O policial pode dar um “totó” com a viatura em um carro ou moto em fuga com o fim de forçar uma parada?

por | 12 mar 2023 | Atividade Policial

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O fato mostrado no vídeo abaixo ocorreu em 2001 nos Estados Unidos. Os policiais perseguiram o veículo em fuga após este passar em alta velocidade em uma via e desobedecer às ordens de parada. A perseguição durou mais de 06 minutos, sendo empreendida alta velocidade e o veículo em fuga foi parado pelos policiais após mais de 16 km de fuga.

Em um certo momento o policial que estava na viatura mais próxima solicitou autorização para o Comandante para que pudesse encerrar a perseguição aplicando uma técnica de parar veículos em fuga denominada PIT.

Durante a perseguição o policial deu um totó na traseira do carro, que não é a manobra PIT, o que resultou no acidente que deixou o motorista em fuga tetraplégico.

O vídeo abaixo mostra como a técnica PIT é aplicada.


Em um certo momento o policial que estava na viatura mais próxima solicitou autorização para o Comandante para que pudesse encerrar a perseguição aplicando uma técnica de parar veículos em fuga denominada PIT.
 
Durante a perseguição o policial deu um totó na traseira do carro, que não é a manobra PIT, o que resultou no acidente que deixou o motorista em fuga tetraplégico.

O policial foi levado a julgamento. Nas primeiras instâncias foi negado pela justiça a absolvição, sendo entendido que deveria ser submetido a julgamento perante o tribunal do júri. O policial recorreu e o caso chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos.

Na Suprema Corte os juízes viram pelo vídeo que a versão apresentada pela pessoa que ficou paraplégica é completamente diversa da mostrada no vídeo (um acréscimo: vejam que a gravação salvou o policial). O agente relatou que foi cauteloso e que não colocou a vida de terceiros em risco, razão pela qual foi desproporcional e desnecessário o policial ter parado o veículo da forma como ocorreu, mas a gravação mostra exatamente o contrário, o risco de vida de várias pessoas, o avanço de sinais, os veículos se desviando para não serem atingidos pelo veículo em fuga. A Suprema Corte concluiu que houve  “uma perseguição de carro ao estilo de Hollywood do tipo mais assustador”.

Diante da gravação feita, o que demonstrou a realidade dos fatos e os riscos gerados pelo agente em fuga, a Suprema Corte dos EUA decidiu que a conduta do agente representava uma ameaça real e iminente a pedestres, outros motoristas e aos próprios policiais, razão pela qual a conduta do policial de tocar o carro em fuga por trás foi razoável.

A Suprema Corte decidiu que mesmo quando a vida do motorista em fuga é colocada em risco de lesões graves ou de morte, a conduta do policial no sentido de encerrar uma perigosa perseguição em alta velocidade não viola a Quarta Emenda. A Quarta Emenda da Constituição dos EUA protege os cidadãos norte-americanos de buscas e apreensões arbitrárias do Estado.

Ao final a Suprema Corte dos EUA decidiu por não interferir e estabelecer uma regra que impeça a polícia de atuar nesses casos e deixarem os suspeitos fugirem, pois seria um incentivo perverso para que todo motorista que quisesse fugir imprimiria uma alta velocidade, colocando outras pessoas em risco, e fugiria. Decidiu que a Constituição norte-americana não impõe esse convite à impunidade e estipulou como regra que a tentativa de um policial de encerrar uma perseguição perigosa de um veículo em alta velocidade que coloca em risco a vida de outras pessoas não viola a Constituição, ainda que o motorista em fuga corra discos de ferimentos graves ou de morte.

Os juízes da Suprema Corte destacaram a importância da filmagem de todo o ocorrido para que o policial fosse absolvido sumariamente.

E no Brasil? O “totó” com a viatura com o fim de parar um veículo é permitido?

O Manual Técnico-Profissional n. 3.04.04/2020-CG da PMMG que cuida da abordagem a veículos preconiza que:

e) manter a distância mínima de segurança da viatura em relação ao veículo em fuga. Essa distância poderá ser aumentada para se os ocupantes efetuarem disparos de arma de fogo contra a viatura. Nessas circunstâncias, os policiais militares evitarão revidar a agressão;

Devido aos possíveis resultados que poderão advir dessas ações, recomenda-se ao policial militar que não execute as seguintes medidas:

 • ultrapassar ou emparelhar a viatura com o veículo em fuga, efetuando manobras perigosas (“fechadas”);

 • disparar arma fogo contra o veículo em fuga, pois haverá risco de atingir transeuntes ou prováveis reféns em seu interior.

Como se pode ver, na PMMG a orientação institucional é não encostar a viatura com o veículo em fuga, tendo, inclusive, que manter uma distância de segurança.

No Brasil os policiais são orientados a não forçarem uma parada abrupta dos veículos em fuga.

É difícil dizer como um caso semelhante ao ocorrido nos Estados Unidos seria decidido pelos tribunais no Brasil. Há uma série de fatores a serem avaliados. Há risco de vida para terceiros e para os policiais? Há refém no veículo em fuga? Se parar o veículo em fuga ocorrerá um acidente. Este acidente pode atingir terceiros? Qual é o melhor momento para parar o veículo? Tem helicóptero para acompanhar a fuga? Isso tudo atrelado à atuação policial em meio a um turbilhão de emoções, adrenalina e o calor dos fatos. Caso haja atuação nesses casos, havendo razoabilidade, diante do caso concreto, pode-se falar em estado de necessidade. De toda forma, não é um protocolo recomendável no Brasil.

Ementa do julgado


Scott v. Harris (2007). Suprema Corte dos Estados Unidos da America.
Policial e perseguição de carro em alta velocidade; motorista em fuga em risco de ferimentos graves ou morte; procedimento que termina com acidente e motorista paralisado; ameaça à vida de espectadores; justificada a força letal.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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