Na dinâmica do crime, em especial, do tráfico de drogas, não é incomum que os criminosos busquem mudar de casa de tempos em tempos com a finalidade de dificultar que sejam descobertos ou eventuais ações da polícia.
Diante desse panorama surge a discussão da possibilidade do mandado de busca e apreensão expedido poder ser cumprido em endereço diverso daquele constante no pedido feito pela autoridade policial, caso se demonstre que o agente mudou de endereço subitamente com o fim de resguardar o seu comércio ilícito de drogas. Trata-se da denominada “adesividade do mandado de busca e apreensão”, o que ocorre mediante autorização judicial.
Tome como exemplo que uma investigação aponte o endereço que o traficante utiliza para vender drogas, o Delegado de Polícia requer o mandado de busca e apreensão e ao cumpri-lo detecta que o agente se mudou, rapidamente, para evitar a apreensão das drogas e, consequentemente, a prisão. Neste caso, poderá a autoridade policial diligenciar para descobrir de imediato o novo endereço e utilizar-se do mesmo mandado de busca e apreensão para ingressar na nova casa do investigado, ainda que no mandado não conste o novo endereço? Ou será necessário relatar essas circunstâncias e requerer novo mandado de busca e apreensão?
O Código de Processo Penal prevê no art. 243, I, que o mandado de busca deverá indicar o mais precisamente possível a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador.
Art. 243. O mandado de busca deverá:
I – indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;
O art. 5º, XI, da Constituição Federal assegura a possibilidade de se ingressar na residência, durante o dia, mediante autorização judicial.
Nota-se que o Código de Processo Penal prevê que o mandado deve indicar o local que sofrerá a busca o “mais precisamente possível”, o que permite afirmar que em situações de mudança repentina de endereço com a finalidade de se esquivar das investigações, da atuação policial, a polícia poderá, ainda que não haja no mandado o novo endereço, diligenciar de imediato e cumpri-lo no novo endereço, pois, além da proteção constitucional da inviolabilidade domiciliar visar tutelar o morador e não o espaço físico, o CPP autoriza a indicação do endereço na medida do possível.
Em qualquer caso o cumprimento do mandado de busca e apreensão no novo endereço do investigado que se mudou subitamente deverá contar com autorização judicial, o que pode ocorrer na autorização inicial de busca e apreensão, não como uma espécie de “cheque em branco” para entrar em qualquer residência, mas sim na nova residência do investigado.
Na impossibilidade do mandado de busca e apreensão ser cumprido de imediato na nova casa do investigado haverá por prejudicar toda a diligência, em razão do princípio da oportunidade e por malferir o fator surpresa, pois o agente tomará conhecimento de que contra ele há investigação em andamento e mandado de busca e apreensão, fazendo com que destrua as provas contra ele e mude novamente de endereço.
De toda forma, antes de cumprir o mandado de busca e apreensão, a autoridade policial deve ter a cautela necessária para certificar que o endereço do investigado está atualizado.
A evolução do crime, a dinâmica de atuação dos infratores e a complexidade das investigações não podem engessar a repressão ao crime, sob o fundamento de tutela de direitos fundamentais, como se pudessem ser utilizados para proteger a prática de ilícitos penais.
O tema é recente e não encontrei decisões dos tribunais superiores o que, com o tempo, começará a ser enfrentado pelo STF e STJ.
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná possui decisão que chancelou a legalidade da adesividade do mandado de busca e apreensão. (TJ-PR – HC: 00240616920218160000 Ampére 0024061-69.2021.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Paulo Roberto Vasconcelos, Data de Julgamento: 03/08/2021, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 13/08/2021).
• Art. 1º, III • Art. 5º, VI, VIII • Art. 6º • Art. 15, IV • Art. 42 • Art. 143, § 1º • Art. 144
Lei n. 8.239/91
• Art. 3º
Lei n. 9.394/96
• Art. 7º-A
Código de Processo Penal
•Art. 436 • Art. 438
Código Eleitoral
• Art. 120, § 4º • Art. 365
• STF. Plenário. RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 19/11, 25/11 e 26/11/2020 (Repercussão Geral – Tema 386)
• STF. Plenário. RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 19/11, 25/11 e 26/11/2020 (Repercussão Geral – Tema 386)
• Direitos fundamentais • Princípio da concordância prática ou da harmonização • Princípio da unidade da Constituição • Princípio da razoabilidade • Princípio da isonomia
• Bíblia
Síntese:
a) O respeito às religiões sempre deve ocorrer e por mais que se pense diferente e discorde de um pensamento religioso, isso não deve interferir nas decisões, sob a alegação de que não verifica prejuízo à liberdade religiosa ao determinar que pratique uma conduta ou deixe de praticá-la, pois o sentimento e a consciência de outras pessoas cabe exclusivamente a essas pessoas, o que é, em absoluto, impossível de ser mensurado por quem está do lado de fora. Logo, jamais um pensamento religioso, para alguns, deve ser visto como “bobagem” ou irrelevante. Há determinados religiosos que preferem a morte a executar determinadas condutas ou aceitar certos atos, como uma Testemunha de Jeová que se recusa a receber sangue, ciente de que poderá morrer, ou se recusa a participar de guerras, como ocorreu na 2ª Guerra Mundial, em vários países, cientes de que poderiam ser condenados à pena de morte ou presos. Como dizem, “a liberdade religiosa é a mãe das outras liberdades”.
b) Não é possível dizer que o policial que alega escusa de consciência possui o direito incondicional de não trabalhar no dia sagrado, pois depende de uma série de avaliações por parte da Administração Pública que deverá decidir de forma fundamentada. Obviamente, o gestor público deve facilitar a liberação do religioso e somente quando, realmente, não for possível, deve indeferir o pedido com fundamentos concretos.
c) As Testemunhas de Jeová que optarem por seguir rigorosamente os preceitos religiosos em relação a não portar arma, em razão dos riscos de se envolverem em uma troca de tiros e vir a tirar a vida de uma pessoa, sendo que somente o Dador da vida está autorizado a tirá-la, não está apto para exercer a atividade policial, já que o uso da arma é inerente à profissão, assim como o ato de julgar é inerente ao juiz. Mutatis mutandis, seria o mesmo que admitir que uma pessoa pertencente, hipoteticamente, a uma religião que não permite que homens julguem homens, pois o julgamento cabe a Deus, se torne juiz. Nota-se haver um ônus excessivo para a Administração Pública e a impossibilidade do exercício da função. Nestes casos, quando o fundamento religioso contraria o cerne, a essência da instituição, não é possível compatibilizar o trabalho para que atenda aos preceitos religiosos.
d) Em relação à troca de tiros, dentro da concepção de que o policial é uma autoridade para Deus e pode fazer uso de arma de fogo, alguns teólogos adventistas defendem que não seria permitido matar, outros, contudo, entendem que não há relação com esse mandamento porque o termo em língua original não trata de homicídio de forma geral e sim de assassinato, de modo que se o policial mata uma pessoa no exercício de sua profissão, dentro dos parâmetros estabelecidos por lei e pelo estado, ele não está cometendo assassinato, desta forma, não se encaixaria no mandamento “não matarás”. Em relação às Testemunhas de Jeová, estas possuem orientação no sentido de que a atividade policial não deve ser desenvolvida pelos seus membros em razão do uso da arma de fogo. Além disso, entendem que ao fazer uso da arma a pessoa será culpada pelo sangue, sendo que somente o Dador da vida está autorizado a tirá-la.
e) No que tange ao tributo de sangue, a princípio o tributo de sangue demonstra não ser possível na vida das Testemunhas de Jeová, pois não estão disponíveis para o confronto, razão pela qual não há como jurar o sacrifício da própria vida, a não ser que cumpram este juramento em atividades que não envolvam confronto, como o salvamento de uma pessoa em uma casa em chamas ou opte por, em situação de risco decorrente do confronto, não enfrentá-lo e dar a própria vida. Não foram encontradas informações sobre o assunto em relação às demais religiões estudadas e acredito não haver óbices para a realização do tributo de sangue, já que podem portar arma de fogo e serem policiais, sendo o juramento inerente à atividade policial.
f) Quanto à continência e sinais de respeito às autoridades, à Bandeira Nacional e ao Hino Nacional, a primeira corrente funda-se na impossibilidade de se prestar continência, na medida em que a liberdade religiosa, enquanto direito fundamental, deve prevalecer em relação aos sinais de respeito impostos institucionalmente. Nessa ponderação de valores entre liberdade religiosa e escusa de consciência (art. 5º, VI e VIII, da CF) e continência, como ato decorrente de normas infraconstitucionais, prevalece o direito fundamental. A segunda tem como argumento o dever de se prestar continência, uma vez que as instituições militares possuem patamar constitucional e a hierarquia e disciplina, são previstas constitucionalmente (arts. 42 e 142), assim como a liberdade religiosa e a escusa de consciência (art. 5º, VI e VIII). A continência possui fundamento histórico, cultural e constitucional, pois é um ato decorrente da hierarquia e disciplina, sendo que as normas infraconstitucionais somente regulamentam a forma de se prestar continência que não passa de um ato de respeito, sem configurar qualquer tipo de adoração. Não é razoável e constitui grave ofensa às instituições permitir que um militar seja desobrigado de prestar continência às autoridades, Bandeira Nacional e Hino Nacional.
g) Quanto ao corte de cabelo e da barba, a liberdade religiosa e a escusa de consciência possuem proteção constitucional. Constituem um direito fundamental. A estética militar (corte de cabelo) é muito importante, por razões históricas e culturais, mas possui previsão regulamentar, razão pela qual prevalece o direito fundamental à liberdade religiosa e a escusa de consciência.
h) Quanto àexigência do uso de saia e de vestimentas próprias pela religião durante o exercício da atividade profissional, depende de cada caso, se o serviço é operacional ou administrativo. Caso seja operacional é possível atender aos fundamentos religiosos, caso não haja riscos para a atividade-fim. Caso o serviço seja administrativo deve-se atender à liberdade religiosa e à escusa de consciência.
A atividade policial é extremamente dinâmica e exige constante preparo e treino para que o profissional de segurança pública possua condições de lidar com as mais diversas situações, muitas delas em momentos de alta tensão e sem tempo para decidir ou realizar consultas.
A utilização de arma de fogo, a real possibilidade de utilizá-la e participar de uma “troca de tiro”; a realização de abordagens e prisões na rua; o trabalho a qualquer dia da semana e época do ano com horário para sair, sem hora para chegar, com risco, inclusive, de não chegar mais; a exigência, nas instituições militares, do corte de cabelo curto e periódico; o uso padronizado de fardas; o ato de prestar continência entre os militares e à bandeira nacional, dentre outros, são aspectos que devem ser analisados e considerados ao se analisar o direito fundamental à liberdade religiosa.
A laicidade do Estado assegura a liberdade de consciência e crença, porém, resta saber se o direito a não intervenção do Estado nesta liberdade interfere na atividade policial de modo a exigir do policial a prática de conduta ainda que em desacordo de suas convicções religiosas.
Em 2016 foi lançado o filme “Até o Último Homem”, dirigido por Mel Gibson, que teve grande repercussão mundial e concorreu a diversas premiações. O filme é baseado no Livro “Soldado Desarmado” (da editora Casa Publicadora Brasileira1) e conta a história do soldado Desmond Doss, socorrista norte-americano que foi para a Batalha de Okinawa com a condição de não fazer uso de arma de fogo porque era contrário à sua crença religiosa. O soldado era adventista do sétimo dia e invocou a escusa de consciência para ir à batalha sem fazer uso de armas, o que lhe foi autorizado. Em razão de sua escolha, durante a batalha foi rechaçado e ridicularizado pelos colegas e superiores, chegando a sofrer agressão física face o seu posicionamento, contudo, manteve-se firme na sua crença por entender que, embora devesse respeitar a Lei e os superiores, a exigência do uso da arma ia de encontro a sua crença, o que não poderia admitir. Na batalha, o socorrista salvou 75 (setenta e cinco) homens em cinco horas e tal ato fez com que recebesse a Medalha de Honra e ficou conhecido como “o mais improvável dos heróis”. O soldado foi a primeira pessoa a receber a medalha de honra após invocar a objeção de consciência.
1. O direito fundamental à escusa de consciência
A escusa de consciência é o direito fundamental (art. 5º, VIII, da CF) que uma pessoa possui de se recusar a cumprir com determinada obrigação ou a realizar uma atividade ou praticar um ato por contrariar suas convicções e crenças religiosas, filosóficas ou políticas.
Art. 5º (…)
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Trata-se de norma de eficácia contida, pois a escusa de consciência, também denominada de “objeção de consciência” ou “alegação de imperativo de consciência” é plenamente exercitável sem que haja qualquer consequência para a pessoa, enquanto não houver lei que imponha as consequências. É, portanto, uma norma de aplicabilidade direta, imediata, mas que pode ser restringida pelo legislador, pois o próprio inciso VIII do art. 5º autoriza a fixação de prestação alternativa, desde que seja em lei.
O exercício do direito à escusa de consciência não isenta a pessoa de responsabilidades e de obrigações, pois deverá cumprir prestação alternativa fixada em lei, sob pena de ter os direitos políticos suspensos (art. 15, IV, da CF).
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;
Enquanto não houver lei (Poder Legislativo) não há nenhuma consequência para aquele que exercer o direito à escusa de consciência.
O exemplo mais comum de escusa de consciência encontra previsão no art. 143, § 1º, da Constituição Federal, e consiste no serviço militar obrigatório, em tempo de paz, para os homens.
Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.
§ 1º Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar. (Regulamento) (destaque nosso)
A Lei n. 8.239/91 regulamenta o art. 143, §§ 1º e 2º da Constituição Federal e disciplina a prestação de serviço alternativo.
Art. 3º O Serviço Militar inicial é obrigatório a todos os brasileiros, nos termos da lei.
§ 1º Ao Estado-Maior das Forças Armadas compete, na forma da lei e em coordenação com os Ministérios Militares, atribuir Serviço Alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência decorrente de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.
§ 2° Entende-se por Serviço Alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter essencialmente militar.
§ 3º O Serviço Alternativo será prestado em organizações militares da ativa e em órgãos de formação de reservas das Forças Armadas ou em órgãos subordinados aos Ministérios Civis, mediante convênios entre estes e os Ministérios Militares, desde que haja interesse recíproco e, também, sejam atendidas as aptidões do convocado.
§ 4o O Serviço Alternativo incluirá o treinamento para atuação em áreas atingidas por desastre, em situação de emergência e estado de calamidade, executado de forma integrada com o órgão federal responsável pela implantação das ações de proteção e defesa civil. (Incluído pela Lei nº 12.608, de 2012)
§ 5o A União articular-se-á com os Estados e o Distrito Federal para a execução do treinamento a que se refere o § 4odeste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.608, de 2012) (destaque nosso)
A participação como jurado no tribunal do júri é outro exemplo de obrigação (art. 436 do CPP), sendo possível que o sorteado alegue escusa de consciência, na forma do art. 438 do Código de Processo Penal.
Caso o jurado invoque razões de ordem religiosa, filosófica ou política para não participar do júri o juiz deverá excluí-lo e fixar prestação alternativa.
Art. 436. O serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
Art. 438. A recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto.(Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 1o Entende-se por serviço alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 2o O juiz fixará o serviço alternativo atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) (destaque nosso)
A Lei n. 9.394/96, com a alteração dada pela Lei n. 13.796/19, passou a prever a possibilidade do aluno ausentar-se da prova ou da aula marcada, caso haja incompatibilidade com os preceitos religiosos do aluno, devendo a instituição atribuir uma das prestações alternativas fixadas em lei, quais sejam:
a) prova ou aula de reposição, conforme o caso, a ser realizada em data alternativa, no turno de estudo do aluno ou em outro horário agendado com sua anuência expressa;
b) trabalho escrito ou outra modalidade de atividade de pesquisa, com tema, objetivo e data de entrega definidos pela instituição de ensino.
Art. 7º-A Ao aluno regularmente matriculado em instituição de ensino pública ou privada, de qualquer nível, é assegurado, no exercício da liberdade de consciência e de crença, o direito de, mediante prévio e motivado requerimento, ausentar-se de prova ou de aula marcada para dia em que, segundo os preceitos de sua religião, seja vedado o exercício de tais atividades, devendo-se-lhe atribuir, a critério da instituição e sem custos para o aluno, uma das seguintes prestações alternativas, nos termos do inciso VIII do caput do art. 5º da Constituição Federal: (Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019)(Vigência)
I – prova ou aula de reposição, conforme o caso, a ser realizada em data alternativa, no turno de estudo do aluno ou em outro horário agendado com sua anuência expressa; (Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019)(Vigência)
§ 2º O cumprimento das formas de prestação alternativa de que trata este artigo substituirá a obrigação original para todos os efeitos, inclusive regularização do registro de frequência. (Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019)(Vigência)
O serviço público eleitoral é de natureza obrigatória e a lei não faculta a alegação de escusa de consciência pelo mesário nomeado (art. 365 do Código Eleitoral). Em que pese não haver previsão em lei, por decorrer de previsão constitucional (art. 5º, VIII), os mesários podem alegar objeção de consciência e não trabalharem como mesário, devendo-se analisar, em qualquer caso, dentro de um critério de razoabilidade, a possibilidade de substituição, o que se não for possível impossibilita o atendimento do pleito do mesário.
Art. 365. O serviço eleitoral prefere a qualquer outro, é obrigatório e não interrompe o interstício de promoção dos funcionários para êle requisitados.
A ausência de lei que preveja a possibilidade do mesário em alegar escusa de consciência e participar de serviço alternativo é uma omissão inconstitucional, sendo possível, de todo modo, o seu exercício como decorrência da aplicação direta da Constituição Federal.
De qualquer forma, o § 4º do art. 120 do Código Eleitoral permite a alegação de “motivos justos” para que o nomeado recuse a nomeação e a escusa de consciência, sem dúvidas, é um motivo justo, por ser um direito fundamental.
Art. 120 (…)
§ 4º Os motivos justos que tiverem os nomeados para recusar a nomeação, e que ficarão a livre apreciação do juiz eleitoral, somente poderão ser alegados até 5 (cinco) dias a contar da nomeação, salvo se sobrevindos depois desse prazo.(destaque nosso)
Em que pese assim entendermos, o Tribunal Superior Eleitoral já decidiu que “o interesse público inerente ao processo eleitoral se sobrepõe ao interesse de grupo religioso. Não há amparo legal ou constitucional à pretensão de dispensa do serviço eleitoral.”
“Petição. Comunidade Judaica. […] Nomeação de presidente e mesário. Dispensa por motivo religioso. Indeferimento. 1. As escolas particulares não são templos religiosos. Têm por finalidade precípua a formação educacional de cidadãos para inseri-los na sociedade. Portanto, podem ser designadas como locais de votação pelos Juízes Eleitorais, nos termos do art. 135, §§ 2º e 3º, do Código Eleitoral 2. O interesse público inerente ao processo eleitoral se sobrepõe ao interesse de grupo religioso. Não há amparo legal ou constitucional à pretensão de dispensa do serviço eleitoral. 3. Ressalva-se a possibilidade de formulação de requerimento de dispensa do serviço eleitoral diretamente ao juízo eleitoral competente, que procederá à análise do caso concreto, na forma da Lei. 4. Pedidos indeferidos.” (Res. nº 22.411, de 13.9.2006, rel. Min. José Delgado.)
As situações até aqui abordadas de recusa ao serviço e a atividades podem assim serem visualizadas.
Atividade/Obrigação
Previsão
Consequência
Serviço militar obrigatório
Art. 143, § 1º, da CF
Prestação de serviço alternativo
Participação como jurado no tribunal do júri
Art. 438 do CPP
Prestação de serviço alternativo
Provas e aulas em determinados dias
Art. 7º-A da Lei n. 9.394/96
Prestação alternativa de atividade escolar
Serviço público eleitoral
Não há previsão, contudo deve-se aplicar o art. 120, § 4º, do Código Eleitoral
Não há previsão
O Professor Flávio Martins2 realiza uma indagação interessante e apresenta a resposta, no sentindo de que não é possível alegar escusa de consciência contra quaisquer obrigações legais a todos imposta.
Indaga-se: é possível alegar a escusa de consciência contra quaisquer obrigações legais a todos imposta? Pode-se alegar a escusa de consciência, por razão política e filosófica (a crença na anarquia como princípio político e, assim, a busca pelo fim do Estado), para não cumprir a obrigação de pagar impostos ou a convocação para ser mesário nas eleições? Primeiramente, recordemos a afirmação já muito repetida de que não há direitos absolutos. Assim como a vida, a liberdade de expressão e todos os demais direitos, a escusa de consciência também não será absoluta, sob pena de violar interesses maiores. Alegar a convicção política para não pagar impostos violaria o arcabouço dos direitos individuais, coletivos e sociais (principalmente os sociais), já que todos eles têm custo (lembremos da teoria de Sunstein e Holmes na clássica obra The Cost of Rights). Outrossim, admitida a tese de que o anarquista não é obrigado a pagar impostos ao alegar sua convicção política, mais da metade da população brasileira alegaria ser anarquista, para fugir da tributação exagerada que temos. Por fim, não há lei regulamentando (e não haverá) prestação alternativa no caso de escusa de consciência contra o pagamento de tributos. (destaque nosso)
2. O direito fundamental à liberdade religiosa e à segurança pública
A Constituição Federal assegura um feixe de direitos fundamentais que devem conviver entre si harmoniosamente.
O direito à liberdade religiosa possui proteção constitucional e é um direito fundamental (art. 5º, VI, da CF).
Art. 5º (…)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
A liberdade de crença e culto decorre da laicidade do Brasil.
A liberdade de consciência consiste na liberdade de pensamento, de modo que é assegurado ao indivíduo formular juízos, ideias e opiniões de acordo com suas próprias escolhas, adotando seus padrões de valoração ética e moral, sem intervenção do Estado.
A liberdade de crença está voltada para o âmbito religioso, no sentido de que é possível ao indivíduo professar uma crença religiosa ou não professar qualquer religião. Sendo assim, tal liberdade possui dois aspectos: negativo (de não professar) e positivo (de escolher a própria religião).
A liberdade de culto implica na exteriorização da crença, na autonomia de expressar sua religião por culto, rito, cerimônia, reuniões etc.
A fim de assegurar o exercício dos direitos que decorrem dessa liberdade, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, VIII, assegurou a escusa de consciência, também denominada de objeção de consciência ou alegação de imperativo de consciência.
Todos são livres para escolherem a sua religião e seguir os seus preceitos, sem que haja ingerências estatais, devendo, inclusive, o Estado assegurar o pleno e livre exercício da liberdade religiosa.
O direito à segurança pública, igualmente, possui estatura constitucional.
O preâmbulo da Constituição, que não tem força normativa, mas situa-se no domínio da política e reflete a posição ideológica do constituinte3, menciona que o Estado Democrático é destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
Nota-se que a segurança é um valor supremo e funda-se na harmonia social.
O art. 5º da Constituição Federal trata dos direitos e garantais fundamentais e assevera que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.
A segurança a que se refere o art. 5º trata da segurança jurídica, e Humberto Barrionuevo Fabretti4 ensina que o termo segurança, no art. 5º, não se relaciona ao risco de ser vítima de um crime, mas “no sentido de estar seguro em relação aos direitos que estão elencados nos incisos do próprio art. 5º.” Ensina ainda que se trata de segurança contra as arbitrariedades do próprio Estado, “que encontra no art. 5º uma série de limitações que garantem a segurança do cidadão.”
O art. 6º trata dos direitos sociais e assevera que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Humberto Barrionuevo Fabretti5 ensina que a “utilização da palavra segurança nesse dispositivo também é feita de maneira genérica, sem se relacionar diretamente à segurança em relação ao crime, mas sim no sentido de se garantir a todos os mesmos direitos sociais.”.
Em se tratando de direitos fundamentais, eventuais restrições devem ocorrer de forma limitada (teoria dos limites dos limites). Lado outro, visando assegurar os direitos fundamentais, a proteção constitucional de cada direito fundamental deve observar o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, que consiste em dar a maior eficácia à norma, de forma que os direitos fundamentais sejam observados em sua plenitude.
No rol de direitos e garantias fundamentais, encontra-se o direito à vida; a proibição de tortura; a liberdade de expressão; a liberdade de consciência, crença e culto; a inviolabilidade da vida privada; a inviolabilidade domiciliar; a liberdade de informação; a liberdade de locomoção (direito de ir, vir e permanecer); de reunião; de propriedade; previsão das penas possíveis no Brasil; aqueles assegurados aos presos; a presunção de inocência; a previsão do direito ao devido processo legal, ampla defesa e contraditório; a vedação a provas ilícitas; mandados de criminalização, dentre outros.
Os mandados de criminalização consistem em comandos constitucionais que obriguem o legislador a criar determinados crimes que visem tutelar bens jurídicos de especial relevância.
O art. 5º da Constituição Federal prevê a punição para qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (XLI); que o racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (XLII); que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, omitirem-se (XLIII) e que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (XLIV).
Trata-se dos mandados de criminalização expressos.
Lado outro, há os mandados de criminalização implícitos, os quais consistem na proteção de bens jurídicos tutelados constitucionalmente, todavia a Constituição não manda, expressamente, que o legislador crie determinado crime, mas em razão da interpretação da Constituição, é possível afirmar que devem ser criados crimes que visem tutelar os direitos e garantias fundamentais.
Pode-se citar como exemplo o crime de corrupção, na medida em que esse crime causa um dano social tão elevado que acaba por comprometer vários direitos fundamentais, como à vida, à saúde, à segurança, à educação, dentre outros.
Em vista do rol de direitos e garantias fundamentais, bem como os direitos sociais, é possível afirmar que a Constituição traz um plexo de direitos voltados para a segurança pública e individual, de forma que seja possível ao estado preservar a ordem pública, sem, no entanto, massacrar aqueles que a violam quando praticam crimes. Busca-se um ponto de equilíbrio entre o direito à segurança pública e os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos de bem e daqueles que praticam crimes e venham a responder criminalmente e serem presos, em vista da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).
A segurança pública, além de ser um valor supremo, é um direito fundamental.
A segurança pública é reflexo do desenvolvimento do estado. Os problemas sociais, a precariedade e ausência da educação, saúde, moradia, trabalho e estrutura familiar refletem diretamente na segurança pública.
