Rasgar dinheiro é crime?

O tema é controverso!

1ª corrente) Há crime de dano qualificado (art. 163, parágrafo único, III, do CP).

A Constituição Federal dispõe que compete à União emitir moeda com exclusividade por intermédio do Banco Central e legislar sobre o sistema monetário (arts. 21, VII, 22, VI e 164). O art. 98 do Código Civil diz que são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno

Diante desses artigos entende-se que o dinheiro é patrimônio da União, pois em que pese o valor correspondente ao dinheiro pertencer à pessoa, a cédula, o dinheiro em espécie, é da União. Isto é, o dinheiro em papel é da União, mas o valor do dinheiro é da pessoa.

Quem rasga dinheiro destrói bem da união, razão pela qual pratica o crime de dano qualificado, por ser contra o patrimônio público.

Se um número significativo de pessoas rasgasse dinheiro poderia causar deflação, o que gera prejuízos para a economia nacional e atrai o interesse da União e do Banco Central.

Essa corrente sustenta ainda que por pertencer a cédula à União, a competência para processar e julgar é da Justiça Federal.

2ª corrente) Não há crime na conduta de rasgar dinheiro.

Em que pese o dinheiro ser emitido pela União (Banco Central), a cédula passa a pertencer à pessoa, logo não há crime de dano em destruir coisa própria.

O patrimônio decorrente da cédula é particular, não público. Não há crime em rasgar o dinheiro, até porque não há prejuízo para a União.

Por fim, algumas ponderações:

A recuperação da nota configura arrependimento posterior? Destaco que o arrependimento posterior previsto no art. 16 do Código Penal aplica-se a todos os crimes, desde que haja compatibilidade. É possível aplicar não só nos crimes contra o patrimônio. Por exemplo, aplica-se nos crimes contra a administração pública.

E o princípio da insignificância? A regra é não aplicar o princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública (Súmula n. 599 do STJ). Em se tratando de crime contra o patrimônio público, que é o caso de quem rasga nota, para quem adota a primeira corrente, há julgado admitindo a sua aplicação (STF – HC: 107370 SP, Relator: Min. Gilmar Mendes, Data de Julgamento: 26/04/2011, Segunda Turma).

Imagine que um agente se utilize de uma fita isolante ou adesiva para alterar a placa do veículo, seja uma letra ou número. A letra “C” vira letra “O”. O número “0” ou o “3” vira “8”. Há crime?

Veja a imagem a seguir para ilustrar um exemplo prático:

Fonte: Moreita Net

Os números eram 6 e 3 e se transformaram em 8 e 8.

O agente que assim procede pratica o crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor (art. 311 do Código Penal), pois adultera (modifica, altera) sinal de identificação do veículo (placa).

Art. 311 – Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento:(Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996))

Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa.  (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

As placas constituem sinal identificador de qualquer veículo e a conduta realizada pelo agravante, que, com o uso de fita isolante, modificou o seu número, configura sim o delito tipificado no art. 311 do Código Penal. O tipo constante do art. 311 do Código Penal visa resguardar a autenticidade dos sinais identificadores de veículos automotores, tutelando a fé pública e o poder de polícia do Estado, não exigindo que a conduta do agente seja dirigida a uma finalidade específica, tornando, também, desnecessária a produção de prova pericial, se no processo ficar clara a adulteração, o que ocorreu.

STJ – AgRg no HC 496.325/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 23/08/2019.

Há divergência se a adulteração grosseira da placa é suficiente para a caracterização do crime do art. 311 do Código Penal.

1ª corrente (não é suficiente)2ª corrente (é suficiente)
O uso de papel higiênico na placa do veículo evidencia uma adulteração grosseira incapaz de ludibriar alguém, não atingindo a fé pública. TJ-MG – APR: 10498180016640001, Data de Publicação: 05/05/2021.

