No dia 27/03/2022 o mundo presenciou, durante o Oscar 2022, o comediante Chris Rock fazer uma piada de mau gosto sobre a doença da atriz e esposa de Will Smith, Jada Smith, ocasião em que o celebrado autor se levantou, foi ao palco e desferiu um tapa no rosto de Chris Rock.
A atriz vítima da piada possui uma doença autoimune denominada alopecia que faz a pessoa ter queda no cabelo, o que levou a atriz a raspar a cabeça. Diante disso, o comediante Chris Rock disse que mal esperava pela participação de Jada no filme “Até o Limite da Honra 2”, que possui como atriz principal uma mulher com a cabeça raspada.
A seguir veja a foto comparativa (imagem e descrição extraída da Revista Monet).
Demi Moore em Até o Limite da Honra (1997) e Jada Pinkett Smith no red carpet do Oscar 2022 (Foto: Reprodução/Getty Images)
Exposto o que ocorreu, diante das leis brasileiras, houve crime por parte do comediante Chris Rock e do ator Will Smith?
A piada foi de mau gosto e, para mim, sem graça.
O bom ou mau gosto da piada, fato da maioria gostar ou não, estão amparados pela liberdade de expressão, que é um direito fundamental e cercear constitui censura, vedada pelo art. 5º, IX, da Constituição Federal.
Como o objetivo foi provocar risadas no público, em que pese a piada infeliz, não está presente, por parte do comediante, o dolo de injuriar, o dolo de praticar crime contra a honra, logo, não houve crime contra a honra por parte de Chris Rock.
Como a vítima da piada era mulher pode-se falar no crime de violência psicológica contra a mulher, pois não exige o dolo específico, somente o dolo de praticar as condutas elencadas no tipo penal, como constrangimento, humilhação, a saber:
Art. 147-B. Causar DANO EMOCIONAL À MULHER que a PREJUDIQUE e PERTURBE SEU PLENO DESENVOLVIMENTO ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, CONSTRANGIMENTO, HUMILHAÇÃO, manipulação, isolamento, chantagem, RIDICULARIZAÇÃO, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua SAÚDE PSICOLÓGICA E AUTODETERMINAÇÃO:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
Ainda, a piada tem como consequência jurídica, para o comediante, a indenização na esfera cível.
E em relação ao ganhador do Oscar na categoria “Melhor Ator” (Filme: King Richard: Criando Campeãs)? O tapa no rosto dado por Will Smith no comediante Chris Rock caracterizou crime?
Esse tema é polêmico e divergente. Vou expor as principais discussões.
A primeira corrente sustenta haver a possibilidade de legítima defesa da honra, que tem como requisitos:
agressão injusta, não necessariamente criminosa. É suficiente a injustiça da agressão. No caso a piada foi uma agressão ofensiva e, portanto, injusta.
agressão atual ou iminente: o tapa ocorreu logo após a piada.
para resguardar direito próprio ou de terceiro: o ator visou resguardar direito de terceiro, no caso, a esposa.
a reação deve ser com os meios necessários: meio necessário é aquele que o agredido possui no nome de reagir. No caso, as mãos podem configurar sim um meio necessário.
o uso dos meios necessários deve ser moderado: um tapão no rosto configura o uso de um meio moderado? Aqui reside o principal ponto de divergência. O que dói mais? Palavras que ofendem ou um tapa no rosto? Como mensurar isso? É muito pessoal, certo? Tem-se que analisar de forma ponderada, de acordo com as pessoas médias no dia a dia, que não sejam muito sensíveis e tenham o estopim curto e que não sejam tolerantes e permissivas demais (tudo pode). O meio-termo é o segredo. E aí? Nos casos de violência doméstica, por vezes, palavras profundas e ofensivas causam mais feridas que uma eventual agressão física. E no presente caso? O que você pensa? Caso você entenda que foi um meio moderado, há legítima defesa; do contrário, não.
conhecimento da situação justificante: o ator sabia da agressão injusta, tanto é que a presenciou enquanto assistia.