A segurança pública depende, ao mesmo tempo, de uma atuação positiva do estado, que assegure plenas e efetivas condições do exercício dos direitos sociais, bem como de uma atuação negativa, consistente em não violar o direito à vida, à liberdade e à propriedade.
O policiamento ostensivo, de incumbência da Polícia Militar, consiste em uma atuação positiva do estado.
A Constituição Federal deve ser interpretada como um todo unitário e harmonioso, sem que um dispositivo constitucional originário suprima outro, de forma que haja equilibro e observância de todos os direitos previstos constitucionalmente. Trata-se do princípio da unidade da Constituição.
José Joaquim Gomes Canotilho6 ensina que “o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar (ex: princípio do Estado de Direito e princípio democrático, princípio unitário e princípio de autonomia regional e local). Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios.” (destaque nosso)
O princípio da concordância prática ou da harmonização auxilia o intérprete na solução desses conflitos, visando extirpar eventuais desentendimentos entre as normas constitucionais, na busca de uma solução que seja minimamente ofensiva àquele direito que eventualmente possa ficar num segundo plano de proteção. Os direitos fundamentais que estiverem em conflito devem ser harmonizados entre si, de forma que um não suprima o outro.
Trata-se de um corolário do princípio da unidade, visto acima. O princípio da concordância prática ou harmonização visa a compatibilizar direitos fundamentais em conflito. É um princípio comumente utilizado, tendo em vista que os direitos fundamentais normalmente têm o formato de princípios, normas de conteúdo mais amplo, vago, indeterminado. Destarte, caberá ao intérprete tentar harmonizar os direitos em conflitos, visando à melhor solução. Nas palavras de José Joaquim Gomes Canotilho, “reduzido ao seu núcleo essencial, o princípio da concordância prática impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros. O campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos)”. (destaque nosso)
Dessa forma, sempre que houver colidência entre o direito fundamental à liberdade religiosa e a segurança pública, deve-se ponderar, em cada caso, qual deve prevalecer, o que é demonstrado neste texto.
2. Religião
A religião consiste no conjunto de princípios e crenças característico de determinado grupo, fixado de acordo com orientações concebidas seja por uma divindade, seja por um orientador, que regem a forma de viver do indivíduo e sua relação com os demais.
É cediço que o Brasil é um estado laico, secular, não-confessional (art. 19, I, da CF), logo, não há adoção de religião oficial, o que assegura o direito à liberdade religiosa.
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
Márcio André Lopes Cavalcante8 explica bem a relação entre o Estado laico e a proteção à liberdade religiosa.
O fato de o Estado ser laico (art. 19, I, da CF/88), não lhe impõe uma conduta negativa diante da proteção religiosa.
A separação entre o Estado brasileiro e a religião não é absoluta.
O Estado deve proteger a diversidade em sua mais ampla dimensão, dentre as quais se inclua a liberdade religiosa e o direito de culto.
Nesse sentido, o papel da autoridade estatal não é o de remover a tensão por meio da exclusão ou limitação do pluralismo, mas sim assegurar que os grupos se tolerem mutuamente, principalmente quando em jogo interesses individuais ou coletivos de um grupo minoritário.
A separação entre religião e Estado, portanto, não pode implicar o isolamento daqueles que guardam uma religião à sua esfera privada. O princípio da laicidade não se confunde com laicismo.O princípio da laicidade, em verdade, veda que o Estado assuma como válida apenas uma crença religiosa.
Nessa medida, ninguém deve ser privado de seus direitos em razão de sua crença ou descrença religiosa, salvo se a invocar para se eximir de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa (art. 5º, VIII, da CF/88). (destaque nosso)
Existem diversas religiões no mundo. Em razão da laicidade do Estado Brasileiro e do direito à liberdade de consciência, crença e culto, surgiram no Brasil diversas religiões.
A pesquisa Datafolha9 publicada em 13/01/2020 pelo jornal Folha de São Paulo apontou que 50% dos brasileiros são católicos, 31% evangélicos, 10% não tem religião, 3% são espíritas, 2% são da umbanda, candomblé ou outras religiões afro-brasileiras, 2% outras, 1% é ateu e 0,3% é judeu.
A seguir discorreremos sobre algumas religiões e suas crenças.
2.1 Cristianismo
O cristianismo fundamenta-se na vida e nos ensinamentos de Jesus Cristo, como apresentado no Novo Testamento da Bíblia. Os cristãos afirmam que Jesus Cristo é Filho de Deus, que veio ao planeta Terra e morreu pelos pecados do mundo para salvar a humanidade da condenação do pecado.
Os cristãos acreditam que Jesus Cristo é o Messias profetizado na Bíblia (antigo testamento) e que após a sua morte ascendeu ao céu e um dia retornará para julgar os seres humanos (vivos e mortos) e conceder a imortalidade aos que o aceitaram como salvador. É a maior religião do mundo.
Suas principais crenças são: acreditam na bíblia em sua totalidade e que é um livro sagrado, defendem que há uma trindade formada por Deus Pai, Deus Filho e Espírito Santo e que Jesus Cristo voltará e estabelecerá seu reino.
A religião cristã possui três vertentes: 1) o Catolicismo Romano; 2) a Ortodoxia Oriental e o 3) Protestantismo.
2.1.1 Católicos
A igreja católica é a maior igreja do mundo e em 2016 possuía cerca de 1 bilhão e 300 milhões de fiéis10.
Os católicos são membros da Igreja Católica, conhecida também como Igreja Católica Romana ou Igreja Católica Apostólica Romana. É a mais antiga e com maior número de membros. Possui uma autoridade que é o Papa (atualmente, Papa Francisco), que é sucessor do apóstolo Pedro. O Papa tem autoridade sobre todos os fiéis e sobre toda a hierarquia da Igreja.
A Igreja Católica se considera como a igreja estabelecida por Deus para salvar todos os homens, admitindo a salvação, inclusive, daqueles que não a seguem.
A Igreja acredita no monoteísmo, que consiste na crença de um único Deus. Defendem que Deus é o criador de todas as coisas e tem os atributos da onipresença, onipotência e onisciência. Defende a existência da Trindade, formada pelo Pai, Filho e Espírito Santo. Possui como orientação seguir os ensinamentos de Jesus Cristo e de Maria.
Os católicos acreditam que a Lei de Deus prescreve as condutas que os levam à salvação e felicidade eterna, proibindo os caminhos que os desviam de Deus. Defendem que a salvação vem da fé e das obras.
A Igreja Católica considera a vida humana sagrada e, em virtude disso, condena as práticas de violência, o homicídio, o suicídio, o aborto induzido, a eutanásia, a clonagem humana.
A igreja exige dos seus fiéis o cumprimento obrigatório dos dez mandamentos: 1) Adorar a Deus e amá-lo sobre todas as coisas; 2) Não invocar o Santo Nome de Deus em vão; 3) Guardar domingos e festas de guarda; 4) Honrar pai e mãe; 5) Não matar; 6) Guardar castidade nas palavras e nas obras; 7) não furtar; 8) não levantar falso testemunho; 9) guardar castidade nos pensamentos e nos desejos e 10) não cobiçar as coisas alheias.
A igreja impõe o celibato (estado daquele que não é casado) ao seu clero por entender que desta forma os sacerdotes se entregam e se dedicam mais a Cristo.
Defendem a indissolubilidade do matrimônio até a morte de um dos cônjuges, porém, divórcio nos casos em que não houve um consentimento matrimonial claro e livre de qualquer violência admitem que seja declarado nulo e inexistente pelas autoridades eclesiásticas.
É a segunda maior igreja cristã do mundo, ficando atrás apenas da Igreja Católica.
Possui doutrina semelhante à da Igreja Católica. Preconizam que é a igreja verdadeira de Jesus Cristo e não reconhecem a primazia do Papa. Defendem que há um único chefe da Igreja que é Jesus Cristo.
Assim como a Igreja Católica Romana, possuem a crença de que Deus mandou seu único filho, Jesus Cristo, ao mundo para a salvação da humanidade e que esse mesmo Deus se manifesta pelo Espírito Santo. Igualmente, Maria é venerada e os santos também recebem homenagens.
Entendem que a Bíblia é a fonte da fé e que a salvação é pela fé e não pelas obras, como entende a Igreja Católica Romana.
Observam o domingo e os dias santos prescritos pela Igreja, assim como são comemoradas festas como o Natal e a Páscoa.
Ao contrário da Igreja Católica Romana, não acreditam no purgatório.
Impõe o celibato ao seu clero, porém admitem o casamento se tiver ocorrido antes da conversão e defendem a indissolubilidade do matrimônio.
3.1.3 Protestantes
No Brasil, o censo realizado pelo IBGE em 2010 aponta para a existência de aproximadamente 42,3 milhões de fiéis no país.
Compreende os batistas, presbiterianos, luteranos, metodistas, adventistas, pentecostais e neopentecostais (Assembleia de Deus, Congregação Cristã do Brasil, Igreja Universal do Reino de Deus e Igreja do Evangelho Quadrangular).
Como visto, é uma das divisões do cristianismo. Originou-se com a Reforma Protestante, um movimento liderado por Martinho Lutero, e se opunha às doutrinas da Igreja Católica, especificamente contra a venda de indulgências, adoração de imagens, celibato, autoridade do papa, dentre outros.
Defendem que a única autoridade a ser seguida é a Bíblia e que pela ação do Espírito Santo o indivíduo tem maior harmonia com Deus. Acreditam que a salvação é conseguida por meio da graça e bondade de Deus e que a pessoa deve relacionar-se diretamente com Deus. Afirmam que a salvação é encontrada somente em Cristo.
2.1.3.1 Adventista do Sétimo Dia
Como fruto da reforma protestante, a Igreja Adventista do Sétimo Dia foi organizada em 1863 nos Estados Unidos. Atualmente, possui 21 milhões de membros em todo o mundo12.
O Brasil é o país com maior número de adventistas no mundo. Em 2019, registrou no Brasil 1.723.409 milhões de membros com 9.558 igrejas13.
Sustentam que o plano de Deus é restaurar toda a sua criação à completa harmonia com perfeita vontade e justiça.
A igreja possui 28 crenças fundamentais14, quais sejam:
as escrituras sagradas: são a palavra de Deus escrita, dada por inspiração divina (Sl 119:105; PV: 30:5,6; Is 8:20; JO 17:17; 1Ts 2:13; 2Tm 3:16,17; HB 4:12; 2PE 1:20,21).
a trindade: há um só Deus: Pai, Filho e Espírito Santo, uma unidade de três pessoas coeternas (Gn 1:26; DT 6:4; IS 6:8; MT 28:19; Jo 3:16; 2Co 1:21, 22; 13:14; Ef: 4:4-6; 1PE 1:2).
Deus Pai é criador, originador, mantenedor soberano de toda a criação (Gn 1:1; Dt 4:35; Sl 110:1, 4; Jo 3:16; 14:9; 1CO 15:28; 1Tm 1:17; Ap 4:11).
Deus Filho encarnou-se como Jesus Cristo e por meio dele foram criadas todas as coisas, revelado o caráter de Deus, efetuada a salvação da humanidade e julgado o mundo (Is 53:4-6; DN 9:25-27; LC 1:35; Jo 1:1-3; 14; 5:22; 10:30; 14:1-3, 9, 13; Rm 6:23; 1CO 15:3,4; 2Co 3:18; 5:17-19; Fp 2:5-11; Cl 1:15-19; HB 2:9-18; 8:1,2).
O Espírito Santo: desempenhou uma parte ativa com o Pai e o Filho na criação, encarnação e redenção, de modo que inspirou as escrituras e encheu de poder a vida de Cristo. Atrai e convence os seres humanos da verdade, de modo que os que se mostram sensíveis são renovados e transformado por Ele à imagem de Deus (Gn 1:1,2; 2Sm 23:2; Sl 51:11; Is 61:1; Lc 1:35; 4:18; Jo 14:16-18, 26; 15:26, 16:7-13; At 1:8; 5:3; 10:38; Rm 5:5; 1Co 12:7-11; 2 Co 12:7-11; 2Co 3:18; 2P 1:21).
A criação: Deus criou o universo em seis dias e descansou no sétimo dia (sábado). Deus criou também o homem (Adão) e a mulher (Eva), que foram formados à imagem e semelhança de Deus (Gn 1-2; 5; 11; Êx. 20:8-11; Sl 19:1-6; 33:6, 9; 104; Is 45:12, 18; At 17:24; Cl 1:16; Hb 1:2; 11:3; Ap 10:6; 14:7).
A natureza da humanidade: o homem e a mulher foram formados à imagem de Deus com individualidade, o poder e a liberdade de pensar e agir. Embora criados como seres livres, cada uma é uma unidade indivisível do corpo, mente e espírito, e dependente de Deus quanto à vida, respiração e tudo o mais (Gn 1:26-28; 2:7; 15:3; Sl 8:4-8; 51:5, 10; 58:3; Jr 17:9; At 17:24-28; Rm 5:12-17; 2Co 5:19,20; Ef 2:3; 1 Ts 5:23; 1 JO 3:4; 4:7, 8, 11, 20).
O grande conflito: toda a humanidade está envolvida no grande conflito entre Cristo e Satanás quanto ao caráter de Deus, sua lei e sua soberania sobre o Universo. O conflito se originou no Céu quando Lúcifer, um ser criado, dotado de liberdade de escolha, por exaltação própria, tornou-se Satanás, o adversário de Deus e conduziu à rebelião uma parte dos anjos. O mundo se tornou o palco do conflito universal, dentro do qual será vindicado o Deus de amor (Gn 3; 6-8; Jó 1:6-12; Is 14:12-14; Ez 28:12-18; Rm 1:19-32; 3:4; 5:12-21; 8:19-22; 1 Co 4:9; HB 1:14; 1PE 5:8; 2PE 3:6; Ap 12:4-9).
Vida, morte e ressurreição de Cristo: Deus promoveu o único meio de expiação do pecado humano, de modo que os que aceitam essa expiação pela fé professam ter vida eterna, e toda a criação compreenda melhor o infinito e santo amor do Criador. Essa expiação vindica a justiça da lei de Deus e a benignidade do seu caráter; pois ela não somente condena o nosso pecado, mas também garante o nosso perdão. A morte de Cristo é substituinte e expiatória, reconciliadora e transformadora (Gn 3:15, Sl 22:1; Is 53; Jo 3:16; 14:30; Rm 1:4; 3:25; 4:25; 8:3,4; 1Co 15:3, 4, 20-22: 2Co 5:14, 15, 19-21; Fp 2:6-11; Cl 2:15; 1Pe 2:21; 1Jo 2:2; 4:10).
Experiência da salvação: Em infinito amor e misericórdia, Deus fez com que Cristo, que não conheceu pecado, se tornasse pecado por nós, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus. Os adventistas entendem que guiados pelo Espírito Santo, sentem a necessidade, reconhecem sua pecaminosidade, arrependem-se de suas transgressões e têm fé em Jesus como salvador e senhor, substituto e exemplo (GN 3:15; Is 45:22, 53; Jr 31:31-34; Ez 33:11; 36:25-27; Hc 2:4; Mc 9:23, 24; Jo 3:3-8, 16; 16:8; Rm 3:21-26; 8:1-4, 14-17; Ef2:4-10; Cl 1:13, 14; Tt 3:3-7; Hb 8:7-12; 1Pe 1:23; 2:21, 22; 2Pe 1:3,4; Ap 13:8).
Crescimento em Cristo: entendem que a vitória de Jesus lhes dá a vitória sobre as forças do mal que ainda procuram controlar os indivíduos ao andar com Jesus em paz, alegria e na certeza do seu amor. Defendem que o Espírito Santo habita neles e os reveste de poder e que nessa vida com Jesus são chamados a crescerem na semelhança do caráter de Cristo, comungando diariamente com Jesus em oração, alimentando-se da palavra de Deus, meditando nela e na providência divina, cantando louvores. Afirmam que são chamados a seguir o exemplo de Cristo pelo ministério compassivo às necessidades físicas, mentais, sociais, emocionais e espirituais da humanidade ( 1C 29:11; Sl 1:1, 2; 23:4; 77:11, 12; MT 20:25-28; 25:31-46; Lc 10:17-20; Jo 20:21; Rm 8:38, 39; 2Co 3:17, 18; Gl 5:22-25; Rf 5:19, 20; 6:12-18; Fp 3:7-14; Cl 1:17,14; 2:6,14,15; 1 Ts 5:16-18, 23; Hb 10:25; Tg 1:17; 2Pe 2:9; 3:18; 1Jo 4:4).
A Igreja: é a comunidade de crentes que confessam a Jesus Cristo como senhor e salvador. Afirmam que a Igreja recebe sua autoridade de Cristo, o qual é a Palavra encarnada revelada nas Escrituras. Defendem que a Igreja é a noiva pela qual Cristo morreu para que pudesse santificá-la e purificá-la e que na sua volta Cristo se apresentará como igreja gloriosa Gn 12:1-3; Êx 19:3-7; Mt 16:13-20; 18:18; 28:19, 20; At 2:38-42; 7:38; 1Co 1:2; Ef 1:22,23; 2:19-22; 3:8-11; 5:23-27; Cl 1:17,18; 1PE 2:9).
O remanescente e sua missão: acreditam que são o povo remanescente de Cristo chamado para guardar os mandamentos de Deus e a fé de Jesus e que anunciam a chegada da hora do juízo, proclama a salvação por meio de Cristo e prediz a aproximação do segundo advento de Cristo( Dn 7:9-14; Is 1:9; 11:11; Jr 23:3; Mq 2:18; 2Co 5:10; 1PE 1:16-19; 4:17; 2pE 3:10-14; JD 3,14; Ap 12:17; 14:6-12; 18:1-4).
Unidade no corpo de Cristo: defendem que todos, independentemente das distinções de raça, gênero, classe e cor, compõem o corpo de Cristo e são iguais e foram unidos pelo Espírito Santo em comunhão com ele e uns com os outros (Sl 133:1; MT 28:19, 20; Jo 17:20-23; At 17:26, 27; Rm 12:4, 4; 1Co 12:12-14; 2Co 5:16, 17; Gl 3:27-29; Ef 2:13-16; 4:3-6, 11-16; Cl 3:10-15).
O Batismo: pelo batismo confessam a sua fé na morte e na ressureição de Jesus Cristo, atestando a morte para o pecado e o propósito de andar em novidade de vida. Reconhecem a Cristo como Senhor e Salvador. Afirmam que o batismo é um símbolo da união com Cristo, do perdão dos pecados e do recebimento do Espírito Santo e que deve ser feito por imersão na água e depende de uma afirmação de fé em Jesus e da evidência de arrependimento do pecado (MT 28:19, 20; At 2:38; 16:30-33; 22:16; Rm 6:1-6; Gl 3:27; Cl 2:12,13).
A Ceia do Senhor: afirmam que é uma participação nos emblemas do corpo e do sangue de jesus como expressão de fé em Cristo e que nessa experiência de comunhão Cristo está presente para encontra-se com seu povo e fortalecê-lo. Afirmam que a preparação envolve o exame de consciência, arrependimento e confissão (MT 26:17-30; Jo 6:48-63; 13:1-17; 1Co 10:16, 17; 11:23-30; Ap 3:20).
Dos e Ministérios Espirituais: afirmam que Deus concede a todos os membros de sua igreja, em todas a épocas, dons espirituais que cada membro deve empregar em amoroso ministério para o bem comum da igreja e da humanidade. Afirmam que o dom é outorgado pelo Espírito Santo (At 6:1-7; Rm 12:4-8; 1Co 12:7-11, 27, 28; Ef 4:8, 11:16; 1Tm 3:1-13; 1Pe 4:10,11).
Dom de Profecia: afirmam que a bíblia revela que um dos dons do Espírito Santo é a profecia e que é uma característica da igreja remanescente e creem que ele foi manifestado no ministério de Ellen G. White (Nm 12:6; 2Cr 20:20; Am 3:7; Jo 2:28,29; At 2:14-21; 2 TM 3:16, 17; Hb 1:1-3; Ap 12:17; 19:10; 22:8, 9).
A Lei de Deus: afirmam que os princípios da Lei de Deus são incorporados nos dez mandamentos e exemplificados na vida de Cristo e que expressam o amor, a vontade e os propósitos de Deus acerca da conduta e das relações humanas e são obrigatórios a todas as pessoas, em todas as épocas. Defendem que a salvação é inteiramente pela graça, e não pelas obras, e seu fruto é a obediência aos mandamentos (Êx 20:1-17; DT 28:1-14; Sl 19:7-14; 40:7,8; Mt 5:17-20; 22:36-40; Jo 14:15; 15:7-10; Rm 8:3,4; Ef 2:8-10; Hb 8:8-10; 1JO 2:3; 5:3; Ap 12:17; 14:12).
O Sábado: afirmam que Deus instituiu o sábado como memorial da criação e este é o dia de guarda e não o domingo porque o quarto mandamento não foi mudado por Cristo quando veio à terra. Sustentam que o sábado é um símbolo da redenção em Cristo, um sinal da santificação, uma prova da lealdade e um antegozo do futuro eterno no reino de Deus (Gn 2:1-3; Êx 20:8-11; 31:13-17; Lv 23:32; DT 5:12-15; IS 56:5,6; 58:13 ,14; Ex 20:12, 20; MT 12:1-12; MC 1:32; Lc 4:16; Hb 4:1-11).
Mordomia: Acreditam que são responsáveis perante Deus pelo uso apropriado do tempo e das oportunidades, capacidades e posses, e das bênçãos da terra e seus recursos que Deus colocou perante o cuidado de cada um. Reconhecem o direito de propriedade da parte de Deus por meio de fiel serviço a Ele e aos seres humanos, devolvendo o dízimo e dando ofertas para a proclamação do evangelho e manutenção e crescimento da igreja (Gn 1:26-28; 2:15; 1Cr 29:14; Ag 1:3-11; Ml 3:8-12; Mt 23:23; Rm 15:26, 27; 1 CO 9:9-14; 2 Co 8:1-15; 9:7).
Conduta Cristã: acreditam que são um povo piedoso que pensam, sentem e agem em harmonia com os princípios bíblicos em todos os aspectos da vida pessoal e social. Afirmam que o corpo é o templo do Espírito Santo e devem cuidar dele de forma inteligente com adequado exercício e repouso, além de alimentação saudável ( Gn 7:2; Êx 20:15; Lv 11:1-47; Sl 106:3; Rm 12:1,2; 1 Co 6:19, 20; 10:31; 2 Co 6:14-7:1; 10:5; Ef 5:1-21; Fp 2:4; 4:8; 1 Tm 2: 9,10; Tt 2:11, 12; 1PE 3:1-4; 1 Jo 2:6; 3 Jo 2).
O casamento e a Família: afirmam que o casamento foi divinamente instituído no Éden e confirmado por Jesus como união vitalícia entre um homem e uma mulher, em amoroso companheirismo. Defendem que o compromisso matrimonial é com Deus e com o cônjuge e só deve ser assumido entre um homem e uma mulher que partilham da mesma fé. Sustentam que quanto ao divórcio, Jesus Cristo ensinou que a pessoa que se divorcia, a não ser por causa de fornicação, e se casa com outro, comete adultério. Afirmam que Deus abençoa a família ( Gn 2:18-25; Êx 20:12; Dt 6:5-9; Pv 22:6; Ml 4:5,6; Mt 5:31, 32; 19:3-9, 12; Mc 10:11, 12; Jo 2:1-11; 1 Co 7:7-10, 11; 2 Co 6:14; Ef 5:21-33; 6:1-4).
O Ministério de Cristo e o Santuário Celestial: defendem que há um santuário no céu onde Jesus intercede em favor de seu povo, tornando acessível aos crentes os benefícios de seu sacrifício expiatório oferecido na cruz (Lv 16; Nm 14:34; Ez 4:6; Dn 7:9-27; 8:13, 14; 9:24-27; Hb 1:3; 2:16, 17; 4:14-16; 8: 1-5; 9:11-28; 10:19-22; AP 8:3-5; 11:19; 14:6,7; 20:12; 14:12; 22:11, 12).
A segunda vinda de Cristo: afirmam que a segunda vinda de Cristo é a bendita esperança da igreja, o ponto culminante do evangelho e que a vinda de Jesus é literal, pessoal, visível e universal e quando Cristo voltar os justos falecidos serão ressuscitados e, juntamente com os justos que estiverem vivos, serão glorificados e levados para o céu, mas os ímpios morrerão ( Mt 24; Mc 13; Lc 21; Jo 14:1+-3; At 1:9-11; 1 Co 15:51-54; 1 Ts 4:13-18; 5: 1-6; 2 Ts 1:7-10; 2:8; 2 Tm 3:1-5; Tt 2:13; Hb 9:28; AP 1:7; 14: 14-20; 19:11-21).
Morte e Ressureição: sustentam que o salário do pecado é a morte, mas Deus concede vida eterna a seus remidos. Afirmam que até a volta de Jesus, a morte é um estado inconsciente para todas as pessoas (Jó 19:25-27; Sl 146:3, 4; Ex 9:5, 6, 10; Dn 12:2, 13; Is 25:8; Jo 5:28,29; 11:11-14; RM 6:23; 1 CO 15:51-54; Cl 3:4; 1 Ts 4:17,17; 1TM 6:15; Ap 20:1-10).
O Milênio e o fim do pecado: defendem que o milênio, reinado de mil anos de Cristo com seus santos no céu, ocorrerá entre a primeira e a segunda ressurreição dos mortos. Durante esse tempo serão julgados os ímpios mortos, a terra estará desolada sem habitantes humanos com vida, mas ocupada por Satanás e seus anjos e, no fim desse período, Cristo e seu povo descerão do céu à terra, quando os mortos ímpios serão ressuscitados e, com Satanás e seus anjos, cercarão a cidade (nova Jerusalém), mas o fogo de Deus os consumirá e purificará a terra ( Jr 4:23-26; Ex 28:18,19; Ml 4:1; 1 CO 6:2,3 ; Ap 20; 21:1-5).
A nova terra: defendem a existência de uma nova terra em que habita a justiça, consistente num lar eterno para os remidos e que o próprio Deus habitará com seu povo (Is 35; 65:17-25; Mt 5:5; 2Pe 3:13; Ap 11:15; 21:1-7; 22:1-5).