Necessária é a absolvição por atipicidade da conduta eis que o uso de fita isolante na placa do veículo evidencia uma adulteração grosseira incapaz de ludibriar alguém, não atingindo a fé pública. TJ-MG – APR: 10026160046681001 Data de Publicação: 09/04/2018. (Esse julgado possui um entendimento divergente do STJ)
A adulteração de placa identificadora de motocicleta, ainda que grosseira, é conduta típica. TJDFT – Acórdão 1127740, 20171510053582APR, Publicado no DJe: 5/10/2018.  

Particularmente, adoto este entendimento, pois o fato de usar fita isolante é suficiente para enganar agentes de trânsito e radares com o veículo em movimento e impedir ou dificultar a fiscalização e autuação.  

O agente que insere a fita isolante e altera a placa, ainda que de forma momentânea, e, posteriormente, dirige o veículo, pratica somente o crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, pois a condução do veículo irregular (produto de crime) é fato posterior impunível (princípio da consunção).

Caso quem conduza o veículo não seja a mesma pessoa que tenha alterado a placa com a fita isolante, haverá somente o crime de receptação (art. 180 do CP).

Art. 180 – Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:            (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.            (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

1. O veículo automotor com sinal de identificação adulterado insere-se no conceito de “produto de crime” e, portanto, deve ser considerado apto a configurar o objeto do delito de receptação. Não se fala, aqui, em atipicidade da conduta, em que pese não estar comprovada a prática de anterior crime contra o patrimônio ou contra a ordem econômica. O Código Penal não estabeleceu qualquer distinção neste sentido, não cabendo ao intérprete fazê-lo. 2. Conquanto típica a conduta descrita na denúncia, “in casu”, não foi suficientemente comprovado que o réu tinha ciência quanto à origem espúria do bem. Não cabe, pois, condenação por receptação dolosa. 3. A modificação do fundamento legal da absolvição (de atipicidade da conduta para insuficiência de provas) caracterizaria “reformatio in pejus”, razão pela qual não pode ser empreendida à falta de reclamo da Acusação. 4. Recurso Ministerial desprovido.

TJ-SP – APL: 00004499520068260050 SP 0000449-95.2006.8.26.0050, Relator: Airton Vieira, Data de Julgamento: 14/04/2014, 1ª Câmara Criminal Extraordinária, Data de Publicação: 15/04/2014.

Por fim, caso o agente oculte letras e/ou números da placa, como colocar as mãos sobre a placa da moto quando passa pelo radar, não pratica o crime do art. 311 do Código Penal, pois o verbo “ocultar” não está contido no crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor. Haverá somente infração de trânsito gravíssima (art. 230, VI, do CTB).

Na espécie, o ora paciente foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 311, caput, do CP, uma vez que teria ocultado, mediante dispositivo operado manualmente, a placa de identificação de seu veículo quando passava pela cancela de uma praça de pedágio, objetivando, com a prática, furtar-se de efetuar o devido pagamento. A Turma, de acordo com o fato narrado na inicial, na qual ficou demonstrada a ausência de adulteração ou remarcação de sinal identificador do veículo, concedeu a ordem para trancar a ação penal, pois não se aplica o art. 311 do CP aos fatos da denúncia, restando, assim, atípica a conduta imputada ao paciente. A conduta descrita no referido artigo não prevê a modalidade de ocultar, mas, tão somente, a de adulterar e remarcar, sendo esses verbos núcleos do tipo. (HC n. 139.199/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 23/2/2010, DJe de 3/5/2010.)

Porte e posse de arma de fogo de fabricação caseira

A arma de fogo caseira/artesanal é aquela produzida de forma irregular por quem tem conhecimento técnico, como um armeiro ou um artesão. Fabricam a arma em casa ou no local de trabalho, o que não é autorizado pelo Estado.

Veja nas fotos a seguir algumas armas caseiras/artesanais.

Fonte: PMDF
Fonte: PMTO

Qual crime pratica o agente que porta ou possui essas armas?

Como essas armas não possuem sinal de identificação pode induzir a responder que pratica o crime previsto no art. 16, § 1º, IV, do Estatuto do Desarmamento.

