote de dados ou então deixar para baixar tudo quando tiver acesso ao wi-fi.

6. Deve-se levar em consideração que por diversas vezes os próprios policiais buscam a Administração Pública por intermédio do Whatsapp, mediante o envio de mensagens, para tirar dúvidas decorrentes do serviço, fazer pedidos ou por questões particulares, sendo estas recebidas e respondidas pelos celulares pessoais de superiores hierárquicos. Interpretar que o contrário não pode ocorrer seria o mesmo que dizer que os superiores não deveriam responder ou aceitar mensagens pelo Whatsapp, o que somente dificultaria o serviço e geraria mais gastos para o policial que teria que efetuar ligações ou comparecer à unidade. Por uma questão de razoabilidade e boa-fé, a via deve ser de mão dupla.

7. Em um ambiente de trabalho os servidores possuem dever de colaboração e facilitação do andamento dos trabalhos. Trata-se de envolvimento profissional e dedicação e receber mensagens de Whatsapp relacionadas ao trabalho não causa prejuízos para o servidor.

8. Entender que este meio de comunicação não possa ser utilizado aproxima-se de vedar que questões de serviço não podem ser tratadas mediante uma ligação para o celular do policial o que inviabilizaria os contatos entre a Administração Pública e os policiais.

No que tange à permanência de policiais – ou de servidores – em grupos de Whatsapp/Telegram, entendo que é possível obrigar a permanência, seja em celulares particulares ou funcionais, desde que o grupo não seja movimentado, como regra, fora do horário de serviço e que seja, realmente, destinado a assuntos de serviço, na medida em que não é incomum que ocorram postagens que não possuam nexo com a finalidade do grupo. O comando pode criar um grupo no qual somente os administradores podem postar e inserir informações, o que impede a inserção de conteúdos alheios e mantém o controle de mensagens de interesse profissional, sendo possível, por exemplo que o Comandante do turno de serviço seja o responsável por repassar no grupo as informações relevantes do turno de serviço.

Especialistas em direito do trabalho e em recursos humanos foram ouvidos pelo G16 e responderam à pergunta “O empregado é obrigado a entrar no grupo?” da seguinte forma:

Ruslan Stuchi: Ele deve ingressar no grupo de trabalho, pois é um canal de comunicação oficial, rápido e interativo. É uma ferramenta que facilita as ações entre a empresa e o empregado.

Lariane Pinto Del-Vecchio: Em algumas empresas, o Whatsapp é visto como ferramenta de trabalho. O empregado só é obrigado se for uma condição estabelecida pelas partes no contrato de trabalho.

Roberto Recinella: O colaborador não tem obrigação de entrar no grupo e, caso entre, pode optar por não responder às mensagens. Deve ficar claro que se trata de uma ferramenta de trabalho apenas para circular informações, não deve ser usada como ordem de serviço. Por isso, não existe a obrigatoriedade de resposta.

A obrigatoriedade de permanência em grupos decorre do fato de, atualmente, ter ocorrido um processo natural de oficialização do Whatsapp pelo Poder Público e empresas, de forma que se tornou uma ferramenta de trabalho. É comum que as informações decorrentes de trabalho sejam oficialmente comunicadas pelo Whatsapp e que as pessoas fiquem sabendo das ordens de serviço, primeiramente, por intermédio deste aplicativo de comunicação.

Nota-se que até mesmo em um contrato celetista há entendimento pela possibilidade do empregado permanecer em grupo de trabalho do Whatsapp, o que com maior razão aplica-se aos policiais que estão sujeitos a normas próprias de hierarquia e disciplina.

Em um cenário ideal, caso o aplicativo de mensagens permita, este deve ser configurado para o horário de funcionamento, de acordo com a escala de trabalho do policial, de forma que receba as mensagens do grupo somente durante o horário de seu serviço.

De qualquer forma, o policial possui o direito à desconexão,que consiste no direito do servidor – ou do trabalhador – em desconectar-se completamente do trabalho, sem receber mensagens ou informações relacionadas ao trabalho durante o seu horário de descanso, que é um momento de recomposição da fadiga mental e física causada pela atividade policial e que o policial pode se dedicar exclusivamente à sua família, ao seu lazer ou a outros interesses, sem maiores preocupações com o trabalho.