2.2 Testemunhas de Jeová
A denominação possui 897.05615 membros no Brasil com 12.531 congregações.
É uma denominação cristã monoteísta, que rejeita a crença da Trindade porque acredita que Jesus é filho de Deus, porém não o adoram.
A igreja possui 15 crenças fundamentais16, quais sejam:
Bíblica: é a mensagem inspirada por Deus para os humanos e as crenças se baseiam nos 66 livros. Afirmam que embora acreditem em toda a bíblia não são fundamentalistas, pois reconhecem que parte está escrita em linguagem figurada ou simbólica ((João 17:17; 2 Timóteo 3:16).
Jesus: reconhecem Jesus como Salvador e Filho de Deus. Acreditam em Jesus Cristo e procuram seguir seus ensinamentos e modo de agir e que não existem salvação sem Jesus e que quando uma pessoa se torna Testemunha de Jeová, é batizado em nome de Jesus. Afirmam que Jesus recebeu autoridade sobre todos os homens (Mateus 20:28; Atos 5:31).
O Reino de Deus: não é algo que habita no coração, mas é real no céu e substituirá os governos humanos e realizará a vontade de Deus na terra (Daniel 2:44; Mateus 6:9, 10)
Maldade e sofrimento: afirmam que após um dos anjos de Deus se rebelar passou a existir maldade e sofrimento na terra e que Deus não permitirá isso para sempre (João 8:44; Gênesis 3:1-6; Romanos 5:12).
Morte: Defendem que os que morrem deixam de existir e não sofrem o tormento eterno de um inferno de fogo. Afirmam que muitos ressuscitarão, porém depois disso, os que se recusam a fazer o que Deus quer serão destruídos para sempre sem qualquer esperança ou ressurreição (Salmo 146:4; Eclesiastes 9:5, 10).
Família: Afirmam que seguem o padrão original de Deus para o casamento constituído apenas entre um homem e uma mulher. Defendem que a imoralidade sexual é a única base válida para o divórcio (Mateus 19:4-9; Efésios 5:22–6:1).
Organização: organizam-se em congregações e cada uma é supervisionada por um grupo de anciãos que não recebem salário. Não fazem cobrança de dízimo, nem qualquer tipo de coleta nas reuniões (Mateus 10:8; 23:8; Mateus 24:45)
Relacionamento com os outros: afirmam seguir a orientação de Jesus no sentido de amar ao próximo e, embora não assumam posicionamentos políticos e nem se associem a outros grupos religiosos, respeitam as decisões que os outros tomam sobre tais assuntos (Mateus 22:39; João 17:16; Gálatas 6:10; 2 Coríntios 6:14; Romanos 14:12).
O descumprimento de preceitos religiosos pelas Testemunhas de Jeová pode acarretar em várias consequências disciplinares religiosas, como a impossibilidade de ir a campo (visitas realizadas de casa em casa para levar a palavra de Jeová) e em situações mais extremas até mesmo a desassociação (deixa de ser Testemunha de Jeová para a religião), o que pode causar sérios danos à pessoa, já que nem mesmo os familiares que pertencem à religião a aceitarão e sequer conversarão com a ex-Testemunha de Jeová, o que pode acarretar em uma série de consequências graves, como depressão e risco de suicídio.
2.3 Espiritismo
A doutrina surgiu em 1857 na França pelo pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que usava o pseudônimo Allan Kardec.
É definida como a doutrina fundada sobre a existência, as manifestações e o ensino dos espíritos.
Defendem que o espiritismo é uma doutrina voltada para o aperfeiçoamento moral do homem e acreditam na existência de um Deus único, na possibilidade de comunicação útil com os espíritos através de médiuns e na reencarnação como processo de crescimento espiritual e justiça divina.
São ensinos fundamentais, conforme se extrai da cartilha da Federação Espírita Brasileira17:
Deus é a inteligência suprema causa primeira de todas as coisas. É eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom;
O universo é criação de Deus. Abrange todos os seres racionais e irracionais, animados e inanimados, materiais e imateriais;
Além do mundo corporal, habitação dos Espíritos encarnados, que são os homens, existe o mundo espiritual, habitação dos espíritos desencarnados;
No Universo, há outros mundos habitados, com seres de diferentes graus de evolução: iguais, mais evoluídos e menos evoluídos que os homens;
Todas as leis da natureza são leis divinas, pois que Deus é o seu autor. Abrangem tanto as leis físicas como as leis morais.
O homem é um espírito encarnado em um corpo material o perispírito é o corpo semimaterial que une o espírito ao corpo material;
Os espíritos são os seres inteligentes da Criação. Constituem o mundo dos espíritos, que preexiste e sobrevive a tudo.
Os espíritos são criados simples e ignorantes. Evoluem, intelectual e moralmente, passando de uma ordem inferior para outra mais elevada até a perfeição, onde gozam de inalterável felicidade;
Os espíritos preservam sua individualidade, antes, durante e depois de cada encarnação;
Os espíritos reencarnam tantas vezes quantas forem necessárias ao seu próprio aprimoramento;
Os espíritos evoluem sempre. Em suas múltiplas existências corpóreas podem estacionar, mas nunca regridem. A rapidez do seu progresso intelectual e moral depende dos esforços que façam para chegar à perfeição.
Os espíritos pertencem a diferentes ordens, conforme o grau de perfeição que tenham alcançado: espíritos puros, que atingiram a perfeição máxima; bons espíritos, nos quais o desejo do bem é o que predomina; espíritos imperfeitos, caracterizados pela ignorância, pelo desejo do mal e pelas paixões inferiores;
As relações dos espíritos com os homens são constantes e sempre existiram. Os bons espíritos nos atraem para o bem, sustentam-nos nas provas e nos ajudam a suportá-las com coragem e resignação. Os imperfeitos nos induzem ao erro.
Jesus é o guia e modelo para toda a humanidade. E a doutrina que ensinou e exemplificou é a expressão mais pura da lei de Deus.
A moral de Cristo, contida no Evangelho, é o roteiro para a evolução segura de todos os homens, e a sua prática é a solução para todos os problemas humanos e o objetivo a ser atingido pela humanidade.
O homem tem o livre-arbítrio para agir, mas responde pelas consequências de suas ações;
A vida futura reserva aos homens penas e gozos compatíveis com o procedimento de respeito ou não à Lei de Deus;
A prece é um ato de adoração a Deus. Está na lei natural e é o resultado de um sentimento inato no homem, assim como é a ideia da existência do Criador;
A prece torna melhor o homem. Aquele que oram com fervor e confiança se faz mais forte contra as tentações do mal e Deus lhe envia bons espíritos para assisti-lo. É este um socorro que jamais se lhe recusa, quando pedido com sinceridade.
2.4 Religiões de Matriz Africana
Neste subtópico contei com o apoio essencial de Gleydosn Dantas e de Leonardo Mendes Alvares.
As religiosidades africanas foram ressignificadas na cultura brasileira quando as primeiras pessoas escravizadas da África desembarcaram no Brasil. Era uma forma de preservar e resistir nas suas tradições e valores trazidos da África.
As religiões de matrizes africanas formaram-se em diferentes regiões e estados do país e em diferentes momentos da história e por isso possuem diferentes denominações.
Para fins destes escritos, destacaremos duas dessas religiosidades: o Candomblé e a Umbanda.
O Candomblé surgiu em meados do século XIX, tendo por base o culto às forças da natureza, sendo chamada de animista.
Os seguidores do Candomblé creem na sobrevivência da alma após a morte física e na existência de espíritos ancestrais que podem ser divinizados. (os que não materializam) e os não divinizados (que se materializam em vestes próprias).
Sua crença é baseada, por algo equiparável ao monoteísmo, visto que, cada nação do Candomblé cultua apenas um Ser Supremo, através das suas múltiplas facetas representadas pelos Orixá.
Seus adeptos levam sete anos para concluir a iniciação dentro dos preceitos estipulados.
No ritual de iniciação, o iniciado raspa a cabeça para receber o oxu (uma forma cônica) no seu ori (cabeça), para se estabelecer com o seu sagrado (orixá). É hábito dessas religiosidades que quando os grupos se reúnem para liturgias que duram vários dias, todo o alimento é sacralizado. Logo, mas carnes consumidas são imolados conforme a ritualística e os costumes daquela matriz étnico-cultural.
As religiões de matrizes africanas são iniciáticas e seus adeptos passam por períodos de reclusões, abstenções e preceitos. Podemos destacar desses ritos: as pinturas corporais e a raspagem do cabelo (catulagem) e por este último, um significativo período sem poder cortá-lo novamente.
Por sua vez, a Umbanda, é formada a partir do sincretismo das bases filosóficas culturais do Candomblé, Catolicismo, Espiritismo e das referências religiosas ameríndias.
As religiosidades africanas possuem várias vertentes por diferenças em rituais, métodos e hierarquia, porém possuem crenças comuns18:
1) Existência de um único Ser Supremo, multifacetado e plural;
2) Crença em divindades ancestrais;
3) Consciência da existência e atuação de guias ou entidades espirituais;
4) A imortalidade da alma;
5) Crença nos antepassados;
6) Reencarnação;
7) Lei universal da atração, ou seja, atraímos para perto o que está na mesma vibração em que se está;
É uma religião que surgiu na Península Arábica por Muhammad (Maomé) e é a segunda maior denominação religiosa do mundo, possuindo mais de 1 bilhão de seguidores.
São monoteístas, ou seja, acreditam na existência de um único Deus chamado Allah. Acreditam na onipotência e onisciência de Deus e que ele é o criador do universo.
Islã origina-se da palavra árabe islam que significa submissão, obediência ou ação de obedecer a Deus (Allah, em árabe).
Defendem que Maomé foi um profeta que recebeu do anjo Gabriel os princípios básicos que norteiam a fé islâmica e suas profecias foram organizadas no Alcorão, que é o livro sagrado do islamismo.
A religião possui cinco pilares, conforme se extrai do site Politize20:
Proclamação da Fé: ninguém merece ser adorado, a não ser Allah e que Maomé é seu mensageiro.
Oração: os muçulmanos fazem oração (salah) cinco vezes ao dia. A oração preza pela manutenção da fé islâmica e pela reafirmação da submissão a Deus.
Caridade compulsória: a zakah é a obrigação do muçulmano que detém melhor condição financeira de prestar apoio aos carentes e necessitados.
Jejum do Ramadã: Ramadã é o nono mês do calendário islâmico e deve ser passado em jejum (sawm) pelos muçulmanos saudáveis. O sawm consiste na completa abstenção de comida, bebida e atividades deleitosas do nascer ao pôr do sol.
Peregrinação à Meca: entre os dias 8 e 13 do mês Dhu al-Hija, último do calendário islâmico, os muçulmanos celebram o Hajj, que consiste numa peregrinação que, ao menos uma vez na vida, todo muçulmano com aptidões físicas e financeiras deve fazer à Cidade sagrada de Meca, na Arábia Saudita.
3. A escusa de consciência e o Supremo Tribunal Federal
Vimos no tópico acima que algumas religiões possuem crenças diferenciadas das demais, o que implica na restrição de determinadas condutas e atividades.
Como exemplo, a Igreja Adventista do Sétimo Dia expressa a crença de que o sábado é o memorial da criação, sendo um dia de guarda para descanso e adoração a Deus. Fundamentam sua crença no quarto mandamento expresso no capítulo 20 do Livro de Êxodo, no capítulo 2 do Livro de Gênesis, no capítulo 58 do Livro de Isaías, dentre outros, todos da Bíblia.
Observando a ideia de que o sábado começa no pôr do sol da sexta-feira e finaliza-se no pôr do sol do sábado, nesse período, os praticantes dessa religião não desenvolvem atividades que denominam de mundanas, realizando apenas atividades assistencialistas, além do descanso e adoração a Deus.
No sábado não desenvolvem suas atividades laborativas normais nem se dedicam a qualquer atividade que tenha por objeto a satisfação pessoal. Em razão disso, não trabalham no sábado, não estudam nem prestam concurso público neste dia porque entendem que tais atividades são mundanas e não devem ser realizadas no sábado.
Outra religião que também entende que o sábado é um dia de descanso é o judaísmo.
Do mesmo modo que os adventistas, os judeus guardam o sábado do pôr do sol da sexta-feira até o pôr do sol do sábado. Nesse dia, os judeus também não desenvolvem qualquer atividade.
De igual modo, a Igreja Adventista da Promessa entende que o sábado é um dia de descanso e que o indivíduo não deve cuidar dos próprios interesses neste dia, mas aprofundar-se na comunhão com Deus e seus irmãos.
Em razão da crença do sábado como dia de descanso, os adventistas do sétimo dia não realizam provas de concurso no sábado, motivo pelo qual formulam requerimento perante a banca solicitando que realize a prova em horário após o pôr do sol do sábado ou em dia diverso (pedido de atendimento especial), o que muitas vezes não é deferido.
Em 2017 o Ministério da Educação realizou uma consulta pública para modificação dos dias de prova do ENEM, isso porque, muitos sabatistas formulavam pedidos para não realizarem a prova no sábado por motivo de crença religiosa.
Na consulta, 63,70% votaram para a realização do Enem em dois dias. Posteriormente, com 42,30% dos votos foi aprovada a alteração para realização do exame em dois domingos, o que ocorreu a partir de 2017.
O tema é objeto recorrente de debate, face as constantes discussões sobre liberdade religiosa que acontecem no país, especialmente diante de notícias de intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana.
A discussão da escusa de consciência e dos guardadores do sábado (ou sabatistas) chegou ao STF por meio do Recurso Extraordinário (RE) 611874 – Tema 386, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, que tinha por objeto a possibilidade de alteração de data nas etapas de concurso público por motivos de crença religiosa do candidato.
O recurso foi da União contra acórdão do TRF da 1ª Região que permitiu a candidato adventista a realização de prova em data, horário e local diverso do estabelecido no calendário do concurso público, desde que não houvesse mudança no cronograma do certame nem prejuízo à atividade administrativa.
No caso, o candidato foi aprovado em primeiro lugar no concurso público para provimento de vaga no TRF-1 para o cargo de técnico judiciário, especialidade segurança e transporte. Após ser aprovado na etapa objetiva, o candidato se habilitou para a prova prática de capacidade física que, conforme edital de convocação seria realizada em um sábado. Como não conseguiu a alteração da data de forma administrativa perante a banca do concurso, o candidato impetrou mandado de segurança, que foi concedido pelo TRF da 1ª Região que entendeu que o deferimento do pedido atendia à finalidade pública de recrutar os candidatos mais bem preparados para o cargo21.
Em 26/11/202022, em sessão virtual realizada pelo plenário, a Suprema Corte fixou a seguinte tese:
“Nos termos do artigo 5º, VIII, da Constituição Federal é possível a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital, por candidato que invoca escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada”.
O ARE 1099099, de relatoria do Ministro Edson Fachin – Tema 1021, por sua vez, discutia o dever do administrador público de disponibilizar obrigação alternativa para servidor em estágio probatório cumprir deveres funcionais a que está impossibilitado em virtude de sua crença religiosa.
O recurso extraordinário foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que manteve sentença em mandado de segurança impetrado por uma professora adventista reprovada no estágio probatório por descumprir o dever de assiduidade, ao não trabalhar entre o pôr do sol de sexta-feira e o pôr do sol de sábado.
No caso, a servidora foi exonerada do serviço público após registrar noventa faltas nas sextas-feiras à noite. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, confirmando a sentença de primeiro grau, concluiu que foi descumprido o dever de assiduidade imposto a todos os servidores, ressaltando que a estabilidade não se adquire automaticamente após o decurso do prazo de três anos. Entendeu o Tribunal de Justiça pela ausência de violação ao livre exercício de culto religioso.
Em 26/11/202023, em sessão virtual realizada pelo plenário, a Suprema Corte fixou a seguinte tese:
“Nos termos do artigo 5º, VIII, da Constituição Federal é possível à Administração Pública, inclusive durante o estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que invocam escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, não se caracterize o desvirtuamento do exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada”.
Desse modo, extrai-se dos julgados que o STF pacificou que a Administração Pública deve sim apresentar medida alternativa para que o candidato ou servidor guardador do sábado possa invocar a escusa de consciência para não cumprir determinada obrigação naquele dia que entende ser de descanso/guarda e que a prestação alternativa não deve provocar ônus desproporcional à Administração Pública.
Observa-se que a Suprema Corte assegurou que a liberdade religiosa é um direito fundamental que deve ser protegido.
O Ministro Edson Fachin, Relator do ARE 1099099, votou que é dever do administrador oferecer obrigações alternativas para assegurar a liberdade religiosa ao servidor em estágio probatório e disponibilizar data e horários alternativos para a realização de etapa de concurso público, certame público ou vestibular por força de crença religiosa, pois “São práticas que devem ser adotadas pelo estado e pelo poder público, na medida em que representam concretização do exercício da liberdade religiosa sem prejuízo de outros direitos fundamentais”.
Por sua vez, o Ministro Dias Toffoli, relator do RE 611874, votou que não há direito subjetivo à remarcação de data e horário diversos dos determinados previamente pela comissão organizadora, sem prejuízo de a administração pública avaliar a possibilidade de realização em dia e horário que conciliem a liberdade de crença com o interesse público.
Ponderou que a administração não pode ser obrigada a alterar datas de concursos públicos por questões de crenças religiosas. Propôs que sejam respeitadas as decisões da justiça tomadas até então sobre alterações de datas de certames. Sustentou o Ministro que “Admitir a criação de condições especiais ao exercício de faculdades legais embasados na crena religiosa é estabelecer privilégio não extensível aos que tem outras crenças, ou simplesmente não creem. Tendo em vista que o direito fundamental à liberdade de crença não se encontra sozinho no ordenamento constitucional, há que se estabelecer, portanto, fronteiras ao exercício do direito à liberdade de credo”.
Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski votaram pela possibilidade da realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital por candidato que apresenta objeção de consciência por motivos de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração e a preservação da igualdade entre os candidatos. Essa corrente também reconhece a possibilidade de a administração pública, durante o estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o exercício dos deveres funcionais ao servidor público em avaliação.
O Ministro Alexandre de Moraes destacou que o poder público tem a obrigação constitucional de garantir a plena liberdade religiosa, mas não pode ser subserviente com qualquer dogma ou princípio religioso que possa colocar em risco sua própria laicidade. No entanto, segundo Moraes, não se pode considerar como garantia de plena liberdade religiosa a situação em que o estado obriga alguém a optar entre sua profissão e sua fé. Destacou que “O poder público não está obrigado a seguir o calendário e os dogmas religiosos, mas também não pode fazer tábula rasa da liberdade religiosa, impedindo que todos os adeptos de uma determinada religião tenham acesso a determinado concurso ou cargo público”.
De acordo com o ministro, a proteção judicial à previsão constitucional da liberdade religiosa e da fixação de prestação ou critérios alternativos quando alegada escusa de consciência é necessária e obrigatória, desde que não fira a igualdade de competição e do exercício de cargos públicos e sejam observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
A Ministra Cármen Lúcia ponderou que “O Estado se separa da religião, mas o ser humano não se separa da fé”. Ressaltou, ainda, que os guardadores do sábado não podem ser submetidos a uma situação em que precisem optar por sua fé ou fazer parte de concurso ou função pública.
Asseverou que o estado é leigo, mas o ser humano não precisa de ser. Salientou, ainda, que os dois casos postos a julgamento servem para pensar que o estado tem que cada vez mais saber que todas as formas de tolerância não convivem com a intolerância estatal. “A intolerância administrativa não pode se sobrepor a tolerância religiosa, que está na base de todas as formas de manifestação de fé”.
Destacou a necessidade do estado em tolerar todas as manifestações de fé, ao relembrar Rui Barbosa que disse que “a Constituição não é treslouca, não pode dar com a mão direita para tirar com a esquerda”, de modo que não pode ter garantido liberdades e depois dizer que ou o indivíduo exerce os rituais da fé ou opta por trabalhar. Exemplificou que exigir do candidato que opte por fazer um concurso de magistratura ou opte por ser adventista do sétimo dia não é liberdade.
A Ministra Rosa Weber observou que, nos casos concretos, não feriria a igualdade de competição a possibilidade de o candidato realizar a prova física no dia seguinte, tampouco a compensação, pela professora em estágio probatório, das horas não trabalhadas às sextas-feiras.
Em divergência, o ministro Nunes Marques afirmou que, segundo a Constituição Federal, a administração pública deve obedecer ao princípio da legalidade, que autoriza o Estado a agir apenas quando autorizado por lei e de acordo com esta. O texto constitucional deixa claro, a seu ver, que a prestação alternativa da obrigação legal imposta a todos deve ser fixada em lei, e não por ato tipicamente administrativo. Para o ministro, na ausência de lei prevendo alternativas, a administração pública fica impossibilitada de agir. “Se a legalidade para os cidadãos significa fazer tudo que a lei não proíbe, à administração só é permitido fazer o que a lei permite”, assinalou. Ressaltou, ainda, que a submissão às regras de concurso públicos são obrigações assumidas espontaneamente pelo candidato. Nesse sentido, qualquer dificuldade em cumprir essas obrigações “decorre de uma proibição religiosa, e não estatal”.
O Ministro Gilmar Mendes defendeu que não é razoável, em respeito aos princípios da isonomia e da impessoalidade, a movimentação da máquina estatal para contemplar candidatos impossibilitados de realizar atividade em determinados horários da semana em razão de convicções pessoais. Ponderou que “A administração não deve ficar à mercê de particularidades de cada um dos candidatos”.
Salientou ainda que essa situação poderia conduzir à inviabilidade do concurso público e afetar o interesse da coletividade, pois os conflitos podem afetar a prestação de serviços públicos essenciais à sociedade. Destacou que “Reconhecer o direito subjetivo de guarda de dia da semana a um professor, em determinados municípios, pode significar óbice à educação da população local”.
O Ministro Marco Aurélio defendeu que no caso do candidato, não houve ofensa ao princípio da isonomia nem ônus à administração pública. O tratamento foi igualitário, uma vez que ele apenas realizou a prova de esforço com os candidatos de outro estado e não pretendeu uma segunda chamada. Já no caso da professora paulista, não há direito líquido e certo a ser reparado, porque ela não justificou à administração pública as 90 ausências nem tentou permuta com colega, causando encargos à administração.
O tema enseja conflitos entre os operadores do direito e o debate envolve a laicidade do estado, o princípio da isonomia e o direito à liberdade religiosa.
Diante da evolução da sociedade, que é plural, e do dinamismo social, é natural que haja conflitos de interesses entre os direitos mais caros dos indivíduos e, em razão disso, o operador do direito precisa ponderar tais interesses, o que deve ser feito à luz dos princípios da unidade da Constituição, da concordância prática, da razoabilidade e da isonomia.
Sempre que possível os direitos fundamentais devem ser exercidos, sem que haja supressão de um ou de outro, devendo ser realizadas ponderações para que se alcance o ponto de equilíbrio.
No caso dos adventistas do sétimo dia, que não podem realizar provas aos sábados, é possível ponderar o direito à isonomia e garantir o exercício da liberdade religiosa, assegurando que estes candidatos realizem a prova em outra data e/ou horário, desde que permaneçam em confinamento, portanto, incomunicáveis durante e após o término da prova no horário comum, o que é razoável.
Por fim, Dilson Cavalcanti Batista Neto e Igor Emanuel de Souza Marques, em artigo publicado no Conjur, denominado “A liberdade religiosa dos sabatistas e a Administração Pública”24 realizam excelentes ponderações, que merecem ser expostas.
Alterar dia de prova de concurso público em edital não seria, por definição, uma prestação alternativa, mas seria forçar que todos já inscritos (por exemplo: com passagens compradas, hotéis reservados) tenham de se adequar aos sabatistas. No caso julgado no RE 611874, não houve qualquer alteração de edital para todos, mas somente para o religioso. Houve, ao contrário, um exemplo claro de prestação alternativa. Já que existia outro local (previsto em edital) no qual a prova seria fora do horário sabático, por que não permitir a acomodação? No caso concreto, o candidato arcou com todos os custos para se deslocar a outro lugar para realizar o exame.
Outro possível exemplo de prestação alternativa, que se enquadra melhor em casos de provas objetivas ou discursivas aos sábados, é o do confinamento, como ocorria quando o Enem se dava aos sábados. O argumento de que tal confinamento geraria um custo para a Administração é imoral diante do custo pessoal do próprio religioso em ter que, para manter sua crença, ficar preso um turno inteiro numa sala incomunicável [6]25.
Argumentos vagos e que tendem ao exagero (reductio ad absurdum), como “o que aconteceria caso surjam novas religiões guardando outros dias?”, ou mesmo “se todos os funcionários fossem sabatistas”, jamais podem ser utilizados para denegar a acomodação de um sabatista. Em primeiro lugar, o costume de guardar o sábado existe antes do Brasil ou mesmo do Ocidente; em segundo lugar, os sabatistas são, notadamete, uma minoria. Sendo assim, é altamente improvável que um número expressivo de funcionários públicos se torne sabatista. Como reforçou o ministro Alexandre de Moraes, “0,8% dos brasileiros, repito, 0,8% são adventistas do 7° dia que guardam o sábado ou judeus. 0,8% Dos 0,8%, 14%, no máximo, são servidores públicos. Ou seja, é o que dá 0,1%, e atuam pelo Brasil todo”[7]26. (destaque nosso)
4. A (im)possibilidade do policial ser escalado de serviço em determinados dias em razão da religião
Face o direito constitucional de liberdade religiosa que assegura que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa, como fica a situação do policial que invoca a escusa de consciência para não trabalhar no sábado?
Em algumas religiões os seguidores guardam um dia de descanso no qual não realizam atividades.
Como visto nos tópicos anteriores, os adventistas do sétimo dia, os judeus, os batistas do sétimo dia, dentre outros, não exercem suas atividades profissionais no sábado.
A Igreja Adventista do Sétimo Dia possui o entendimento de que algumas atividades são essenciais, como a do profissional de saúde, e permite o trabalho no sábado por entender que o membro está cuidando da vida das pessoas, o que é admissível, haja vista que Jesus curava aos sábados.
