A imunidade parlamentar se estende ao militar que critica o Comando? O militar que curte ou compartilha post crítico ao Comandante pratica crime?

por | 17 abr 2024 | Atividade Policial

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Essas questões são importantes de serem esclarecidas, pois não é incomum que parlamentares postem vídeos nas redes sociais com críticas contundentes ao Comandante ou ao Governador, ocasião em que militares podem comentar, curtir ou compartilhar.

Quando haverá crime militar nesses casos?

O crime mais comum nesses casos, por parte de militares, é o crime militar de crítica indevida, que o STF já decidiu ser constitucional (ADPF 475).

O senador, deputado, vereador que seja militar da reserva, a par das divergências, pode praticar o crime militar de crítica indevida (art. 166 do CPM), entretanto, se a crítica for realizada no exercício do mandato parlamentar, em conexão com as funções, haverá imunidade material. Nesse sentido já decidiu o STF (Inq. 2.295-1).

O parlamentar, ainda que seja militar da reserva, que faz duras críticas ao Governador ou ao Comandante, desde que guardem pertinência com suas funções parlamentares, está amparado pela imunidade material (art. 53 e art. 27, § 1º, ambos da CF). Não há o crime militar de crítica indevida (art. 166 do CPM). Quem exerce cargo público, sobretudo de grande envergadura, está sujeito a sofrer críticas ácidas, duras… Faz parte do jogo democrático! Obviamente, não se admite discurso de ódio e ofensas!

A natureza jurídica da excludente decorrente de imunidade material é controvertida. Há decisões do STF que afirmam excluir a tipicidade Inq 3677) e outras que afirmam excluir a ilicitude (Pet 7634). Na doutrina há várias outras correntes. Fato é que diante do entendimento do STF, seja pela exclusão da tipicidade ou da ilicitude, o partícipe não será punido. Isso porque prevalece no Brasil a adoção da teoria da acessoriedade limitada, segundo a qual a punição do partícipe exige que o fato seja típico e ilícito.

Dessa forma, o parlamentar que faz severas críticas ao comando e conta com a participação de militares durante as críticas, em tese, neste caso, será extensível aos militares a imunidade material. A Súmula n. 245 do STF (A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa), segundo a doutrina majoritária, aplica-se à imunidade formal e não material, em razão de sua natureza jurídica. Esse é o raciocínio jurídico e doutrinário que prevalece!

Diversa é a situação do militar que comenta vídeos nas redes sociais com críticas ao Governador ou Comandante, vindo a chancelar as críticas, apoiar, reforçar ou incentivá-las, pois não se trata de participação no ato do parlamentar, o que somente pode ocorrer antes ou durante o discurso parlamentar, mas nunca após, pois se trata de nova prática de ato sem estar acobertado pela imunidade material. Isto é, comentários críticos de militares posteriores à fala do parlamentar são novos comentários após cessada a imunidade e, portanto, pode configurar crime.

É bom destacar que o parlamentar tem imunidade para realizar as críticas, desde que guarde conexão com a função, mas o militar que não estiver junto do parlamentar no momento das críticas, não terá a extensividade da imunidade. Logo, responderá normalmente pelo crime militar de crítica indevida.

O parlamentar que provoca ou incentiva a tropa a praticar crimes (motim decorrente de greve, recusa de obediência, desrespeito a superior, crítica indevida etc.) não está acobertado pela imunidade material, como decidiu o STF no caso Daniel Silveira (AP 1044/DF. A liberdade de expressão não pode ser usada para a prática de atividades ilícitas ou para a prática de discursos de ódio, contra a democracia ou contra as instituições).

O fato de o militar curtir e/ou compartilhar vídeos ou posts que criticam o comando, por si só, não é suficiente para caracterizar o crime militar de crítica indevida. Entretanto, poderá configurar transgressão disciplinar. Nesse sentido já decidiu o STJ, a saber:

É possível inferir que, ao compartilhar a manifestação de outra pessoa em rede social, o texto passa a ser exibido na página pessoal daquele que compartilhou, tornando-a visível a seus amigos e, por vezes, a terceiros, o que claramente propaga a publicação inicial.

Não é suficiente, no entanto, para fins de responsabilização penal, o mero ato de compartilhar dada notícia, sem que se aduza qualquer circunstância que possa identificar, no ato de compartilhar, o animus dirigido a reproduzir uma crítica ao “ato de seu superior ou ao assunto atinente à disciplinar militar” (CPM, art. 166).

(RHC n. 75.125/PB, relator Ministro Nefi Cordeiro, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 25/10/2016, DJe de 18/11/2016.)

Militar que compartilha imagem com texto crítico a superior em grupo de whatsapp, ainda que não seja o criador da imagem, pratica o crime militar de crítica indevida (art. 166 do CPM), pois o ato de compartilhamento já se configura como crítica.

No caso o militar encaminhou para um grupo de whatsapp com 256 pessoas uma imagem contendo, dentre outras, foto do Governador e do Comandante-Geral com o seguinte conteúdo:

“Não deram a data-base. Vão acabar com a Licença Especial. Querem ferrar com a PM na reforma da previdência (Carta de Vitória) e o Comando da PM concede a maior honraria da PMPR (Medalha Cel Sarmento) ao Governador e ao Chefe da Casa Civil. O que eles fizeram para merecer tal honra? Explique aí Cel. Péricles!!! [sic]”

(TJ-PR – APL: 00286243820198160013 Curitiba 0028624-38.2019.8.16.0013 (Acórdão), Relator: substituto benjamim acacio de moura e costa, Data de Julgamento: 29/04/2023, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 08/05/2023)

Não é possível afirmar com segurança que quem curte ou compartilha conteúdos críticos ao Comando, sem tecer comentários ou endossá-los, em que pese fazer a postagem ganhar mais engajamento, praticará o crime militar de crítica indevida. Não há julgados consolidados e foi possível encontrar julgado pela absolvição e condenação. Tudo vai depender da análise do caso concreto. Fato é que o militar fica sujeito a responder pelo crime militar de crítica indevida.

Quem compartilha esses conteúdos em grupos grandes ou de pessoas desconhecidas, bem como nas redes sociais, assume um risco de ser interpretado como um apoio à crítica e fica vulnerável a sofrer ação penal por crítica indevida. Diversa é a situação de quem compartilha em um grupo restrito de amigos próximos ou para pessoas determinadas, em razão da proximidade.

A análise será do elemento subjetivo de quem compartilha, se há apenas o ânimo de narrar, de divulgar ou se o dolo é de criticar.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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