Quem defende essa corrente? O Professor Fernando Abreu, que assim se posicionou nas redes sociais:
“Particularmente, entendo ser possível a alegação (de legítima defesa), vez que a conduta, um único tapa, não teve o condão ou a conotação de lesionar, parecendo, para mim, a “forma física” de dizer: “pare, canalha”. Em reforço, Will reverberou, por duas vezes: “Deixe o nome da minha mulher longe de sua %$#%$#&$#&@ boca”. Registre-se que para a configuração da legítima defesa, não se exige crime anterior, mas tão somente a existência de agressão injusta, atual ou iminente. O conceito de injusto, portanto, não se vincula, necessariamente, ao Direito Penal.”
Registro ser inconcebível se falar em legítima defesa da honra para praticar o crime de homicídio, em razão da clara desproporcionalidade.
A segunda corrente sustenta a ocorrência do crime de injúria real majorada.
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
§ 2º – Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Art. 141 – As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.
Injuriar é ofender. Na injúria real a ofensa ocorre mediante a prática de violência (lesão corporal) ou vias de fato que sejam aviltantes (humilhantes). Se houver injúria mediante a prática de vias de fato, a contravenção penal é absorvida pela injúria real, pois o Código Penal, como se vê na pena do art. 140, § 2º, do CP, prevê a soma somente da pena correspondente à violência (não disse vias de fato, que não deixa de ser uma violência, mas o legislador foi expresso ao dizer no § 2º “violência ou vias de fato” e repetiu na pena somente “violência”.
Sem dúvidas, um tapa no rosto, ainda mais na frente do mundo, é desonroso, assim como a piada foi.
Teria então o ator praticado o crime de injúria real majorada (se o fato fosse no Brasil)? Para quem defende não haver legítima defesa, a resposta é sim.
Ora, mas não houve retorsão imediata? O art. 140, § 1º, II, do Código Penal, diz que o juiz pode deixar de aplicar a pena no caso de retorsão imediata de outra injúria. Como disse acima, não houve crime de injúria por parte do comediante, pois faltou o dolo de injuriar. Logo, não é possível se falar em retorsão imediata como perdão judicial.
O tapão no rosto, no caso narrado, caracteriza vias de fato ou lesão corporal?
Lei de Contravenções Penais
Código Penal
Art. 21. Praticar vias de fato contra alguem: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitue crime. Parágrafo único. Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano. § 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Vias de fato ocorre quando o agente emprega força física sobre o corpo de outrem sem a intenção de provocar dano, de provocar lesão à integridade física, como um empurrão, arremesso de líquido no rosto da vítima; um tapa.
Haverá lesão corporal quando o agente atuar com o fim de provocar dano, ofensa à integridade física da vítima, como dar soco no rosto, um tapa tão forte a ponto de causar inchaço, um chute, um empurrão forte a ponto de derrubar a pessoa e se machucar no chão.
No caso parece-me que houve vias de fato. Se houver lesão corporal será o caso de lesão corporal privilegiada (consumada ou tentada, a depender de uma análise mais profunda), em razão do domínio de violenta emoção logo em seguida à injusta (injusta e não necessariamente criminosa) provocação da vítima.
Portanto, trata-se de injúria real majorada (art. 140, § 2º e art. 141, III, ambos do Código Penal).
O art. 141 do Código Penal Militar prevê o crime de entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil, a saber:
Art. 141. Entrar em entendimento com país estrangeiro, ou organização nêle existente, para gerar conflito ou divergência de caráter internacional entre o Brasil e qualquer outro país, ou para lhes perturbar as relações diplomáticas:
Pena – reclusão, de quatro a oito anos.
Diante do cenário atual de guerra, o brasileiro que se alistar na Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia e for para a guerra na Ucrânia lutar contra a Rússia pratica o crime militar previsto no art. 141 do Código Penal Militar?
O que é a Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia?
Trata-se de uma organização de natureza militar com o fim de recrutar voluntários de todo o mundo para lutarem na guerra entre Ucrânia e Rússia no momento.
