O sniper é o atirador de elite (pode ser militar ou não). O sniper possui uma habilidade acima do comum, além de treinos e cursos que o tornam habilitado a se credenciar como apto a efetuar disparos com alta precisão (precisão cirúrgica). O militar/policial que é sniper não possui autonomia para atuar isoladamente, age comandado por um superior que também possui experiência e conhecimento para gerenciar a ocorrência e decidir o momento exato do disparo. Quando o comando da ocorrência verifica que não é mais possível prosseguir nas negociações ou quando não é mais viável, pois o sujeito não colabora e há risco para os reféns, autoriza o atirador de elite a efetuar o tiro de comprometimento, que pode ser letal.
No teatro de operações o Comandante é a pessoa mais habilitada para decidir o momento do disparo, pois todas as informações concentram nele. O Comandante recebe informações em tempo real do negociador, do sniper, de outros militares que estão trabalhando na ocorrência, do comando etc. Enfim, quem tem mais informações tem mais segurança e conhecimento para decidir. Qualquer interferência política sujeita a operação ao fracasso. Trata-se de um ambiente de tensão, altamente técnico e que conta com o trabalho de profissionais experientes e treinados.
Há divergências quanto à excludente de ilicitude aplicável ao sniper.
1ª corrente: O sniper atua em legítima defesa de terceiros. São defensores dessa corrente Rogério Greco e Cezar Bitencourt.
2ª corrente: O sniper atua em estrito cumprimento do dever legal, ao passo que o Comandante que determinou o disparo atua em legítima defesa de terceiros. É o entendimento de Gilmar Luciano Santos, com o qual concordo.
Com efeito, o sniper somente pode atuar mediante o cumprimento de ordem. O Comandante do teatro de operações avalia o momento ideal para a atuação do atirador de elite e ao autorizar o disparo, o Comandante age em legítima defesa de terceiros e quem puxa o gatilho (sniper) cumpre ordem do Comandante, por atuar no estrito cumprimento do dever legal, cuja ordem é legal (disparar em um agente que pratica agressão atual ou iminente contra terceiros).
Não se pode falar em estrito cumprimento do dever legal de matar, pois o dever legal de matar ocorre somente em tempo de guerra. Em tempo de paz, provocar a morte de terceiros só é permitida em legítima defesa ou em estado de necessidade. Ocorre que o atirador de elite não atua por vontade própria, mas sim por determinação de superior hierárquico. O disparo efetuado pelo sniper consiste, na verdade, no acionamento do gatilho pelo Comandante por intermédio de um profissional altamente capacitado.
Por essas razões, entendo que o Comandante do teatro de operações que determina o disparo, sendo o momento do disparo avaliado pelo sniper, atua em legítima defesa de terceiros e o militar que aciona o gatilho atua em estrito cumprimento do dever legal.
Para ficar claro destaco que o Comandante autoriza o disparo, dá o “sinal verde”, mas o momento do disparo é definido pelo sniper que sabe exatamente o momento exato de puxar o gatilho. Essa autorização do Comandante na verdade é ordem. O sniper não pode se recusar a efetuar o disparo. Na prática o militar que faz papel de sniper sabe disso e não descumpre a ordem. São militares muito bem treinados, preparados e disciplinados! O disparo do sniper possui “precisão cirúrgica”. São policiais que treinam muito e possuem pontaria certeira. É óbvio que, hipoteticamente, se a ordem for criminosa, como atirar em situação que não justifique, pois o sequestrador, por exemplo, se rendeu, o sniper deverá descumprir a ordem, sob pena de responder por homicídio, juntamente, com o Comandante. Somente em situações excepcionais o atirador de elite pode atuar sem prévia autorização do Comandante, como o exemplo de haver falha na comunicação, pois o aparelho que estabelece a comunicação estragou durante o contato e o militar/policial visualiza que o agente infrator está com o dedo no gatilho, tendo inclusive já puxado um pouco o gatilho.