Para os adventistas do sétimo dia, a função policial pode ser exercida pelo cristão até mesmo no sábado, desde que não seja algo comum, ou seja, o profissional não deve trabalhar todo sábado de modo a evitar que isso atrapalhe a sua comunhão com Deus, devendo encontrar um equilíbrio para fazê-lo em situações excepcionais e apenas para desenvolver o trabalho necessário a proteção da vida.
Advogam que o profissional deve envidar esforços no sentido de adorar a Deus no sábado mesmo exercendo a profissão. Fundamentam seu argumento no Livro de Neemias, capítulo 13, versículo 19, situação na qual o profeta Neemias designou guardas (policiais) para cumprirem a função de evitar o paganismo e a desobediência do povo da guarda do sábado.
O trabalho exercido por policiais é essencial e possuem a nobre função de proteger, dentre outros bens importantes, a vida, a liberdade e o patrimônio, razão pela qual deve se aplicar o mesmo raciocínio quanto ao trabalho exercido pelos profissionais da saúde, portanto, os policiais adventistas do sétimo dia podem trabalhar aos sábados. Destaco que este entendimento quanto aos policiais não é pacífico perante os adventistas de sétimo dia.
Os católicos embora guardem o domingo não há orientação no sentido de que seus membros devam se abster de atividades seculares e profissionais.
As testemunhas de Jeová entendem que os cristãos não são obrigados a guardar o sábado e que a Bíblia não contém nenhuma ordem para os cristãos usarem o domingo unicamente como dia de descanso.
Os espíritas, não observam um dia de guarda. Embora seu precursor Alan Kardec tenha adotado os dez mandamentos como Lei Divina, defendem que todos os dias são do Senhor, de modo que cada pessoa deve escolher o dia e horário adequado para adoração a Deus.27
No Islamismo, guarda-se a sexta-feira como dia de descanso, contudo, não há fechamento obrigatório dos negócios, exceto durante o horário da oração congregacional. Advogam que é importante que a oração da sexta-feira não seja negligenciada pelo trabalho, estudo ou outros assuntos.
Por fim, nas religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda, não possuem um dia específico de guarda.
Domingo é dia de guarda e descanso, porém admitem o trabalho no domingo.
Adventistas do Sétimo Dia
O período entre o pôr do sol de sexta e o pôr do sol de sábado é o período de descanso e não se admite qualquer atividade secular (trabalho, farra e outras correlatas).
Testemunhas de Jeová
Não defendem a existência de um dia específico de guarda.
A sexta-feira é o dia de descanso e não admitem o trabalho durante o horário da oração congregacional.
Judeus
O período entre o pôr do sol de sexta e o pôr do sol de sábado é o período sagrado e não se admite qualquer atividade secular (trabalho, farra e outras correlatas).
Em qualquer caso deve haver uma ponderação de valores a ser feita pelo comando, entre o direito fundamental à liberdade religiosa e o direito fundamental à segurança pública. Sempre que possível e se for razoável, o comando deve atender aos pleitos dos policiais e militares que possuem um dia de guarda, desde que não se caracterize o desvirtuamento do exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, nos moldes dos parâmetros fixados pelo STF no Tema 386.
Nos termos do art. 5º, VIII, da Constituição Federal é possível à Administração Pública, inclusive durante o estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que invocam escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, não se caracterize o desvirtuamento do exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada. STF. Plenário. RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 19/11, 25/11 e 26/11/2020 (Repercussão Geral – Tema 386) (Info 1021). (destaque nosso)
Portanto, é possível traçar alguns parâmetros a serem considerados na avaliação de cada caso.
a) O policial trabalha em uma unidade que possui quantos policiais? Há número suficiente de policiais que possam trabalhar aos sábados e substituir o policial que alega escusa de consciência?
b) Quais serão os prejuízos para a segurança pública, que também é um direito fundamental?
c) O policial a ser substituído no sábado, durante o dia, aceita trabalhar no sábado durante a noite ou aos domingos como forma de reposição do turno não trabalhado?
d) O fato do policial folgar todos os sábados, durante o dia, acarretará em excesso de serviço para os demais policiais ou em ônus desproporcional à Administração Pública?
e) Há desvirtuamento do exercício da função policial pelo fato do policial não trabalhar sábado durante o dia? Isto é, a função policial é comprometida pelo fato do profissional não poder trabalhar aos sábados durante o dia?
Caso o policial trabalhe em uma unidade com muitos policiais será simples atender ao pedido do policial, mediante ajustes na escala, até porque, geralmente, estão dispostos a trabalharem no domingo ou em outro dia para conseguir a liberação no dia sagrado, o que, certamente, vai coadunar-se com o interesse de outros policiais que preferem trabalhar no sábado a trabalhar no domingo.
Por outro lado, se houver poucos policiais e não for possível substituir o policial que alega escusa de consciência para não trabalhar entre o pôr do sol da sexta-feira e o pôr do sol do sábado, não é razoável a autorização, pois gera ônus excessivo para a Administração Pública e prejudica o direito fundamental à segurança pública. O mesmo raciocínio se aplica se, na unidade, a maioria dos policiais forem adventistas do sétimo dia, pois neste caso haveria uma situação insuperável e não é possível deixar a segurança pública comprometida. Haveria excessivo ônus para a Administração Pública.
Dessa forma, não é possível dizer que o policial que alega escusa de consciência possui o direito incondicional de não trabalhar no dia sagrado, pois depende de uma série de avaliações por parte da Administração Pública que deverá decidir de forma fundamentada. Obviamente, o gestor público deve facilitar a liberação do religioso e somente quando, realmente, não for possível, deve indeferir o pedido com fundamentos concretos.
Em casos extremos, como assaltos a banco, homicídios, presença de traficantes e de organizações criminosos na cidade, o plano de chamada pode ser acionado pelo comando, devendo o religioso estar pronto para atender ao chamado e se deslocar para a atividade policial, em cumprimento ao mandamento constitucional da segurança pública, que, nestes casos, prepondera sobre a liberdade religiosa e escusa de consciência, face o interesse público em empregar o policial e a ausência de razoabilidade em deixar uma sociedade em perigo com risco a ter a vida de diversas pessoas violadas, que também é um direito fundamental.
5. A (im)possibilidade de exercer a profissão de policial ou militar em razão da religião
Outra crença defendida por algumas religiões diz respeito ao alistamento militar, no sentido de que o praticante da religião não deve alistar-se ao serviço militar obrigatório ou exercer a função de policial.
Os adventistas do sétimo dia30 defendem que a Bíblia não deixa dúvidas de que Deus aprova e precisa da profissão do policial no contexto de pecado no qual a sociedade vive, no sentido de que os policiais são usados para punir o crime e que a profissão é instituída por Deus (Rm 13:1-4). Ponderam que não há na Bíblia nenhuma proibição para que o cristão siga a carreira policial e militar. Defendem que Deus aprova a profissão desde que exerçam a profissão com honestidade e integridade: sem extorquir, sem dar falso testemunho e com contentamento do salário. (Lc 3:14). O contentamento do salário significa não praticar corrupção.
Por sua vez, os praticantes da religião Testemunha de Jeová defendem que não devem participar de guerras porque obedecem a Deus (Is 2:4) e a Jesus (Mt 26:52) e amam o próximo (Jo:17:16; 13:34, 35). Orientam seus membros também no sentido de não exercer atividade que exija o porte de arma de fogo, porém esclarecem que não é uma imposição, mas fruto da escolha pessoal. Quem porta arma corre o risco de se tornar um culpado de sangue e precisa refletir com oração “se está disposto a carregar o fardo de ter de decidir com rapidez o que fazer quando uma vida humana estiver em jogo”31.
No catolicismo não há orientação quanto a abstenção de prática da profissão.
De igual modo, no Candomblé e na Umbanda não há orientação no sentido de que não devem exercer a profissão.
Por sua vez, no espiritismo não há oposição ao exercício da atividade. Entendem que a função tem por objetivo empreender a ordem e o direito na sociedade, de modo que seu ofício é fundamental e indispensável.
Católicos
Pode exercer a atividade policial/militar
Adventistas Do Sétimo Dia
Pode exercer a atividade policial/militar
Testemunhas De Jeová
Recomenda-se não exercer a atividade policial/militar
Espíritas
Pode exercer a atividade policial/militar
Religiões de Matriz Africana
Pode exercer a atividade policial/militar
6. O porte de arma pelo policial e a proibição pela religião
Quanto ao uso de arma de fogo, os adventistas do sétimo dia defendem que o policial cristão pode usar arma de fogo porque é autoridade, conforme escrito na Bíblia no Livro de Romanos, capítulo 13.
A religião Testemunha de Jeová preconiza que a opção pela atividade que exija o uso de arma é uma escolha pessoal do membro, contudo, ao fazer uso dela pode se tornar culpado de sangue. Caso continue a portar arma após ser aconselhado à base da Bíblia a pessoa não pode ser qualificada para nenhum privilégio especial de serviço na congregação.
Entendem, também, que o cristão não deve possuir arma de fogo ainda que seja para proteção pessoal, sob o fundamento de que os princípios da Bíblia mostram que não é correto usar armas de fogo para se proteger de outros humanos. Salientam que a vida humana é sagrada (Livro de Salmos, capítulo 36, versículo 9 e capítulo 51, versículo 14; Livro de Deuteronômio, capítulo 22, versículo 8) e que só quem confia em Deus e obedece aos princípios da Bíblia vai ter uma verdadeira segurança para sempre.
Nesse sentido, seguem ensinamentos extraídos do site oficial das Testemunhas de Jeová.32
Será que um cristão consegue ter uma boa consciência se aceitar um emprego que requeira o porte de armas?
Todas as Testemunhas de Jeová levam a sério a responsabilidade dada por Deus de sustentar suas famílias. (1 Timóteo 5:8) No entanto, alguns tipos de emprego violam claramente os princípios bíblicos e por isso devem ser evitados. Esses são os relacionados com a jogatina, o uso indevido do sangue e os que incentivam o uso de tabaco. (Isaías 65:11; Atos 15:29; 2 Coríntios 7:1; Colossenses 3:5) Outros tipos de trabalho, embora não sejam condenados diretamente pela Bíblia, podem violar a consciência do empregado ou a de outros.
Ter um emprego que requeira o porte de armas de fogo ou de qualquer outro tipo é uma questão pessoal. No entanto, alguém que precise portar uma arma no trabalho corre o risco de se tornar culpado de sangue, caso seja necessário utilizá-la. Portanto, o cristão precisa considerar com oração se está disposto a carregar o fardo de ter de decidir com rapidez o que fazer quando uma vida humana estiver em jogo. Portar uma arma também põe a pessoa em risco de ser ferida ou morta num ataque ou represália.
A decisão tomada pode afetar outros também. Por exemplo, a responsabilidade primária de um cristão é pregar as boas novas do Reino de Deus. (Mateus 24:14) Seria possível ensinar outros a ‘ser pacíficos para com todos os homens’ e ao mesmo tempo ganhar o sustento em um trabalho que exige o porte de arma? (Romanos 12:18) E os filhos e outros membros da família? Será que ter uma arma em casa poria em risco a vida deles? Além disso, poderia a decisão tomada fazer outros tropeçar? — Filipenses 1:10.
Nestes “últimos dias”, cada vez mais pessoas são “ferozes, sem amor à bondade”. (2 Timóteo 3:1, 3) Sabendo disso, será que a pessoa ficaria ‘livre de acusação’ se escolhesse um emprego em que portasse armas e que talvez o colocasse em confronto com esse tipo de pessoas? (1 Timóteo 3:10) É claro que não. Por esse motivo, a congregação não encararia essa pessoa como “irrepreensível” caso continuasse portando armas depois de ser bondosamente aconselhada à base da Bíblia. (1 Timóteo 3:2; Tito 1:5, 6) Assim, tal pessoa, quer homem quer mulher, não estaria qualificada para nenhum privilégio especial de serviço na congregação.
Jesus garantiu aos seus discípulos que, se colocassem os interesses do Reino em primeiro lugar na vida, eles não precisariam ficar excessivamente preocupados com as necessidades básicas. (Mateus 6:25, 33) De fato, se depositarmos total confiança em Jeová, “ele mesmo [nos] susterá. Nunca permitirá que o justo seja abalado”. — Salmo 55:22.
No catolicismo não há proibição ou orientação pelo não uso da arma de fogo pelo policial.
De igual modo, no Candomblé e na Umbanda não há orientação no sentido de que não devem fazer o uso da arma de fogo.
No espiritismo também não há orientação pelo não uso de arma ou proibição.
Católicos
Podem usar armas.
Adventistas do Sétimo Dia
Podem usar armas.
Testemunhas de Jeová
Recomenda-se não usar armas.
Espíritas
Podem usar armas.
Religiões de Matriz Africana
Podem usar armas.
Judeus
Podem usar armas.
As Testemunhas de Jeová que optarem por seguir rigorosamente os preceitos religiosos em relação a não portar arma, em razão dos riscos de se envolverem em uma troca de tiros e vir a tirar a vida de uma pessoa, sendo que somente o Dador da vida está autorizado a tirá-la, não está apto para exercer a atividade policial, já que o uso da arma é inerente à profissão, assim como o ato de julgar é inerente ao juiz.
As instituições policiais possuem como instrumento de trabalho indissociável o uso de arma de fogo e todos que ingressam na instituição passam por cursos de treinamento com arma de fogo e se tornam aptos a usá-la em serviço ou na vida pessoal.
Em serviço, o policial deve estar pronto e ter aptidão para usar arma de fogo, não sendo possível opor escusa de consciência para trabalhar desarmado, na medida em que é da natureza da profissão, na atividade-fim, haver riscos de vida e ter contato direto com criminosos, sendo necessário que o policial utilize da demonstração de força, ainda que potencial, para a proteção da sociedade. No Brasil é inimaginável pensar em policiais desarmados pelas ruas, o que somente geraria riscos para si e para a sociedade.
Não se desconsidera que o direito à liberdade religiosa é um direito fundamental. No entanto, a utilização de arma de fogo na segurança pública, que também é um direito fundamental, deve ser preponderante, face à ausência de razoabilidade em permitir que um policial não use armas na atividade-fim e os riscos decorrentes.
Além do mais, o fundamento constitucional de cunho religioso não pode alterar a essência e os alicerces da instituição, que no caso das instituições policiais, todas possuem previsão constitucional e cuidam da segurança pública (direito fundamental).
Mutatis mutandis, seria o mesmo que admitir que uma pessoa pertencente, hipoteticamente, a uma religião que não permite que homens julguem homens, pois o julgamento cabe a Deus, se torne juiz. Nota-se haver um ônus excessivo para a Administração Pública e a impossibilidade do exercício da função. Nestes casos, quando o fundamento religioso contraria o cerne, a essência da instituição, não é possível compatibilizar o trabalho para que atenda aos preceitos religiosos.
Pode-se cogitar que o policial que não pode pegar em armas trabalhe administrativamente, sem obrigatoriedade de ser escalado para a atividade operacional, que, obrigatoriamente, exige o porte de arma. Caso seja possível atender a esse pedido do policial, é uma forma de solucionar o problema, devendo a Administração Pública observar, em qualquer caso, a razoabilidade e a ausência de ônus excessivo para a administração.
Em alguns casos o policial é dispensado definitivamente da atividade operacional em razão de problemas de saúde, o que, igualmente, pode ser feito com as Testemunhas de Jeová, a critério da administração e observado o interesse público, conforme premissas fixadas pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 386.
6.1 A troca de tiro
A Testemunha de Jeová possui orientação no sentido de que a atividade policial não deve ser desenvolvida pelos seus membros em razão do uso da arma de fogo. Além disso, entendem que ao fazer uso da arma a pessoa será culpada pelo sangue, sendo que somente o Dador da vida está autorizado a tirá-la.
Caso um policial Testemunha de Jeová esteja armado e se depare com um agente armado que efetua disparos contra policiais e terceiros, deve ter disposição de efetuar disparos de arma de fogo contra o agente, não devendo alegar preceitos religiosos para o não uso da arma, já que está em conflito o direito à vida de outras pessoas com a liberdade religiosa, não sendo possível nem razoável que o policial disponha sobre a vida de terceiros, ao deixar de atirar contra um agente armado, por ser Testemunha de Jeová.
Dentro da concepção de que o policial é uma autoridade para Deus e pode fazer uso de arma de fogo, alguns teólogos adventistas defendem que não seria permitido matar, outros, contudo, entendem que não há relação com esse mandamento porque o termo em língua original não trata de homicídio de forma geral e sim de assassinato, de modo que se o policial mata uma pessoa no exercício de sua profissão, dentro dos parâmetros estabelecidos por lei e pelo estado, ele não está cometendo assassinato, desta forma, não se encaixaria no mandamento “não matarás”.
Não há objeções para que cristãos utilizem a arma de fogo em serviço e efetue disparos, quando necessário, de acordo com a lei.
6.2 Tributo de sangue
O tributo de sangue consiste no juramento feito pelos policiais e militares de se comprometerem a defender o próximo e a sociedade, mesmo com o sacrifício da própria vida.
A Lei Estadual de Goiás n. 8.033/76, dispõe sobre o Estatuto dos Policiais-Militares do Estado de Goiás e prescreve em seus artigos 26, I e 30, I, o exercício da função mesmo com o risco e sacrifício da própria vida.
Art. 26 – São manifestações essenciais do valor Policial-Militar:
I – o sentimento de servir à comunidade estadual, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever Policial-Militar e pelo integral devotamento à manutenção da ordem pública, mesmo com o risco da própria vida;
Art. 30 – Os deveres Policiais-Militares emanam de vínculos racionais e morais que ligam o Policial-Militar à comunidade estadual e à sua segurança, e compreendem, essencialmente:
I – a dedicação integral ao serviço Policial-Militar e a fidelidade à instituição a que pertence, mesmo com o sacrifício da própria vida;
O juramento consistente no tributo de sangue é comum nas formaturas dos cursos de formação de ingresso nas instituições policiais e militares.
As Testemunhas de Jeová recomendam seus membros a não exercerem a profissão policial ou militar, em razão da necessidade de utilizarem arma de fogo e poderem se tornar um culpado de sangue.
Na 2ª Guerra Mundial um número significativo de Testemunhas de Jeová foram presas ou executadas por terem se recusado a pegar em armas e participar da guerra.
Quando se faz o juramento de proteger a sociedade mesmo com o risco e sacrifício da própria vida entende-se que o policial ou militar desafiará o perigo inerente à própria profissão, ainda que lhe custe a vida.
Em razão da possibilidade de confronto e riscos da atividade, pode ser necessário que a Testemunha de Jeová se utilize da força, o que contraria seus preceitos religiosos. Ao seguir rigorosamente os ensinamentos de sua religião, a Testemunha de Jeová opta por não participar de atos que possam resultar na morte de terceiros, ainda que em legítima defesa.
A princípio o tributo de sangue demonstra não ser possível na vida das Testemunhas de Jeová, pois não estão disponíveis para o confronto, razão pela qual não há como jurar o sacrifício da própria vida, a não ser que cumpram este juramento em atividades que não envolvam confronto, como o salvamento de uma pessoa em uma casa em chamas ou opte por, em situação de risco decorrente do confronto, não enfrentá-lo e dar a própria vida.
Não foram encontradas informações sobre o assunto em relação às demais religiões estudadas e acredito não haver óbices para a realização do tributo de sangue, já que podem portar arma de fogo e serem policiais, sendo o juramento inerente à atividade policial.
7. Continência e sinais de respeito às autoridades, à Bandeira Nacional e ao Hino Nacional
A continência é uma das formas pelas quais os militares manifestam respeito e apreço aos seus superiores, pares e subordinados (art. 3º da Portaria Normativa n. 660-MD/09).
A continência é a saudação prestada pelo militar. É impessoal e visa à autoridade, não a pessoa (art. 14, § 1º).
A continência deve partir do militar de menor precedência hierárquica e o superior hierárquico deve retribuí-la. Caso o militar esteja em trajes civis, deve responder a continência com um movimento de cabeça, com um cumprimento verbal ou descobrindo-se, caso esteja de chapéu (art. 14, §§ 2º e 3º).
A Bandeira Nacional tem direito à continência: a) ao ser hasteada ou arriada diariamente, em cerimônia militar ou cívica; b) por ocasião da cerimônia de incorporação ou desincorporarão, nas formaturas; c) quando conduzida por tropa ou por contingente de Organização Militar; d) quando conduzida em marcha, desfile ou cortejo, acompanhada por guarda ou por organização civil, em cerimônia cívica; e) quando, no período compreendido entre oito horas e o pôr do sol, um militar entra a bordo de um navio de guerra ou dele sai, ou, quando na situação de “embarcado”, avista-a ao entrar a bordo pela primeira vez, ou ao sair pela última vez (art. 15, I).
O Hino Nacional tem direito à continência quando executado em solenidade militar ou cívica (art. 15, II).
Diante do dever dos militares em prestar continência para as autoridades, para a Bandeira Nacional e para o Hino Nacional, deve-se analisar se um militar pertencente a uma religião que veda este ato, poderá deixar de prestar continência em razão da liberdade religiosa.
Conforme ensinamentos extraídos do site oficial das Testemunhas de Jeová, as Testemunhas de Jeová.33
Saudação à bandeira. As Testemunhas de Jeová acreditam que saudar a bandeira ou curvar-se diante dela, geralmente quando se toca um hino nacional, seja um ato religioso que atribui salvação, não a Deus, mas ao Estado ou a seus líderes. (Isaías 43:11; 1 Coríntios 10:14; 1 João 5:21) Um desses líderes foi o Rei Nabucodonosor, da antiga Babilônia. Para impressionar as pessoas com sua majestade e fervor religioso, esse poderoso monarca construiu uma enorme imagem e obrigou seus súditos a se curvar diante dela enquanto se tocava uma música, similar a um hino nacional. No entanto, três hebreus — Sadraque, Mesaque e Abednego — se recusaram a se curvar diante da imagem, mesmo sabendo que poderiam morrer por causa disso. — Daniel, capítulo 3.
Na nossa época, o nacionalismo tem a bandeira como “principal símbolo de fé e objeto central de adoração”, escreveu o historiador Carlton Hayes. “Os homens tiram o chapéu quando a bandeira passa; e em louvor à bandeira os poetas escrevem poemas e as crianças entoam hinos.” O nacionalismo, acrescentou ele, também tem seus “dias santos”, como o Dia da Independência, bem como seus “santos e heróis” e seus “templos”, ou monumentos. Numa cerimônia pública no Brasil, um ministro general de exército reconheceu: “Cultua-se e venera-se a bandeira . . . como se cultua a Pátria.” E certa vez, The Encyclopedia Americana disse: “A bandeira, como a cruz, é sagrada.”
Essa enciclopédia disse mais recentemente que os hinos nacionais “são expressões de sentimentos patrióticos e muitas vezes incluem pedidos de orientação e proteção divinas para o povo ou seus governantes”. Portanto, os servos de Jeová não são desarrazoados ao considerar como religiosas as cerimônias patrióticas que incluem a saudação à bandeira e hinos nacionais. Tanto é assim que, ao comentar a recusa dos filhos das Testemunhas de Jeová de prestar homenagem à bandeira e de fazer o juramento de lealdade nas escolas dos Estados Unidos, o livro The American Character (O Caráter Americano) disse: “Numa série de casos, a Suprema Corte por fim confirmou que esses ritos diários são religiosos.”
Embora não participe de cerimônias que considera antibíblicas, o povo de Jeová com certeza respeita o direito dos outros de fazer isso. Também respeita as bandeiras nacionais como símbolos e reconhece que os governos devidamente constituídos são “autoridades superiores” que ‘estão a serviço de Deus’. (Romanos 13:1-4) Assim, as Testemunhas de Jeová acatam a exortação de orar “com respeito a reis e a todos os que estão em altos postos”. Mas fazemos isso “a fim de que continuemos a levar uma vida calma e sossegada, com plena devoção a Deus e seriedade”. — 1 Timóteo 2:2. (destaque nosso)
Nota-se que as Testemunhas de Jeová consideram que os atos de saudação e respeito (continência) às autoridades, ao Hino Nacional e à Bandeira Nacional são formas de adoração, em razão do contexto histórico envolvendo Rei Nabucodonosor.
De qualquer forma, as Testemunhas de Jeová respeitam “as bandeiras nacionais como símbolos e reconhece que os governos devidamente constituídos são ‘autoridades superiores’ que ‘estão a serviço de Deus’. (Romanos 13:1-4)”.
O ato de saudar a bandeira ou curvar-se diante dela é um ato religioso que atribui salvação ao Estado e aos seus líderes e não a Deus. Defendem que reconhecem que os governos são devidamente constituídos e são autoridades superiores que estão a serviço de Deus (Rm 13:1-4), porém interpretam que o ato configura uma adoração.
Entendem que Jeová deixou bem claro na bíblia a orientação de que não se admite qualquer tipo de adoração a imagem esculpida.
É importante distinguir adoração de sinal de respeito. Adoração significa venerar, ou seja, cultuar, reverenciar. Pode ser entendido também como forte admiração por uma pessoa ou alguma coisa. Sinal de respeito, no meio militar, consiste no ato de saudar, cumprimentar, considerar a autoridade e não venerar, cultuar, reverenciar. Tratam-se de conceitos distintos.
Dessa forma, o ato de prestar continência à Bandeira Nacional e ao Hino Nacional não constitui um ato de adoração, isso porque não é prestado culto à bandeira ou ao hino nem são reverenciados como seres divinos, mas consiste num sinal de respeito pelo país.
Em que pese haver essa distinção, é importante destacar que para as Testemunhas de Jeová, a continência, enquanto sinal de respeito, significa adoração, portanto, não devem ser prestadas, o que não impede de manterem posição de respeito.
Diante desse cenário, tem-se de um lado o exercício da liberdade religiosa e a impossibilidade, em razão da religião, de se prestar continência no meio militar, e de outro a obrigatoriedade de se prestar continência em razão das normas institucionais. Como solucionar essa questão? É possível antever duas correntes.
A primeira fundada na impossibilidade de se prestar continência, na medida em que a liberdade religiosa, enquanto direito fundamental, deve prevalecer em relação aos sinais de respeito impostos institucionalmente. Nessa ponderação de valores entre liberdade religiosa e escusa de consciência (art. 5º, VI e VIII, da CF) e continência, como ato decorrente de normas infraconstitucionais, prevalece o direito fundamental.
