A busca pessoal aleatória em aeroportos e aviões

Recentemente, houve muita polêmica a respeito de um passageiro em um avião que foi abordado pela Polícia Federal, cujo fundamento foi a aleatoriedade, isto é, foi sorteado para passar por uma busca pessoal, conforme vídeo abaixo.

Essa conduta é permitida?

A Convenção sôbre Aviação Civil Internacional, concluída em Chicago a 7 de dezembro de 1944 e firmado pelo Brasil, em Washington, a 29 de maio de 1945 (Decreto n. 21.713/1946) prevê que “As leis e regulamentos de um Estado contratante, sôbre a entrada ou a saída de seu território de passageiros, tripulação, ou carga de aeronaves (tais como regulamentos de entrada, despacho, imigração, passaportes, alfândegas e quarentena) deverão ser cumpridas ou observadas pelos passageiros, tripulação ou carga, ou por seu representante, tanto por ocasião de entrada como de saída ou enquanto permanecer no território dêsse Estado.” (art. 13)

O Código Brasileiro de Aeronáutica – Lei n. 7.565/1986 – diz que “A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas legais constantes do bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de ato que cause incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifique a aeronave, impeça ou dificulte a execução normal do serviço.” (art. 232)

O Decreto Federal n. 11.195/2022 trata do Programa Nacional de Segurança da Aviação Civil contra Atos de Interferência Ilícita – PNAVSEC – e prevê a possibilidade de busca aleatória: “Como medida dissuasória adicional de segurança, em razão do nível de ameaça e de fatores de risco, e em frequência compatível com os riscos envolvidos, poderá ser aplicada inspeção de segurança aleatória, incluídas a busca pessoal e a inspeção manual de bagagens, mesmo após a realização de inspeção de segurança da aviação civil por meio de equipamentos”. (art. 92).

A Lei n. 11.182/2005 prevê que cabe à ANAC expedir regras sobre segurança em área aeroportuária e a bordo de aeronaves civis, porte e transporte de cargas perigosas, inclusive o porte ou transporte de armamento, explosivos, material bélico ou de quaisquer outros produtos, substâncias ou objetos que possam pôr em risco os tripulantes ou passageiros, ou a própria aeronave ou, ainda, que sejam nocivos à saúde (art. 8º, XI).

A Agência Nacional de Aviação Civil é uma agência reguladora federal e possui poder normativo e, em cumprimento ao previsto em lei (art. 8º, XI, da Lei n. 11.182/2005) trata dos procedimentos de segurança de em aviação civil na Resolução n. 515/2019 que prevê a possibilidade de busca pessoal aleatória, a saber:

Art. 3º Os procedimentos a serem observados no canal de inspeção de segurança da aviação civil contra atos de interferência ilícita devem atender às seguintes disposições:

V – aleatoriamente e sempre que julgado necessário, os passageiros devem passar por medidas adicionais de segurança, que podem incluir busca pessoal, inspeção manual da bagagem de mão e a utilização de detectores de traços de explosivos – ETD e outros equipamentos de segurança;

Portanto, uma pessoa que passa pelo raio-X no aeroporto pode ser abordada, caso seja sorteada pelo sistema ou se for avaliado que é necessário abordar determinada pessoa.

A busca pessoal deverá ser realizada por APAC do mesmo sexo, devendo ser realizada em local público ou, a pedido do inspecionado, em sala reservada, com discrição e na presença de testemunha (art. 3º, XV, da Resolução n. 515/2019).

Para que o Agente de Proteção da Aviação Civil – APAC – realize a busca pessoal é necessário que haja consentimento do inspecionado (art. 3º, § 1º, da Resolução n. 515/2019).

O art. 232, § 1º, da Código Brasileiro de Aeronáutica prevê que “A autoridade de aviação civil regulamentará o tratamento a ser dispensado ao passageiro indisciplinado, inclusive em relação às providências cabíveis.”

Caso o passageiro recuse a submeter-se a busca pessoal, seu acesso à sala de embarque deverá ser negado e o APAC deverá acionar o órgão de segurança pública responsável pelas atividades de polícia no aeroporto para avaliar a situação (art. 3º, § 2º, da Resolução n. 515/2019).

A Polícia Federal ao ser acionada poderá impedir que o passageiro entre na sala de embarque e determinar que se retire sem realizar a busca pessoal; autorizar que prossiga para a sala de embarque após a busca pessoal ou até mesmo realizar busca pessoal contra a vontade do passageiro, se houver, neste caso, fundada suspeita (art. 244 do CPP).

A pessoa ao comprar passagem de avião sabe que ela poderá ser fiscalizada ao entrar no aeroporto e não poderá negar que sofra os procedimentos de segurança, como busca pessoal (art. 232 do CBA; art. 13 do Decreto n. 21.713/1946; art. 92 do Decreto Federal n. 11.195/2022; art. 3º, V, da Resolução n. 515/2019 da ANAC).