Caso o militar se recuse a disparar, mesmo tendo condições para tanto, pratica o crime de recusa de obediência e se em razão do atraso no disparo, ficar comprovado que o agente infrator matou a vítima, poderá até mesmo responder pelo homicídio da vítima, já que o militar é agente garantidor e responde pelo resultado, na forma do art. 13, § 2º, “a”, do CP e art. 29, § 2º, do CPM.
Na hipótese em que o militar sniper disparar sem autorização, há entendimento que deve responder por homicídio. Ocorre que o disparo do sniper, sem autorização, se o agente infrator estiver colocando em risco a vida de terceiro, não afasta a presença de excludente de ilicitude, pois no mundo real a situação autorizava o disparo, sendo discutível o momento do disparo, o que deve ser dito pelo Comandante. Portanto, entendo que não responde por homicídio, somente por crime militar que, a depender do caso, poderá ser recusa de obediência, inobservância de norma, descumprimento de missão.
Nessas ocorrências complexas, quem decide sobre a vida do agente infrator é ele próprio e não a polícia. O agente tem plena ciência que se não ceder poderá ser morto a qualquer momento. Por vezes é até uma forma do agente infrator praticar suicídio por intermédio da polícia. É o que se chama de “suicide by cop” ou suicídio por policial.
A atribuição para investigar o fato, por envolver crime doloso contra a vida praticado contra civil (art. 9, § 1º, do CPM), para o Superior Tribunal de Justiça (RHC n. 112.726/PR) e para as Polícias Civis, é da Polícia Civil, e para as Polícias Militares, prevalece ser da Polícia Militar.
Por fim, o Comandante que autorizou o disparo e o militar que efetuou o disparo devem ser presos em flagrante? Não, no caso ouve os envolvidos, realiza perícia no local dos fatos e colher as provas e a autoridade policial lavra o despacho não ratificador e, se for o caso, instaura inquérito policial. Essa é a interpretação dos arts. 27, 28 e 246, § 2º, todos do CPPM e art. 304, § 1º, do CPP.
O Código de Processo Penal Militar manda observar expressamente a hierarquia somente para as buscas pessoais que ocorrerem no decorrer do inquérito policial militar. Nada fala quanto à observância da hierarquia nas demais buscas pessoais, como as que ocorrem fora do inquérito, a exemplo da abordagem policial a uma pessoa em via pública que se encontra em situação de fundada suspeita. O Código de Processo Penal comum também silencia a respeito. Portanto, em razão da ausência de previsão legal não há óbices, em um primeiro momento, que militares realizem busca pessoal em superiores hierárquicos em razão de fundada suspeita.
Ocorre que a hierarquia e disciplina militares, são pilares institucionais previstos na Constituição Federal e se irradia para todas as relações entre os militares, seja nos horários de trabalho ou de folga, seja na vida profissional ou pessoal.
O subordinado hierárquico deve chamar o superior de “Senhor”, mesmo se encontrá-lo em ambiente privado (art. 9º do RCONT), salvo se nas relações da vida pessoal for dispensado pelo superior.
Quando um subordinado hierárquico se depara com um superior em uma solenidade ou reunião, ainda que particular, deve, obrigatoriamente, apresentar-se ao superior de maior hierarquia presente (art. 34, IX, do RCONT).
O superior hierárquico tem direito à continência, o que constitui um dever do subordinado hierárquico que estiver fardado, ainda que o superior esteja em trajes civis e fora do horário de serviço, desde que seja reconhecido e identificado (art. 16, X e XI, do RCONT). Em se tratando de superior que o militar deve obrigatoriamente reconhecê-lo, dispensa-se a identificação. Por exemplo, todos militares são obrigados a reconhecerem o seu próprio comandante e o Comandante-Geral da instituição a que pertence.