A segunda fundada na possibilidade e dever de se prestar continência, uma vez que as instituições militares possuem patamar constitucional e a hierarquia e disciplina, são previstas constitucionalmente (arts. 42 e 142), assim como a liberdade religiosa e a escusa de consciência (art. 5º, VI e VIII). A continência possui fundamento histórico, cultural e constitucional, pois é um ato decorrente da hierarquia e disciplina, sendo que as normas infraconstitucionais somente regulamentam a forma de se prestar continência que não passa de um ato de respeito, sem configurar qualquer tipo de adoração. Não é razoável e constitui grave ofensa às instituições permitir que um militar seja desobrigado de prestar continência às autoridades, Bandeira Nacional e Hino Nacional.
A situação é complexa! Os direitos fundamentais possuem uma maior carga e densidade valorativa quando correlacionados a outros direitos não fundamentais e devem prevalecer nessas hipóteses, como é o caso do direito à liberdade religiosa e escusa de consciência em detrimento da continência (hierarquia e disciplina), pois, diferentemente, da situação do uso de arma, a ausência de continência não altera a essência do trabalho militar e da instituição.
Em qualquer caso as Testemunhas de Jeová, caso não prestem continência, devem tomar posição de respeito.
Em trajes civis os militares cumprimentam autoridades com movimentos de cabeça e prestam sinal de respeito à bandeira ou hino nacional na posição de sentido, o que me parece ser razoável aplicar às Testemunhas de Jeová, para que estas, ainda que fardadas, possam prestar sinal de respeito com acenos de cabeça e posição de sentido. É o meio-termo. Não se deixa de prestar sinal de respeito, que é a finalidade da continência nem deixa de cumprir com os mandamentos religiosos.
Problemas pode haver em solenidades que o militar deva integrar a tropa e marchar, pois durante o desfile há sinais de respeito e continência à bandeira, o que não é admitido pelas Testemunhas de Jeová. Nestes casos, o militar deverá ser desobrigado de compor a tropa e de participar da solenidade, o que não impede que acompanhe a solenidade em posição de respeito.
O argumento de que entrou na instituição militar é por que quis e deve cumprir todas as regras militares não se sustenta, pois a Constituição Federal, ao tratar da liberdade religiosa e escusa de consciência não facultam o cumprimento por instituição ou na forma da lei. Simplesmente determina o respeito à liberdade religiosa e a escusa de consciência, ainda que decorra de um ato voluntário, tanto é que o Supremo Tribunal Federal permitiu a realização de provas de concursos (ato voluntário) em datas e horários distintos dos previstos em edital.
Nos termos do art. 5º, VIII, da Constituição Federal é possível a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital, por candidato que invoca escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada. STF. Plenário. RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 19/11, 25/11 e 26/11/2020 (Repercussão Geral – Tema 386) (Info 1000).
Por outro lado, os defensores da segunda corrente podem argumentar ainda que não é razoável desconfigurar toda uma história das instituições militares ao deixar de prestar continência, o que causa ônus desproporcional à imagem e valores (hierarquia e disciplina) da Administração Pública Militar, sendo que a razoabilidade e ônus desproporcional à Administração Pública, devem ser sopesados ao deixar de aplicar obrigações às Testemunhas de Jeová, conforme assentado pelo STF no Tema 386.
O catolicismo admite a adoração a imagem (quadro ou escultura), posto que as pessoas se curvam diante de imagens de Jesus, de Santos e de Maria. Entendem que tal ato não é contrário à Bíblia.
Os adventistas do sétimo dia não admitem a adoração a nenhum tipo de imagem, ainda que seja representativa de um ser divino. Sequer adoram a imagem (quadro ou escultura) de Jesus, por entender que os mandamentos divinos escritos em Êxodo 20: 3-5, são claros ao proibir a adoração de imagens de escultura.
De outro vértice, os adventistas do sétimo dia não interpretam a continência à bandeira como ato de adoração, mas de respeito à bandeira do País (Rm 13:1-6), razão pela qual não há vedações ou limitações religiosas para que os adventistas prestem continência.
8.O corte de cabelo e da barba
As religiões de matrizes africanas, como Candomblé e Umbanda, promovem o corte de cabelo de seu membro em um ritual de iniciação e durante um período de alguns meses não é permitido que o membro pratique determinadas condutas, dentre elas, cortar o cabelo.
Nas instituições militares é sabido que o corte de cabelo é obrigatório e deve ser feito de forma constante.
A Constituição Federal assegura o direito fundamental à liberdade religiosa e de crença, sendo possível alegar escusa de consciência para deixar de cumprir determinadas obrigações.
Feitas essas ponderações, como fica a situação do militar que se inicia em religiosidade africana, sendo que não poderá, por razões religiosas, cortar o cabelo por um prazo de tantos meses, mas para a instituição militar o cabelo deve ser cortando constantemente, em prazo bem inferior ao estipulado pela religião.
Nesses casos, o que prevalece? A liberdade religiosa e a escusa de consciência possuem proteção constitucional. Constituem um direito fundamental. A estética militar (corte de cabelo) é muito importante, por razões históricas e culturais, mas possui previsão regulamentar.
Nessa ponderação deve prevalecer o direito fundamental à liberdade religiosa, na medida em que possui proteção constitucional e a estética militar não possui igual proteção.
Dessa forma, é razoável que a administração militar autorize que o policial recém-ingressado na religião não corte o cabelo pelo período necessário, podendo, se for o caso, movimentar o militar para a administração durante o período em que o cabelo estiver maior e autorizar o uso de trajes civis ou deixá-lo no serviço da P/2 ou outro que use trajes civis.
Pode também, excepcionalmente, a critério do comando, autorizar que o militar trabalhe fardado com o cabelo maior exclusivamente pelo tempo necessário.
Não há fundamento constitucional, legal nem razoabilidade em obrigar o militar a cortar o cabelo durante os poucos meses que se fazem necessários para atender ao ritual religioso, pois essa proteção, como dito, é um direito fundamental, enquanto que cortar o cabelo é uma previsão regulamentar.
Deve-se perquirir ainda como fica a situação dos pertencentes à religião Sikh, cujos seus adeptos não podem cortar o cabelo de nenhuma parte do corpo. Nestes casos, os fundamentos são os mesmos do corte de cabelo dos membros das religiões de matrizes africanas, no entanto, por ser uma situação extrema, que pode acarretar em nunca cortarem cabelo e ficarem com a barba e cabelo da cabeça grandes, deve o membro da religião realizar coque, amarrar e tomar os cuidados necessários para que não haja prejuízos para o exercício da atividade policial.
É inviável que um policial com longo cabelo e barba trabalhe na rua, em razão do dinamismo da atividade policial, como correr, pular muros, entrar em contato corporal com terceiros, sendo que o cabelo poderá se tornar um empecilho ou dificultador para o exercício dessas atividades, além de ser um potencial alvo de ataque por parte de agentes infratores e gerador de riscos para a própria vida do Sikh que poderá se lesionar ao ter os cabelos presos durante a atividade policial, como ao correr, pular um muro etc. Dessa forma, caso não seja possível ajustar o cabelo para o trabalho na rua (coque, por exemplo), será lícito à Administração Pública Militar exigir que corte o cabelo, por uma questão de razoabilidade e do direito fundamental à segurança pública, caso não seja razoável colocá-lo no serviço administrativo, em razão da ausência de efetivo ou de habilidades para trabalhar na administração, a depender da realidade de cada unidade militar.
9. A exigência do uso de saia e de vestimentas próprias pela religião durante o exercício da atividade profissional
Algumas religiões exigem que a mulher use apenas saia, sem poder usar calça, ou então exigem que a mulher use uma vestimenta específica.
Para os judeus ortodoxos, por exemplo, as mulheres são obrigadas a usarem saias e não calças em razão da modéstia e da orientação bíblica de que a mulher não pode usar roupa de homem e o homem não pode usar roupa de mulher prescrita no livro de Deuteronômio 22:5. Ou seja, a mulher não pode fazer uso de calça em nenhuma hipótese.
Para os adventistas do sétimo dia34, a orientação de Deuteronômio 22:535 não é no sentido de que a mulher não pode usar calça, mas que não pode usar roupa de homens. Defendem que a bíblia se preocupa com os princípios de modéstia, decência e discrição cristã, de acordo com 1 Tm 2:9, 10. Não há proibição de uso de calças para o exercício de atividade profissional.
Por sua vez, as Testemunhas de Jeová36 defendem que na Lei que Jeová deu a Moisés havia regras que protegiam os israelitas do modo de vida imoral dos povos em volta deles. Uma das regras dizia que mulher não devia usar roupa de homem e que homem não devia usar roupa de mulher (Deuteronômio 22:5). Segundo eles, essa lei deixa claro que Jeová detesta estilos de roupa que fazem um homem parecer uma mulher, que fazem uma mulher parecer um homem ou que deixam dúvida se é um homem ou uma mulher. Não há objeção para o uso de calças pelas mulheres no âmbito da atividade profissional, em que pese haver orientação interna para que as mulheres usem apenas saias. Quando as mulheres realizam atividade de campo, como ir às ruas e bater de porta em porta com a finalidade de levar a palavra de Jeová, obrigatoriamente, devem ir de vestido ou saia.
No Islamismo, as mulheres devem se vestir com modéstia e não devem deixar à mostra partes do corpo para nenhum homem além de seu marido, pai ou familiar mais próximo e crianças pequenas. Embora o Alcorão não seja específico quanto ao estilo de roupas usados pelas mulheres, em alguns países o uso do hijab37 é obrigatório para as mulheres. As vestimentas mais comuns são o hijab e o nicabe (niqab)38.39
Hijad
Niqab
Diante deste cenário, como fica a situação da militar no exercício de suas atividades quando tiver que usar a farda?
Aplica-se aqui o mesmo raciocínio da estética militar feita quando foi abordado o corte de cabelo.
A liberdade religiosa e a escusa de consciência possuem proteção constitucional. Constituem um direito fundamental. A estética militar (farda) é muito importante, por razões históricas e culturais, mas possui previsão regulamentar.
Nessa ponderação deve prevalecer o direito fundamental à liberdade religiosa, na medida em que possui proteção constitucional e a estética militar não possui igual proteção.
Em relação ao uso de saia, deve-se levar em consideração que a instituição estuda e adota as melhores vestimentas para o policial em serviço, de forma que possua mobilidade e conforto para a atuação nas mais diversas situações. O uso de saia ou vestidos pode prejudicar a mobilidade e dificultar a atuação policial, pois durante a atividade-fim, ou seja, atividade operacional, na rua, a policial deve estar preparada e em condições de correr, pular muros, se necessário, entrar em contato corporal, e o uso de saia/vestido pode dificultar essas ações, além de poder expor a mulher. Não é razoável e pode causar prejuízos à segurança pública (direito fundamental) permitir o uso de saias e vestidos na atividade-fim, razão pela qual a Administração Militar pode vetar.
Diversa é a situação em que a mulher militar atua administrativamente. Neste caso, deve prevalecer o direito fundamental à liberdade religiosa e à escusa de consciência, sendo permitido o uso de saia, pois não há razoabilidade em obrigá-la a usar calça em uma situação que não haverá nenhum prejuízo para a sociedade e para a instituição. Inclusive, as instituições militares possuem saia como uma das vestimentas institucionais, sendo perfeitamente possível compatibilizar o trabalho com a religião da mulher.
Em relação ao uso de hijad e niqab deve ser feita uma distinção. Como se pode notar pelas imagens, o hijad permite a visualização de todo o resto, enquanto que o niqab permite ver os olhos. A atividade policial operacional (rua) exige que os policiais sejam prontamente identificados, razão pela qual, salvo situações específicas, utilizam tarjetas e o rosto fica visível, por uma questão de transparência e publicidade do trabalho policial, como decorrência dos atos da Administração Pública.
A publicidade encontra previsão constitucional (art. 37 da CF) e, nestas situações, não é razoável permitir que a mulher trabalhasse sem o rosto estar à vista de todos. A imagem do servidor público e a liberdade religiosa cede espaço para o direito de todos saberem quem está praticando atos administrativos, seja em razão da natureza dos atos administrativos que exigem pronta identificação, salvo situações específicas de determinadas operações, seja em razão do necessário controle social, interno e externo da atividade policial.
Dessa forma, o uso de hijad na atividade-fim (rua) em nada prejudica os trabalhos policiais e o direito fundamental à liberdade religiosa e escusa de consciência deve prevalecer sobre a estética militar. Já o uso de niqab não deve ser permitido na atividade operacional (rua), em razão dos nítidos prejuízos, conforme exposto, devendo prevalecer, neste caso, a transparência e publicidade dos atos da Administração Pública, pois um direito fundamental não pode ser utilizado para impedir o acompanhamento dos trabalhos na Administração Pública.
No tocante ao trabalho administrativo, deve prevalecer o direito fundamental à liberdade religiosa e à escusa de consciência, sendo permitido o uso de hijad e niqab, pois não há razoabilidade em obrigar a mulher a não usar essas vestimentas, pois não haverá nenhum prejuízo para a sociedade e para a instituição e em âmbito interno todos saberão quem usa essas vestimentas.
Destaca-se que em qualquer caso cabe à Administração Pública Militar decidir se a policial trabalhará no serviço operacional ou administrativo, em vista do interesse público, adequando, sempre que possível, o trabalho aos preceitos religiosos da mulher.
Deve-se observar, ainda, o uso de turbantes por parte dos membros da religião Sikh, que é uma vestimenta inserida na cabeça, conforme foto abaixo40.
Neste caso, seja na atividade operacional ou administrativa, não há nenhum prejuízo para a sociedade e para a instituição, devendo prevalecer o direito fundamental à liberdade religiosa sobre a estética militar, pelos fundamentos acima expostos.
Nos Estados Unidos, conforme notícia divulgada pela Folha de São Paulo, denominada “Exército dos EUA autoriza soldados a usar barba, turbante e véu em serviço”, foram adotadas medidas que facilitam a muçulmanos, sikhs e adeptos de outras religiões a manter suas tradições enquanto prestam serviço militar. A política de vestuário e aparência militar foi revisada para passar a permitir o “uso de turbantes, véus, barbas e outras vestimentas que cobrem a cabeça, desde que seu uso tenha motivos religiosos.”41
Conforme a reportagem da Folha, os Sikh surgiram na “região de Punjabe, entre a Índia e o Paquistão, que combina elementos hindus e islâmicos e determina que os homens tenham barba e usem turbante.”
10. Considerações finais
Os direitos fundamentais, como regra, não são absolutos. São relativos e, em uma ponderação, o caso concreto deve ser analisado e, sempre que possível, eventual conflito entre direitos fundamentais deve ser solucionada pela permanência de todos, ainda que sejam relativizados em maior ou menor grau.
Alguns direitos são tratados como absoluto, como o direito a não ser torturado nem escravizado, como defendido por Norberto Bobbio. O direito do brasileiro nato em não ser extraditado já foi considerado pelo Supremo Tribunal Federal como um direito absoluto.42
A liberdade de religião e a escusa de consciência não são direitos absolutos e podem ser relativizados, conforme os diversos exemplos.
Em caso de guerra a Constituição Federal autoriza a restrição a diversos direitos fundamentais, mediante a decretação do Estado de Sítio (art. 137, II, da CF), sendo possível, até mesmo, a pena de morte. Nesse caso o direito fundamental à liberdade religiosa cede espaço à obrigação de servir o país e as Forças Armadas, podendo ser imposta, inclusive, pena de prisão, como ocorreu, em vários países, na 2ª Guerra Mundial.
O policial ou militar que alegar escusa de consciência para se eximir de atividades funcionais ou obrigatórias ou então não se ajustar a determinado padrão institucional de vestimentas e condutas, deverá comprovar, se a administração assim exigir, a condição de pertencer a uma determinada religião, o que pode ocorrer, por exemplo, nos casos em que um policial/militar se converte após ingressar na instituição e ninguém tem conhecimento de que esta pessoa se tornou membro de uma religião específica.
O argumento de que entrou na instituição policial ou militar é por que quis e que por isso deve cumprir todas as regras não se sustenta, pois a Constituição Federal, ao tratar da liberdade religiosa e escusa de consciência não facultam o cumprimento por instituição ou na forma da lei. Simplesmente determina o respeito à liberdade religiosa e a escusa de consciência, ainda que decorra de um ato voluntário, tanto é que o Supremo Tribunal Federal permitiu a realização de provas de concursos (ato voluntário) em datas e horários distintos dos previstos em edital.
Os temas abordados neste texto são polêmicos e complexos. O respeito às religiões sempre deve ocorrer e por mais que se pense diferente e discorde de um pensamento religioso, isso não deve interferir nas decisões, sob a alegação de que não verifica prejuízo à liberdade religiosa ao determinar que pratique uma conduta ou deixe de praticá-la, pois o sentimento e a consciência de outras pessoas cabe exclusivamente a essas pessoas, o que é, em absoluto, impossível de ser mensurado por quem está do lado de fora. Logo, jamais um pensamento religioso, para alguns, deve ser visto como “bobagem” ou irrelevante. Há determinados religiosos que preferem a morte a executar determinadas condutas ou aceitar certos atos, como uma Testemunha de Jeová que se recusa a receber sangue, ciente de que poderá morrer, ou se recusa a participar de guerras, como ocorreu na 2ª Guerra Mundial, em vários países, cientes de que poderiam ser condenados à pena de morte ou presos. Como dizem, “a liberdade religiosa é a mãe das outras liberdades”.
O tema debatido neste texto permite várias abordagens e, oportunamente, acrescentaremos os seguintes tópicos: a) o uso de imagens e símbolos religiosos nas instituições policiais e militares; b)A (im)possibilidade de se obrigar policiais e militares a participarem de cultos religiosos; c) O ensino militar e escusa de consciência; d) A prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.
14 Livro Nisto Cremos: as 28 crenças fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia / Associação Ministerial da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, (organização); tradução Hélio L. Grellmann – 10ª ed. – Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018.
18 Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Umbanda>. Acesso em: 20/01/2021. As informações foram confirmadas Gleydosn Dantas e de Leonardo Mendes Alvares.
22STF. Plenário. RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 19/11, 25/11 e 26/11/2020 (Repercussão Geral – Tema 386) (Info 1000).
23 STF. Plenário. RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 19/11, 25/11 e 26/11/2020 (Repercussão Geral – Tema 386) (Info 1021).
25[6] Para uma análise pormenorizada sobre o confinamento dos sabatistas no ENEM, cf. BATISTA NETO, Dilson Cavalcanti; MARQUES, Igor Emanuel de Souza. O confinamento dos sabatistas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): uma reflexão sobre liberdade, igualdade e economia. In GRIM, Brian J.; LAZARI, Rafael de; SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa e Desenvolvimento Econômico. Belo Horizonte: D´Plácido, 2018, p. 179-200.
26[7] Transcrição do vídeo do julgamento. BRASIL. STF. RE 611874 e ARE 1099099. min. rel. Dias Toffoli e Edson Fachin. Disponível em: https://bit.ly/2JiBies, acesso em 26 de novembro de 2020.
42O brasileiro nato, quaisquer que sejam as circunstâncias e a natureza do delito, não pode ser extraditado, pelo Brasil, a pedido de Governo estrangeiro, pois a Constituição da República, em cláusula que não comporta exceção, impede, em caráter absoluto, a efetivação da entrega extradicional daquele que é titular, seja pelo critério do jus soli, seja pelo critério do jus sanguinis, de nacionalidade brasileira primária ou originária. [HC 83.113 QO, rel. min. Celso de Mello, j. 26-6-2003, P, DJ de 29-8-2003.]
Nesta semana foi lançado o livro “Segurança Pública, Racismo e Direitos Humanos”, organizado pelo Professor Paulo Tiego.
Paulo Tiego é Doutorando em Educação pela UFMG. Mestre em Ciências Sociais pela PUCMinas. Especialista em Direito Penal e em Educação. É sociólogo e bacharel em Direito. E-mail: ptiego@hotmail.com.
Tive a satisfação em participar do livro com um texto que aborda um tema muito importante e fala do racismo sob a perspectiva de discriminação em razão de orientação sexual e a atuação da polícia.
O livro é gratuito. Para acessá-lo clique aqui ou na imagem abaixo.
Parabéns ao Professor Paulo Tiego, pela organização da obra.
Abordar a atividade jurídica para policiais, militares, bombeiros e guardas municipais para fins de concursos públicos é um assunto complexo e difícil, pois essas atividades envolvem um emaranhado de particularidades que gera muitas situações de incerteza, pois cabem às comissões dos concursos públicos avaliaram se aceitam ou não as atividades apresentadas pelos candidatos como atividades jurídicas suficientes para a aprovação no concurso público e muitas análises se determinadas atividades realizadas pelos policiais, militares, bombeiros e guardas municipais configuram atividades jurídicas possuem um grau de subjetividade. Portanto, a finalidade deste texto é traçar um norte de possível aceitação da atividade jurídica desempenhada por policiais, militares, bombeiros e guardas municipais e apresentar possíveis soluções para a obtenção do tempo de atividade jurídica, sem possuir a pretensão de afirmar com toda certeza que as comissões de concursos públicos aceitarão as atividades jurídicas sugeridas, em razão do grau de subjetivismo na avaliação e por competir à comissão do concurso público essa análise.
Dessa forma, todos os comentários expostos neste texto foram feitos de forma cautelosa e visam conceder um certo grau de confiança e segurança para os candidatos que sejam policiais, militares, bombeiros e guardas municipais, e visam ingressar em uma carreira jurídica que exija tempo de atividade jurídica.
O texto ficou longo, mas recomenda-se a leitura de todo o texto para que o candidato possa angariar o máximo de informações, entender os raciocínios apresentados, e optar por decidir como proceder da forma que se sentir mais seguro.
Fundamentos
• Art. 93, I, da Constituição Federal e Resolução n. 75 do CNJ • Art. 129, § 3º, da CF e Resolução n. 40/2009 do CNMP • Art. 37, XVI, da Constituição Federal • Art. 142, II, III e VIII, da Constituição Federal • art. 26 da Lei Complementar n. 80/1994 e Resolução n. 118/2015 da DPU • Art. 21, § 2º, da Lei Complementar n. 73/1993 • Art. 2º-B da Lei n. 9.266/96 • Instrução Normativa n. 01/2009 da AGU • Instrução Normativa n. 124/2018 da Polícia Federal • Art. 165 do CPC • Lei n. 13.140/2015 • Lei n. 9.307/96 • Art. 28, V e VI, da Lei n. 8.906/94 • CNJ – PP – 0002629-88.2011.2.00.0000 • CNJ – PCA – 0004602-34.2018.2.00.0000 • CNJ – Consulta – 0009079-37.2017.2.00.0000 • STF – MS: 27609 • STF – ADI 3807 • STF – Rcl 4939/PA • STF – MS 27.604 • STF – ADI 3541 • STF – ARE 859.484 AgR • STF – RE: 485283 • STJ – RMS: 45265 • STJ – RMS: 23131 • STJ – RMS: 32031 • STJ – RMS 26546 • STJ – RMS 39.157
Síntese
a) As atividades desempenhadas por policiais, militares, bombeiros e guardas municipais podem ser preponderante, parcial ou minimamente jurídicas, o que cabe à comissão do concurso publico avaliar;
b) O trabalho dos policiais, militares, bombeiros e guardas municipais na rua não é considerado, por si só, atividade jurídica para fins de concurso público;
c) Os candidatos a concursos públicos que sejam policiais, militares, bombeiros e guardas municipais podem desempenhar atividades jurídicas sem necessidade de se exonerarem para exercerem outro cargo público, que seja jurídico, ou atividade que conte como tempo de atividade jurídica, como advogar, devendo, para tanto, exercer atividades jurídicas na unidade em que trabalha, como realizar a análise e minuta de processos e procedimentos e a confecção de atos normativos, ainda que trabalhe na rua, o que pode ser ajustado entre o interessado e o Chefe/Comandante;
d) Os policiais, militares, bombeiros e guardas municipais dificilmente conseguirão exercer outra função, fora da atividade principal, em outra instituição, seja em razão de impedimento legal e/ou incompatibilidade de horário;
e) O fato do Oficial da Polícia Militar ocupar cargo privativo de bacharel em Direito não implica, necessariamente, em comprovação de atividade jurídica, sendo recomendável, por cautela, que exerça efetivamente atividades jurídicas e anote todas as informações e dados para constar na certidão circunstanciada. De qualquer forma, a presunção é de que exerce atividade jurídica;
f) A realização de pós-graduação, mestrado ou doutorado conta como tempo de atividade jurídica para os concursos do Ministério Público. Não conta como tempo de atividade jurídica nos concursos da magistratura, Defensoria Pública da União, Advogado da União, Procurador da Fazenda, Procurador Federal e Delegado de Polícia Federal. No que tange aos concursos para a defensoria pública estadual, delegado de polícia estadual e procuradorias estaduais e municipais, deve-se analisar a norma específica de cada instituição e os editais dos concursos públicos;
g) A lavratura do termo circunstanciado de ocorrência não implica, necessariamente, no reconhecimento de atividade jurídica suficiente para o concurso público;
h) O policial que trabalha em Seção Jurídica ou de Justiça e Disciplina e confeccione atos normativos, documentos jurídicos, analise e minute atos disciplinares, exerce atividade preponderantemente jurídica, o que deve ser comprovado mediante certidão circunstanciada;
i) O curso de formação das escolas policiais que exijam o bacharelado em Direito para o ingresso não conta, necessariamente, como tempo de atividade jurídica.
Este texto não tem por finalidade motivar ou estimular os policiais a estudarem para prestar concurso público, uma vez que cada pessoa possui suas pretensões pessoais e o fato de ser policial, já decorre de aprovação em concurso público, além de ser uma nobre função. A carreira policial é maravilhosa e o fato de muitos policiais almejarem prestar concursos públicos decorre dos mais diversos motivos de ordem estritamente pessoal.
