Militares podem protestar por reajuste salarial?

por | 19 fev 2022 | Opiniões

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A liberdade de expressão e de reunião constituem direito fundamental e os militares não são excluídos desses direitos, em que pese possuírem uma maior limitação.

A Constituição Federal, em diversas passagens, quando quis excluir os militares, o fez expressamente, como autorizar a prisão por transgressão disciplinar ou por crime propriamente militar, sem ordem judicial; ao vedar o habeas corpus para as punições disciplinares militares; ao proibir a sindicalização, a realização de greve e a filiação partidária.

A restrição aos direitos fundamentais deve ser interpretada restritivamente e o art. 5º, XVI, da Constituição Federal diz que todos – sem excluir os militares – podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização. Da mesma forma o art. 5º, IV, da CF assegura a liberdade de expressão sem excluir os militares.

Em se tratando de militares estaduais, especificamente, de Minas Gerais, o art. 14, XVI, do Código de Ética dos Militares do Estado de Minas Gerais considera transgressão disciplinar “comparecer fardado a manifestação ou reunião de caráter político-partidário, exceto a serviço”. Extrai-se, em uma leitura a contrario sensu que os militares estaduais podem participar, desde que não estejam fardados, o que combinado com a Constituição Federal, é possível extrair os pressupostos para o militar estadual participar.

A realização de passeatas, de manifestações e protestos em busca de reajuste salarial é legítima, desde que observadas algumas condições:

a) A reunião deve ser pacífica, logo não deve haver nenhum ato que perturbe a ordem pública, como invasão de qualquer local, interrupção do trânsito, queima de objetos e congêneres.

b) O militar não deve estar armado.

c) O militar não deve estar fardado.

d) O militar não deve estar em horário de serviço, salvo se for para trabalhar, ou seja, para participar enquanto protestante deve estar de folga, férias, licença.

e) Do protesto não pode ser deflagrada greve (art. 143, § 3º, IV c/c art. 42, § 1º, ambos da CF e STF – ARE 654.432).

f) Não deve haver por parte dos militares ofensas e insultos.

Destaco ainda que o militar da ativa deve evitar assumir a liderança do evento, pois possui sobre si o peso do Código Penal Militar e eventual fala pode vir a ser interpretada como crime militar de crítica indevida ou outro crime militar.

Há crime de motim? A simples participação no protesto por vários militares é um direito, se observadas as condições acima, e não há crime de motim. Haverá crime de motim caso um superior determine que militares cumpram a escala de serviço, mas decidem descumprir e compareçam ao protesto (art. 149, I, do CPM).

Há crime de reunião ilícita? Não, pois no crime de reunião ilícita a finalidade é, originariamente, discutir ato de superior ou assunto atinente à disciplina militar. No caso os militares reivindicam reajuste salarial.

Há o crime de crítica indevida? Para haver esse crime deve ocorrer crítica pública a ato de superior ou assunto atinente à disciplina militar ou a qualquer resolução do Governo. O superior indicado no tipo penal do art. 166 do CPM pode ser o Governador? O tema é divergente. Para parte da doutrina, somente os militares podem ser superiores (o que parece prevalecer). A outra corrente entende que como o Governador é a autoridade máxima, Chefe Supremo das Instituições Militares Estaduais, também pode ser superior. Diante desse cenário, no caso de protesto, o ideal é que parlamentares que sejam policiais e militares liderem o movimento e façam o uso da palavra, pois possuem imunidade parlamentar e a busca por reajuste salarial dos militares possui conexão com o mandato político, logo estará amparado pela imunidade material, isto é, o parlamentar é inviolável por suas palavras, opiniões e votos.

De toda forma, entendo que a crítica respeitosa, ainda que por militares, com fins construtivos, decorre da liberdade de expressão mitigada que os militares possuem e não deve sofrer repressão penal.

Por fim, é justo e merecido o reajuste para todos os policiais e militares!

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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