Segundo o site O Globo, “O interessado deve seguir sete passos para ingressar na Legião Internacional de Defesa da Ucrânia, iniciando por buscar a Embaixada da Ucrânia no país de origem, o que pode ser feito fisicamente, por telefone ou e-mail. É preciso apresentar passaporte válido para viagens ao exterior e documentos que comprovem o registro de serviço militar e participação em combate. O consulado pode solicitar outro tipo de documentação.”[1]“
O militar brasileiro pode se alistar e participar da guerra na Ucrânia?
Sim, desde que preencha os requisitos, como ter passaporte, falar inglês, realizar entrevista, dentre outros. Quem não é militar, mas possui treino militar também poderá se alistar e participar da guerra, desde que comprove já ter prestado serviço militar.
No site da CNN informa que “As embaixadas ucranianas têm ajudado a recrutar combatentes estrangeiros, alguns sem qualquer treinamento militar.”[2], contudo a Embaixada Ucraniana no Brasil emitiu nota em que afirma que “Para evitar mal-entendidos, consideramos importante informar ao público brasileiro que a Embaixada da Ucrânia no Brasil não está fazendo alistamento para a Legião Estrangeira Ucraniana, e não está fazendo campanha para adesão a esta formação militar”.
Feitas essas considerações analisamos agora se o militar brasileiro que for para a Ucrânia lutar contra a Rússia pratica o crime do art. 141 do Código Penal Militar.
O Código Penal Militar pode ser aplicado em qualquer lugar do mundo (extraterritorialidade incondicionada) e o crime de “entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil” tutela a segurança externa e a soberania do país. O sujeito ativo pode ser civil ou militar
“Entrar em entendimento” é o mesmo que conversar, negociar ou ajustar, com país estrangeiro ou organização (pública ou privada que exista no país estrangeiro). Enio Luiz Rossetto[3] esclarece que a organização “deve ser relevante politicamente e militarmente idônea o suficiente para gerar um dos resultados descritos no tipo”.
O tipo penal apresenta três condutas:
(1) “entrar” em entendimento com país estrangeiro ou organização nele existente PARA GERAR conflito entre o Brasil e qualquer outro país: é divergente na doutrina se essa conduta foi revogada tacitamente pelo art. 8º da Lei de Segurança Nacional, que previa ser crime “Entrar em entendimento ou negociação com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, para provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil.”
(2) “entrar” em entendimento com país estrangeiro ou organização nele existente PARA GERARdivergência entre o Brasil e qualquer outro país.
(3) “entrar” em entendimento com país estrangeiro ou organização nele existente PARA perturbar as relações diplomáticas entre o Brasil e qualquer outro país.
Perceba que em todas as hipóteses o sujeito autor do crime deve agir PARA gerar conflito entre o Brasil e o país estrangeiro ou PARA perturbar as relações diplomáticas entre o Brasil e qualquer outro país. No caso, a participação do militar na guerra deve ter a finalidade de provocar conflito, guerra, divergência ou perturbar as relações diplomáticas entre o Brasil e a Rússia.
Nota-se ser necessária a presença do especial fim de agir (elemento subjetivo do tipo, que tradicionalmente é chamado de dolo específico). O militar que se inscreve vai participar da guerra não querendo envolver o Brasil em um conflito, guerra ou com o fim de comprometer as relações diplomáticas. O militar vai para defender a Ucrânia, seja por qual for o motivo.
O militar não deve ser liberado pelo Comando com o fim de participar da guerra, pois, a partir do momento em que o militar é liberado oficialmente para ir à guerra, pode ser interpretado como uma participação do Brasil na guerra contra a Rússia e, consequentemente, pode-se entender pela prática do crime previsto no art. 141 do CPM. Portanto, o militar que participar deve estar de licença por motivos de interesse particular. Quem não for militar, mas possuir experiência militar, fica mais fácil a participação, pois não dependerá de licença da instituição militar.
O brasileiro que participa da guerra deve ir por interesse particular, sem envolver o Brasil. Somente o Presidente da República pode envolver o Brasil no conflito entre Ucrânia e a Rússia.