O Código de Processo Penal Militar, visando preservar a hierarquia, em diversos momentos assegura a preservação da hierarquia e disciplina, como prever que a prisão de militar deverá ser feita por outro militar de posto ou graduação superior; ou, se igual, mais antigo (art. 223) e que a busca domiciliar ou pessoal no curso do inquérito, será executada por oficial, designado pelo encarregado do inquérito, atendida a hierarquia do posto ou graduação de quem a sofrer, se militar (art. 184). Prevê ainda que o preso militar, ao ser apresentado em juízo, será acompanhado por militar de hierarquia superior (art. 73)
Dessa forma, tenho que a previsão contida no art. 184 do CPPM deve se irradiar para outros tipos de buscas pessoais, em razão de aplicação extensiva, pois visa preservar a hierarquia e disciplina ao se realizar busca pessoal em superior hierárquico, situação que também deve ser preservada nas buscas que ocorrem em razão de fundada suspeita na rua.
Nesses casos de busca pessoal em superior hierárquico, dada a situação de busca que não pode esperar um tempo maior, pois exige atuação imediata, não havendo superior disponível para a sua realização, deve ser feita por subordinado hierárquico. Aplica-se, mutatis mutandis, a lógica do art. 249 do Código de Processo Penal que prevê que “A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência.” Isto é, a busca em superior hierárquico do militar que realizou a abordagem deve ser feita por outro militar, superior hierárquico ao abordado ou se par, mais antigo, salvo se no momento da busca não houver superior disponível para a realização da busca e se este ao ser acionado for demorar para comparecer fisicamente ao local da abordagem.
Não existe no Brasil o crime de “omissão de socorro de animais”. Em um primeiro momento pode-se pensar então que quem atropela um cachorro e foge, não pratica crime. No entanto penso que este entendimento não esteja correto.
O art. 13, § 2º, “c”, do Código Penal considera que a omissão é penalmente relevante quando a pessoa “com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”. Não entendi nada. Calma. Vamos lá.
A omissão, como regra, é irrelevante para o direito penal, salvo se houver um crime prevendo que a omissão é crime, o que é denominado de omissão PRÓPRIA, a exemplo do crime de omissão de socorro, que não abrange animais ou se a omissão decorrer de uma das hipóteses do art. 13, § 2º, do Código Penal, que é a omissão IMPRÓPRIA. É chamada de imprópria por ser uma omissão em que a pessoa tinha o DEVER LEGAL DE AGIR para evitar o resultado, mas não age. Perceba que na omissão imprópria a pessoa pratica um crime por ação, em razão da omissão, por isso é omissão imprópria, como o exemplo da mãe que nada faz, mesmo ciente que sua filha de 13 anos mantém relações sexuais com o padrasto, o que é crime de estupro de vulnerável. Conseguiu visualizar que a mãe tem dever de proteção da filha, mas como não a protegeu deverá responder por estupro (crime praticado por ação)? O Código Penal delimitou algumas situações para trazer uma maior responsabilidade penal caso a pessoa não aja. É como se o direito penal dissesse assim: “Você tem uma grande responsabilidade na proteção de seu filho, aluno, do bebê, da sociedade, nos casos que você provocou um risco de ocorrer um resultado. Ou você toma providências nesses casos e faça todo o possível para evitar que ocorra o resultado (morte, lesão, violação à dignidade sexual etc.) ou você responderá pelo resultado (homicídio, lesão corporal, estupro etc.)”. Cria-se para essas pessoas um grau de responsabilidade muito maior, pois encontra-se em situação jurídica e fática que a torna mais responsável. É óbvio que os pais possuem maiores responsabilidades pelos filhos em relação a qualquer outra pessoa. Um policial possui maior responsabilidade para enfrentar o crime em relação a outras pessoas. Essas pessoas que o direito penal obriga agir para evitar o resultado são denominadas de agentes garantidores. Pais são garantidores dos filhos; os professores em relação aos alunos; os policiais e bombeiros em relação à sociedade; a babá em relação ao bebê etc.
Feita essa brevíssima explicação, no caso de um motorista que atropela um cachorro na rua e foge, pratica crime?