Diversas são as carreiras jurídicas que exigem dos candidatos um tempo de atividade jurídica como requisito para o ingresso na carreira, como a magistratura (art. 93, I, da CF e Resolução n. 75/09 do CNJ); o Ministério Público (art. 129, § 3º, da CF e Resolução n. 40/2009 do CNMP); a Defensoria Pública da União (art. 26 da Lei Complementar n. 80/1994); Advocacia-Geral da União (art. 21, § 2º, da Lei Complementar n. 73/1993); defensorias públicas estaduais, a depender do estado; algumas procuradorias estaduais e municipais; Delegado da Polícia Federal que exige tempo de atividade jurídica ou policial (art. 2º-B da Lei n. 9.266/96) e em alguns estados há essa exigência para o cargo de Delegado de Polícia.
Uma dúvida recorrente dos policiais consiste em saber o que é considerado atividade jurídica para os policiais que almejam ingressar em uma carreira jurídica que exija tempo de atividade jurídica.
Por uma questão de boa-fé e segurança para os policiais que são candidatos a concursos públicos e tenham que comprovar o exercício de atividade jurídica por um determinado período, é meu dever esclarecer que não é possível afirmar com precisão se as bancas e comissões dos concursos aceitarão as atividades exercidas pelos policiais como jurídicas, razão pela qual este texto demonstrará alguns casos já decididos e demonstrará de forma fundamentada uma possível aceitação ou não da atividade policial, em determinadas situações, como atividade jurídica.
Visando trazer segurança jurídica para os policiais que estudam para concursos que exigem atividade jurídica, formulei consulta ao Conselho Nacional de Justiça1 com o fim de esclarecer em quais situações a atividade policial é caracterizadora de atividade jurídica, consulta a qual ainda não foi respondida. Assim que for postarei a resposta aqui no site.
Críticas reflexivas sobre a exigência somente de atividade jurídica por três anos para os concursos da magistratura
A Constituição Federal exige para os concursos da magistratura que o candidato possua pelo menos três anos de atividade jurídica (art. 93, I). Para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal exige somente notável saber jurídico, sem exigir expressamente experiência jurídica (art. 101).
Nota-se que para ser magistrado da Suprema Corte não se exige formação ou experiência jurídica, somente notáveis conhecimentos jurídicos, além da idade mínima de 35 anos e reputação ilibada (art. 101 da CF). Presume-se que com 35 anos de idade terá experiência e sabedoria de vida suficiente para ocupar o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Para ser juiz não é suficiente que seja possuidor de profundos conhecimentos jurídicos, é necessário muito mais. É necessário que tenha experiência de vida, que conheça a realidade e que possua conhecimentos, muitas vezes de vida, que vão para além do direito, pois a aplicação da justiça não passa pela simples e pura aplicação fria da lei. É necessário humildade também para saber que não sabe. Saber que o respeito a outras ciências constitui o próprio Direito, de forma que não intervenha em outras ciências mediante decisões judiciais, salvo uma decisão judicial amparada na própria ciência, como ocorre ao se determinar a realização de perícias técnicas e a manifestação de amicus curiae. O Direito não é uma ilha. É uma ciência interdisciplinar e que anda alinhada a outras ciências.
Nesse sentido, a exigência de três anos de atividade profissional para ingressar na magistratura é justo e razoável, pois exigirá do candidato, além dos cinco anos do Curso de Direito, mais três de experiência profissional.
Ocorre que a Constituição não deveria limitar a experiência profissional exclusivamente à atividade jurídica. Ás vezes a pessoa se forma em Direito, estuda para a magistratura, e possui vasta experiência no trabalho de campo, ou na área de saúde, ou na área de educação, ou na área de economia ou na área policial ou na área comercial ou na área de engenharia ou na área de serviços gerais ou na área de empreendedorismo. Computar qualquer experiência de trabalho profissional para ingressar na magistratura somente somaria e aperfeiçoaria os trabalhos da magistratura. A diversidade de experiências profissionais e de conhecimentos dos magistrados que ingressam é de suma importância para o Judiciário, o que contribui sobremaneira para a pluralidade de ideias, opiniões e decisões judiciais mais justas. Haverá avanços para o Poder Judiciário e, consequentemente, para a sociedade. Portanto, além de se exigir a formação no curso de Direito, a Constituição Federal deveria exigir um tempo de atividade profissional, em qualquer ramo de trabalho, pois tudo soma e contribui para o “Direito fora da caixa”2. O conhecimento jurídico é comprovado mediante aprovação em dificílimo concurso, que, inclusive, conta com prova prática, e eventuais retoques na experiência jurídica podem ocorrer no curso de formação após a aprovação no concurso. Deve-se levar em consideração ainda que as faculdades de Direito exigem estágio que somam para a execução de atividades jurídicas. Certo é que não é a mesma coisa dos trabalhos realizados após se formar no curso de Direito, mas não deixa de ser uma experiência.
Um juiz com competência previdenciária, por exemplo, que conhecesse a realidade do campo, por ter sido trabalhador rural por longos anos, certamente, terá mais expertise ao decidir processos de aposentadoria rural e na carreira da magistratura, ao designar magistrados para as varas judiciais, a expertise específica no tema da vara pode contar como ponto para a promoção ou remoção. Fato é que em qualquer caso o juiz deve agir de forma imparcial e a experiência de vida do juiz, para o caso concreto, pode colaborar para o aprimoramento da parcialidade positiva, que é muito bem explicada no texto “A parcialidade positiva do juiz”3, de Artur César de Souza.
Na verdade, o juiz não é neutro e muito menos imparcial, pois, de certa forma, ele está vinculado às suas concepções sociais, econômicas, culturais, psicológicas e ideológicas. É um ser histórico e fruto de seu tempo. Ao mesmo tempo, os poderes disciplinar e biopolítico disseminados perifericamente num determinado momento histórico da humanidade sugestionam a sua subjetivação, bem como sua performance no âmbito da relação jurídica processual.
Não sendo o juiz neutro, muito menos (im)parcial, deve-se romper com essa visão meramente formalista e iluminista, sugerindo-se uma nova leitura para o princípio da (im)parcialidade do juiz. E essa leitura está consubstanciada na diferenciação entre a parcialidade negativa e a parcialidade positiva.
Na perspectiva humanística do processo, é necessário que o magistrado seja positivamente parcial.
Por meio do princípio da parcialidade positiva, as diferenças sociais, culturais, econômicas, étnicas, raciais etc. deixam de ser fatores neutros e extra-processuais, e passam a constituir critérios éticos materiais para a persecução de um processo, como dizem os italianos, giusto e équo.
O princípio do juiz positivamente parcial, que garante o reconhecimento das diferenças sociais, econômicas, culturais das pessoas envolvidas na relação jurídica processual, seja ela civil ou penal, tem por fundamento, além da concepção filosófica da racionalidade ou alteridade do outro, desenvolvida por Enrique Dussel e Emmanuel Lévinas, também a determinação Constitucional prevista no artigo 3º, inciso I, III e IV da C.F. Não se deve esquecer que o Poder Judiciário faz parte da República Federativa do Brasil, e, consequentemente, deve perseguir no âmbito de sua função primordial os objetivos fundamentais desta República traçados pela Constituição.
A parcialidade positiva do juiz, portanto, é fruto de uma racionalidade crítica que visa a romper com a totalidade do sistema vigente, com a clausura e delimitação da vida a partir da mera conservação do sistema.
O juiz deve reconhecer a exterioridade das vítimas que se apresenta transcendentalmente no processo, para o efeito de introduzir no âmbito da relação jurídica processual penal ou civil uma ética material voltada para a produção, reprodução e desenvolvimento da vida humana.
Assim, deve o magistrado libertar-se da dogmática de seu “solipsismo”, de sua “subjetividade asséptica”, para alcançar o “outro” que se encontra num âmbito transcendental, realçando desta forma a sua responsabilidade pré-ontológica no campo da relação jurídica processual.
O juiz não deve tematizar o Outro (vítima inferiorizada na relação jurídica processual), mas desenvolver um desejo metafísico de proferir uma decisão équo e justa, segundo sua responsabilidade ética pré-originária à totalidade do sistema jurídico dominante.
O que é atividade jurídica?
O conceito do que é considerado atividade jurídica para fins de concursos públicos encontra-se espalhado em diversas normas, a depender do órgão visado pelo candidato.
Para a magistratura, a Resolução n. 75/09 do Conselho Nacional de Justiça assim dispõe:
Art. 59. Considera-se atividade jurídica, para os efeitos do art. 58, § 1º, alínea “i”:
I – aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito;
II – o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906, 4 de julho de 1994, art. 1º) em causas ou questões distintas;
III – o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico;
IV – o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano;
V – o exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios.
§ 1º É vedada, para efeito de comprovação de atividade jurídica, a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à obtenção do grau de bacharel em Direito.
§ 2º A comprovação do tempo de atividade jurídica relativamente a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento.
Para o Ministério Público, a Resolução n. 40/2009 do Conselho Nacional do Ministério Público preconiza que:
Art. 1º Considera-se atividade jurídica, desempenhada exclusivamente após a conclusão do curso de bacharelado em Direito:
I – O efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, com a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906, de 4 Julho de 1994), em causas ou questões distintas.
II – O exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos.
III – O exercício de função de conciliador em tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, assim como o exercício de mediação ou de arbitragem na composição de litígios, pelo período mínimo de 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano;
IV – O exercício, por bacharel em Direito, de serviço voluntário em órgãos públicos que exija a prática reiterada de atos que demandem a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos, pelo período mínimo de 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano. (Incluído pela Resolução nº 206, de 16 de dezembro de 2019)
§ 1º É vedada, para efeito de comprovação de atividade jurídica, a contagem de tempo de estágio ou de qualquer outra atividade anterior à conclusão do curso de bacharelado em Direito.
§ 2º A comprovação do tempo de atividade jurídica relativa a cargos, empregos ou funções não privativas de bacharel em Direito e a serviços voluntários será realizada por meio da apresentação de certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos, cabendo à comissão de concurso analisar a pertinência do documento e reconhecer sua validade em decisão fundamentada. (Redação dada pela Resolução nº 206, de 16 de dezembro de 2019)
Art. 2º Também serão considerados atividade jurídica,desde que integralmente concluídos com aprovação, os cursos de pós-graduação em Direito ministrados pelas Escolas do Ministério Público, da Magistratura e da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como os cursos de pós-graduação reconhecidos, autorizados ou supervisionados pelo Ministério da Educação ou pelo órgão competente.
§ 1º Os cursos referidos no caput deste artigo deverão ter toda a carga horária cumprida após a conclusão do curso de bacharelado em Direito, não se admitindo, no cômputo da atividade jurídica, a concomitância de cursos nem de atividade jurídica de outra natureza. (Redação dada pela Resolução n° 57, de 27 de abril de 2010)
§ 2º Os cursos lato sensu compreendidos no caput deste artigo deverão ter, no mínimo, um ano de duração e carga horária total de 360 horas-aulas, distribuídas semanalmente.
§ 3º Independente do tempo de duração superior, serão computados como prática jurídica: a) Um ano para pós-graduação lato sensu. b) Dois anos para Mestrado. c) Três anos para Doutorado.
§ 4º Os cursos de pós-graduação (lato sensu ou stricto sensu) que exigirem apresentação de trabalho monográfico final serão considerados integralmente concluídos na data da respectiva aprovação desse trabalho.
§ 5º Os casos omissos serão decididos pela comissão de concurso.
No tocante à Defensoria Pública da União, a Lei Complementar n. 80/1994 e a Resolução n. 118/2015 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União, assim dispõem:
Lei Complementar n. 80/1994
Art. 26. O candidato, no momento da inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la, e comprovar, no mínimo, dois anos de prática forense, devendo indicar sua opção por uma das unidades da federação onde houver vaga.
§ 1º Considera-se como atividade jurídica o exercício da advocacia, o cumprimento de estágio de Direito reconhecido por lei e o desempenho de cargo, emprego ou função, de nível superior, de atividades eminentemente jurídicas.(Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).
Art. 145. As Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e dos Territórios e dos Estados adotarão providências no sentido de selecionar, como estagiários, os acadêmicos de Direito que, comprovadamente, estejam matriculados nos quatro últimos semestres de cursos mantidos por estabelecimentos de ensino oficialmente reconhecidos.
§ 3º O tempo de estágio será considerado serviço público relevante e como prática forense.
Resolução n. 118/2015
Art. 29. Os documentos relativos à sindicância de vida pregressa e à apuração dos demais requisitos pessoais serão dirigidos à Comissão Organizadora, mediante formulário a ser fornecido no momento da entrega da documentação, que deverá ser subscrito pelo próprio candidato ou por procurador com poderes específicos e instrumento de mandato com firma reconhecida.
§ 2º. Considera-se atividade jurídica, para fins de ingresso na carreira de Defensor Público Federal:
I – o efetivo exercício de advocacia, inclusive a voluntária;
II – o efetivo exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, privativo de bacharel em Direito ou que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos;
III – o exercício da função de conciliador em tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais ou em anexos de juizados especiais ou de varas judiciais;
IV – o exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios;
V – o serviço voluntário prestado à Defensoria Pública por bacharel em Direito.
§ 3º. Somente serão computadas as atividades enumeradas nos incisos do parágrafo anterior após o bacharelado, desprezando-se os períodos de atuação concomitante.
Em se tratando dos concursos para Advogado da União e Procurador da Fazenda Nacional, a lei exige prática forense (art. 21, § 2º, da Lei Complementar n. 73/1993) e a Resolução n. 01/2002 do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União detalha o que se considera prática forense.
Art. 27 – Ter-se-á como prática forense:
I – o efetivo exercício da advocacia, na forma da Lei nº 8.906, de 1994, a abranger a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário, assim como as atividades de consultoria, assessoramento e direção jurídicos, sob inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. (Redação alterada pela Resolução nº 4/CSAGU, de 29 de março de 2004)
II – o exercício de cargo, emprego ou função pública, privativos de bacharel em Direito, sejam efetivos, permanentes ou de confiança. (Redação alterada pela Resolução nº 4/CSAGU, de 29 de março de 2004)
III – o exercício profissional de consultoria, assessoramento ou direção, bem como o desempenho, de cargo, emprego ou função pública de nível superior, com atividades eminentemente jurídicas. (Redação alterada pela Resolução nº 4/CSAGU, de 29 de março de 2004)
Parágrafo único – Admitir-se-á, também, quanto à exigência legal relativa a dois anos de prática forense, apenas a comprovação de igual período de Estágio, desde que observadas, a legislação, e os demais atos normativos, regedores da hipótese.
Art. 29 – No momento em que requerer sua inscrição no concurso, o candidato deverá entregar, além da documentação relativa à prática forense, todos os outros documentos a propósito exigidos no Edital do certame.
Para a carreira de Procurador Federal, a Instrução Normativa n. 01/2009 da AGU dispõe sobre a prática forense.
Art. 19-C. Ter-se-á como prática forense, o exercício de atividades práticas desempenhadas na vida forense, relacionadas às ciências jurídicas, inclusive as atividades desenvolvidas como estudante de curso de Direito cumprindo estágio regular e supervisionado, como advogado, magistrado, membro do Ministério Público, ou servidor do judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública com atividades, ao menos parcialmente, jurídicas, observado:
I – o exercício de atividades práticas desempenhadas na vida forense, relacionadas às ciências jurídicas, inclusive as atividades desenvolvidas como estudante de curso de direito, cumprindo estágio regular e supervisionado, deve observar a legislação e os demais atos normativos regedores da hipótese;
II – o efetivo exercício da advocacia, na forma da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, abrange a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário, assim como as atividades de consultoria, assessoramento e direção jurídicos, sob inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil;
III – a comprovação da existência de atividades, ao menos parcialmente, jurídicas, em cargos, empregos ou funções públicas, sejam efetivos, permanentes ou de confiança, em qualquer dos Poderes ou Funções Essenciais à Justiça, será feita mediante a demonstração dessas atividades, acompanhada da juntada da legislação pertinente que defina as atribuições respectivas. (Artigo acrescentado pela Instrução Normativa AGU nº 1, de 15.01.2010, DOU 18.01.2010)
Art. 19-D. No momento em que requerer sua inscrição no concurso, o candidato deverá entregar, além da documentação relativa à prática forense, todos os outros documentos a propósito exigidos no Edital do certame. (Artigo acrescentado pela Instrução Normativa AGU nº 1, de 15.01.2010, DOU 18.01.2010)
No tocante à carreira de Delegado da Polícia Federal, a Instrução Normativa n. 124/2018 regulamenta o conceito de atividade jurídica e policial para os concursos de ingresso no cargo de Delegado da Polícia Federal.
Art. 3º Considera-se atividade jurídica, para fins de ingresso no cargo de Delegado de Polícia Federal:
I – a atividade exercida com exclusividade por bacharel em Direito;
II – o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, com a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado em causas ou questões distintas, conforme o Estatuto da Advocacia;
III – o exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos; e
IV – o exercício de função de conciliador em tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, assim como o exercício de mediação ou de arbitragem na composição de litígios, pelo período mínimo de 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano.
§ 1º É vedada, para efeito de comprovação de atividade jurídica, a contagem de tempo de estágio ou de qualquer outra atividade anterior à conclusão do curso de bacharelado em Direito.
§ 2º A comprovação do tempo de atividade jurídica relativa a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico.
§ 3º Caberá à Comissão Especial, em decisão fundamentada, analisar a validade dos documentos.
Art. 4º Considera-se atividade policial, para fins de ingresso no cargo de Delegado de Polícia Federal, o efetivo exercício de cargo público, de natureza policial, na Polícia Federal, na Polícia Rodoviária Federal, na Polícia Ferroviária Federal, nas Polícias Civis ou nas Polícias Militares.
Art. 5º A comprovação do período de 3 (três) anos de atividade jurídica ou policial deverá ser documentada e formalizada para o ato da posse do candidato aprovado em todas as fases do concurso público.
Em se tratando das defensorias públicas estaduais, delegados estaduais e procuradorias estaduais e municipais deve-se observar as leis e normas que regem as respectivas carreiras.
As funções exercidas pelos policiais podem ser consideradas como atividade jurídica? Depende!
A atividade policial é muito dinâmica e nas instituições policiais é possível que um policial seja designado para trabalhar na rua ou seja lotado em uma seção jurídica, logística, de planejamento, de inteligência, de comunicação social, dentre outras.
Dessa forma, nem sempre a atividade desempenhada pelo policial será caracterizada como atividade jurídica, pois o desempenho da atividade policial é amplo e possibilita que este atue em diversas áreas (saúde, humanas, exatas, contábil, informática, administrativa, operacional, jurídica).
O policial, via de regra, dedica-se exclusivamente à atividade policial, em razão de exigência legal ou pelo fato do trabalho exigir muito e não haver tempo disponível para a realização de outras atividades.
Diante desse cenário, será analisado neste texto os mais diversos cenários e apresentada uma proposta de solução, sem a pretensão de afirmar que o raciocínio ora exposto vá prevalecer ou que será aceito pelas bancas e comissões dos concursos públicos, pois essa análise é privativa da banca que poderá, de forma fundamentada, entender que um candidato possui ou não atividade jurídica, sobretudo quando houver dúvidas se determinada função é caracterizadora de atividade jurídica.
Sendo assim, passa-se a analisar as seguintes situações: a) O policial que trabalha na rua exerce função que conta como tempo de atividade jurídica? b) A lavratura de termo circunstanciado de ocorrência por policial configura atividade jurídica? c) O policial que trabalha na administração exerce função que conta como tempo de atividade jurídica? d) Caso o concurso para o qual o policial foi aprovado exija o bacharelado em Direito, contará como tempo de atividade jurídica? e) O policial pode exercer outra atividade, além da atribuição de natureza policial, que seja considerada atividade jurídica, como ser professor, conciliador, técnico ou analista? f) Como os militares do Corpo de Bombeiros podem exercer atividade jurídica? g) Como os militares das Forças Armadas podem exercer atividade jurídica? h) Os guardas municipais exercem atividade jurídica? i) Como deve ser feita a certidão de atividade jurídica?
a) O policial que trabalha na rua exerce função que conta como tempo de atividade jurídica?
Qual é a natureza jurídica do trabalho policial na rua? Ao se dizer qual é a “natureza jurídica” de alguma coisa pretende-se afirmar o que essa “alguma coisa” representa para o Direito. Busca-se a essência, o real sentido e significado de algo para o Direito.
O trabalho policial na rua possui uma gama de atribuições complexas que interpenetra em diversas áreas de várias Ciências, como o Direito, a Psicologia, a Administração, a Criminologia, as Ciências Sociais, dentre outras. Dada as diversas particularidades, o trabalho policial na rua possui natureza jurídica de Ciências Policiais. Trata-se da parte de execução das Ciências Policiais.
Na rua o policial realiza patrulhamento, presta socorro, atende a inúmeras ocorrências, vivencia situações de conflito e tensão, e muitas vezes com iminente risco de vida, participa de reuniões comunitárias, realiza ponto base, escoltas, prisões em flagrante, cumpre mandados de busca e apreensão e de prisão, lavra Boletim de Ocorrência, dentre outras atividades.
Nota-se o dinamismo da atividade policial e a complexidade desta, não sendo possível se falar, em um primeiro momento, em exercício preponderante de atividade jurídica.
Ocorre que todos os policiais militares que trabalham na rua exercem atividade jurídica, em maior ou menor grau, uma vez que o turno de serviço exige, necessariamente, o uso de conhecimentos jurídicos, pois cabe ao policial militar analisar na rua se o caso comporta prisão em flagrante delito, analisar a tipificação penal para constar no Boletim de Ocorrência, decidir se deverá entrar na casa nas hipóteses autorizadas pela Constituição e pela lei.
Em que pese a atuação policial na rua exigir conhecimentos jurídicos e o policial, efetivamente, utilizá-los, em observância às normas das instituições que exigem atividade jurídica, certamente, as comissões de concurso não devem considerar o trabalho do policial na rua, por si só, como tempo de atividade jurídica, pois as normas são expressas em exigir a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos, o que entra na avaliação subjetiva da banca do concurso, razão pela qual há uma grande insegurança por parte do policial que trabalha na rua em continuar somente trabalhando com os serviços de rua e ao ser aprovado em concurso público, encontrar dificuldades para comprovar o tempo de atividade jurídica, e, consequentemente, ser eliminado de um difícil concurso que exigiu anos de estudo e muito sacrifício.
Concurso
Previsão normativa
Magistratura
A comprovação do tempo de atividade jurídica relativamente a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento (art. 59, § 2º, da Resolução n. 75/2009 do CNJ).
Ministério Público
A comprovação do tempo de atividade jurídica relativa a cargos, empregos ou funções não privativas de bacharel em Direito e a serviços voluntários será realizada por meio da apresentação de certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos, cabendo à comissão de concurso analisar a pertinência do documento e reconhecer sua validade em decisão fundamentada. (Art. 1º, § 2º, da Resolução n. 40/2009, com a redação dada pela Resolução nº 206, de 16 de dezembro de 2019).
Defensoria Pública da União
Considera-se atividade jurídica, para fins de ingresso na carreira de Defensor Público Federal: o efetivo exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, privativo de bacharel em Direito ou que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos (art. 29, § 2º, II, da Resolução n. 118/2015 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União).
Advogado da União e Procurador da Fazenda Nacional
O exercício profissional de consultoria, assessoramento ou direção, bem como o desempenho, de cargo, emprego ou função pública de nível superior, com atividades eminentemente jurídicas. (Redação alterada pela Resolução nº 4/CSAGU, de 29 de março de 2004) (art. 27, III, da Resolução n. 01/2002 do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União
Delegado da Polícia Federal
A comprovação do tempo de atividade jurídica relativa a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico. (art. 3º, § 2º da Instrução Normativa n. 124/2018).
Procurador Federal
A comprovação da existência de atividades, ao menos parcialmente, jurídicas, em cargos, empregos ou funções públicas, sejam efetivos, permanentes ou de confiança, em qualquer dos Poderes ou Funções Essenciais à Justiça, será feita mediante a demonstração dessas atividades, acompanhada da juntada da legislação pertinente que defina as atribuições respectivas. (Artigo acrescentado pela Instrução Normativa AGU nº 1, de 15.01.2010, DOU 18.01.2010) (Art. 19-C da Instrução Normativa n. 01/2009 da AGU)
Nota-se que somente a norma para o concurso da Procuradoria Federal não é expressa em exigir a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico. Há um menor rigor, pois exige a existência de atividades – não utiliza o termo “reiterada” – ao menos parcialmente jurídicas. Isto é, não é necessário que haja a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, basta a prática de atos – não necessariamente reiterados – que sejam, parcialmente, jurídicos.
a.1) Do trabalho do Policial Militar na rua
É inegável que o policial militar que trabalha na rua utiliza conhecimentos jurídicos. O problema está em definir se o trabalho na rua consiste na prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos. Certamente, prevalecerá que não, pois, como dito, o trabalho do policial na rua, ao realizar patrulhamento e policiamento pode-se entender que não é uma atividade preponderantemente jurídica, pois envolve diversas disciplinas (Direito, Psicologia, Administração, Criminologia, Ciências Sociais). Trata-se na verdade de uma atividade de natureza propriamente policial, afeta às Ciências Policiais e não às Ciências Jurídicas.
Por outro lado, em se tratando do concurso para ingresso na Procuradoria Federal, como o policial na rua realiza atividades e pratica atos, ao menos parcialmente jurídicos, há uma maior probabilidade de aceitação do tempo de trabalho na rua como tempo de atividade jurídica, devendo, para tanto, o candidato que for policial demonstrar que lavrava boletins de ocorrência, realizava juízo de adequações penais, efetuava prisões em flagrante, cumpria mandado de busca e apreensão e prisão, adentrava em residência nas hipóteses autorizadas constitucionalmente e pela lei, realizava buscas pessoais e em veículos, orientava juridicamente os envolvidos nas ocorrências, dentre outros.
À Polícia Militar cabe a polícia ostensiva, a qual é gênero e são espécies o policiamento ostensivo e todas as atividades que não estiverem previstas para os demais órgãos de segurança pública, além das atribuições específicas dos demais órgãos em caso de falência operacional destes. O patrulhamento, por sua vez, é uma espécie de policiamento, ao lado de pontos base e postos fixos da Polícia Militar e outras formas de se exercer o policiamento ostensivo.
Na prática os conceitos se confundem e a distinção, além de ser tênue, é de pouca aplicabilidade, sendo mais utilizada para fins acadêmicos.