Nesse sentido, o artigo “Direito à desconexão e os limites da jornada de trabalho” publicado no ConJur, de autoria de Gabriela Maria Fernandes, assevera que:

Basicamente, o direito à desconexão consiste no direito de o empregado usar seu tempo fora do ambiente de trabalho para atividades pessoais, familiares ou outras de interesse e que não estejam relacionados ao trabalho, até como forma de privilegiar os direitos fundamentais. Em suma, é o direito de não trabalhar fora do seu horário de expediente, bem como de não ter interrompido os seus horários livres e de férias.


Não é incomum que leis estaduais e normas institucionais prevejam que o policial deverá estar em condições, a qualquer hora, independentemente, de estar em gozo de férias ou folga, de atender a convocações da Corporação em situações extremas, o que pode ocorrer em razão de um assalto a banco.

Um exemplo é o art. 15 do Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais – Lei n. 5.301/69.

Art. 15 – A qualquer hora do dia ou da noite, na sede da Unidade ou onde o serviço o exigir, o policial-militar deve estar pronto para cumprir a missão que lhe for confiada pelos seus superiores hierárquicos ou impostos pelas leis e regulamentos.

Isso não significa que o policial deva estar 24 horas por dia, todos os dias do ano, de sobreaviso ou em condições de atender aos chamados do comando quando estiver de folga ou de férias, pois nestas ocasiões pode levar uma vida normal, participar de festas, ingerir bebidas alcoólicas e viajar. Todavia, caso o policial seja acionado pelo comando e tenha condições de se deslocar, deverá entrar de serviço imediatamente. Obviamente, se tiver ingerido bebida alcoólica em seu momento de lazer e não tiver condições de trabalhar, não deverá se deslocar.

Em qualquer caso deve haver bom senso e razoabilidade, de forma que os policiais não sejam excessivamente demandados ou recebam mensagens com constância fora do horário de trabalho, sob pena de violar o direito à desconexão.

Nas palavras do ministro Cláudio Brandão, “o avanço tecnológico e o aprimoramento das ferramentas de comunicação devem servir para a melhoria das relações de trabalho e otimização das atividades, jamais para escravizar o trabalhador7.

Diante de todo o exposto é possível concluir que:

a) A Administração Pública, os policiais e servidores podem comunicar entre si pelo Whatsapp do celular, seja pessoal ou funcional;

b) As comunicações devem ocorrer, como regra, durante o horário de expediente administrativo ou turno de serviço operacional;

c) A Administração Pública pode obrigar que os policiais e servidores ingressem e permaneçam em grupos de trabalho, por ato normativo do comando, desde que o grupo não seja movimentado, como regra, fora do horário de serviço e que seja, realmente, destinado a assuntos de serviço;

d) O policial não permanece, como regra, de sobreaviso ou de prontidão nos horários de descanso (folga e férias) e possui o direito à desconexão, o que não exclui a obrigatoriedade de atender ao comando quando for acionado e se tiver em condições físicas e psicológicas.

NOTAS

1MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

2NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 839/840.

3CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4ª edição. Salvador: Juspodivm. 2017. p. 68.

4 Interpretação extraída do art. 31 da Lei n. 12.527/11 e do art. 2º, I da Lei n. 13.079/18.

5Exceto nos casos de deslocamento em razão de serviço que fuja da rotina, como uma viagem, e nos casos de autoridades que possuam o direito ao uso funcional de veículos oficiais.

6 Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2020/01/21/funcionario-tem-que-entrar-em-grupo-de-Whatsapp-da-firma-troca-de-mensagens-fora-do-expediente-gera-hora-extra-veja-tira-duvidas.ghtml>. Acesso em: 19/01/21.

7 TSE – AIRR nº 2058-43.2012.5.02.0464.

O aproveitamento do curso de formação e a consequente promoção do militar que ingressa no curso mediante tutela antecipada (liminar) e passa novamente no concurso

Em algumas situações, o candidato ingressa na justiça com mandado de segurança ou ação ordinária, com pedido de tutela antecipada (liminar), sob a alegação de ter ocorrido alguma ilegalidade no decorrer do concurso público.

Tome-se como exemplo a situação de um candidato ao Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar que seja reprovado no exame psicotécnico ou de saúde e obtenha liminar na justiça, faça o curso de formação e conclua com êxito.

Ocorre que antes do julgamento do processo, o militar passa novamente no concurso público e pleiteia o aproveitamento do curso já realizado, com os consectários decorrentes (promoção, por exemplo).

Nessa hipótese, estará a administração pública obrigada a reconhecer o curso de formação já realizado e, consequentemente, promover o militar?

