Armazenar, estocar gasolina em casa é crime?

por | 12 mar 2022 | Atividade Policial, Legislação Comentada

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Com a alta dos preços da gasolina ou possibilidade de faltar combustível, muitas pessoas pensam em comprar muita gasolina para deixar em um depósito em casa, na garagem, em um armazenamento. Infelizmente, o combustível está muito caro e pode encarecer ainda mais.

Diante desse cenário em que as pessoas enchem galões e garrafas de gasolina para guardar, estocar, armazenar em casa, há crime?

Inicialmente, destaca-se que é possível encher galão de gasolina em posto desde que seja em um recipiente certificado pelo Inmetro e próprio para essa finalidade. Os postos não podem encher uma garrafa PET de gasolina ou outro recipiente inadequado, impróprio, que são todos aqueles não certificados pelo Inmetro para essa finalidade. O tema é disciplinado na Portaria n. 141, de 26/03/19 do Inmetro e Resolução n. 41, de 05/11/2013 da Agência Nacional do Petróleo.

A necessidade de se ter que observar os recipientes adequados, certificados pelo Inmetro, decorre dos riscos de acidente que um combustível armazenado inadequadamente pode causar, como explosão e incêndio.

A utilização desses recipientes com gasolina deve ocorrer em situações emergenciais, como a hipótese de pane seca (veículo para de funcionar por ter acabado o combustível).

Quem adquire, distribui ou revende combustível em desacordo com as normas pratica crime conta a ordem econômica (art. 1º, I, da Lei n. 8.176/91), como revender/comprar gasolina de um posto sem licença ou de terceiros que compram gasolina para revender.

Art. 1° Constitui crime contra a ordem econômica:

I – adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei;

II – usar gás liqüefeito de petróleo em motores de qualquer espécie, saunas, caldeiras e aquecimento de piscinas, ou para fins automotivos, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei.

Pena: detenção de um a cinco anos.

O fato de armazenar, estocar, guardar combustível em casa caracteriza crime ambiental (art. 56 da Lei n. 9.605/98).

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

A gasolina é uma substância tóxica, perigosa e nociva à saúde humana ou ao meio ambiente.

Portanto, a pessoa que compra regularmente gasolina, em recipiente certificado pelo Inmetro e o armazena em residência, pratica o crime ambiental previsto no art. 56 da Lei n. 9.605/98. Quem adquire, compra irregularmente gasolina, como comprar em uma garrafa PET ou outro recipiente inadequado, pratica o crime do art. 1º, I, da Lei n. 8.176/91. Se dessa aquisição irregular houver armazenamento em residência, o crime contra a ordem econômica será absorvido pelo crime ambiental (princípio da consunção).      

Comprar gasolina de forma irregularArmazenar gasolina de forma irregular
Crime contra a ordem econômicaCrime ambiental
Art. 1º, I, da Lei n. 8.176/91Art. 56 da Lei n. 9.605/98
Ex.: A pessoa adquire gasolina em recipiente não certificado pelo Inmetro ou compra gasolina em posto que sabe não possuir licença,Ex.: A pessoa compra gasolina em embalagens, autorizadas ou não pelo Inmetro, e estocar, armazena, guarda em residência.

          

Vale salientar, ainda, que a Resolução n. 26, de 21/05/1998 do CONTRAN proíbe o transporte de produtos considerados perigosos conforme legislação específica, bem como daqueles que, por sua forma ou natureza, comprometam a segurança do veículo, de seus ocupantes ou de terceiros (art. 3º), o que é o caso da gasolina. O transporte irregular de combustível em veículos, como encher o porta-malas de galão de gasolina e assim ficar andando pelas ruas ou estradas, caracteriza o crime do art. 54 da Lei de Crimes Ambientais.

A seguir, um julgado do TJMG que descreve bem o transporte – e estoque também, conforme inteiro teor – de gasolina de forma irregular.

O delito descrito no artigo 56 da Lei nº 9.605/98 é formal e de perigo abstrato, sendo que o risco para o bem jurídico tutelado é presumido pela lei, não se exigindo a demonstração concreta de ofensa à saúde humana ou ao meio ambiente. O agente que transporta combustível em desacordo com as exigências legais, colocando em risco a saúde humana ou o meio ambiente, comete o crime previsto no artigo 56 da Lei nº. 9605/98, não havendo que se falar em atipicidade da conduta.

TJ-MG – APR: 10701180111802001 MG, Relator: Júlio Cezar Guttierrez, Data de Julgamento: 22/11/2019, Data de Publicação: 27/11/2019.

Vale destacar o seguinte trecho do inteiro teor:

Neste ponto, é sabido que o desabastecimento levou inúmeros motoristas para os postos de combustíveis brasileiros. Muitos ficaram horas nas filas com galões, na esperança de levar para casa uma reserva de gasolina ou etanol, todavia, o ato de estocar ou transportar de maneira ilegal combustível é crime ambiental, sendo permitido somente aos estabelecimentos licenciados pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) fazê-lo, nos termos legais, onde também se encontram os parâmetros para a realização do transporte pelos caminhões tanques e as normas de segurança a serem seguidas, o que não é o caso dos autos. (destaquei)

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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