Caso o brasileiro vá para a guerra na Ucrânia, com a falsa premissa de compor a Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia, e tenha por fim causar um conflito ou guerra entre o Brasil e a Rússia ou arrefecer as relações diplomáticas, haverá o crime militar do art. 141 do Código Penal Militar (para gerar conflito, quem entende que não foi revogado, mas ainda que se entenda que houve revogação dessa conduta enquadra-se na conduta “para gerar divergência” e “para perturbar as relações diplomáticas”. Na prática o especial fim de agir será de difícil comprovação. O crime é formal, pois permite a produção do resultado (conflito, divergência ou perturbação das relações diplomáticas), porém não exige que o resultado ocorra. Portanto, basta o brasileiro entrar em entendimento para uma das finalidades descritas. Na prática o especial fim de agir pode vir a ser comprovado após a ocorrência do resultado. Tome como exemplo um grupo de brasileiros na guerra que agem em desconformidade com as regras da guerra, se vestem com a bandeira do Brasil, querendo transparecer ser uma ação do Brasil, e se valem de uma situação em que os militares russos estão rendidos para explodir uma bomba e matar todos os militares russos.
O Governador do Estado de Minas Gerais enviou projeto de lei para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais que concede o reajuste de 10,06% para os militares e servidores públicos civis.
Houve intensa mobilização dos militares e dos policiais em Minas Gerais para que houvesse o reajuste em percentual maior, mas após intensos debates ficou decidido pelo Governo que o reajuste seria de 10,06%.
Diante desse panorama parlamentares articulam inserir no projeto de lei enviado pelo Governador um percentual maior de reajuste ou outras gratificações.
O Governador disse em entrevista que proposta diversa da que foi por ele enviada será vetada, contudo a Assembleia Legislativa pode “derrubar” o veto e a parte vetada vir a ser promulgada.
Algumas análises:
1. Caso os parlamentares mineiros aprovem um reajuste superior é de suma importância que não alterem o artigo do projeto de lei que prevê o reajuste de 10,06%. Imagine, a título de exemplo, que alterem o reajuste de 10,06% para 20%. O Governador não terá a opção de conceder somente o reajuste de 10,06% e para vetar o que excedeu o que prometeu conceder terá que vetar todo o artigo, logo, não será concedido nenhum reajuste, caso isso ocorra. Isso porque o Chefe do Poder Executivo somente pode vetar texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea (art. 66, § 2º, da CF). Não é possível vetar somente palavras, muito menos alterar o conteúdo do texto aprovado no Legislativo.
2. Qual é a saída? Existe solução política, mas não jurídica. Politicamente, qualquer reajuste que vá além do que o Governador enviou para a Assembleia ou a criação de qualquer bônus ou gratificação para os servidores do Executivo, deve ser inserido em artigo diverso do que foi enviado pelo Governador ou em parágrafos no artigo que concede o reajuste, como a inserção de parágrafos que concedam reajustes parcelados. Isso possibilitará que o Governador vete os reajustes e bônus/gratificações inseridos sem prejudicar o que foi inicialmente enviado pelo Governador. Logo, o reajuste de 10,06% permanece garantido e a Assembleia Legislativa poderá derrubar os vetos e enviar para a promulgação.
3. Por que eu disse “politicamente” no item anterior? Juridicamente, não é possível que o Legislativo, por iniciativa, conceda reajustes, bônus ou gratificações para os servidores do Executivo. Há vício de iniciativa (inconstitucionalidade por vício formal subjetivo). Portanto, qualquer inserção, por parlamentares, de reajuste, bônus, auxílio ou gratificação para os militares e servidores do Executivo no projeto de lei enviado pelo Governador é inconstitucional. Onde está previsto isso? Art. 61, § 1º, II, “a”, da Constituição Federal e art. 66, III, “b”, da Constituição do Estado de Minas Gerais.
Vejam:
Constituição Federal
Constituição do Estado de MG
Art. 66 (…) § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: II – disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
Art. 66 – São matérias de iniciativa privativa, além de outras previstas nesta Constituição: III – do Governador do Estado: b) a criação de cargo e função públicos da administração direta, autárquica e fundacional e a fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros da Lei de Diretrizes Orçamentárias;
Imagine que a Assembleia Legislativa insira um reajuste superior ou acrescente alguma gratificação ou qualquer valor que os servidores do Executivo deverão receber, o Governador vete e a ALMG derrube o veto. O que poderá ocorrer?