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:      (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

Ocorre que esse tipo penal abrange somente as armas que possuem numeração, marca ou sinal de identificação, que são as feitas legalmente, uma vez que as armas de fabricação caseira, desde quando são feitas, não possuem qualquer numeração ou controle.

Somente é possível raspar, suprimir ou adulterar numeração, marca ou sinal de identificação se forem existentes. A inexistência desses dados desde a origem da arma, como é o caso das armas de fabricação caseira, afasta a prática do art. 16, § º, IV, da Lei n. 10.826/03.

Dessa forma, o infrator que possui ou porta arma de fabricação caseira poderá praticar o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12), porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14) ou posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16), a depender do calibre da arma.

O agente estava com arma caseira dentro de casa? Sim. Qual era o calibre? Se for calibre de uso permitido, artigo 12 da Lei n. 10.826/03 (posse ilegal de arma de fogo de uso permitido). Se for calibre de uso restrito, artigo 16 da Lei n. 10.826/03 (posse ilegal de arma de fogo de uso restrito).

O agente estava com arma caseira na rua? Sim. Qual era o calibre? Se for calibre de uso permitido, artigo 14 da Lei n. 10.826/03 (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido). Se for calibre de uso restrito, artigo 16 da Lei n. 10.826/03 (porte ilegal de arma de fogo de uso restrito).

JULGADOS

O crime do art. 16, parágrafo único, inc. IV, da Lei nº 10.826/03, deve ser desclassificado para o delito previsto no art. 12 da mesma lei, quando a arma apreendida for de fabricação caseira, porquanto não há número de série e marca a serem suprimidos ou adulterados.

TJ-MG – APR: 10720180075197001 Visconde do Rio Branco, Relator: Octavio Augusto De Nigris Boccalini, Data de Julgamento: 26/01/2021, Câmaras Criminais / 3ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 05/02/2021.

Desclassificação para o delito do art. 14 da Lei n. 10.826/03. Se a arma é de fabricação caseira não possui, por óbvio, número de série e marca, não podendo, assim, a conduta ser enquadrada como posse ilegal de arma de numeração raspada, uma vez que não há numeração a ser adulterada. 2

TJ-MG – APR: 10567130029802001 Sabará, Relator: Denise Pinho da Costa Val, Data de Julgamento: 14/02/2017, Câmaras Criminais / 6ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 03/03/2017.

Tratando-se de arma de fogo artesanal, não se espera que tenha a numeração de série impingida quando da fabricação industrial. No caso dos autos possuindo o recorrente em sua residência arma de fogo artesanal, responde pela figura delitiva contida no art. 12 da Lei n. 10.826/03. Recurso provido.

TJ-MT – APL: 00007729020148110033 MT, Relator: JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 05/09/2018, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 14/09/2018.

Não se pode confundir o comportamento de portar arma artesanal que nunca teve sinal identificador com aquele de portar armamento cujo número de série ou marca foram posteriormente suprimidos exatamente para embaraçar o controle estatal. Se a falta de numeração característica das armas de fabricação caseira ou artesanal foi a única circunstância utilizada pelo Órgão a quo para efetuar a tipificação da conduta como porte de arma de fogo de uso restrito (art. 16, Parágrafo único, inc. IV, da Lei nº 10.826/03), impõe-se a reforma do decisum , com a subsequente desclassificação para o art. 14 do mesmo Diploma Legal (isto é, porte ilegal de arma de fogo de uso permitido).

TJ-ES – APL: 00219272620068080030, Relator: CATHARINA MARIA NOVAES BARCELLOS, Data de Julgamento: 17/07/2013, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 25/07/2013.

A posse irregular de arma de fogo artesanal caracteriza o crime previsto no artigo 12, da Lei nº 10.826/03.

TJ-SP – APL: 00016045720128260654 SP 0001604-57.2012.8.26.0654, Relator: Laerte Marrone, Data de Julgamento: 09/10/2014, 9ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 13/10/2014.