O Governador de Minas Gerais enviou projeto de lei para reajustar os salários dos militares e servidores públicos em 10,06%. A Assembleia Legislativa pode aumentar o reajuste?

por | 17 mar 2022 | Opiniões

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O Governador do Estado de Minas Gerais enviou projeto de lei para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais que concede o reajuste de 10,06% para os militares e servidores públicos civis.

Houve intensa mobilização dos militares e dos policiais em Minas Gerais para que houvesse o reajuste em percentual maior, mas após intensos debates ficou decidido pelo Governo que o reajuste seria de 10,06%.

Diante desse panorama parlamentares articulam inserir no projeto de lei enviado pelo Governador um percentual maior de reajuste ou outras gratificações.

O Governador disse em entrevista que proposta diversa da que foi por ele enviada será vetada, contudo a Assembleia Legislativa pode “derrubar” o veto e a parte vetada vir a ser promulgada.

Algumas análises:

1. Caso os parlamentares mineiros aprovem um reajuste superior é de suma importância que não alterem o artigo do projeto de lei que prevê o reajuste de 10,06%. Imagine, a título de exemplo, que alterem o reajuste de 10,06% para 20%. O Governador não terá a opção de conceder somente o reajuste de 10,06% e para vetar o que excedeu o que prometeu conceder terá que vetar todo o artigo, logo, não será concedido nenhum reajuste, caso isso ocorra. Isso porque o Chefe do Poder Executivo somente pode vetar texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea (art. 66, § 2º, da CF). Não é possível vetar somente palavras, muito menos alterar o conteúdo do texto aprovado no Legislativo.

2. Qual é a saída? Existe solução política, mas não jurídica. Politicamente, qualquer reajuste que vá além do que o Governador enviou para a Assembleia ou a criação de qualquer bônus ou gratificação para os servidores do Executivo, deve ser inserido em artigo diverso do que foi enviado pelo Governador ou em parágrafos no artigo que concede o reajuste, como a inserção de parágrafos que concedam reajustes parcelados. Isso possibilitará que o Governador vete os reajustes e bônus/gratificações inseridos sem prejudicar o que foi inicialmente enviado pelo Governador. Logo, o reajuste de 10,06% permanece garantido e a Assembleia Legislativa poderá derrubar os vetos e enviar para a promulgação.

3. Por que eu disse “politicamente” no item anterior? Juridicamente, não é possível que o Legislativo, por iniciativa, conceda reajustes, bônus ou gratificações para os servidores do Executivo. Há vício de iniciativa (inconstitucionalidade por vício formal subjetivo). Portanto, qualquer inserção, por parlamentares, de reajuste, bônus, auxílio ou gratificação para os militares e servidores do Executivo no projeto de lei enviado pelo Governador é inconstitucional. Onde está previsto isso? Art. 61, § 1º, II, “a”, da Constituição Federal e art. 66, III, “b”, da Constituição do Estado de Minas Gerais.

      Vejam:

Constituição FederalConstituição do Estado de MG
Art. 66 (…) § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: II – disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;Art. 66 – São matérias de iniciativa privativa, além de outras previstas nesta Constituição: III – do Governador do Estado: b) a criação de cargo e função públicos da administração direta, autárquica e fundacional e a fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros da Lei de Diretrizes Orçamentárias;

      Imagine que a Assembleia Legislativa insira um reajuste superior ou acrescente alguma gratificação ou qualquer valor que os servidores do Executivo deverão receber, o Governador vete e a ALMG derrube o veto. O que poderá ocorrer?

      O Governador possui legitimidade para ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (art. 103, V, da CF), que é o que deverá ocorrer. Nesse caso caberá ao Supremo Tribunal Federal julgar e poderá suspender liminarmente a validade dos trechos da lei que for inconstitucional, sobretudo quando houver grave risco de prejuízo ao erário. O Supremo Tribunal Federal tem antigo entendimento consolidado pela impossibilidade do Legislativo, de iniciativa, conceder reajuste, bônus, auxílio para servidores do Executivo (ADI 1809).

      Portanto, diante de todo esse cenário, atrelado ao fato de que a criação de novos encargos financeiros deve ter comprovação de receita, sob pena de ser inconstitucional, acredito que o reajuste que será concedido será somente o de 10,06%, por mais que haja todo esforço da Assembleia Legislativa em tentar conceder um reajuste superior ou criar qualquer tipo de compensação financeira para os policiais e militares.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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