A seguir, tabela comparativa entre polícia ostensiva, policiamento ostensivo e patrulhamento.
Polícia Ostensiva
Policiamento Ostensivo
Patrulhamento
Conceito
Envolve a atuação preventiva e visual da polícia, com o fim de se evitar a ocorrência de crimes; perpassa pelas quatro fases do poder de polícia; engloba toda atividade ostensiva voltada para a segurança pública que não esteja expressamente na Constituição para os demais órgãos de segurança pública e legitima a atuação da Polícia Militar na falência operacional dos demais órgãos policiais.
É uma das formas, e a principal, de se exercer a polícia ostensiva e consiste, normalmente, no policiamento visual, naquele que é perceptível aos olhos das pessoas, que é possível ser notado pela sociedade, geralmente, pelo uso da farda por parte dos militares e de viaturas, e pode ser subdivido em direto e indireto. Engloba a prevenção, repressão e garantia da obediência às normas. Em regra, é utilizado para se referir às atividades da Polícia Militar.
Consiste no ato de patrulhar, que por sua vez, significa, realizar atividades móveis de fiscalização e rondas, que, geralmente, ocorre por intermédio de viaturas em movimento ou policiais que realizam o patrulhamento a pé. Relaciona-se à garantia da obediência às normas. Em regra, é utilizado para se referir às atividades da Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal.
Exemplo
Atuação da Polícia Militar em substituição operacional aos demais órgãos policiais que estejam de greve.
Postos fixos da Polícia Militar e monitoramento visual através de recursos tecnológicos, como câmaras.
Rondas realizadas por viaturas.
O Conselho Nacional de Justiça já se manifestou que o trabalho realizados por policiais militares nem sempre se subsumem à experiência jurídica exigida para os concursos da carreira da magistratura, o que não exclui a possibilidade, no caso concreto, do policial militar demonstrar que exercia atividades jurídicas que exijam a prática reiterada de atos mediante a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos
RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. EQUIPARAÇÃO DA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR À ATIVIDADE JURÍDICA. COMPETÊNCIA DAS COMISSÕES DE CONCURSO. INTELIGÊNCIA DA RESOLUÇÃO Nº 75. RECURSO CONHECIDO PORÉM IMPROVIDO.
1. É preciso que se faça uma leitura conjunta do disposto na Resolução nº 11 com a Resolução nº 75.
2. A competência para decidir se atividades não privativas de bacharéis de direito amoldam-se ao conceito de atividade jurídica é das comissões de concursos. Precedentes.
3. Policias militares desempenham um conjunto de atividades que nem sempre se subsumem à experiência jurídica exigida para os concursos da carreira da magistratura. Isso não exclui a possibilidade de que atividade eventualmente desempenha por militares seja equipara a atividade jurídica, no entanto, à toda evidência, é às Comissões de Concurso que competiria tal análise.
4. Recurso conhecido, porém improvido.
(CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 0002629-88.2011.2.00.0000 – Rel. PAULO DE TARSO TAMBURINI SOUZA – 129ª Sessão Ordinária – julgado em 21/06/2011).
Quais são as atribuições dos policiais militares que trabalham na rua?
A título informativo, será mencionado o Regulamento Geral da Polícia Militar de Minas Gerais – Decreto n. 11.636/1969 – que especifica as diversas atribuições dos policiais militares responsáveis pelo policiamento.
Normalmente, em um turno de serviço operacional (trabalhar na rua) há o Comandante do policiamento, os comandantes das guarnições, os patrulheiros e os motoristas, que também atuam como patrulheiros.
Quais são as atribuições jurídicas de cada um?
Ao Comandante do policiamento compete: a) orientar, coordenar e fiscalizar todos os serviços de patrulhamento de sua área; b) tomar conhecimento e resolver os casos disciplinares ou de foro militar, ocorridos em sua área de policiamento, dando de tudo conhecimento ao Comandante das Operações Policiais; c) solucionar as ocorrências com policiais militares e, quando constituírem crime comum ou contravenção, tomar as providências legais cabíveis, depois de autuados os indiciados, fazendo-os apresentar-se ao quartel de sua Unidade; d) encaminhar ao quartel respectivo, as ocorrências com militares, quando constituírem crime militar; e) instruir constantemente os patrulheiros no sentido de evitarem efetuar prisões ilegais ou desnecessárias, identificações injustificáveis ou buscas indevidas.4
Ao Comandante de guarnição compete: a) orientar e assistir, frequentemente, os patrulheiros, em todos os sentidos; b) encaminhar ao Comandante do Patrulhamento os casos disciplinares e de crime, militar ou comum, havidos com os policiais militares; c) instruir frequentemente os patrulheiros; c) comparecer ao local de ocorrências, sempre que possível, assumindo a direção dos trabalhos, dando disso conhecimento ao Comandante do Patrulhamento.5
Aos patrulheiros competem: a) prender em flagrante os criminosos e contraventores, comunicando imediatamente ao chefe do Patrulhamento ou a um de seus auxiliares e encaminhando à Delegacia competente; b) na ausência dos encarregados, fiscalizar a regularidade do trânsito de veículos e anotar as infrações para a devida comunicação; c) evitar entrar em propriedade particular e, quando a isso for obrigado, observar as formalidades legais; d) respeitar e fazer respeitar as imunidades diplomáticas e parlamentares; e) comunicar, pelo meio mais rápido, ao Comandante do Patrulhamento, tomando, além disso as medidas de sua obrigação: 1 – o encontro de cadáver; 2 – o encontro de indivíduo ferido e em abandono na via pública; 3 – ajuntamentos ilícitos e sociedades secretas; 4 – aparecimento em seu setor de pessoas suspeitas; 5 – ameaça ou prenúncio de desordem e tumulto; f) não efetuar detenções, identificações, nem buscas pessoais, sem motivos realmente justos.6
As descrições das atividades jurídicas dos policiais militares que trabalham na rua, ora apresentadas, não são exaustivas, devendo-se analisar o todo e a realidade de cada policial. Tome como exemplo um Soldado, patrulheiro, bacharel em Direito e estudioso, que sempre orienta todos os policiais na rua sobre as providências jurídicas a serem adotadas nas mais diversas ocorrências, inclusive o Comandante. Certamente, haverá uma maior probabilidade de exercer atividade preponderantemente jurídica.
Nota-se que na rua, os policiais militares que estejam em função de coordenação e comando possuem uma maior probabilidade de exercerem atividade jurídica, sejam Oficiais ou Praças, já que, em tese, a orientação jurídica e as decisões jurídicas durante o turno de serviço cabem aos policiais militares que estejam à frente do turno de serviço, o que, geralmente, é denominado de CPU – Coordenador do Policiamento de Unidade.
Os policiais militares também podem atuar como agente de autoridade de trânsito (art. 280, § 4º, do CTB) e confeccionarem auto de infração de trânsito, momento em que é necessário analisar e fazer uma subsunção do fato à norma (Código de Trânsito Brasileiro), o que também constitui atividade jurídica.
Não é possível afirmar com segurança e acredito que seja pouco provável que a comissão de um concurso aceite o trabalho do policial militar na rua como atividade preponderantemente jurídica, contudo, como demonstrado, uma certidão detalhada das atividades realizadas pelos policiais militares, que demonstre ir além do serviço essencialmente de rua, é aceito. Isto é, precisa demonstrar para a banca do concurso que o serviço de rua não consiste exclusivamente em um trabalho mecânico ou de execução, havendo efetivamente a prática de atos jurídicos, até porque a banca pode desconhecer a realidade de um trabalho policial operacional, sendo necessário que o candidato o demonstre.
a.2) Do trabalho do Policial Federal e Civil na rua
O trabalho de rua é realizado também por agentes e investigadores da Polícia Federal e Civil, que vão a campo para realizarem investigações criminais, infiltram em organizações criminosas, realizam campana, levantamento de informações e audição informal de testemunhas e informantes, utilizam técnicas especiais de investigação como a do agente policial disfarçado, realizam intimações, confeccionam diversos relatórios, inclusive, com fundamentos jurídicos, dentre outras, que podem constituir atividades preponderantemente jurídicas. Os agentes e investigadores da Polícia Civil exercem atividades jurídicas, pois o trabalho de investigação é complexo e perpassa por toda uma técnica investigativa de natureza policial que decorre da análise de diversos institutos jurídicos. O bom investigador é um ótimo estrategista e utiliza a inteligência para obter êxito na produção de provas.
Os Delegados de Polícia também executam atividades na rua, contudo de forma menos intensa que os agentes e investigadores, pois conduzem as investigações criminais e os levantamentos na rua são, normalmente, realizados pelos agentes de Polícia Civil que trabalham com o Delegado e confeccionam relatório detalhado de todas as diligências feitas e o encaminha para a autoridade de polícia judiciária. Não é incomum que Delegados cumpram mandado de busca e apreensão expedido em razão de um pedido feito durante o inquérito policial.
No caso concreto, o agente e investigador da Polícia Federal e da Polícia Civil poderão desempenhar atividades que utilizem de forma preponderante os conhecimentos jurídicos.
O Conselho Nacional de Justiça no PCA 0004602-34.2018.2.00.0000 determinou que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aceitasse as atribuições realizadas pelo candidato, agente da Polícia Civil do Distrito Federal, como atividade jurídica. A inscrição definitiva havia sido indeferida pelo TJSP sob o argumento de que as atribuições do cargo de Agente da Polícia Civil do Distrito Federal, função pública não privativa de bacharel em Direito, não requerem de prática reiterada de atos que ensejam a utilização preponderante de conhecimento jurídico. No entanto, acertadamente, o CNJ decidiu que as atribuições do cargo de agente da Polícia Civil exige a prática de atos e a utilização preponderante de conhecimento jurídico.
Ademais, além do nítido caráter jurídico das atividades desempenhadas enquanto agente de polícia, por se tratar de profissão que requer dedicação exclusiva, o requerente estaria impossibilitado de comprovar o requisito constitucional pelo exercício de outras profissões, inclusive a de advogado.
Na análise das certidões para compreender o emprego reiterado do conhecimento jurídico pelo requerente, não se está a substituir a banca examinadora em sua avaliação, já que a leitura do documento não implica juízo de valor, mas sim enquadramento objetivo daquelas atribuições para se concluir pela existência de experiência jurídica “que a atividade seja de interpretação das normas e princípios jurídicos” (trechos extraídos do PP nº 50/2005). Portanto, trata-se de exame meramente objetivo e vai ao encontro do que estabelece a norma do art. 59, § 2º, da Resolução CNJ nº 75/2009 ao determinar que: (…)
Ocorre que não é todo agente da Polícia Federal e da Polícia Civil que exerce atividade jurídica, devendo, no caso concreto demonstrar a norma que trata das atribuições de seu cargo, bem como juntar uma certidão detalhada das atividades jurídicas que realiza para que a Comissão do Concurso possa avaliar se é o caso de prática de atos que exijam o uso preponderante de conhecimentos jurídicos.
Veja os seguintes trechos da decisão do CNJ no PCA 0004602-34.2018.2.00.0000.
Em relação ao cargo de agente de polícia, exercido pelo requerente após a obtenção do grau de bacharel (Id 3053651, fl. 6), conforme declaração constante no Id 3053651, fl. 1, suas atribuições encontram-se previstas no decreto nº 30.490, de 22 de junho de 2009, o qual descreve como funções do cargo: “I – Investigar atos ou fatos que caracterizem ou possam caracterizar infrações penais; II – assistir a autoridade policial no cumprimento das atividade de Polícia Civil; III – Coordenar ou executar operações e ações de natureza policial ou de interesse de segurança pública; IV – Executar intimações, notificações ou quaisquer outras atividades julgadas necessárias ao esclarecimento de atoas ou fatos sob investigações”.
Houve também certidão circunstanciada, subscrita por delegado de polícia, na qual se descreve as atividades desempenhadas pelo requerente quando lotado na Coordenação de Repressão à Drogas (Cord) e, atualmente, na Coordenação Especial de Repressão à Corrupção, ao Crime Organizado, aos Crimes Contra a Administração Pública e aos Crimes Contra a Ordem Tributária (Cecor). Dentre elas, reproduzo as que mais configuram a aplicação reiterada do conhecimento jurídico (Id 3053651, fls. 2 – 5):
1- Apurar ocorrências criminais e denúncias repassadas aos agentes de polícia da área de investigação e ao final elaborar minucioso relatório descrevendo a conduta do (s) agente (s) criminoso(s), fazendo a classificação inicial do fato típico, sugerindo medidas como representação pelo sequestrou ou arresto de bens, representação por interceptação
telefônica e telemática, representação por mandado de busca e apreensão e representação por medidas de segregação cautelar (prisão temporária, preventiva ou prisão em flagrante esperado);
2- Proceder ao registro de ocorrências extraindo do comunicante informações sobre o ocorrido, com o escopo de subsidiar a precisa classificação do fato típico, a qual já é feita de imediato pelo Agente de Polícia, fazendo uso constante das mais variadas normas que compõe o ordenamento jurídico brasileiro, para posterior ratificação pela Autoridade Policial; […]
4- Minutar Termos Circunstanciados, bem como peças pertinentes ao ato, que consubstanciam condições da ação penal, como, por exemplo, termos de requerimento, de representação e medidas protetivas de urgência, para posterior análise e ratificação da Autoridade Policial;
5- Prática, mediante despacho da Autoridade Policial, de atos atinentes ao desenvolvimento de Inquérito Policial e peças investigativas informativas do cometimento de infrações penais previstas em lei;
6- Formalidades processuais, lavratura de termo, autos e mandados, elaboração de pareceres jurídicos, além da escrituração de livros cartorários e solicitação de medidas cautelares, tudo supervisionado pela Autoridade Policial;
7- Implementar interceptações telefônicas deferidas judicialmente, com seu devido acompanhamento, para posterior elaboração de relatório pormenorizado dos elementos de informação colhidos no seu bojo, tudo com a devida supervisão da Autoridade policial representante da medida.
Não é demais repisar que essas tarefas, de maneira nítida, enquadram-se no conceito de atividade jurídica por constituírem funções que exigem de seu executor a utilização preponderante de conhecimento jurídico, assim como enfatizado pelo próprio delegado subscritor.
Nesse sentido o Conselho Nacional de Justiça já decidiu em outras situações.
Ocorre que, muito embora seja permitido a profissionais com formação superior em outra área o desempenho das funções de Agente Policial, tal fator não afasta a possibilidade de seu enquadramento no conceito de atividade jurídica.
(…)
Assim, o entendimento que deve ser conferido a tal situação é o de que ela se enquadra nas prescrições do art. 2º da Resolução no 11/2006, caracterizando a atividade jurídica exigida para ingresso na magistratura nacional, desde que conste de certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições exercidas e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos.”(CNJ – PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 1079 – Rel. Eduardo Lorenzoni – 36ª Sessão – j. 13/03/2007 ).
Pedido de Providências. Extensão do conceito de atividade jurídica. Resolução CNJ n. 11. Função dos escrivães de polícia e agentes da Polícia Federal. Utilização preponderante de conhecimentos jurídicos. Submissão a previsão do art. 2º. Consulta respondida.(CNJ – PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 1238 – Rel. Cláudio Godoy – 8ª Sessão (EXTRAORDINÁRIA) – j. 20/03/2007).
Quais são as atribuições dos Policiais Federais e Civis que trabalham na rua?
A título informativo, será mencionada a Lei Orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais – Lei Complementar n. 129/2013 – que especifica as atribuições dos policiais civis.
Em relação ao Delegado de Polícia, não há nenhuma dúvida que exercem atividades eminentemente jurídicas, pois são bacharéis em Direito, aprovados em concursos que exigem o bacharelado em Direito e comandam e conduzem investigações criminais, o que, necessariamente, implica em constante utilização de conhecimentos jurídicos de forma inteligente, para que possa traçar o melhor caminho investigativo para apurar as infrações penais. Os Delegados de Polícia coordenam os trabalhos na Delegacia de Polícia; requisitam perícias e informações de instituições e órgãos diversos; decidem de forma motivada se em determinada captura e condução de uma pessoa cabe ou não auto de prisão em flagrante; representam à autoridade judiciária competente por medidas privativas de liberdade, quebra de dados e outras que possuem a cláusula de reserva jurisdicional; instruem e orientam juridicamente os escrivães e agentes e investigadores da polícia, dentre outras.
Ao Escrivão de Polícia cabe: a) registrar em termo declarações, depoimentos e informações de autores, suspeitos, vítimas, testemunhas, adolescente infrator e demais pessoas envolvidas nos procedimentos de polícia judiciária, mediante inquirição do Delegado de Polícia competente, cooperando na formulação das perguntas a serem respondidas; b) lavrar os autos de prisão em flagrante, sob a presidência e direção do Delegado de Polícia, e expedir as respectivas comunicações pertinentes às prisões; c) formalizar autos e termos de apreensões, depósitos, restituições, fianças, acareações e reconhecimentos de pessoas e coisas, dentre outros previstos na legislação processual penal, alusivos aos procedimentos investigatórios, utilizando-se de técnicas de digitação, ressalvados os atos próprios da autoridade policial; d) expedir e subscrever notificações, intimações, ofícios, ordens de serviço, requisições e outros atos atinentes ao desenvolvimento dos inquéritos policiais, termos circunstanciados de ocorrência, processos e procedimentos de ato infracional e disciplinares, por ordem escrita do Delegado de Polícia competente; e) cooperar com as investigações em curso na unidade policial por meio do efetivo desempenho de atividades técnicas de gestão e análise técnico-científica e do processamento eletrônico dos dados e informações existentes em bancos de dados e outros registros cartorários; f) assessorar o Delegado de Polícia ao qual estiver subordinado quanto aos prazos, técnicas e formalidades legais dos procedimentos de polícia judiciária e demais atividades jurídicas desenvolvidas no âmbito do cartório policial; g) coordenar, sob a direção e presidência do Delegado de Polícia, os atos dos procedimentos investigatórios previstos em lei e adotar normas técnicas e jurídicas para o cumprimento das formalidades processuais; h) acompanhar o Delegado de Polícia em operações policiais e outras diligências externas, quando determinado; i) atuar como secretário em sindicâncias e outros procedimentos disciplinares; j) proceder aos despachos ordinatórios, de modo a tramitar e executar os despachos realizados pela autoridade policial.7
Ao investigador de polícia cabe: a) cumprir e formalizar diligências policiais, mandados e outras determinações do Delegado de Polícia competente, analisar, pesquisar, classificar e processar dados e informações para a obtenção de vestígios e indícios probatórios relacionados a infrações penais e administrativas; b) captar e interceptar dados, comunicações e informações pertinentes aos indícios e vestígios encontrados em bens, objetos e locais de infrações penais, inclusive em veículos, conforme determinação do Delegado de Polícia, com a finalidade de estabelecer a sua identificação, elaborando autos de vistoria e de constatação, descrevendo as suas características, circunstâncias e condições; b) formalizar relatórios circunstanciados sobre os resultados das ações policiais, diligências e providências cumpridas no curso das investigações; c) promover a mediação de conflitos no âmbito da Delegacia de Polícia Civil e a pacificação entre os envolvidos em infrações penais; d) realizar o registro formal e a conferência de ocorrências policiais, de pedidos de providências e de representações de partes referentes a fatos tidos como delituosos, bem como de documentos, substâncias, objetos, bens e valores neles arrecadados, realizando o manuseio, a identificação, a proteção, a guarda provisória e o encaminhamento ao setor ou órgão competente.8
Em relação às atividades do Escrivão de Polícia, assim como a do investigador, o Conselho Nacional de Justiça já decidiu que as funções exercidas caracterizam o uso reiterado e preponderante de conhecimento jurídico, sendo necessário, no entanto, certidão circunstanciada que indique as atividades jurídicas realizadas pelo Escrivão.
CONSULTA. ATIVIDADE JURÍDICA. RESOLUÇÃO CNJ N. 75/09. CARGO DE ESCRIVÃO DE POLICIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO.
1. O cargo de escrivão de polícia pode ser considerado para a comprovação de atividade jurídica, para efeitos do disposto no art. 59, III, da Resolução CNJ n. 75/09.
2. Atividade policial não envolve, necessariamente, utilização preponderante de conhecimento jurídico.
3. Necessidade de comprovação cumulativa do período de três anos de bacharelado em Direito e do exercício da atividade jurídica de escrivão de polícia mediante emissão de certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico.
No interior teor do voto que originou a ementa acima constou que:
Assim sendo, e ainda com maior razão, dado que a atividade policial é típica de segurança pública e, portanto, não envolve necessariamente o uso preponderante de conhecimento jurídico, a ocupação do cargo de escrivão de polícia de per si não revela o atendimento da exigência de comprovação de exercício da atividade jurídica.
Por isso, o exercício de atividade jurídica por ocupante dos cargos de escrivão deverá ser comprovado, à luz do disposto no art. 59, § 2º, da Resolução CNJ n. 75/09, mediante a emissão de certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento.
Em relação ao médico-legista e ao perito criminal, ainda que pertençam à Polícia Federal ou Civil, como é o caso da Polícia Civil de Minas Gerais, não exercem atividades preponderantemente jurídicas, pois a preponderância é na área técnica de sua atuação, no caso do médico, a medicina e na situação do perito criminal, no âmbito da criminalística, relacionados à física, química, biologia, odontologia legal, papiloscopia e demais áreas do conhecimento científico e tecnológico, observada a formação acadêmica específica para o exercício da função.9 Exercem, portanto, atividades minimamente jurídicas, como reflexo do desempenho de suas principais funções, já que das perícias surgem importantes efeitos para o mundo jurídico e para a investigação criminal.
Não é possível afirmar com segurança e acredito que seja pouco provável que a comissão de um concurso aceite o trabalho dos agentes e investigadores e escrivães da Polícia Federal e Civil como atividade preponderantemente jurídica, contudo, como demonstrado, uma certidão detalhada das atividades realizadas pelos policiais civis, que demonstre ir além do serviço essencialmente de rua, é aceito. Isto é, precisa demonstrar para a banca do concurso que o serviço de rua não consiste exclusivamente em um trabalho mecânico ou de execução, havendo efetivamente a prática de atos jurídicos, até porque a banca pode desconhecer a realidade de um trabalho policial operacional, sendo necessário que o candidato o demonstre.
a.3) Do trabalho do Policial Rodoviário e Ferroviário na rua
As atribuições da Polícia Rodoviária Federal – PRF – encontram-se previstas no art. 20 da Lei n. 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro, no art. 1º do Decreto n. 1.655/95, que define a competência da Polícia Rodoviária Federal e no art. 1º da Portaria MJ nº 1.375 de 02/08/2007, que trata do regimento interno do Departamento da Polícia Rodoviária Federal.
A atuação da PRF deve se dar no âmbito das rodovias e estradas federais.
Dentre as atribuições, destaca-se a realização do patrulhamento ostensivo, executando operações relacionadas com a segurança pública, com o objetivo de preservar a ordem, incolumidade das pessoas, o patrimônio da União e o de terceiros; a aplicação e arrecadação das multas impostas por infrações de trânsito, as medidas administrativas decorrentes e os valores provenientes de estada e remoção de veículos, objetos, animais e escolta de veículos de cargas superdimensionadas ou perigosas; o exercício dos poderes de autoridade de polícia de trânsito, cumprindo e fazendo cumprir a legislação e demais normas pertinentes; inspecionar e fiscalizar o trânsito, assim como efetuar convênios específicos com outras organizações similares; a execução de serviços de prevenção, atendimento de acidentes e salvamento de vítimas nas rodovias federais; a realização de perícias, levantamentos de locais, boletins de ocorrências, investigações, testes de dosagem alcoólica e outros procedimentos estabelecidos em leis e regulamentos, imprescindíveis à elucidação dos acidentes de trânsito; assegurar a livre circulação nas rodovias federais, podendo solicitar ao órgão rodoviário a adoção de medidas emergenciais, bem como zelar pelo cumprimento das normas legais relativas ao direito de vizinhança, promovendo a interdição de construções, obras e instalações não autorizadas; efetuar a fiscalização e o controle do tráfico de menores nas rodovias federais, adotando as providências cabíveis contidas na Lei n° 8.069 de 13 junho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); colaborar e atuar na prevenção e repressão aos crimes contra a vida, os costumes, o patrimônio, a ecologia, o meio ambiente, os furtos e roubos de veículos e bens, o tráfico de entorpecentes e drogas afins, o contrabando, o descaminho e os demais crimes previstos em leis; elaborar o termo circunstanciado de ocorrências a que faz referência o parágrafo único do art. 69 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, e disciplinando o seu preenchimento, a ser aprovado pelo Departamento de Polícia Rodoviária Federal, dentre outros.
A atribuição da PFF consiste em patrulhar as ferrovias federais, de forma a prevenir a ocorrência de crimes e garantir a segurança do transporte ferroviário.
Dada a similaridade com a PRF, pode-se dizer que as funções da PFF aproximam-se daquelas atribuídas à PRF, com campos de atuação distintos. Enquanto que a atuação da PRF se destina às rodovias federais, a atuação da PFF se destina às ferrovias federais.
Nota-se que os policiais rodoviários e ferroviários federais exercem atividade jurídica, contudo o problema está em definir se essa atividade é preponderantemente jurídica.
Não é possível afirmar com segurança e acredito que seja pouco provável que a comissão de um concurso aceite o trabalho operacional dos policiais rodoviários e ferroviários federais como atividade preponderantemente jurídica, contudo é possível que seja aceita uma certidão detalhada das atividades realizadas pelo policial penal que demonstre que além dessas atribuições, possua outras, como assessoria jurídica na Unidade da PRF ou PFF, confecção de procedimentos administrativos, realização de atividades jurídicas na seção de Justiça e Disciplina ou Jurídica, além de outras correlatas.
a.4) Do trabalho do Policial Penal na rua
Os policiais penais trabalham na rua na realização de escoltas e deslocamentos de presos, além de poderem trabalhar também na segurança externa dos estabelecimentos penais, o que envole a realização de um trabalho extramuro (fora da parte interna dos presídios) e nas proximidades dos estabelecimentos penais, visando a segurança destes, bem como a inibição de fuga e eventual captura de presos que tentarem fugir. Trata-se, portanto, de um trabalho que não exige a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante ou parcial de conhecimentos jurídicos, pois consiste na execução de um serviço sem a produção de atos. Isto é, a atividade do policial penal na rua, muitas vezes, é a própria execução das normas, sem a produção de atos (físicos ou orais) e documentos jurídicos pelos próprios policiais penais.