O Governador possui legitimidade para ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (art. 103, V, da CF), que é o que deverá ocorrer. Nesse caso caberá ao Supremo Tribunal Federal julgar e poderá suspender liminarmente a validade dos trechos da lei que for inconstitucional, sobretudo quando houver grave risco de prejuízo ao erário. O Supremo Tribunal Federal tem antigo entendimento consolidado pela impossibilidade do Legislativo, de iniciativa, conceder reajuste, bônus, auxílio para servidores do Executivo (ADI 1809).
Portanto, diante de todo esse cenário, atrelado ao fato de que a criação de novos encargos financeiros deve ter comprovação de receita, sob pena de ser inconstitucional, acredito que o reajuste que será concedido será somente o de 10,06%, por mais que haja todo esforço da Assembleia Legislativa em tentar conceder um reajuste superior ou criar qualquer tipo de compensação financeira para os policiais e militares.
Em se tratando de instituições militares não há dúvidas acerca da constitucionalidade e legalidade de se possuir um padrão de estética militar. Os militares usam fardas e a padronização e uniformidade, que envolve, inclusive, a aparência do rosto, é um valor militar.
As instituições militares são as únicas que possuem a hierarquia e disciplina como valores constitucionais. A apresentação pessoal, a identidade institucional e, consequentemente, a imagem e conceito constitucional perante a opinião pública, são valores tutelados e de suma importância para as instituições militares, sendo a padronização das vestimentas (farda), corte de cabelo e barba, fatores que buscam tutelar esses valores e a disciplina militar.
O Poder Judiciário não deve interferir na estética militar, inclusive, sobre o uso de barba, salvo uma situação excepcional, como o militar que não pode fazer barba por questões médicas ou por motivos religiosos. Nesses casos a instituição pode dispensar o militar do uso da farda ou autorizar o uso específico de uniformes que possam comportar o uso de barba.
Curiosamente, no Exército havia uma família que possuía autorização para usar barba, sendo o último membro da família a utilizar barba o General Manoel Theophilo Gaspar de Oliveira (foto a seguir), o que foi autorizado em razão da tradição familiar de cerca de 150 anos que é de uma linhagem imperial.
No contexto histórico, o Marechal Deodoro da Fonseca, que liderou a Proclamação da República e se tornou Presidente do Brasil, usava barba.
A seguir vale a pena citar a matéria denominada “O último barbudo“, publicada pelo Jornal da Globo em 25/08/06.
O general Manoel Theophilo é o personagem principal do capítulo final de uma história que dificilmente irá se repetir. O último general e único oficial de barba do Exército brasileiro vai se aposentar na semana que vem, levando com ele uma autorização especial que perpetuou uma tradição de família de quase 150 anos.
Para deixar a barba crescer, o general Manoel Theophilo Gaspar de Oliveira, chefe do Estado Maior do comando militar do Nordeste, teve que conseguir uma autorização do ministério do Exército, em 1981. Tenente, usava bigode, mas insistiu pra manter uma tradição de família.
Ele representa a quinta geração batizada de Manoel, e que deve usar a barba, como os antepassados. “Só consegui por causa da tradição de família. Foi mantida a barba porque passa de Manoel Theophilo para Manoel Theophilo”, admite.
Tal pai, tal filho. A barba é uma herança que o general da reserva Manoel Theophilo, de 82 anos, passou para o filho. Ele também teve uma trajetória solitária de oficial com o rosto barbado. “Eu conheci um ou dois, quando saí aspirante, em 1946. Mas depois, só eu mesmo”, lembra o Manoel Theophilo pai.
Nem sempre a barba foi combatida pelas Forças Armadas. É só lembrar do Duque de Caxias, patrono do Exército brasileiro. E a barba de Deodoro da Fonseca, que foi presidente do Brasil.