No âmbito da Polícia Militar de Minas Gerais, a Resolução n. 4.739/2018, que trata das Diretrizes de Educação da Polícia Militar de Minas Gerais – DEPM, dispõe nos artigos 122 e 123 do aproveitamento de estudos.

Art. 122 – O aproveitamento de estudos é ato do comandante da APM que considera como equivalente um curso de formação ou habilitação, concluído na PMMG, no caso de aprovação em novo concurso para o mesmo curso já realizado.

Parágrafo único – Avaliadas a conveniência e a oportunidade, poderá ocorrer o aproveitamento de estudos das séries ou semestres de cursos.

Art. 123 – O aproveitamento de estudos deve atender à conveniência e ao interesse da Corporação, sendo indispensável o preenchimento dos seguintes requisitos:

I – tempo de afastamento da PMMG não superior a 5 (cinco) anos;

II – preenchimento, pelo candidato, dos pré-requisitos legais para a matrícula no curso;

III – correspondência ou semelhança de, no mínimo, de 60% (sessenta por cento) dos conteúdos previstos nos programas de disciplina e da carga horária curricular; e

IV – aprovação em prova de conhecimentos de nível compatível com o posto ou graduação do requerente, caso o afastamento seja superior a 1 (um) ano.

§1º – O procedimento de aproveitamento de estudos terá início com o requerimento do interessado, em até 02 (dois) dias úteis contados da data de sua matrícula.

§2º – A unidade de ensino responsável pela matrícula deverá instruir e encaminhar a documentação para a APM, em até 05 (cinco) dias úteis.

§3º – O curso será considerado concluído na data da assinatura do ato de aproveitamento de estudos.

Nota-se que o aproveitamento de estudos deve atender à conveniência e ao interesse da Corporação (mérito administrativo).

Para tanto, a DEPM elenca os requisitos mínimos necessários para o preenchimento da discricionariedade administrativa, previstos entre os incisos I e IV do art. 123.

A discricionariedade administrativa é relativa, devendo o administrador público decidir da forma que atenda melhor ao interesse público.

Preenchido os requisitos indispensáveis está a administração obrigada a reconhecer o aproveitamento de estudos?

As exigências contidas entre os incisos I e IV do art. 123 da DEPM são mínimas, pois o próprio art. 123 assevera a necessidade de se analisar a conveniência e o interesse da Corporação e ao mencionar os requisitos refere-se à indispensabilidade, no sentido de serem os requisitos mínimos.

Dessa forma, na hipótese de ser um militar que tenha causado diversos transtornos para a Administração Militar, em razão, por exemplo, de indisciplina, e possua punição por fato que viole a hierarquia e o rigor militar, é possível que, fundamentadamente, a administração não reconheça o aproveitamento de estudos e o militar tenha que realizar todo o curso novamente, para que possa se adaptar à vida da caserna, na medida em que a hierarquia e disciplina são valores constitucionais e representam os pilares das Instituições Militares.

No tocante à promoção do militar que tenha aproveitado os estudos, nos termos dos arts. 122 e 123 da DEPM, o item 1.5 do EDITAL DRH/CRS Nº 11/2019, DE 06 DE OUTUBRO DE 2019, preconiza que:

1.5 Concluído com aproveitamento o período acadêmico e satisfeitas às exigências legais referentes à promoção, previstas no Estatuto dos Militares, o Cadete será declarado Aspirante a Oficial, com a antiguidade definida segundo a ordem de classificação no CFO, podendo ser movimentado, de acordo com a necessidade e conveniência administrativa para qualquer unidade da PMMG, em todo o Estado de Minas Gerais, sujeitando-se às regras de movimentação previstas em legislação vigente na Corporação, atualmente, a Lei nº 5.301/1969 e a Resolução nº 4.123/2010 e suas alterações.

O Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais – Lei 5.301/69, especifica no art. 186 os requisitos para concorrer à promoção:

Art. 186. Constituem requisitos para concorrer à promoção:

I – idoneidade moral;

II – aptidão física;

III – interstício no posto;

IV – comportamento disciplinar satisfatório;

V – aprovação no exame de aptidão profissional;”

VI – resultado igual ou superior a 60% (sessenta por cento) na AADP”

II – possuir os seguintes cursos, realizados em instituição militar estadual ou em outra corporação militar, mediante convênio ou autorização:

a) Curso de Formação de Oficiais – CFO -, para promoção ao posto de 2º-Tenente do QO-PM/BM;

O Decreto n. 46.297, de 19 de agosto de 2013, regulamenta a promoção de oficiais no âmbito de Minas Gerais, e repete no art. 11, o contido no art. 186 da Lei 5.301/69.

