O advogado pode acompanhar as diligências policiais, na rua ou na casa de seu cliente?

Imagine que a polícia chegue em uma residência para cumprir um mandado de busca e apreensão ou para realizar uma busca e apreensão sem mandado por haver fundadas razões ou que aborde um veículo ou uma pessoa na rua, ocasião em que o suspeito aciona o advogado que comparece ao local.

Poderá o advogado acompanhar as diligências policiais?

A Constituição Federal assegura que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. (art. 5º, LXIII).

O Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei n. 8.906/94 – dispõe que é direito do advogado “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.” (art. 7º, III) e ainda assegura que os advogados podem ingressar livremente “nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares”. (art. 7º, VI, “b”).

A Lei de Abuso de Autoridade – Lei n. 13.869/19 -, por sua vez, dispõe que é crime de abuso de autoridade “Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado” (art. 20).

Não obstante a Constituição Federal e as leis mencionem “preso”, a interpretação que se deve dar, por se tratar de direito fundamental, é ampliativa, de forma que basta a mera suspeição de recair sobre o agente a prática de infração penal para que ele seja advertido, antes de ser ouvido, mesmo que não esteja preso, de seus direitos constitucionais, inclusive o de constituir advogado.

Essa intepretação também é possível de se extrair do art. 6º, V, do CPP quando afirma que a autoridade policial, logo que tiver conhecimento da infração penal ouvirá o agente, observando-se o direito ao silêncio.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu em mais de uma ocasião que no momento da prisão em flagrante delito o agente deve ser informado de seu direito ao silêncio (STF – RHC: 170843; STF, HC 218.335; STF: HC 80.949/RJ; Rcl 33.711/SP).

Destaco que há decisão do STJ em sentido diverso, isto é, pela desnecessidade de informar o agente previamente de seu direito ao silêncio (AgRg no HC 674.893/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, 5ª Turma, julgado em 14/09/2021, DJe 20/09/2021).

O tema será pacificado pelo STF (Tema 1185), mas ainda não há data prevista para o julgamento.

Feita essas explicações iniciais, vamos ao principal: poderá o advogado acompanhar as diligências policiais?

O ponto central gira em torno da SEGURANÇA.

Os policiais devem verificar se o local oferece segurança para todos os envolvidos.

Ao chegar para realizar uma busca e apreensão, se houver advogado querendo acompanhar, o ideal é que primeiro os policiais certifiquem-se de que o local é seguro, inclusive, para o advogado. Por exemplo, vai entrar na residência para cumprir mandado de busca e apreensão de armas ilegais e tráfico de drogas. A natureza dos crimes demonstra haver um maior risco de confronto, logo, o ideal é a polícia entrar sozinha, dar busca nos envolvidos e com o ambiente seguro, autorizar o advogado a acompanhar. Obviamente, o acompanhamento também depende de haver um número suficiente de policiais para garantir a segurança.

O advogado quer falar com o cliente que está sofrendo uma busca em seu veículo. Os policiais poderão autorizar o acesso, desde que haja condições de segurança.

O acesso ao suspeito deve ocorrer somente após os policiais terem realizado a busca pessoal e se as condições de segurança forem favoráveis. A guarnição está em um local violento? Explique para o advogado e ao saírem desse local autorize o acesso que poderá ocorrer nas proximidades, mas em local seguro, ou na Delegacia de Polícia.

 Por que é importante que o suspeito tenha acesso imediato ao advogado? A estratégia de defesa começa na rua, com orientações ao cliente, inclusive se deve responder ou não os policiais na rua.

Saliento que os policiais não são obrigados a esperarem que o advogado chegue no local para iniciarem as diligências, em razão do princípio da oportunidade e imediatismo da atuação policial. A postergação do início das diligências pode resultar em drogas irem embora pelo vaso sanitário e armas serem arremessadas na casa de vizinhos etc. Já vi essas duas hipóteses acontecerem.

Se não houver ninguém na casa é razoável esperar a chegada do advogado, por um curto tempo, se os envolvidos manifestarem esse interesse.

É sempre recomendável que a busca e apreensão na residência seja filmada pela polícia. Quanto mais transparência, melhor. Fica mais seguro para todos os envolvidos.

Constantemente vimos situações em que a polícia não filma e na justiça o acusado alega inocência e que eventuais drogas ou armas foram plantadas e o resultado acaba sendo a absolvição.

A diligência ser acompanhada por advogado reduz bem a chance de eventual alegação de nulidade ser acolhida posteriormente.