Voltamos ao art. 13, § 2º, “c”, do Código Penal:
Art. 13 (…)
§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Quando a lei diz que a omissão é penalmente relevante quando quem se omite criou o risco da ocorrência do resultado com o seu comportamento anterior, significa dizer que quem deu causa a um acontecimento que gere uma situação de perigo e resulte em lesão a um bem jurídico, responderá pelo resultado, isto é, pela lesão ao bem jurídico. Para ficar claro, um exemplo: uma pessoa se encontra nas proximidades de uma piscina e por desatenção, ao dar um passo para trás, derrubou outra pessoa dentro da piscina, que não sabe nadar e pede socorro. Se quem a derrubou na piscina não prestar socorro responderá pelo resultado e não pela omissão de socorro. Logo, se ocorrer a morte (resultado), responderá pelo crime de homicídio.
Para fins didáticos, veja que a pessoa por seu comportamento (desatenção que jogou outra dentro da piscina) provocou um acontecimento (vítima dentro da piscina) que gerou uma situação de perigo (pessoa dentro da piscina que não sabe nadar) e gerou lesão ao bem jurídico (no caso, o bem jurídico lesado é a vida).
Uma observação muito importante é que o comportamento anterior da pessoa que cria o risco pode ser doloso ou culposo, lícito ou ilícito.
Voltando à pergunta inicial. Atropelar cachorro e fugir é crime?
Em que pese inexistir o crime de omissão de socorro de animais, entendo que sim, pois quem atropela animal e foge dá causa a um resultado, qual seja, maus-tratos e por ter sido a pessoa que atropelou a causadora do resultado, surge para ela a obrigação de prestar socorro, sob pena de responder pelo resultado, conforme toda a explicação feita anteriormente.
O art. 32 da Lei de Crimes Ambientais – Lei n. 9.605/98 – prevê o crime de maus-tratos a animais, inclusive, quando se tratar de cães e gatos, a pena é qualificada.
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: (Vide ADPF 640)
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. (Vide ADPF 640)
§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. (Incluído pela Lei nº 14.064, de 2020)
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. (Vide ADPF 640)
Logo, pela lógica da omissão imprópria, quem, com o seu comportamento (atropelar animal) gera um resultado (cachorro sentindo dor) e nada faz para atenuar ou evitar o resultado, que pode até se agravar (morte), responde pelo crime de maus-tratos previsto no art. 32 da Lei de Crimes Ambientais. Se o animal vier a morrer responderá pelo crime de maus-tratos com a pena aumentada de 1/6 a 1/3.
Imagine um motorista que, a título de culpa, atropela um cachorro e foge, vendo que o cachorro está vivo e sofrendo. Não liga para nenhum órgão e nada faz. Deverá responder pelo crime do art. 32 da Lei de Crimes Ambientais, pois, em que pese o atropelamento ter sido culposo, a fuga foi dolosa e a partir do momento que atropelou o cachorro, surgiu para o motorista o dever de agir.
Caso seja possível visualizar claramente que o cachorro morreu com o atropelamento, como a hipótese de esmagamento da cabeça ou corpo partido, não há crime se o atropelamento tiver sido culposo, pois inexiste o crime de maus-tratos de animais a título culposo nem há que se falar em prestação de socorro para o cachorro que já estiver morto.
Caso o atropelamento seja doloso responderá também pelo crime de maus-tratos e a não prestação de socorro é pós-fato impunível (princípio da consunção).
Por fim, para quem o motorista que atropela um animal na rua ou na estrada deve ligar?
Infelizmente, os municípios – a maioria deles – não são dotados de estruturas e locais adequados para receber animais, cachorros que foram atropelados e os órgãos públicos, como o Corpo de Bombeiros Militar, por vezes, fica de mãos atadas, pois não têm para onde levar. Vão buscar os animais nas ruas e levar para onde, se não existe local próprio para essa finalidade?