Estudioso do assunto, o general lembra que não há nenhuma proibição por escrito extinguindo a barba dos quartéis, mas que ela entrou em desuso com a Guerra Fria. Era de bom tom em nada lembrar o guerrilheiro Che Guevara ou ditador Fidel Castro. “Os militares comunistas, ou os guerrilheiros comunistas, quase todos usavam barba, até por dificuldade, porque sempre passavam por uma guerrilha difícil”, conta Manoel Theophilo. “Mas o uso da barba, em si, não modifica a capacidade do militar em bem-exercer a sua profissão”.
Nas instituições policiais de natureza civil (Polícia Civil, Polícia Penal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal) e na Guarda Municipal prevalece que não pode haver a proibição do uso de barba, o que não impede, contudo, que normas institucionais prevejam o uso da barba aparada, bem feita.
Em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça decidiu que os agentes penitenciários – hoje, policiais penais – podem usar barba. A decisão teve como principais fundamentos o direito de personalidade, que é inerente à própria condição humana, estando dentre eles, o direito à liberdade civil e o direito à identidade, bem como o fato da barba não prejudicar, em nada, o trabalho do agente penitenciário (policial penal), nem comprometer a higienização exigida para o trabalho.[1]
Em caso que o Município de Paulínea/SP, no âmbito de suas atribuições, editou o Código de Conduta de sua Guarda Municipal, por meio da Lei Complementar 59, de 29 de fevereiro de 2016, em que previu no inciso I do § 1º do art. 54 que considera infração disciplinar de natureza leve apresentar-se ao trabalho com barba por fazer, bem como bigode, cabelos ou unhas que não sejam condizentes com a dignidade da instituição, o Supremo Tribunal Federal decidiu que trata-se de regra de asseio pessoal, condizente com a postura de qualquer servidor público, e não norma disciplinar de regulamento militar e que a determinação legal atende ao princípio da razoabilidade, pois a imposição de sanção de natureza leve revela-se adequada e proporcional à falha na conduta do servidor público. Tampouco há falar em violação a direitos de personalidade, ao direito à liberdade, à imagem, bem como à dignidade da pessoa humana, haja vista que o mínimo zelo com a aparência é o que se espera do agente estatal, especialmente daqueles que lidam diretamente com a população.[2]
Portanto, as razões dessa decisão do STF em relação aos guardas municipais podem ser aplicadas a todas as instituições policiais, no sentido de poderem prever e exigir dos policiais que a barba seja bem feita. Em relação aos militares entendo ser possível exigir a inexistência de barba, como sustentei acima, sendo possível permitir, como ocorre, somente o bigode devidamente aparado, tendo como limite a linha do lábio. A ideia é que o bigode demonstra seriedade e está de acordo com os padrões e valores militares e esteticamente não há prejuízo ao se utilizar a farda.
Em relação aos vigilantes, decisão recente do Tribunal Superior do Trabalho proclamou que exigir barba e cabelo aparados é uma restrição discriminatória quanto à imagem pessoal dos empregados do setor de vigilância, postura que não condiz com o nosso Ordenamento Jurídico (artigos 1º, III, e 3º, IV, da CF).[3]
Com a alta dos preços da gasolina ou possibilidade de faltar combustível, muitas pessoas pensam em comprar muita gasolina para deixar em um depósito em casa, na garagem, em um armazenamento. Infelizmente, o combustível está muito caro e pode encarecer ainda mais.
Diante desse cenário em que as pessoas enchem galões e garrafas de gasolina para guardar, estocar, armazenar em casa, há crime?
Inicialmente, destaca-se que é possível encher galão de gasolina em posto desde que seja em um recipiente certificado pelo Inmetro e próprio para essa finalidade. Os postos não podem encher uma garrafa PET de gasolina ou outro recipiente inadequado, impróprio, que são todos aqueles não certificados pelo Inmetro para essa finalidade. O tema é disciplinado na Portaria n. 141, de 26/03/19 do Inmetro e Resolução n. 41, de 05/11/2013 da Agência Nacional do Petróleo.