Art. 11. Constituem requisitos para concorrer à promoção:

I – idoneidade moral;

II – aptidão física;

III – interstício no posto;

IV – comportamento disciplinar satisfatório;

V – aprovação no exame de aptidão profissional, para promoção ao posto de Capitão;

VI – resultado igual ou superior a 60% (sessenta por cento) na Avaliação Anual de Desempenho Profissional – AADP, no ano em que concorrer à promoção; e

VII – possuir os seguintes cursos, realizados na instituição militar ou em outra corporação militar, mediante convênio ou autorização:

a) Curso de Formação de Oficiais – CFO, para promoção ao posto de 2º-Tenente do Quadro de Oficiais da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militar – QO-PM/BM;

Verifica-se, portanto, que concluído o Curso de Formação de Oficiais com êxito e atendidas as exigências legais, deve o militar ser promovido a Aspirante-a-Oficial, conforme consta no Edital DRH/CRS Nº 11/2019, sendo indevida qualquer interpretação em sentido diverso, por não possuir amparo legal.

Portanto, no caso de aprovação em novo concurso público e reconhecimento, pela própria administração, do aproveitamento dos estudos, deve o militar ser promovido a aspirante.

Neste ponto, trata-se de ato vinculado, pois a própria lei define as consequências do reconhecimento de curso.

Assim, tem-se um ato discricionário quanto à análise de seus pressupostos e vinculado quanto aos seus efeitos.

Não há que se falar que o fato do militar realizar o curso em caráter precário, por decorrer de decisão judicial liminar, impossibilita a promoção, quando houver o reconhecimento de curso, pois a própria lei não faz essa distinção, não cabendo ao intérprete fazê-la.

Aplica-se a regra de hermenêutica de que “onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”.

De mais a mais, quando a administração reconhece o aproveitamento do curso, reconhece que o militar preencheu os requisitos legais para ser promovido, por este ser condição para a promoção.

Ademais, somente nas hipóteses previstas em lei é que o militar não pode ser promovido.

O art. 203 da Lei 5.301/69 trata das situações em que o militar não será promovido, a saber:

Art. 203. Não concorrerá à promoção nem será promovido, embora incluído no quadro de acesso, o Oficial que:

I – estiver cumprindo sentença penal;

II – estiver em deserção, extravio ou ausência;

III – for submetido a processo administrativo de caráter demissionário ou exoneratório;

IV – estiver em licença para tratar de interesse particular, sem vencimento;

V – estiver no exercício de cargo público civil temporário, salvo para promoção por antiguidade;

VI – for privado ou suspenso do exercício de cargo ou função, nos casos previstos em lei;

VII – estiver em caso de interdição judicial;

IX – estiver preso à disposição da justiça ou sendo processado por crime doloso previsto:

a) em lei que comine pena máxima de reclusão superior a dois anos, desconsideradas as situações de aumento ou diminuição de pena;

b) nos Títulos I e II, nos Capítulos II e III do Título III e nos Títulos IV, V, VII e VIII do Livro I da Parte Especial do Código Penal Militar;

c) no Livro II da Parte Especial do Código Penal Militar;

d) no Capítulo I do Título I e nos Títulos II, VI e XI da Parte Especial do Código Penal;

e) na Lei de Segurança Nacional.

§ 1º O Oficial incluído no quadro de acesso que for alcançado pelas restrições dos incisos III e IX e, posteriormente, for declarado sem culpa ou absolvido por sentença penal transitada em julgado será promovido, a seu requerimento, com direito a retroação.

§ 2º O Oficial enquadrado nas restrições previstas nos incisos III e IX concorrerá à promoção, podendo ser incluído no quadro de acesso, sendo promovido se for declarado sem culpa ou absolvido por sentença transitada em julgado, que produzirá efeitos retroativos.

§ 3º Não ocorrerá a retroação prevista no § 1º, salvo na promoção pelo critério de antiguidade, quando a declaração de ausência de culpa ou a absolvição ocorrer por inexistência de prova suficiente para a aplicação de sanção ou para condenação ou por prescrição.

§ 4º As restrições previstas no inciso IX não se aplicam a militar quando decorrentes de ação militar legítima, verificada em inquérito ou auto de prisão em flagrante.

