Atirador de elite (sniper): quem autoriza o disparo e por qual excludente de ilicitude está amparado?

por | 24 set 2022 | Atividade Policial

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O sniper é o atirador de elite (pode ser militar ou não). O sniper possui uma habilidade acima do comum, além de treinos e cursos que o tornam habilitado a se credenciar como apto a efetuar disparos com alta precisão (precisão cirúrgica). O militar/policial que é sniper não possui autonomia para atuar isoladamente, age comandado por um superior que também possui experiência e conhecimento para gerenciar a ocorrência e decidir o momento exato do disparo. Quando o comando da ocorrência verifica que não é mais possível prosseguir nas negociações ou quando não é mais viável, pois o sujeito não colabora e há risco para os reféns, autoriza o atirador de elite a efetuar o tiro de comprometimento, que pode ser letal.

No teatro de operações o Comandante é a pessoa mais habilitada para decidir o momento do disparo, pois todas as informações concentram nele. O Comandante recebe informações em tempo real do negociador, do sniper, de outros militares que estão trabalhando na ocorrência, do comando etc. Enfim, quem tem mais informações tem mais segurança e conhecimento para decidir. Qualquer interferência política sujeita a operação ao fracasso. Trata-se de um ambiente de tensão, altamente técnico e que conta com o trabalho de profissionais experientes e treinados.

Há divergências quanto à excludente de ilicitude aplicável ao sniper.

1ª corrente: O sniper atua em legítima defesa de terceiros. São defensores dessa corrente Rogério Greco e Cezar Bitencourt.

2ª corrente: O sniper atua em estrito cumprimento do dever legal, ao passo que o Comandante que determinou o disparo atua em legítima defesa de terceiros. É o entendimento de Gilmar Luciano Santos, com o qual concordo.

Com efeito, o sniper somente pode atuar mediante o cumprimento de ordem. O Comandante do teatro de operações avalia o momento ideal para a atuação do atirador de elite e ao autorizar o disparo, o Comandante age em legítima defesa de terceiros e quem puxa o gatilho (sniper) cumpre ordem do Comandante, por atuar no estrito cumprimento do dever legal, cuja ordem é legal (disparar em um agente que pratica agressão atual ou iminente contra terceiros).

Não se pode falar em estrito cumprimento do dever legal de matar, pois o dever legal de matar ocorre somente em tempo de guerra. Em tempo de paz, provocar a morte de terceiros só é permitida em legítima defesa ou em estado de necessidade. Ocorre que o atirador de elite não atua por vontade própria, mas sim por determinação de superior hierárquico. O disparo efetuado pelo sniper consiste, na verdade, no acionamento do gatilho pelo Comandante por intermédio de um profissional altamente capacitado.

Por essas razões, entendo que o Comandante do teatro de operações que determina o disparo, sendo o momento do disparo avaliado pelo sniper, atua em legítima defesa de terceiros e o militar que aciona o gatilho atua em estrito cumprimento do dever legal.

Para ficar claro destaco que o Comandante autoriza o disparo, dá o “sinal verde”, mas o momento do disparo é definido pelo sniper que sabe exatamente o momento exato de puxar o gatilho. Essa autorização do Comandante na verdade é ordem. O sniper não pode se recusar a efetuar o disparo. Na prática o militar que faz papel de sniper sabe disso e não descumpre a ordem. São militares muito bem treinados, preparados e disciplinados! O disparo do sniper possui “precisão cirúrgica”. São policiais que treinam muito e possuem pontaria certeira. É óbvio que, hipoteticamente, se a ordem for criminosa, como atirar em situação que não justifique, pois o sequestrador, por exemplo, se rendeu, o sniper deverá descumprir a ordem, sob pena de responder por homicídio, juntamente, com o Comandante. Somente em situações excepcionais o atirador de elite pode atuar sem prévia autorização do Comandante, como o exemplo de haver falha na comunicação, pois o aparelho que estabelece a comunicação estragou durante o contato e o militar/policial visualiza que o agente infrator está com o dedo no gatilho, tendo inclusive já puxado um pouco o gatilho.

Caso o militar se recuse a disparar, mesmo tendo condições para tanto, pratica o crime de recusa de obediência e se em razão do atraso no disparo, ficar comprovado que o agente infrator matou a vítima, poderá até mesmo responder pelo homicídio da vítima, já que o militar é agente garantidor e responde pelo resultado, na forma do art. 13, § 2º, “a”, do CP e art. 29, § 2º, do CPM.

Na hipótese em que o militar sniper disparar sem autorização, há entendimento que deve responder por homicídio. Ocorre que o disparo do sniper, sem autorização, se o agente infrator estiver colocando em risco a vida de terceiro, não afasta a presença de excludente de ilicitude, pois no mundo real a situação autorizava o disparo, sendo discutível o momento do disparo, o que deve ser dito pelo Comandante. Portanto, entendo que não responde por homicídio, somente por crime militar que, a depender do caso, poderá ser recusa de obediência, inobservância de norma, descumprimento de missão.

Nessas ocorrências complexas, quem decide sobre a vida do agente infrator é ele próprio e não a polícia. O agente tem plena ciência que se não ceder poderá ser morto a qualquer momento. Por vezes é até uma forma do agente infrator praticar suicídio por intermédio da polícia. É o que se chama de “suicide by cop” ou suicídio por policial.

A atribuição para investigar o fato, por envolver crime doloso contra a vida praticado contra civil (art. 9, § 1º, do CPM), para o Superior Tribunal de Justiça (RHC n. 112.726/PR) e para as Polícias Civis, é da Polícia Civil, e para as Polícias Militares, prevalece ser da Polícia Militar.

Por fim, o Comandante que autorizou o disparo e o militar que efetuou o disparo devem ser presos em flagrante? Não, no caso ouve os envolvidos, realiza perícia no local dos fatos e colher as provas e a autoridade policial lavra o despacho não ratificador e, se for o caso, instaura inquérito policial. Essa é a interpretação dos arts. 27, 28 e 246, § 2º, todos do CPPM e art. 304, § 1º, do CPP.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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