Diante de todo esse cenário, a respeito do caso ocorrido e que viralizou nas redes sociais, tenho que:

a) Se o passageiro tiver sido escolhido aleatoriamente para passar por uma busca pessoal, mas não aceitou ou não esperou, a conduta da Polícia Federal ao entrar na aeronave para revistá-lo foi correta;

b) Se o passageiro não tiver sido escolhido aleatoriamente, tendo a Polícia Federal o escolhido sem critérios, sem justificativa, sem fundamentar, a conduta da Polícia Federal foi errada;

Em se tratando de segurança de aviação civil é perfeitamente possível que ocorram buscas pessoais preventivas. É necessário um alto rigor na segurança de aviação civil, pois qualquer deslize ou falha pode acarretar em consequências catastróficas e quem vai viajar de avião já sabe de antemão que poderá sofrer buscas pessoais.

A busca pessoal prevista no art. 244 do Código de Processo Penal é apenas uma das buscas previstas no ordenamento jurídico, sendo perfeitamente possível a previsão de outras buscas. Alguns exemplos de buscas preventivas:

a) Busca antes de entrar no estádio de futebol ou recinto esportivo (Art. 13-A, III, da Lei n. 10.671/13).

b) Busca realizada por autoridade aduaneira em veículo do exterior com o fim de prevenir e reprimir tráfico e infrações à lei (Art. 37, § 4º, do Decreto-Lei n. 37/66).

c) Busca realizada por particular antes de adentrar em casa noturna. Esta possui natureza privada e decorre de um contrato (Art. 6º, I, do CDC – segurança do serviço prestado).

Em caso de perseguição a moto o policial pode disparar no pneu ou no piloto?

O vídeo abaixo me chamou atenção pela habilidade do piloto da moto da Guarda Municipal. Claramente, a vida e a integridade física do guarda estavam em constante risco durante toda a perseguição e com um domínio incomum conseguiu perseguir o sujeito até rendê-lo. Para pilotar moto da GM ou da PM o policial deve, além de ser voluntário, ter grande domínio e habilidade!

 

Juridicamente, temos os seguintes apontamentos:

a) A fuga, sobretudo no caso do vídeo, claramente é uma situação de fundada suspeita, o que legitima a busca pessoal. Há julgado do STJ que decidiu que a fuga após visualizar a viatura policial não justifica a busca pessoal (HC 811.634).

b) A Portaria Interministerial n. 4.226/2010 do Ministério da Justiça e Secretaria de Direitos Humanos diz no Anexo I, item 4, que “Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.”

c) A Lei n. 13.060/2014 trata do uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública e no art. 2º, parágrafo único, I, diz que não é legítimo o uso de arma de fogo “contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros.”

d) O Manual Técnico-Profissional n. 3.04.04/2020-CG da PMMG recomenda não “disparar arma fogo contra o veículo em fuga, pois haverá risco de atingir transeuntes ou prováveis reféns em seu interior.” Certo que a escrita visou carros, mas o mesmo raciocínio se aplica a motos em relação ao risco de atingir transeuntes.

Em se tratando da fuga em moto há diversas variáveis: a) O indivíduo em fuga coloca em risco diversas pessoas, como se pode ver no vídeo. A depender do caso, se o veículo for utilizado como “arma”, como um carro que sai atropelando pessoas ou que haja grande risco disso ocorrer, o policial está autorizado a disparar em legítima defesa (se houver destinatário certo) ou estado de necessidade (se o perigo não tiver destinatário certo, o que é mais provável); b) O policial efetuar um disparo contra o piloto em fuga tem uma chance alta de errar o disparo e atingir terceiro; c) Caso o policial consiga atingir o piloto este cairá da moto que poderá ir na direção de terceiros e provocar lesões graves ou até a morte; d) Em alguns trechos da perseguição, se o policial conseguir alcançar a moto em fuga pode se utilizar, se houver condições, da pistola de emissão de impulso elétrico; e) Deve-se analisar se tem passageiro na moto e em qual condição está.

Concluo que a regra é não atirar, salvo situações extremas, como o indivíduo na moto que esteja armado e possa atirar ou que haja uma elevada probabilidade de utilizar o veículo como “arma”, atropelar e matar pessoas.

Qual crime pratica quem lança informação falsa de que foi vacinado no sistema ConecteSUS?

Como amplamente divulgado, a Polícia Federal apontou que o ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro, pode ter cometido o crime de inserção de dados falsos em sistema de informações (art. 313-A do CP), crime este que é denominado de peculato eletrônico.