Nota-se não haver previsão em lei para que deixe de se promover o militar que tenha reconhecida a conclusão do curso de formação de oficiais.

Trata-se de uma interpretação que contraria o texto de lei e cria a figura inexistente do militar concludente do curso de formação, mas que não pode ser promovido por conveniência administrativa.

Não há que se falar em violação ao princípio do concurso público, insculpido no art. 37, II, da Constituição Federal, na medida em que o militar foi aprovado em novo concurso público, sem necessidade de se recorrer à justiça.

O ingresso em cargo público mediante liminar judicial não constitui nenhuma ilegalidade, pois se houver a concessão de tutela antecipada, é porque houve aparente ilegalidade na eliminação do candidato do concurso, tendo essa possível ilegalidade sido corrigida pelo Judiciário até que advenha decisão definitiva.

Futura sentença desfavorável ao candidato produzirá efeitos dali em diante, sendo todos os atos já praticados considerados válidos, por questões de segurança jurídica, boa-fé e em observância ao princípio da confiança legítima, inclusive a remuneração recebida pelo militar é devida, pois trabalhou para recebê-la.

A questão deve ser analisada, sob o ângulo do interesse público e princípio da eficiência.

Para a Instituição e a sociedade, é nítido o interesse público para que haja mais um Aspirante-a-Oficial pronto para servir a sociedade.

Atende-se, ao mesmo tempo, ao interesse da Corporação em designar um Aspirante-a-Oficial para uma Unidade Militar e ao interesse da sociedade, que poderá contar com mais um militar no policiamento.

O princípio da eficiência consiste em obter resultados satisfatórios com menos gastos. Como haverá um aspirante a mais nos quadros da Corporação, já que se encontra pronto para servir a sociedade, não há fundamento para que aguarde o decurso de anos para ser declarado Aspirante-a-Oficial, gerando gastos para o estado, pois não estará sendo aproveitado em função para a qual está habilitado.

Portanto, a promoção do militar que concluiu o curso de formação com êxito, atende também ao princípio da eficiência.

Importante destacar que é possível que a Administração Pública module os efeitos dos atos administrativos.

Como regra, a invalidação do ato administrativo possui efeitos ex tunc. Ocorre que em situações, excepcionais, a administração poderá modular os efeitos do ato administrativo.

Rafael Carvalho Rezende Oliveira1 leciona que:

Em razão da ilegalidade originária, a extinção opera efeitos retroativos (ex tunc) com o intuito de evitar a produção de efeitos antijurídicos pelo ato em afronta ao princípio da legalidade.

A anulação do ato ilegal é um dever da Administração Pública decorrente do princípio da legalidade, mas, conforme mencionado anteriormente, em circunstâncias excepcionais, o ato ilegal poderá permanecer no mundo jurídico por decisão administrativa devidamente motivada e ponderada a partir de outros princípios igualmente constitucionais, naquilo que se convencionou denominar de convalidação ou sanatória.

No controle de legalidade do ato administrativo, a Administração Pública pode modular os efeitos da invalidação do ato ilegal, de forma análoga à modulação de feitos no controle de constitucionalidade (art. 27 da Lei 9.868/1999).

E ainda ensina que a sanatória ou convalidação:

Trata-se de hipótese de ponderação de interesses ou princípios no âmbito do Direito Administrativo que relativiza o dever de anulação de atos ilegais, pois a convalidação pressupõe a ponderação entre o princípio da legalidade e outros princípios igualmente constitucionais (segurança jurídica, boa-fé, confiança legítima etc.). A pluralidade de princípios constitucionais, que convivem ao lado do princípio da legalidade, demonstra que os vícios de legalidade podem ser relativizados ou superados a partir da invocação de outros princípios constitucionais que exigem a permanência do ato, mesmo viciado, no mundo jurídico. Vale dizer: a juridicidade do ato administrativo não pressupõe apenas o respeito à lei, mas ao ordenamento jurídico em sua integralidade. Em determinadas situações, a partir da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, a anulação do ato, por ilegalidade, pode ser mais prejudicial que a sua convalidação.2

Matheus de Carvalho3 ensina que:

Neste diapasão, a jurisprudência da Suprema Corte já admitia a teoria do funcionário de fato, considerando válidos os efeitos de atos administrativos praticados por agentes públicos irregularmente investidos, pelo fato de se revestirem de aparência de legalidade, o que enseja legítima expectativa aos particulares beneficiados por tais condutas. Nestes casos, não obstante a declaração de nulidade do ato de nomeação, o servidor não precisará devolver os valores percebidos pela prestação dos serviços e todos os seus atos direcionados à execução de suas atividades devem ter seus efeitos garantidos.

