O policial pode dar um “totó” com a viatura em um carro ou moto em fuga com o fim de forçar uma parada?

O fato mostrado no vídeo abaixo ocorreu em 2001 nos Estados Unidos. Os policiais perseguiram o veículo em fuga após este passar em alta velocidade em uma via e desobedecer às ordens de parada. A perseguição durou mais de 06 minutos, sendo empreendida alta velocidade e o veículo em fuga foi parado pelos policiais após mais de 16 km de fuga.

Em um certo momento o policial que estava na viatura mais próxima solicitou autorização para o Comandante para que pudesse encerrar a perseguição aplicando uma técnica de parar veículos em fuga denominada PIT.

Durante a perseguição o policial deu um totó na traseira do carro, que não é a manobra PIT, o que resultou no acidente que deixou o motorista em fuga tetraplégico.

O vídeo abaixo mostra como a técnica PIT é aplicada.


Em um certo momento o policial que estava na viatura mais próxima solicitou autorização para o Comandante para que pudesse encerrar a perseguição aplicando uma técnica de parar veículos em fuga denominada PIT.
 
Durante a perseguição o policial deu um totó na traseira do carro, que não é a manobra PIT, o que resultou no acidente que deixou o motorista em fuga tetraplégico.

O policial foi levado a julgamento. Nas primeiras instâncias foi negado pela justiça a absolvição, sendo entendido que deveria ser submetido a julgamento perante o tribunal do júri. O policial recorreu e o caso chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos.

Na Suprema Corte os juízes viram pelo vídeo que a versão apresentada pela pessoa que ficou paraplégica é completamente diversa da mostrada no vídeo (um acréscimo: vejam que a gravação salvou o policial). O agente relatou que foi cauteloso e que não colocou a vida de terceiros em risco, razão pela qual foi desproporcional e desnecessário o policial ter parado o veículo da forma como ocorreu, mas a gravação mostra exatamente o contrário, o risco de vida de várias pessoas, o avanço de sinais, os veículos se desviando para não serem atingidos pelo veículo em fuga. A Suprema Corte concluiu que houve  “uma perseguição de carro ao estilo de Hollywood do tipo mais assustador”.

Diante da gravação feita, o que demonstrou a realidade dos fatos e os riscos gerados pelo agente em fuga, a Suprema Corte dos EUA decidiu que a conduta do agente representava uma ameaça real e iminente a pedestres, outros motoristas e aos próprios policiais, razão pela qual a conduta do policial de tocar o carro em fuga por trás foi razoável.

A Suprema Corte decidiu que mesmo quando a vida do motorista em fuga é colocada em risco de lesões graves ou de morte, a conduta do policial no sentido de encerrar uma perigosa perseguição em alta velocidade não viola a Quarta Emenda. A Quarta Emenda da Constituição dos EUA protege os cidadãos norte-americanos de buscas e apreensões arbitrárias do Estado.

Ao final a Suprema Corte dos EUA decidiu por não interferir e estabelecer uma regra que impeça a polícia de atuar nesses casos e deixarem os suspeitos fugirem, pois seria um incentivo perverso para que todo motorista que quisesse fugir imprimiria uma alta velocidade, colocando outras pessoas em risco, e fugiria. Decidiu que a Constituição norte-americana não impõe esse convite à impunidade e estipulou como regra que a tentativa de um policial de encerrar uma perseguição perigosa de um veículo em alta velocidade que coloca em risco a vida de outras pessoas não viola a Constituição, ainda que o motorista em fuga corra discos de ferimentos graves ou de morte.

Os juízes da Suprema Corte destacaram a importância da filmagem de todo o ocorrido para que o policial fosse absolvido sumariamente.

E no Brasil? O “totó” com a viatura com o fim de parar um veículo é permitido?

O Manual Técnico-Profissional n. 3.04.04/2020-CG da PMMG que cuida da abordagem a veículos preconiza que:

e) manter a distância mínima de segurança da viatura em relação ao veículo em fuga. Essa distância poderá ser aumentada para se os ocupantes efetuarem disparos de arma de fogo contra a viatura. Nessas circunstâncias, os policiais militares evitarão revidar a agressão;

Devido aos possíveis resultados que poderão advir dessas ações, recomenda-se ao policial militar que não execute as seguintes medidas:

 • ultrapassar ou emparelhar a viatura com o veículo em fuga, efetuando manobras perigosas (“fechadas”);

 • disparar arma fogo contra o veículo em fuga, pois haverá risco de atingir transeuntes ou prováveis reféns em seu interior.