Fato é que o Corpo de Bombeiros Militar atua em ocorrências em que animais se encontram em situação de risco, como cachorro que fica preso em local ilhado em razão de enchente. Igualmente, um cachorro que foi atropelado também está em situação de risco, sobretudo porque pode vir a morrer, caso não seja prestado socorro, logo deve também ser resgatado pelo Corpo de Bombeiros Militar.
O problema não está no Corpo de Bombeiros Militar, mas na ausência de política pública de proteção de animais, o que é relegado, em grande parte, pelo Poder Público. Então, o que fazer?
Caso o atropelamento de animal ocorra em rodovia federal (estrada), o socorro pode ser prestado pela Polícia Rodoviária Federal, se houver risco de provocar outros acidentes, que poderá contar com o apoio do Corpo de Bombeiros Militar, afinal de contas, a função do CBM não possui limitação territorial (pode atuar em área federal, estadual ou municipal).
Ambas as instituições enfrentam o problema de para onde levar. Na prática algumas ONGs ajudam, no entanto é um trabalho que deve ser feito, primordialmente, pelo Poder Público.
Enfim, o motorista que atropela um animal possui o dever mínimo de acionar órgão público. Entendo que deve ligar para o Corpo de Bombeiros Militar, se o acidente ocorrer em rodovias estaduais ou dentro de cidades, ou para a Polícia Rodoviária Federal, se o acidente ocorrer em rodovias federais. Pode até ser que o CBM e a PRF não atendam a ocorrência, contudo o motorista terá feito a sua parte e se afastado, inclusive, de eventual responsabilidade criminal.
1ª corrente: Não, pois cabe à própria instituição policial definir as hipóteses de porte de arma de fogo por policiais em horário de folga. O Decreto n. 9.847/2019, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento, em seu art. 26, § 2º, disciplina que cabe às instituições policiais definirem normas de porte de arma de fogo “fora do serviço, quando se tratar de locais onde haja aglomeração de pessoas, em decorrência de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas, estádios desportivos e clubes, públicos e privados.”
2ª corrente: As casas noturnas e de shows possuem o dever de garantir a segurança daqueles que a frequentam e proibir o acesso de qualquer pessoa armada, inclusive policiais, decorre do zelo e cautela do estabelecimento comercial. O Código de Defesa do Consumidor assegura o direito do consumidor a ter segurança na prestação de serviços e utilização de produtos.
A 2ª corrente prevalece nos tribunais.
FUNDAMENTOS
O porte de arma por policiais, em horário de folga, possui regramento próprio.
O Decreto n. 9.847, de 25 de junho de 2019, que regulamenta a Lei n. 10.826/2003, prevê que cabe às próprias instituições e corporações tratarem do porte de arma de fogo quando o policial estiver fora do horário de serviço em locais onde haja aglomeração de pessoas, em decorrência de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas, estádios desportivos e clubes, públicos e privados.
Art. 26. Os órgãos, as instituições e as corporações a que se referem os incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, estabelecerão, em normas próprias, os procedimentos relativos às condições para a utilização das armas de fogo de sua propriedade, ainda que fora de serviço.
§ 2º As instituições, os órgãos e as corporações, ao definir os procedimentos a que se refere o caput, disciplinarão as normas gerais de uso de arma de fogo de sua propriedade, fora do serviço, quando se tratar de locais onde haja aglomeração de pessoas, em decorrência de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas, estádios desportivos e clubes, públicos e privados.
Em Minas Gerais, a Resolução n. 5.135, de 08 de outubro de 2021 da Polícia Militar de Minas Gerais, permite o porte de arma por militares em casas noturnas.
Art. 18 – O porte de arma de fogo, com validade em âmbito nacional, é inerente à condição de militar, sendo deferido em razão do desempenho das suas funções institucionais.