Caso um advogado ou a própria parte filme as diligências, o policial não pode mandar cessar a filmagem sob a alegação de direito de imagem. O fato de estar fardado, em serviço, sobretudo se o local for público ou a casa particular de quem sofre a intervenção estatal, cede espaço para o direito da parte ou advogado filmar a ação. Isso é pacífico na jurisprudência (STF, ADPF 130; STJ, STJ, RMS 38.010-RJ).

Entre os policiais e os advogados deve haver um ótimo relacionamento profissional, com tratamento urbano e cordial de ambos. Os advogados devem entender que a polícia está fazendo o trabalho dela e, realmente, que está em busca de provas que podem incriminar – ou até mesmo inocentar. Os policiais devem entender que os advogados estão fazendo o papel deles, de defenderem seus clientes e buscar erros para anular o processo ou argumentos para comprovar a inocência ou uma redução de pena.

Por fim, o Memorando nº 30.074.2/22 da PMMG versa sobre a conduta dos policiais em ocorrências que advogados participam e, em síntese, orienta que os policiais militares, em Minas Gerais, procedam dessa forma:

Piada com negros e homoafetivos é crime?

Esse tema suscitou muitas discussões, recentemente, em razão da Lei n. 14.532, de 11 de janeiro de 2023, que promoveu diversas alterações na Lei de Racismo – Lei n. 7.716/89 – e acrescentou o art. 20-A.

Art. 20-A. Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação.     (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

A alteração legislativa migrou para a Lei de Racismo o crime de injúria racial ou decorrente de cor, etnia ou procedência nacional.

Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.     (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.       (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

Veja que a lei foi expressa ao prever que as condutas previstas na Lei de Racismo como crime terão a pena aumentada em 1/3 se forem praticadas em contexto de DESCONTRAÇÃO, DIVERSÃO OU RECREAÇÃO.

O crime de injúria previsto no Código Penal exige o elemento subjetivo específico (dolo específico), o que é denominado de animus injuriandi. Isto é, exige que haja a intenção de injuriar.

Ao transportar para a Lei de Racismo o crime de injúria racial ou preconceituosa (art. 2º-A) e criar a referida causa de aumento quando a injúria ou outro crime na Lei de Racismo ocorrer em um contexto de descontração, diversão ou recreação, continuou a exigir a intenção de injuriar?

Tenho visto que a tendência é consolidar que a intenção de injuriar continua sendo exigida e que o animus jocandi (intenção de brincar, ironizar) não foi criminalizado.

Entendo que ao prever causa de aumento para os casos de descontração, diversão ou recreação, visou o legislador coibir toda hipótese de “brincadeiras” com conteúdo racista, preconceituoso, no sentido de extirpar da sociedade as práticas cotidianas de pequenos atos que são reiterados e isso acaba inconscientemente influenciando as pessoas e no todo acaba por fomentar atos de preconceito. Visou combater o racismo estrutural, inconsciente.

A lei visou igualar todas as pessoas, inclusive nas piadas. Não se vê – ou não é comum de se ver – piadas com brancos e héteros e acredito que o legislador quis, com a alteração legislativa, acabar, sobretudo, com as piadas envolvendo negros e homoafetivos, além de piadas que envolvam etnia e procedência nacional. A lei quis coibir piadas com grupos minoritários, em razão da condição de minoritários, visando a proteção integral e superação do preconceito e racismo ao longo do tempo.

Discute-se se as manifestações artísticas e culturais, que decorrem de um direito constitucional e do direito fundamental à liberdade de expressão podem continuar. Da mesma forma que a manifestação artística e cultural está na Constituição Federal, a vedação ao preconceito e ao racismo também encontram proteção constitucional.

Piadas que venham a induzir ou a incitar a discriminação ou preconceito decorrente de cor ou opção sexual também podem caracterizar crime com a referida causa de aumento (art. 20 da Lei de Racismo).

Entendo que não há crime no ato de chamar pessoas próximas, do convívio, por apelidos que a própria pessoa se sinta acolhida. Conheço uma pessoa que é chamada de “Negão” e ao perguntar para ela como quer ser chamada vai responder “Negão”, pois não existe, no caso, qualquer ofensa e sequer o objeto jurídico tutelado pelo tipo penal é ofendido (a proteção de pessoas pertencentes a grupos minoritários).

O tema é muito recente e não sabemos o que os tribunais superiores vão decidir. Fato é que há uma linha muito tênue para se dizer quando haverá ou não crime.