Como se pode ver, na PMMG a orientação institucional é não encostar a viatura com o veículo em fuga, tendo, inclusive, que manter uma distância de segurança.

No Brasil os policiais são orientados a não forçarem uma parada abrupta dos veículos em fuga.

É difícil dizer como um caso semelhante ao ocorrido nos Estados Unidos seria decidido pelos tribunais no Brasil. Há uma série de fatores a serem avaliados. Há risco de vida para terceiros e para os policiais? Há refém no veículo em fuga? Se parar o veículo em fuga ocorrerá um acidente. Este acidente pode atingir terceiros? Qual é o melhor momento para parar o veículo? Tem helicóptero para acompanhar a fuga? Isso tudo atrelado à atuação policial em meio a um turbilhão de emoções, adrenalina e o calor dos fatos. Caso haja atuação nesses casos, havendo razoabilidade, diante do caso concreto, pode-se falar em estado de necessidade. De toda forma, não é um protocolo recomendável no Brasil.

Ementa do julgado


Scott v. Harris (2007). Suprema Corte dos Estados Unidos da America.
Policial e perseguição de carro em alta velocidade; motorista em fuga em risco de ferimentos graves ou morte; procedimento que termina com acidente e motorista paralisado; ameaça à vida de espectadores; justificada a força letal.

Mulheres vítimas de estupro se lubrificam durante o ato sexual forçado?

Recentemente, a defesa do jogador Daniel Alves alegou, dentre as teses defensivas, que não houve estupro pelo fato da vítima estar lubrificada durante o ato sexual.

Não tenho nenhum conhecimento técnico a respeito dessa alegação da defesa e conversei com uma amiga que é ginecologista e obstetra, Dra. Thayane Delazari, a qual explicou que a alegação da defesa não procede, pois a lubrificação não está relacionada somente com a excitação sexual e, principalmente, a mulher na menacme, que é o período em que está na idade fértil, tem a lubrificação natural da vagina. As glândulas de Bartholin e Skene mantêm a vagina lubrificada. O estado de excitação aumenta a lubrificação, mas não é só isso que faz lubrificar. O líquido pré-ejaculatório que sai do pênis também é responsável, em parte, por lubrificar a vagina da mulher. Tem uma questão hormonal que mantém a vagina úmida independentemente de relação sexual.

O Prof. Alexandre Zamboni, após pesquisar sobre o caso, citou em seu instagram que “existem até mesmo evidências científicas que mostram que mulheres podem ficar excitadas e até mesmo ter orgasmos mesmo durante uma relação sexual não consensual. Um estudo publicado em 2004, na revista científica Journal of Clinical Forensic Medicine, pelos pesquisadores Roy Levin e Willy van Berlo, concluiu que muitas mulheres vítimas de estupro relataram evidências de excitação física, mesmo diante de altos níveis de violência, medo, angústia mental. Isso ocorre tanto devido a uma resposta psicológica quanto fisiológica. A resposta psicológica pode ocorrer quando o abusador é alguém conhecido ou até mesmo um parceiro afetivo da vítima. A resposta física é decorrente de um mecanismo de defesa da própria vagina durante um ato sexual – consentido ou não – para evitar dor e lesões. Isso independe do nível de entusiasmo ou adesão emocional.”

Cientificamente, a alegação defensiva não se sustenta. Sob o ponto de vista jurídico a alegação é válida, em que pese ser uma tese que não acrescenta em nada.

O advogado deve, antes de iniciar a defesa propriamente dita, pensar na melhor estratégia para o cliente de forma a evitar as constantes mudanças de tese, pois isso enfraquece a defesa, e quando for alegar teses que extrapolam o direito e adentram em outra área do saber, deve ter muita cautela, pesquisar consultar um especialista de confiança para saber se a alegação é válida e se contribuirá para a defesa, até porque os juízes têm a possibilidade de nomear peritos para esclarecerem pontos que fogem do conhecimento jurídico.