§ 3º – Ao portar arma de fogo nos locais onde haja aglomeração de pessoas, em virtude de evento de qualquer natureza, público ou privado, tais como interior de igrejas, templos, escolas, clubes, eventos culturais e outros similares, o militar, não estando em serviço, deverá obedecer às seguintes normas gerais, além de outras previstas em normas específicas:
I – não conduzir a arma de fogo ostensivamente;
II – cientificar o policiamento no local, se houver, fornecendo nome, posto ou graduação, Unidade e a identificação da arma de fogo;
III – observar as determinações das autoridades competentes responsáveis pela segurança pública, quanto à restrição ao porte de arma de fogo no local do evento.
Cada policial deve observar as normas da própria instituição que, muitas vezes, possuem, regras semelhantes à da Polícia Militar mineira. A inobservância da norma institucional, como portar arma de fogo em desacordo com ato normativo do comando configura porte ilegal de arma de fogo, por estar em desacordo com determinação regulamentar.
Mesmo a regra sendo muito clara ao permitir que o policial pode entrar armado em casas noturnas, há entendimento que ainda assim as casas noturnas podem proibir, em razão do dever de segurança que o estabelecimento possui com os consumidores que estiverem na casa noturna (art. 6º, I, do CDC).
Nesse sentido há diversos julgados que entendem pela legalidade da proibição de que policiais entrem armados em casas noturnas, mesmo a norma sendo clara que é possível.
No julgado a seguir desconsiderou a autorização institucional.
A edição de portaria pelo Comandante-Geral da Polícia Militar autorizando policiais militares a portarem arma de fogo, fora do horário de serviço, é irrelevante e não gera a obrigação de aceitação pelo particular. Aliás, a proibição do ingresso de pessoas armadas em casa noturna constitui zelo e cautela adotada pelo proprietário do estabelecimento para resguardar a integridade física dos frequentadores.
(TJ-SP – APL: 00011636120138260001 SP 0001163-61.2013.8.26.0001, Relator: J.L. Mônaco da Silva, Data de Julgamento: 24/02/2016, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/03/2016)
Na decisão abaixo considerou não haver dano moral no fato de policial ser impedido de entrar armado.
Autor que é policial militar e foi impedido de entrar em casa noturna armado, fora do horário de serviço. Prerrogativa de portar arma de fogo fora do serviço que é conferida aos policiais militares pelo estatuto do desarmamento. Ré que, apesar de ser local aberto ao público, pode instituir suas regras próprias de segurança. Ausência de tumulto ou atitude dos funcionários da requerida que colocasse o autor em situação vexatória. Autor que apenas foi orientado a deixar a arma para que pudesse adentrar o local. Falta de comprovação de conduta ilícita. Ausência de dever de indenizar.. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJ-SP – APL: 00044312320098260597 SP 0004431-23.2009.8.26.0597, Relator: Fernanda Gomes Camacho, Data de Julgamento: 29/06/2016, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/06/2016)
Em outra decisão considerou ser lícito que casas noturnas impeçam o ingresso de policiais armados, em razão da segurança de todos os frequentadores do local.
Em se tratando do desempenho de atividade meramente privada, no desenrolar da prestação de serviço de entretenimento, não se mostra desarrazoada a proibição de acesso de pessoas armadas, dentre elas policiais militares que não estejam em serviço, por óbvias razões voltadas à segurança de todos os consumidores presentes ao evento. (TJ-SC – RI: 00038179220158240005 Balneário Camboriú 0003817-92.2015.8.24.0005, Relator: Clarice Ana Lanzarini, Data de Julgamento: 25/06/2018, Sétima Turma de Recursos – Itajaí)
Veja na sentença a seguir os fundamentos para entender que a casa noturna pode proibir o ingresso de policiais armados:
Relativamente ao fato de o reclamante desempenhar a função de policial militar e possuir porte especial de armas, entendo que tal fato não constitui óbice à iniciativa da parte requerida em impedir a entrada de pessoas armadas em suas instalações.
