Piada com negros e homoafetivos é crime?

por | 12 fev 2023 | Legislação Comentada

Compartilhe!

Esse tema suscitou muitas discussões, recentemente, em razão da Lei n. 14.532, de 11 de janeiro de 2023, que promoveu diversas alterações na Lei de Racismo – Lei n. 7.716/89 – e acrescentou o art. 20-A.

Art. 20-A. Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação.     (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

A alteração legislativa migrou para a Lei de Racismo o crime de injúria racial ou decorrente de cor, etnia ou procedência nacional.

Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.     (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.       (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

Veja que a lei foi expressa ao prever que as condutas previstas na Lei de Racismo como crime terão a pena aumentada em 1/3 se forem praticadas em contexto de DESCONTRAÇÃO, DIVERSÃO OU RECREAÇÃO.

O crime de injúria previsto no Código Penal exige o elemento subjetivo específico (dolo específico), o que é denominado de animus injuriandi. Isto é, exige que haja a intenção de injuriar.

Ao transportar para a Lei de Racismo o crime de injúria racial ou preconceituosa (art. 2º-A) e criar a referida causa de aumento quando a injúria ou outro crime na Lei de Racismo ocorrer em um contexto de descontração, diversão ou recreação, continuou a exigir a intenção de injuriar?

Tenho visto que a tendência é consolidar que a intenção de injuriar continua sendo exigida e que o animus jocandi (intenção de brincar, ironizar) não foi criminalizado.

Entendo que ao prever causa de aumento para os casos de descontração, diversão ou recreação, visou o legislador coibir toda hipótese de “brincadeiras” com conteúdo racista, preconceituoso, no sentido de extirpar da sociedade as práticas cotidianas de pequenos atos que são reiterados e isso acaba inconscientemente influenciando as pessoas e no todo acaba por fomentar atos de preconceito. Visou combater o racismo estrutural, inconsciente.

A lei visou igualar todas as pessoas, inclusive nas piadas. Não se vê – ou não é comum de se ver – piadas com brancos e héteros e acredito que o legislador quis, com a alteração legislativa, acabar, sobretudo, com as piadas envolvendo negros e homoafetivos, além de piadas que envolvam etnia e procedência nacional. A lei quis coibir piadas com grupos minoritários, em razão da condição de minoritários, visando a proteção integral e superação do preconceito e racismo ao longo do tempo.

Discute-se se as manifestações artísticas e culturais, que decorrem de um direito constitucional e do direito fundamental à liberdade de expressão podem continuar. Da mesma forma que a manifestação artística e cultural está na Constituição Federal, a vedação ao preconceito e ao racismo também encontram proteção constitucional.

Piadas que venham a induzir ou a incitar a discriminação ou preconceito decorrente de cor ou opção sexual também podem caracterizar crime com a referida causa de aumento (art. 20 da Lei de Racismo).

Entendo que não há crime no ato de chamar pessoas próximas, do convívio, por apelidos que a própria pessoa se sinta acolhida. Conheço uma pessoa que é chamada de “Negão” e ao perguntar para ela como quer ser chamada vai responder “Negão”, pois não existe, no caso, qualquer ofensa e sequer o objeto jurídico tutelado pelo tipo penal é ofendido (a proteção de pessoas pertencentes a grupos minoritários).

O tema é muito recente e não sabemos o que os tribunais superiores vão decidir. Fato é que há uma linha muito tênue para se dizer quando haverá ou não crime.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

Fale com o autor

INSTAGRAM

This error message is only visible to WordPress admins
There has been a problem with your Instagram Feed.

Facebook

Mais lidas

  1. A perturbação do trabalho ou do sossego alheios (180.218)
  2. Atividade jurídica para policiais, militares, bombeiros e guardas municipais para fins de concursos públicos (74.673)
  3. A apreensão de arma de fogo com registro vencido (64.035)
  4. A diferença entre “ameaça” e “grave ameaça” para a caracterização dos crimes que exigem “grave ameaça” (62.235)
  5. Distinções entre o crime de furto mediante fraude (art. 155, § 4º, II, do CP) e o estelionato (art. 171 do CP) (61.309)