Inserção de dados falsos em sistema de informações (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000))

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

            Veja que para a prática desse crime, no contexto apresentado, é necessário que:

a) Tenha ocorrido a inserção de dados falsos;

b) O agente seja funcionário público autorizado a inserir os dados;

c) A inserção dos dados seja em sistema informatizado ou banco de dados da Administração Pública (seja federal, estadual ou municipal);

d) Haja a finalidade de obter vantagem indevida para o funcionário que inseriu a informação falsa ou para outra pessoa.

a) Tenha ocorrido a inserção de dados falsos.

Isso é muito fácil de comprovar. Basta verificar no sistema se houve a inserção de informações falsas, pois o Presidente da República publicamente disse, por várias vezes, que não vacinou. A não ser que tenha falado que não vacinou, mas tenha vacinado.

b) O agente seja funcionário público autorizado a inserir os dados.

Esse crime somente pode ser praticado por funcionário que possua autorização para inserir dados no sistema eletrônico. Caso o funcionário não possua autorização para inserir os dados no sistema, mas acesse e insira informações falsa praticará, segundo o STJ (HC 1000062/SP), o crime previsto no art. 299, parágrafo único, do Código Penal (falsidade ideológica).

Caso terceiros influenciem ou participem de qualquer moda para que o funcionário público autorizado insira informações falsas no ConecteSUS praticará também o crime previsto no art. 313-A do Código Penal. Inclusive, a qualidade de funcionário público do agente que pratica o crime se comunica a terceiros envolvidos no crime (arts. 29 e 30, ambos do Código Penal). Isto é, terceiros que não são funcionários públicos respondem como se funcionários públicos fossem.

Esse ponto é o mais difícil de ser comprovado, pois necessita demonstrar que a inserção de dados falsas era de conhecimento prévio ou concomitante do Presidente da República à época. Por isso o acesso ao celular do ex-presidente é importante para as investigações. Não se pode presumir que tinha conhecimento, pois cabe à acusação comprovar, assim como nos casos passados envolvendo o atual Presidente.

Tecnicamente, acredito que a defesa alegará três pontos importantes, dentre outros:

  1. O ex-presidente não tinha conhecimento e quem inseriu o dado no sistema visou prejudicá-lo, pois era público e notório que ele não tinha vacinado;
  2. A utilização do Certificado Nacional de Covid-19 pelo ex-presidente em qualquer local seria facilmente perceptível e questionado, já que publicamente diz não ter sido vacinado, mas apresenta certificado que afirma ter vacinado. Isto é, equivaleria a dizer publicamente que praticou crime ou, se tiver participado da inserção da informação falsa, a um crime impossível por ineficácia absoluta do meio.
  3. Li em vários sites e isso certamente será alegado, que o Bolsonaro ingressou nos EUA utilizando-se do passaporte diplomático, que não exige comprovação de vacina pelo Covid-19.

c) A inserção dos dados seja em sistema informatizado ou banco de dados da Administração Pública (seja federal, estadual ou municipal);

Conforme informações extraídas do site do Governo Federal, o Conecte SUS Cidadão é o aplicativo oficial do Ministério da Saúde e a porta de acesso aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) de forma digital. Ele permite que o cidadão acompanhe, na palma da mão, o seu histórico clínico.  O aplicativo Conecte SUS mostra as informações gerais do cidadão, como Carteira Nacional de Vacinação, Certificado Nacional de Covid-19 (…).

Trata-se de um sistema informatizado e banco de dados da Administração Pública Federal.

d) Haja a finalidade de obter vantagem indevida para o funcionário que inseriu a informação falsa ou para outra pessoa.

Ao obter o Certificado Nacional de Covid-19 a pessoa não passa por restrições impostas pelo Governo ou em países ou locais que exigem a vacinação. Logo, é um dado importante, cuja falsificação possui a finalidade de obter vantagem indevida.

Para fechar, dois pontos importantes:

a) Caso um agente, em acordo com um profissional de saúde, simule ter vacinado e o profissional certifique isso e insira a informação falsa no sistema, haverá apenas o crime de peculato eletrônico, pois o documento que afirma ter vacinado foi crime-meio (falsidade ideológica, art. 299 do CP) para a prática do crime-fim (peculato eletrônico, art. 313-A do CP).

b) O Prof. Rodrigo Pardal apontou, precisamente, que para ser documento para fins penais deve-se ter no documento autoridade identificada, isto é, assinatura do responsável pelo preenchimento do documento. Se houver eventual cartão que identifique a vacinação pela Covid-19, mas não constar assinatura do responsável pelo preenchimento, não há crime de falsidade documental. Pode haver inserção de informações falsas no sistema informatizado caracteriza o crime do art. 313-A do CP.

O STJ já decidiu que não há crime na conduta de inserir informação falsa no currículo Lattes, pois não é considerado documento para fins penais, uma vez que não se trata de “documento eletrônico”, que é aquele que possa ter a sua autenticidade aferida por assinatura digital na forma da Medida Provisória n. 2.200-2/2001.