Da mesma forma, dispõe a lei 9.868/99, em seu art. 27, que “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. Trata-se do instituto da modulação dos efeitos no que tange à retirada deste ato, podendo, em determinadas situações, garantir-se a manutenção das regras impostas pelo ato nulo, enquanto não havia sido declarada a sua ilegalidade. Nesses casos, apesar dos vícios inerentes ao ato administrativo, em observância aos princípios da segurança e da proteção à confiança dos cidadãos, a nulidade deve produzir efeitos, somente ex nunc, não impedindo os efeitos já produzidos previamente.

Assim, é possível que a própria Administração Pública module os efeitos do ato administrativo quando o militar é aprovado em novo concurso público, de forma que considere todo o período que já está na Instituição como legítimo, para todos os efeitos legais, por razões de segurança jurídica e excepcional interesse social.

Deve-se destacar, ainda, que a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – Decreto-Lei n. 4.657/42, com a redação dada pela Lei n. 13.655, de 2018, prevê que “Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.” (art. 20)

O parágrafo único do art. 20 prevê que “A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”

O art. 21 prevê que “A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.”   

Assim, é possível afirmar que a Administração Pública, ao decidir, deve se atentar para as consequências jurídicas, administrativas e práticas da decisão.

Negar a promoção, mesmo reconhecendo o curso, consiste em negar ao militar um direito subjetivo, sem amparo legal, já que preenche os requisitos previstos em lei.

Além do mais, as consequências práticas e administrativas são danosas à administração, face ao interesse público que norteia a promoção de um militar que conclui o curso de formação, conforme exposto.

Frisa-se que todos os militares que estiverem em situação de igualdade, deverão ser promovidos, sob pena de ferir o princípio da isonomia.

Para que haja situação de igualdade é necessário que haja a presença dos mesmos pressupostos fáticos e jurídicos.

Assim, caso dois militares ingressem na Instituição mediante decisão judicial e no decorrer do curso de formação não sofra nenhuma sanção e tenha comportamento adequado, conforme avaliação do Comando e, posteriormente, ambos sejam aprovados novamente, sem necessidade de se recorrer à justiça, terão o direito de obter o reconhecimento de curso e, consequentemente, serem promovidos, sob pena de se ferir a isonomia.

Lado outro, caso um dos militares não possua comportamento adequado, o que deve ser comprovado documentalmente, seja em razão de avaliação do Comando ou por possuir sanções disciplinares, a Administração Militar poderá negar o reconhecimento de curso, conforme exposto, e submeter o militar a um novo curso de formação, em razão da conveniência administrativa.

Não haverá, neste último caso, violação à isonomia, pois somente deve ser aplicada a mesma decisão para casos que possuam os mesmos pressupostos de fato e de direito.

Por fim, o fato do militar realizar o curso de formação mediante decisão judicial liminar, não o impede de participar da solenidade de formatura e, consequentemente, ser promovido.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE TUTELA PROVISÓRIA – POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS – CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADOS – APROVAÇÃO EM TODAS AS DISCIPLINAS – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA -PARTICIPAÇÃO DA SOLENIDADE DE FORMATURA – PROMOÇÃO À GRADUAÇÃO – DEVIDAS – REQUISITOS PRESENTES – DECISÃO REFORMADA. – Nos termos do art. 300 do CPC/2015, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Ademais, é necessário que a medida seja reversível. – O candidato matriculado em Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, em virtude do deferimento de pedido antecipatório, tem direito de participar com os demais candidatos, caso aprovado, da solenidade de formatura. – Tendo o autor/Agravante concluído com êxito o Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, sem qualquer ressalva, deve lhe ser assegurado o direito à promoção à graduação de Soldado de 1ª Classe. (TJ-MG – AI: 10000170026975001 MG, Relator: Ana Paula Caixeta, Data de Julgamento: 30/03/2017, Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 30/03/2017)

NOTAS

1 Curso de Direito Administrativo, São Paulo. Editora Método. 2017. p. 444.

2 Curso de Direito Administrativo, São Paulo. Editora Método. 2017. p. 448.

3 Manual de Direito Administrativo, Salvador, Editora JusPodivm, 2017. p. 306.