Defender a criação de um partido nazista é crime?

por | 8 fev 2022 | Legislação Comentada, Opiniões

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Como amplamente divulgado, o então apresentador do Flow Podcast, Monark, disse em 07/02/2022, o seguinte:

“Eu acho que tinha de ter o partido nazista reconhecido pela lei.”

A fala dele está amparada pela liberdade de expressão?

Não. É bom ficar muito claro que a liberdade de expressão não é absoluta e no Brasil não há espaço para o discurso de ódio (hate speech), diversamente dos Estados Unidos que admite o discurso de ódio.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas(…)” (HC 82424).

O discurso antissemita é um discurso de ódio e no conhecido “caso Ellwanger”, em que Siegfried Ellwanger, um escritor gaúcho, editou e publicou livros em que veiculou ideias antissemitas, que buscavam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, foi decidido pelo STF (HC 82424), que equivale à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista.

Discurso antissemita é aquele pautado em preconceito, discriminação, hostilização, contra o povo semita, que inclui os judeus.  Na prática o discurso antissemita refere-se ao discurso de ódio contra os judeus.

Defender a criação de um partido nazista no Brasil viola frontalmente a Constituição Federal, pois além de ser objetivo do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, religião, nacionalidade e qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV), a criação de partido político deve observar os direitos fundamentais da pessoa humana e defendê-los (art. 17 da CF c/c art. 1º da Lei n. 9.096/95). Além do mais, um partido com ideias nazistas não seria um partido, mas sim uma organização criminosa.

A fala é criminosa?

Há duas correntes.

1ª corrente: Sim, artigo 20 da Lei 7.716/89, que consiste em “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” Qualquer fala, texto ou ideia nazista divulgada caracteriza o crime do art. 20 da Lei de Racismo.

Para se ter ideia, sequer é possível divulgar e difundir imagens nazistas, como a cruz suástica ou gamada, símbolo do regime nazista, o que também caracteriza crime (art. 20, § 1º, da Lei n. 7.716/89). Neste caso deve haver a finalidade específica de se divulgar o nazismo, sendo possível a exibição dessas imagens para fins históricos e didáticos ou por colecionadores em uma exposição.

Ao defender a criação de um partido nazista induziu (lançou uma ideia) a discriminação e o preconceito contra raça, cor, etnia, religião.

 Defender ideias nazistas, além de atacar profundamente os judeus, ataca toda a humanidade, fomenta a distinção entre seres humanos e o extermínio de grupos que são considerados “inferiores”, pelo critério de quem está no poder.

2ª corrente: Não houve crime, em que pese ser uma fala reprovável, pois se considerar crime não é mais possível debater condutas que são crimes e podem deixar de ser. Uma coisa é o debate contra a lei; outra é defender as condutas proibidas pela lei. O fato de defender a criação de um partido nazista não quer dizer que defendeu a prática de atrocidades ou que concorde com os ideais nazistas, somente defendeu a ampla liberdade de expressão, de reunião e de pensamentos.  

Para quem não considera crime, o caso julgado pelo STF em relação à Marcha da Maconha, é um exemplo (ADPF n. 187), pois o STF decidiu, conforme voto do Relator à época o Ministro Celso de Mello, que a mera proposta de descriminalização de determinado ilícito penal não se confunde com o ato de incitação à prática do delito nem com o de apologia de fato criminoso. O debate sobre abolição penal de determinadas condutas puníveis pode ser realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ainda que a ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada estranha, extravagante, inaceitável ou perigosa, ponderou.

Eu tenho dificuldades de concordar com a 2ª corrente, pois deve haver um mínimo de tolerância e não consigo desvincular a defesa da criação de um partido nazista das ideias defendidas pelo nazismo, por mais que se defenda a ampla liberdade de expressão. Para mim são duas faces de uma mesma moeda. Como dizia o filósofo Popper, “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância”. Esse é o Paradoxo da Tolerância, ou seja, as intolerâncias, como são as ideias nazistas, não devem ser toleradas; do contrário os tolerantes serão destruídos.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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