A Polícia Militar atua em ocorrências de esbulho possessório sem repercussão criminal?

por | 24 abr 2024 | Atividade Policial

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O papel da Polícia Militar é muito mais amplo do que atender ocorrências em que haja a prática de crimes, pois a PM atua na preservação da ordem pública, que é um conceito mais amplo do que a prevenção e repressão criminal.

A preservação da ordem pública engloba a convivência pacífica e harmoniosa, a prevenção a ilícitos civis e criminais, o bom convívio social.

A convivência em sociedade permite situações conflituosas que não possuem repercussão criminal, apenas cível, como os casos de esbulho possessório, em que um terceiro toma ou entra ilegalmente no imóvel fora dos casos que configura o crime de esbulho possessório.

Para que haja o crime de esbulho possessório a invasão deve ocorrer mediante violência a pessoa ou grave ameaça ou mediante concurso de pelo menos três pessoas e devem ter o fim de tomar a posse para si (esbulho possessório), não caracterizando o crime o simples ingresso na propriedade alheia desabitada.

Caso a invasão, ainda que haja somente um agente, ocorra com o fim de esbulho possessório, a uma casa que seja financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação, o crime será o previsto no art. 9º da Lei n. 5.741/71. Em se tratando de invasão, com a intenção de ocupar, terra da União, dos Estados ou dos Municípios, ainda que seja um agente, o crime será o previsto no art. 20 da Lei n. 4.947/66.

Nota-se que em todos os casos deve haver a intenção de ocupar o imóvel e não caracteriza o crime de esbulho possessório o simples fato de entrar.

Ingressar ilegalmente em imóvel não caracteriza, necessariamente, o crime de violação de domicílio (art. 150 do CP), pois este tem por finalidade proteger a intimidade (art. 5º, X, da CF), a vida privada, o direito à paz, ao sossego, à tranquilidade como decorrência da inviolabilidade domiciliar, que é um direito fundamental (art. 5º, XI, da CF).

O art. 150, § 4º, I, do Código Penal afirma que a expressão “casa” compreende qualquer compartimento habitado, que significa qualquer espaço destinado à ocupação humana, como casas, apartamentos, quartos de hotel e de motel, barcos, boleia de caminhão, abrigo debaixo de pontes e viadutos etc.

Nesse sentido, tendo em vista o bem jurídico tutelado (privacidade) e que um compartimento desabitado não é considerado “casa” para fins violação de domicílio, caso um agente adentre, sem autorização, em uma casa desabitada, como uma que não tem morador e está à venda, não haverá crime de violação de domicílio. O mesmo raciocínio se aplica a terrenos que estejam à venda.

Diante desse contexto, perceba que é possível a ocorrência de invasão de terreno, imóvel, sem que haja crime, cuja proteção deve ser buscada no direito civil e pode ocorrer, inclusive, imediatamente, sem necessidade de ajuizar ação judicial. O nome disso é desforço imediato.

O desforço imediato (arts. 1.210, § 1º, e 1.224, ambos do Código Civil) consiste na autoproteção de seu imóvel. Isto é, o proprietário de um imóvel pode expulsar uma pessoa que adentre ao seu imóvel utilizando-se da força moderada, ainda que não haja autorização judicial, desde que atue tão logo saiba que seu imóvel foi invadido.

Permitir que o cidadão se utilize do desforço imediato sem que haja um amparo estatal acabará por resultar na prática de crimes, como dano, lesão corporal e até mesmo em homicídio. Além do mais, o cidadão que não puder contar com o apoio do estado para exercer o desforço imediato, acaba tendo o seu direito esvaziado, já que na prática pode ser muito difícil para um particular conseguir retirar outro, pacificamente, de um imóvel invadido.

A Polícia Militar é o contraponto da violência, previne, evita a sua ocorrência quando presente. O papel constitucional e social da Polícia Militar vai muito além de prevenir crimes. A Polícia Militar permite que os cidadãos exerçam os mais diversos direitos no dia a dia ao tutelar a ordem pública.

É importante destacar que a Polícia Militar já atua em invasões de terra em cumprimento a ordem judicial, ainda que não decorra de crime. A diferença decorre do fator tempo. O desforço imediato exige a atuação tão logo o proprietário/morador saiba que o imóvel foi invadido. Caso o possuidor do direito não se utilize do desforço imediato terá que ingressar com uma ação possessória e a decisão judicial, caso haja necessidade para o seu cumprimento, contará com o apoio da Polícia Militar e o mesmo pode ocorrer para a resolução dos conflitos extrajudicialmente.

Se a Polícia Militar não atuar nesses casos, como o cidadão exercerá o direito ao desforço imediato? Qual órgão do estado concederia esse apoio? Deixar na mão do particular para resolver isso sozinho fomentaria a selvageria. A simples presença da PM, na maioria dos casos, seria suficiente e, se for necessário, está autorizado a usar a força moderada para retirar o(s) invasor(es).

Em uma situação na qual um cidadão entre em uma casa desabitada ou terreno à venda, sem situação que caracterize crime, a Polícia Militar pode ser acionada para apoiar o desforço imediato, que deve ocorrer com a retirada do indivíduo que entrou indevidamente no imóvel, sem que, para isso, faça-se necessário autorização judicial.

Tem-se, portanto, um exemplo de atuação da Polícia Militar em ocorrência de natureza cível.

Sobre o autor

Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante. Fundador do site “Atividade Policial”.

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