Qual crime pratica quem lança informação falsa de que foi vacinado no sistema ConecteSUS?

por | 4 maio 2023 | Atividade Policial

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Como amplamente divulgado, a Polícia Federal apontou que o ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro, pode ter cometido o crime de inserção de dados falsos em sistema de informações (art. 313-A do CP), crime este que é denominado de peculato eletrônico.

Inserção de dados falsos em sistema de informações (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000))

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

            Veja que para a prática desse crime, no contexto apresentado, é necessário que:

a) Tenha ocorrido a inserção de dados falsos;

b) O agente seja funcionário público autorizado a inserir os dados;

c) A inserção dos dados seja em sistema informatizado ou banco de dados da Administração Pública (seja federal, estadual ou municipal);

d) Haja a finalidade de obter vantagem indevida para o funcionário que inseriu a informação falsa ou para outra pessoa.

a) Tenha ocorrido a inserção de dados falsos.

Isso é muito fácil de comprovar. Basta verificar no sistema se houve a inserção de informações falsas, pois o Presidente da República publicamente disse, por várias vezes, que não vacinou. A não ser que tenha falado que não vacinou, mas tenha vacinado.

b) O agente seja funcionário público autorizado a inserir os dados.

Esse crime somente pode ser praticado por funcionário que possua autorização para inserir dados no sistema eletrônico. Caso o funcionário não possua autorização para inserir os dados no sistema, mas acesse e insira informações falsa praticará, segundo o STJ (HC 1000062/SP), o crime previsto no art. 299, parágrafo único, do Código Penal (falsidade ideológica).

Caso terceiros influenciem ou participem de qualquer moda para que o funcionário público autorizado insira informações falsas no ConecteSUS praticará também o crime previsto no art. 313-A do Código Penal. Inclusive, a qualidade de funcionário público do agente que pratica o crime se comunica a terceiros envolvidos no crime (arts. 29 e 30, ambos do Código Penal). Isto é, terceiros que não são funcionários públicos respondem como se funcionários públicos fossem.

Esse ponto é o mais difícil de ser comprovado, pois necessita demonstrar que a inserção de dados falsas era de conhecimento prévio ou concomitante do Presidente da República à época. Por isso o acesso ao celular do ex-presidente é importante para as investigações. Não se pode presumir que tinha conhecimento, pois cabe à acusação comprovar, assim como nos casos passados envolvendo o atual Presidente.

Tecnicamente, acredito que a defesa alegará três pontos importantes, dentre outros:

  1. O ex-presidente não tinha conhecimento e quem inseriu o dado no sistema visou prejudicá-lo, pois era público e notório que ele não tinha vacinado;
  2. A utilização do Certificado Nacional de Covid-19 pelo ex-presidente em qualquer local seria facilmente perceptível e questionado, já que publicamente diz não ter sido vacinado, mas apresenta certificado que afirma ter vacinado. Isto é, equivaleria a dizer publicamente que praticou crime ou, se tiver participado da inserção da informação falsa, a um crime impossível por ineficácia absoluta do meio.
  3. Li em vários sites e isso certamente será alegado, que o Bolsonaro ingressou nos EUA utilizando-se do passaporte diplomático, que não exige comprovação de vacina pelo Covid-19.

c) A inserção dos dados seja em sistema informatizado ou banco de dados da Administração Pública (seja federal, estadual ou municipal);

Conforme informações extraídas do site do Governo Federal, o Conecte SUS Cidadão é o aplicativo oficial do Ministério da Saúde e a porta de acesso aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) de forma digital. Ele permite que o cidadão acompanhe, na palma da mão, o seu histórico clínico.  O aplicativo Conecte SUS mostra as informações gerais do cidadão, como Carteira Nacional de Vacinação, Certificado Nacional de Covid-19 (…).

Trata-se de um sistema informatizado e banco de dados da Administração Pública Federal.

d) Haja a finalidade de obter vantagem indevida para o funcionário que inseriu a informação falsa ou para outra pessoa.

Ao obter o Certificado Nacional de Covid-19 a pessoa não passa por restrições impostas pelo Governo ou em países ou locais que exigem a vacinação. Logo, é um dado importante, cuja falsificação possui a finalidade de obter vantagem indevida.

Para fechar, dois pontos importantes:

a) Caso um agente, em acordo com um profissional de saúde, simule ter vacinado e o profissional certifique isso e insira a informação falsa no sistema, haverá apenas o crime de peculato eletrônico, pois o documento que afirma ter vacinado foi crime-meio (falsidade ideológica, art. 299 do CP) para a prática do crime-fim (peculato eletrônico, art. 313-A do CP).

b) O Prof. Rodrigo Pardal apontou, precisamente, que para ser documento para fins penais deve-se ter no documento autoridade identificada, isto é, assinatura do responsável pelo preenchimento do documento. Se houver eventual cartão que identifique a vacinação pela Covid-19, mas não constar assinatura do responsável pelo preenchimento, não há crime de falsidade documental. Pode haver inserção de informações falsas no sistema informatizado caracteriza o crime do art. 313-A do CP.

O STJ já decidiu que não há crime na conduta de inserir informação falsa no currículo Lattes, pois não é considerado documento para fins penais, uma vez que não se trata de “documento eletrônico”, que é aquele que possa ter a sua autenticidade aferida por assinatura digital na forma da Medida Provisória n. 2.200-2/2001.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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