A necessidade de se ter que observar os recipientes adequados, certificados pelo Inmetro, decorre dos riscos de acidente que um combustível armazenado inadequadamente pode causar, como explosão e incêndio.
A utilização desses recipientes com gasolina deve ocorrer em situações emergenciais, como a hipótese de pane seca (veículo para de funcionar por ter acabado o combustível).
Quem adquire, distribui ou revende combustível em desacordo com as normas pratica crime conta a ordem econômica (art. 1º, I, da Lei n. 8.176/91), como revender/comprar gasolina de um posto sem licença ou de terceiros que compram gasolina para revender.
Art. 1° Constitui crime contra a ordem econômica:
I – adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei;
II – usar gás liqüefeito de petróleo em motores de qualquer espécie, saunas, caldeiras e aquecimento de piscinas, ou para fins automotivos, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei.
Pena: detenção de um a cinco anos.
O fato de armazenar, estocar, guardar combustível em casa caracteriza crime ambiental (art. 56 da Lei n. 9.605/98).
Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
A gasolina é uma substância tóxica, perigosa e nociva à saúde humana ou ao meio ambiente.
Portanto, a pessoa que compra regularmente gasolina, em recipiente certificado pelo Inmetro e o armazena em residência, pratica o crime ambiental previsto no art. 56 da Lei n. 9.605/98. Quem adquire, compra irregularmente gasolina, como comprar em uma garrafa PET ou outro recipiente inadequado, pratica o crime do art. 1º, I, da Lei n. 8.176/91. Se dessa aquisição irregular houver armazenamento em residência, o crime contra a ordem econômica será absorvido pelo crime ambiental (princípio da consunção).
Comprar gasolina de forma irregular
Armazenar gasolina de forma irregular
Crime contra a ordem econômica
Crime ambiental
Art. 1º, I, da Lei n. 8.176/91
Art. 56 da Lei n. 9.605/98
Ex.: A pessoa adquire gasolina em recipiente não certificado pelo Inmetro ou compra gasolina em posto que sabe não possuir licença,
Ex.: A pessoa compra gasolina em embalagens, autorizadas ou não pelo Inmetro, e estocar, armazena, guarda em residência.
Vale salientar, ainda, que a Resolução n. 26, de 21/05/1998 do CONTRAN proíbe o transporte de produtos considerados perigosos conforme legislação específica, bem como daqueles que, por sua forma ou natureza, comprometam a segurança do veículo, de seus ocupantes ou de terceiros (art. 3º), o que é o caso da gasolina. O transporte irregular de combustível em veículos, como encher o porta-malas de galão de gasolina e assim ficar andando pelas ruas ou estradas, caracteriza o crime do art. 54 da Lei de Crimes Ambientais.
A seguir, um julgado do TJMG que descreve bem o transporte – e estoque também, conforme inteiro teor – de gasolina de forma irregular.
O delito descrito no artigo 56 da Lei nº 9.605/98 é formal e de perigo abstrato, sendo que o risco para o bem jurídico tutelado é presumido pela lei, não se exigindo a demonstração concreta de ofensa à saúde humana ou ao meio ambiente. O agente que transporta combustível em desacordo com as exigências legais, colocando em risco a saúde humana ou o meio ambiente, comete o crime previsto no artigo 56 da Lei nº. 9605/98, não havendo que se falar em atipicidade da conduta.
TJ-MG – APR: 10701180111802001 MG, Relator: Júlio Cezar Guttierrez, Data de Julgamento: 22/11/2019, Data de Publicação: 27/11/2019.
Vale destacar o seguinte trecho do inteiro teor:
Neste ponto, é sabido que o desabastecimento levou inúmeros motoristas para os postos de combustíveis brasileiros. Muitos ficaram horas nas filas com galões, na esperança de levar para casa uma reserva de gasolina ou etanol, todavia, o ato de estocar ou transportar de maneira ilegal combustível é crime ambiental, sendo permitido somente aos estabelecimentos licenciados pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) fazê-lo, nos termos legais, onde também se encontram os parâmetros para a realização do transporte pelos caminhões tanques e as normas de segurança a serem seguidas, o que não é o caso dos autos. (destaquei)