A conduta de segurança da casa noturna, ainda que não respaldada em lei, é plenamente justificável, tendo em vista o potencial risco causado pela entrada de cidadão armado em suas instalações, invariavelmente repletas de pessoas, de madrugada, onde é normal o consumo de bebidas alcoólicas e confusões entre os frequentadores.
No mais, insta salientar que o fato de a demandada ter oferecido o cofre, ou não, a promovente, para depósito da arma, não tem o condão de alterar a realidade dos fatos.
(PROCESSO: 9042868.66.2016.813.0024 – Procedimento do Juizado Especial Cível de Belo Horizonte/MG, sentença de 18 de outubro de 2017)
Prevalece nos tribunais que as casas noturnas podem impedir que policiais entrem armados, em razão do dever de segurança, cautela e zelo que as casas noturnas possuem com os frequentadores. Nesses casos o policial deve deixar a arma no cofre e se não houver cofre não poderá entrar na casa noturna.
Em um caso concreto ocorrido em Fortaleza, consta no acórdão da 6ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Ceará, (Autos n. 3000492-17.2020.8.06.0221) que um Delegado de Polícia tentou forçar a entrada “na ânsia de ingressar a todo custo na casa de show, e não aceitando os argumentos dos seguranças, procurou forçar a entrada utilizando-se do próprio pé para impedir o fechamento da porta que dava acesso ao interior da casa”, razão pela qual não seria devido o dano moral, pois a conduta foi provocada pelo próprio autor, em que pese a sentença ter reconhecido o dano moral. A sentença foi reformada. Na fundamentação do voto reconhece o direito ao porte de arma do policial e cita o art. 157 do Estatuto da Polícia Civil do Ceará (Ao policial civil é facultado o livre ingresso em todas as casas de diversões e lugares sujeitos à fiscalização da polícia, bem como portar arma para sua defesa pessoal e da comunidade.).
Muitos policiais perguntam sobre o que fazer se a casa noturna impedir o acesso de policiais armados, mesmo a norma sendo clara que é possível. Questionam se há crime de constrangimento ilegal ou de desobediência.
Não há constrangimento ilegal, pois nesses casos os seguranças da casa noturna não utilizam de violência, grave ameaça ou outro meio que reduza a capacidade do policial para impedir de fazer o que a lei permite. Além do mais, o principal argumento, é que prevalece na justiça que as casas noturnas podem barrar o ingresso de policiais armados.
Não há desobediência, pois o policial, nesses casos, atua como particular e não dá ordens para tutelar interesse privado.
Pode-se falar em desobediência se uma viatura policial de serviço se deslocar ao local e dar ordens para autorizar a entrada do policial armado, já que a norma é clara ao permitir o ingresso armado, contudo, como se viu, os julgados são em sentido diverso, logo, prender por desobediência, na justiça, pode ser interpretado como ilegal.
Não há abuso de autoridade se o policial insistir em entrar armado, pois a divergência na interpretação da lei não enseja abuso (art. 1º, § 1º, da Lei n. 13.869/2019). O policial não deve forçar o ingresso armado nem dar voz de prisão para o segurança da casa noturna, sob a alegação de desobediência, pois atua fora da função e por interesse particular, o que poderá ser interpretado como crime de abuso de autoridade previsto no art. 33, parágrafo único, da Lei n. 13.869/2019, por se valer de seu cargo, função para obter privilégio indevido, já que, como se viu, prevalece a possibilidade das casas noturnas impedirem o acesso de policiais armados.
Então, o que fazer nesses casos? Não sendo autorizado, não resta outra opção a não ser acatar, sem prejuízo de levar o caso ao Poder Judiciário com a expectativa de provocar a discussão e modificar os entendimentos até então expostos, o que acredito ser pouco provável.
De toda forma, após o triste episódio ocorrido em São Paulo, em que um tenente da PMESP matou um lutador de jiu-jítsu em uma casa noturna, mediante disparo de arma de fogo, certamente, os tribunais vão pacificar a discussão pela possibilidade das casas noturnas vetarem o acesso de pessoas armadas, ainda que sejam policiais.