O Comandante-Geral da Polícia Militar pode ter prerrogativa de foro na Constituição Estadual?

por | 25 ago 2022 | Direito Militar, Segurança Pública

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A Constituição Federal confere prerrogativa de foro a determinadas autoridades em razão do cargo ocupado, com o fim de que essas autoridades sejam julgadas de forma imparcial e as influências externas, internas e pressões de um julgamento não interferiam na decisão.

A Constituição Estadual pode prever hipóteses de prerrogativa de foro em razão da função, desde que haja simetria com as hipóteses estabelecidas na Constituição Federal, ressalvada a competência do Tribunal do Júri que se sobrepõe a qualquer competência criada em Constituição Estadual por ter previsão na Constituição Federal, na forma da Súmula n. 721 do Supremo Tribunal Federal.

A possibilidade de a Constituição Estadual estabelecer prerrogativa de função decorre do art. 125, §1º da Constituição Federal, que assim dispõe:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

As autoridades que podem possuir foro por prerrogativa de função em nível estadual são aquelas que possuem correspondência em nível federal, em razão do princípio da simetria, que estabelece que o modelo organizativo estadual deve observância às regras constitucionais, em âmbito federal, em razão do pacto federativo, que exige uma simetria na organização dos entes federativos.

Portanto, se uma autoridade não possui prerrogativa de foro a nível federal não pode possuir em âmbito estadual, como os delegados de polícia. O Delegado da Polícia Federal não possui prerrogativa de foro, logo, o Delegado da Polícia Civil também não poderá possuir.

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que é inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere a Defensores Públicos Estaduais e Procuradores de Estado a prerrogativa de função[1], e também a Procuradores das Assembleias Legislativas Estaduais e Delegados de Polícia[2],  isso porque a interpretação da norma Constitucional deve ser restritiva, não extensiva e não há simetria.

No âmbito militar, a Constituição Federal em seu art. 102, inciso I, alínea “c” confere prerrogativa de função no STF nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)

Logo, em se tratando de Comandante-Geral da Polícia Militar há observância ao princípio da simetria, caso a Constituição Estadual preveja o foro por prerrogativa de função, pois os Comandantes das Forças Armadas, em especial, o Comandante do Exército,  possuem prerrogativa de foro na Constituição Federal e as instituições militares estaduais são forças auxiliares e reserva do Exército (art. 144, § 6º, da CF), sendo possível, inclusive, que o Exército seja empregado para exercer atribuições de segurança pública, como ocorre nas operações para a Garantia da Lei e da Ordem, o que permite afirmar haver paralelismo entre o Comandante do Exército e o Comandante-Geral da Polícia Militar, razão pela qual eventual previsão de prerrogativa de foro do Comandante-Geral da Instituição Militar Estadual na Constituição Estadual, é constitucional.

A título exemplificativo, a Constituição do Estado de Minas Gerais prevê que o Comandante-Geral da Polícia Militar e o do Corpo de Bombeiros Militar, serão julgados perante o Tribunal de Justiça nos crimes comuns e de responsabilidade, o que é constitucional.

Art. 106 – Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição:

I – processar e julgar originariamente, ressalvada a competência das justiças especializadas:

b) o Secretário de Estado, ressalvado o disposto no § 2º do art. 93, os Juízes do Tribunal de Justiça Militar, os Juízes de Direito, os membros do Ministério Público, o Comandante-Geral da Polícia Militar e o do Corpo de Bombeiros Militar, o Chefe da Polícia Civil e os Prefeitos Municipais, nos crimes comuns e nos de responsabilidade;


[1] STF, ADI 6501/PA, ADI 6508/RO, ADI 6515/AM, ADI 6515/AL, Plenário, rel. min. Roberto Barroso, j. 20/08/2021 (informativo 1026).

[2] STF, ADI 2553/AM, rel. min. Gilmar Mendes, red. p/ acórdão min. Alexandre de Moraes, j. 15/05/2019 (Info 940).

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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