Não está a se afirmar que os policiais penais não pratiquem atos jurídicos, pois ao atuar na forma mencionada estão executando o próprio Direito, contudo, certamente, as bancas de concursos entenderão que não são atos preponderantemente ou parcialmente jurídicos, mas somente minimamente jurídicos.
O Projeto de Lei n. 3408/2020 da Câmara dos Deputados visa criar uma Lei Geral da Polícia Penal e, dentre as atribuições previstas, encontram-se as seguintes jurídicas: a) comunicar às autoridades competentes sobre infrações penais por presos praticadas em estabelecimentos penais, bem como intentos criminosos descobertos, requerendo medidas hábeis para sua apuração; b) exercer atividade disciplinar preventiva e repressiva em relação a seus servidores, na forma da lei; c) garantir a coleta, preservação e cadeia de custódia de dados, informações e materiais que constituam insumos, indícios ou provas, no âmbito de suas atribuições; d) mediar conflitos, dentre outras.
Não é possível afirmar com segurança e acredito que seja pouco provável que a comissão de um concurso aceite o trabalho operacional dos policiais penais (rua e segurança do estabelecimento penal) como atividade preponderantemente jurídica, contudo é possível que seja aceita uma certidão detalhada das atividades realizadas pelo policial penal que demonstre que além dessas atribuições, possua outras, como assessoria jurídica no estabelecimento penal, confecção de procedimentos administrativos que envolvam os presos, realização de atividades jurídicas na seção de Justiça e Disciplina ou Jurídica do estabelecimento penal, além de outras correlatas.
a.4) Do trabalho do Bombeiro Militar na rua
O bombeiro militar na rua está a atender ocorrência dos mais diversos tipos de desastres; busca e salvamento; prevenção e combate a incêndio e situações de pânico; realiza fiscalizações e inspeções em estabelecimentos comerciais para analisar se as providências de prevenção ao incêndio estão sendo observadas; avaliam prédios residenciais, comerciais e industriais e emitem alvará se a vistoria constatar que as normas de proteção e segurança contra incêndio estão sendo observadas; realiza atendimento pré-hospitalar. Nota-se que o bombeiro militar na rua pode exercer atividades de natureza jurídica ou não. Não a realiza ao atender uma ocorrência de afogamento ou incêndio, somente executa uma obrigação prevista em lei, contudo a realiza ao fazer avaliações e expedir alvarás, multas e interditar estabelecimentos, pois documenta fatos, fundamente juridicamente e cria obrigações no mundo jurídico.
Conforme informações extraídas do site do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, ao bombeiro militar compete, dentre outras: a) coordenar e executar as ações de defesa civil, proteção e socorrimento públicos, prevenção e combate a incêndio, perícias de incêndio e explosão em locais de sinistro, busca e salvamento; b) coordenar a elaboração de normas relativas à segurança das pessoas e dos seus bens contra incêndios e pânico e outras previstas em lei, no Estado; c) exercer a polícia judiciária militar, relativamente aos crimes militares praticados por seus integrantes ou contra a instituição Corpo de Bombeiros Militar, nos termos da legislação federal específica; d) incentivar a criação de Bombeiros não militares e estipular as normas básicas de funcionamento e de padrão operacional; e) exercer a supervisão das atividades dos órgãos e das entidades civis que atuam em sua área de competência; f) aprimorar os recursos humanos, melhorar os recursos materiais e buscar novas técnicas e táticas que propiciem segurança à população.10
Nota-se que são atividades que em um primeiro momento não são eminentemente jurídicas, salvo a atuação do bombeiro militar enquanto autoridade de polícia judiciária militar.
As atividades realizadas pelos bombeiros militares seriam consideradas como tempo de atividade jurídica para fins de concursos públicos? Certamente, não, pois em que pese em alguns casos exercerem atividade jurídica, esta não é preponderantemente jurídica. Talvez seja considerada parcialmente jurídica, no caso do bombeiro que trabalha lavrando multas, interditando estabelecimentos e emitindo alvarás, mas o bombeiro que trabalha atendendo ocorrências decorrente de infortúnios da vida não exerce, ainda que parcialmente, atividade jurídica, mas sim minimamente jurídica, pois está a executar o que as normas preveem.
a.5) Do trabalho do Guarda Municipal na rua
O guarda municipal na rua trabalha na proteção de bens, serviços e instalações municipais, além de ser um importante agente que colabora com os órgãos de segurança pública. Na rua, os guardas municipais não exercem atividades preponderantemente jurídicas, assim como os policiais militares e civis que trabalham na rua, pois está a executar a atividade que lhe compete, de proteção e guarda de bens, serviços e instalações municipais. Eventuais atuações como a realização de prisão em flagrante ocorrem não por um dever de atuação, como regra, mas sim por atuar como qualquer um do povo11. Além do mais, a restrição da atuação da Guarda Municipal inviabiliza a produção de atos e atividades jurídicas do guarda municipal na rua que poderá lavrar Boletim de Ocorrência dos fatos atinentes à sua atribuição constitucional e atuar em conjunto com os órgãos policiais. Há o exercício de atividades minimamente jurídicas.
O Estatuto Geral das Guardas Municipais – Lei n. 13.022/14 – define as atribuições das guardas municipais (art. 5º) e, dentre elas, encontram-se as seguintes jurídicas: a) exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal; b) garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas; c) encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário.
Nota-se que são atividades que em um primeiro momento não são eminentemente jurídicas. Não está a se afirmar que os guardas municipais não pratiquem atos jurídicos, pois ao atuar na forma mencionada estão executando o próprio Direito, contudo, certamente, as bancas de concursos entenderão que não são atos preponderantemente ou parcialmente jurídicos, mas somente minimamente jurídicos.
Diante de todo o exposto, é possível visualizar uma tendência de se formar o seguinte cenário em relação à atividade jurídica para fins de concurso para os policiais que, por si só, trabalham na rua.
Concurso
Atividade policial operacional(policiais, bombeiros e guardas que trabalham na rua).Conta como tempo de atividade jurídica?
Magistratura
Como regra, não.
Ministério Público
Como regra, não.
Defensoria Pública da União
Como regra, não.
Advogado da União e Procurador da Fazenda Nacional
Como regra, não.
Delegado da Polícia Federal
Como regra, não.
Procurador Federal
Provavelmente não, contudo são menos rigorosos ao exigirem comprovação de atividade jurídica.
Afirma-se “como regra, não” na tabela acima pelo fato de ser possível que um policial que trabalha na rua demonstre que exercia atividade que exigia o uso preponderante de conhecimento jurídico e de forma reiterada, como o exemplo de um policial militar que faça um filtro da tipificação criminal de todas as ocorrências de sua área de serviço, oriente todos os policiais militares sob o seu comando como proceder juridicamente, e isso se torne uma rotina durante o turno de serviço, o que vem a ser comprovado mediante certidão específica do Comandante, o que pode ocorre com o Coordenador ou Comandante do Policiamento da Unidade, seja Oficial ou Praça.
O agente e investigador da Polícia Civil que trabalha na rua, por si só, como realizar intimações, campanas e levantar informações para uma investigação criminal pode ter dificuldades em comprovar o uso reiterado e preponderante de conhecimentos jurídicos, contudo, caso se proceda da forma acima mencionada, conforme informações constadas na certidão de atividade jurídica, não há dúvidas que a atividade será considerada como atividade jurídica para fins de concurso público.
Diante desse contexto, como os policiais, bombeiros e guardas que trabalham na rua devem proceder para terem segurança de que possuirão atividade jurídica suficiente para ser aceita no concurso público?
É difícil definir quando o cargo não for privativo de bacharel em Direito, o que será aceito pela Comissão do Concurso como atividade preponderante ou parcialmente jurídica, pois esta análise compete à banca que analisará a certidão detalhada das atividades jurídicas desempenhadas pelo candidato.
De qualquer forma, é possível traçar um norte e demonstrar as situações que permitirão aos policias o exercício de atividade jurídica que, possivelmente, será aceita pelas Comissões dos Concursos.
Uma primeira possibilidade consiste no exercício do magistério pelos policiais. Isto é, em dar aulas jurídicas para cursos de Direito ou até mesmo para outro curso que possua disciplina jurídica, como o curso de Medicina (Direito Médico).
Veja abaixo a previsão normativa sobre o exercício do magistério superior, em universidade pública (cargo) ou privada (emprego), como tempo de atividade jurídica.
Concurso
Previsão normativa
Magistratura
O exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico (art. 59, II, da Resolução n. 75/2009 do CNJ).
Ministério Público
O exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos. (Art. 1º, II, da Resolução n. 40/2009)
Defensoria Pública da União
Considera-se atividade jurídica, para fins de ingresso na carreira de Defensor Público Federal: o efetivo exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, privativo de bacharel em Direito ou que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos (art. 29, § 2º, II, da Resolução n. 118/2015 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União).
Advogado da União e Procurador da Fazenda Nacional
Não há previsão expressa. É necessário realizar uma interpretação. O exercício de cargo, emprego ou função pública, privativos de bacharel em Direito, sejam efetivos, permanentes ou de confiança. (Redação alterada pela Resolução nº 4/CSAGU, de 29 de março de 2004) (Redação alterada pela Resolução nº 4/CSAGU, de 29 de março de 2004) (art. 27, II, da Resolução n. 01/2002 do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União
Delegado da Polícia Federal
O exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos (art. 3º, III, da Instrução Normativa n. 124/2018).
Procurador Federal
Não há previsão expressa. É necessário realizar uma interpretação. O exercício de atividades práticas desempenhadas na vida forense, relacionadas às ciências jurídicas, inclusive as atividades desenvolvidas como estudante de curso de direito, cumprindo estágio regular e supervisionado, deve observar a legislação e os demais atos normativos regedores da hipótese; A comprovação da existência de atividades, ao menos parcialmente, jurídicas, em cargos, empregos ou funções públicas, sejam efetivos, permanentes ou de confiança, em qualquer dos Poderes ou Funções Essenciais à Justiça, será feita mediante a demonstração dessas atividades, acompanhada da juntada da legislação pertinente que defina as atribuições respectivas. (Art. 19-C, I e III, da Instrução Normativa n. 01/2009 da AGU)
Em se tratando de concursos para delegados estaduais, defensorias públicas estaduais, procuradorias estaduais e municipais deve-se observar as leis e normas que regem as respectivas carreiras.
Ocorre que lecionar não é tão simples, pois além de exigir um tempo significativo de dedicação para a preparação da aula, sobretudo, é necessário que a pessoa possua dom, talento e habilidade em transmitir conhecimento.
Nota-se que as instituições que aceitam especificam que o magistério deve ser “superior”, isto é, em universidades e/ou em pós-graduação, mestrado ou doutorado. Não estão abarcadas as aulas em cursinhos preparatórios para concursos públicos.
Para Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional e Procurador Federal não há menção ao magistério superior como reconhecimento da atividade jurídica, contudo, nada impede que a banca reconheça, pois as normas são abertas e admitem o exercício de certas atividades jurídicas, a serem avaliadas pela Comissão.
Uma segunda possibilidade consiste no exercício de outro cargo técnico que seja privativo de bacharel em Direito ou que exerça funções preponderantemente jurídicas ou no exercício da função de conciliador ou mediador.
Sucede-se que os policiais, como regra, devem possuir dedicação exclusiva à atividade policial ou não conseguem tempo suficiente para realizarem outras atividades, pois as carreiras policiais exigem muito do policial.
Em razão da impossibilidade legal ou prática (incompatibilidade de horário) o exercício de outro cargo público de natureza técnica para os policiais, como o cargo de um analista judiciário, não é possível, o que dificulta ainda mais a realização de atividade jurídica por policiais, já que não podem acumular cargo público, sendo possível acumular o cargo de professor.
É importante consignar entendimento jurisprudencial equivocado do Superior Tribunal de Justiça a respeito da não natureza técnica do cargo de polícia civil.
(…) sabe-se que á atividade de agente policial não exige conhecimentos técnicos específicos ou habilitação legal para seu exercício, e tal lacuna não pode ser suprida com a simples conclusão de curso de formação na academia de Polícia ou pela inclusão da expressão” cargo técnico “pelo estatuto da polícia civil, até porque a academia de polícia não é reconhecida como instituição de ensino técnico-científico pelo Ministério da Educação e Cultura, órgão competente para tanto, e, tampouco, o Estatuto da Polícia Civil do Estado de Roraima pode se sobrepor à Constituição Federal. Assim, não havendo a comprovação de que um dos cargos ocupados pelo recorrente é técnico ou científico, não há direito à acumulação a ser resguardado na presente via. Ante o exposto, nos termos do art. 34, XVIII, b, do RISTJ, NEGO PROVIMENTO ao recurso. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 11 de setembro de 2019. MINISTRO GURGEL DE FARIA Relator (STJ – RMS: 45265 RR 2014/0067495-9, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Publicação: DJ 17/09/2019)
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. AGENTE DE POLÍCIA E PROFESSOR. DESCABIMENTO. NATUREZA DE CARGO TÉCNICO NÃO CARACTERIZADA. ART. 37, XVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. É vedada a acumulação do cargo de professor com o de agente de polícia civil do Estado da Bahia, que não se caracteriza como cargo técnico (art. 37, XVI, b, da Constituição Federal), assim definido como aquele que requer conhecimento específico na área de atuação do profissional, com habilitação específica de grau universitário ou profissionalizante de 2º grau. 2. Recurso ordinário improvido. (STJ – RMS: 23131 BA 2006/0249349-0, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 18/11/2008, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: –> DJe 09/12/2008)
O mesmo entendimento o Superior Tribunal de Justiça já externou quanto ao cargo de policial militar.
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO DO CARGO PÚBLICODE POLICIAL MILITAR COM O DE PROFESSOR. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que o cargo público de técnico, que permite a acumulação com o de professor nos termos do art. 37, XVI, b, da Constituição Federal, é o que exige formação técnica ou científica específica. Não se enquadra como tal o cargo ocupado pelo impetrante, de Policial Militar. 2. Recurso ordinário desprovido. (STJ – RMS: 32031 AC 2010/0067325-0, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 17/11/2011, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/11/2011)
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assevera que “Cargo científico é o conjunto de atribuições cuja execução tem por finalidade investigação coordenada e sistematizada de fatos, predominantemente de especulação, visando a ampliar o conhecimento humano. Cargo técnico é o conjunto de atribuições cuja execução reclama conhecimento específico de uma área do saber.”12
Márcio Cavalcante13 expõe que cargo técnico é aquele que requer conhecimento específico na área de atuação do profissional, com habilitação específica de grau universitário ou profissionalizante de 2º grau” (STJ. 2ª Turma. RMS 42.392/AC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 10/02/2015). É aquele que exige da pessoa um conjunto de atribuições ligadas ao conhecimento específico de uma área do saber. Segundo já decidiu o STJ, somente se pode considerar que um cargo tem natureza técnica se ele exigir, no desempenho de suas atribuições, a aplicação de conhecimentos especializados de alguma área do saber. STJ. 2ª Turma. REsp 1569547-RN, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 15/12/2015 (Info 575).
O conceito de “cargo técnico ou científico” não remete, essencialmente, a um cargo de nível superior, mas pela análise da atividade desenvolvida, em atenção ao nível de especificação, capacidade e técnica necessários para o correto exercício do trabalho.14
Os cargos de perito, intérprete e tradutor de libras15, gestor de políticas públicas16, pesquisadores científicos e cientistas, enfermeiro, médico, psicólogo, engenheiro, piloto de aeronaves, analistas de tribunais, dentre outros, são cargos de natureza técnica/científica.
Os cargos que exijam atribuições meramente burocráticas, como atendente de balcão nos fóruns e juntada de documentos nos processos, não possuem natureza técnica/científica.
Os cargos de policial civil e de policial militar são estritamente técnicos, assim como são os de policiais federais, rodoviários e ferroviários federais, dos policiais penais e de guardas municipais.
Os policiais possuem uma gama de atribuições que exigem habilidade e conhecimento técnico. A atividade policial é complexa e não se resume a atividades meramente burocráticas. O policial deve possuir conhecimentos e aptidão para lidar com arma de fogo; saber tipificar ocorrências; noções de primeiros socorros; noções de criminologia; noções profundas de Administração; gestão de pessoas; realiza planejamentos, lida com logística, serviço de inteligência, comunicação social e inúmeras outras atividades específicas da atividade policial, conforme demonstrado ao tratar de cada instituição policial e analisar se o exercício da função policial na rua configura atividade jurídica. É inegável que a carreira policial de natureza civil ou militar é técnica, desde o início até o fim da carreira.
Caso prevaleça que o cargo de policial não é técnico, o que está equivocado, este não poderia acumular nem com o cargo de professor, já que a Constituição Federal autoriza o acúmulo de cargo público de professor com outro técnico ou científico (art. 37, XVI, “b”).
O exercício da conciliação ou mediação conta como atividade jurídica, a depender da previsão normativa de cada concurso público.
Concurso
Previsão normativa
Magistratura
O exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano; O exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios. (Art. 59, IV e V, da Resolução n. 75/2009 do CNJ).
Ministério Público
O exercício de função de conciliador em tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, assim como o exercício de mediação ou de arbitragem na composição de litígios, pelo período mínimo de 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano. (Art. 1º, III, da Resolução n. 40/2009).
Defensoria Pública da União
O exercício da função de conciliador em tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais ou em anexos de juizados especiais ou de varas judiciais. O exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios. (art. 29, § 2º, III e IV, da Resolução n. 118/2015 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União).
Advogado da União e Procurador da Fazenda Nacional
Não há previsão.
Delegado da Polícia Federal
O exercício de função de conciliador em tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, assim como o exercício de mediação ou de arbitragem na composição de litígios, pelo período mínimo de 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano. (art. 3º, IV, da Instrução Normativa n. 124/2018).
Procurador Federal
Não há previsão expressa. É necessário realizar uma interpretação. A comprovação da existência de atividades, ao menos parcialmente, jurídicas, em cargos, empregos ou funções públicas, sejam efetivos, permanentes ou de confiança, em qualquer dos Poderes ou Funções Essenciais à Justiça, será feita mediante a demonstração dessas atividades, acompanhada da juntada da legislação pertinente que defina as atribuições respectivas. (Art. 19-C, III, da Instrução Normativa n. 01/2009 da AGU)
O policial pode ser conciliador ou mediador?
A função do conciliador e do mediador encontram-se previstas no art. 165, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil.
Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
A Lei n. 13.140/2015 dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.
Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional (art. 167 do CPC).
Os conciliadores e mediadores podem ser concursados ou não, a depender do tribunal, que poderá optar pela criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos.
Dessa forma é possível que o tribunal conte com conciliadores e mediadores concursados ou não. Caso sejam concursados ocuparão cargos públicos e exercerão, necessariamente, funções públicas. Caso não sejam concursados e os conciliadores e mediadores possuam o nome no cadastro do tribunal e sejam acionados para realizarem conciliações e mediações, periodicamente, exercerão a função de conciliador ou mediador, sem, contudo, ocupar um cargo público, pois não se trata de nomeação em cargo público, mas somente o exercício da função de conciliador e mediador, assim como ocorre com os peritos que atuam em processos judiciais, eventualmente.17 Não ocupam o cargo público de perito judicial, são designados para atuarem como perito em determinados processos e exercem, portanto, função pública.
Matheus Carvalho18 ensina que “Todo cargo público é criado mediante a edição de lei, fazendo parte da estrutura de um órgão público e, necessariamente, lhe será atribuída uma função. Não existe cargo sem função, não obstante exista função sem cargo.”
A função é a atividade em si mesmo, corresponde à atribuição e às tarefas que são de responsabilidade do agente que ocupa um cargo público.
A função de conciliador e mediador exigem a realização de cursos específicos, conforme art. 165, § 1º, do Código de Processo Civil, e a Resolução n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça. São necessárias habilidades específicas, treinamentos e conhecimentos próprios para que exerça a função de conciliador e mediador, razão pela qual os conciliadores e mediadores aprovados em concurso público ocupam cargo técnico.
Ocorre que em razão de impossibilidade legal (dedicação exclusiva, salvo o magistério) ou prática (incompatibilidade de horário) o exercício do cargo público de conciliador ou mediador não será possível ou será extremamente difícil.
Isso, no entanto, não impede que os policiais exerçam a função de conciliador ou mediador, caso preencha as exigências normativas, e passem a compor o cadastro de conciliadores e/ou mediadores e seja periodicamente acionado para realizar audiências de conciliação e/ou mediação, uma vez que a Constituição Federal veda o acúmulo de cargo público (art. 37, XVI) e não a de função. Logo, é possível que o policial ocupe o cargo público policial e exerça função pública sem ocupar o cargo público, que pode ser o caso do conciliador, mediador, do perito.
Não há proibição, por exemplo, para que um policial formado em Engenharia realize, eventualmente, perícias nessa área.
De qualquer forma, as leis das carreiras policiais devem ser observadas e não é incomum que exijam dedicação exclusiva, salvo o magistério, o que não é inconstitucional, pois cabe à lei de cada ente federativo regular e dispor sobre as normas das respectivas carreiras19, salvo se contrariar as possibilidades constitucionais de acumulação de cargo, pois onde a Constituição autoriza, a lei não pode restringir.
Art. 37 (…)
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
a) a de dois cargos de professor; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001)
É possível extrair da Constituição também que a vedação é à acumulação de cargos públicos, salvo nas hipóteses autorizadas constitucionalmente, não havendo vedação para que um policial exerça função pública diversa da função da natureza policial, contudo, como a Constituição não autoriza, nem proíbe, os estados possuem discricionariedade para regulamentarem o assunto, em observância à autonomia dos entes federativos.
Assim, é possível concluir que pela Constituição Federal os policiais podem ocupar o cargo público de conciliador e mediador ou exercer somente a função, desde que a lei e normas que tratem da carreira policial não exijam dedicação exclusiva e haja compatibilidade de horário. Isto é, na prática os policiais, muito dificilmente, conseguirão trabalhar como conciliadores e/ou mediadores.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. POLICIAL CIVIL. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. REGIME DE DEDICAÇÃO INTEGRAL E EXCLUSIVA.
1. Os policiais civis são regidos por legislação especial que estabelece o sistema de dedicação integral e exclusiva, sendo-lhes expressamente vedado o exercício de outra atividade, qualquer que seja a forma de admissão. Lei nº 4.878/68 e Decreto nº 59.310/66.
2. A dedicação integral e exclusiva esbarra em qualquer possibilidade de compatibilidade de horários com outro cargo, ainda que o policial civil trabalhe sob o regime de plantão. (Fls. 155) A parte recorrente alega que o acórdão impugnado viola o art. 37, XVI, b, da Constituição. Afirma, em síntese, que a função de policial civil é considerada de natureza técnica, (…) razão pela qual obrigar que o Recorrente faça a opção formal por um dos referidos cargos, fere seu direito líquido de exercer ambos os cargos, direito este garantido de forma expressa pela Lei Maior (fls. 221).O recurso não merece prosperar. O Tribunal a quo concluiu pela incompatibilidade de horários do cargo de agente penitenciário com o de professor, ao fundamento de que a dedicação integral e exclusiva esbarra em qualquer possibilidade de compatibilidade de horários com outro cargo. Ora, resta claro que rever a natureza dos cargos ou a existência de compatibilidade de horários implica, necessariamente, o reexame das provas e das legislações locais que fundamentaram as conclusões do acórdão recorrido. Isso inviabiliza o processamento do recurso, ante a vedação contida no enunciado das Súmulas 279 e 280 desta Corte. Além disso, o entendimento deste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o regime de dedicação exclusiva é incompatível com o exercício de qualquer outra atividade remunerada. (STF – RE: 485283 DF, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 02/02/2011, Data de Publicação: DJe-031 DIVULG 15/02/2011 PUBLIC 16/02/2011)
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela possibilidade de acumular cargos públicos autorizados constitucionalmente, que é o caso dos profissionais de saúde, desde que haja compatibilidade de horário, independentemente, da limitação de jornada semanal, já que a Constituição não faz essa exigência.
Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Servidor público. Acumulação de cargos. Compatibilidade de horários. Fixação de jornada por legislação infraconstitucional. Limitação da acumulação. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte é no sentido de que a Constituição Federal autoriza a acumulação remunerada de dois cargos públicos privativos de profissionais da saúde quando há compatibilidade de horários no exercício das funções e que a existência de norma infraconstitucional que estipula limitação de jornada semanal não constitui óbice ao reconhecimento do direito à acumulação prevista no art. 37, inciso XVI, alínea c. 2. Agravo regimental não provido. (ARE 859.484 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 12/5/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-118 DIVULG 18/6/2015 PUBLIC 19/6/2015) (grifos acrescidos)
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o regime de dedicação exclusiva não impede o acúmulo de cargos públicos autorizados pela Constituição Federal, quando houver compatibilidade de horário.20
À vista disso pode-se afirmar que há permissão constitucional para que o policial acumule cargo de professor e, a depender da lei que rege a carreira, outro cargo público técnico, ainda que a lei mencione ser a carreira policial de dedicação exclusiva, desde que haja compatibilidade de horário. Contudo, o trabalho policial, pela própria natureza, é um trabalho desgastante e a ausência de descanso físico e mental pode levar o policial ao estresse e exaustão, causando problemas de saúde mental ou emocional e inviabilizar o trabalho na atividade principal (policial), razão pela qual, em se tratando de trabalho realizado por policiais, é prudente e razoável que haja uma limitação de horário. A atividade policial nunca deve ser a secundária na vida do profissional.
E a arbitragem? O policial pode ser árbitro, o que também pode computar como atividade jurídica?
A arbitragem é uma forma alternativa de resolução de conflitos disciplinada pela Lei n. 9.307/96.
O árbitro é juiz de fato e de direito (art. 18) e se equipara ao funcionário público no exercício de suas funções ou em razão delas (art. 17). Dessa forma, o árbitro exerce função pública, sem, contudo, ocupar cargo público, pois exerce a função de juiz de fato e de direito, mas não é juiz aprovado em concurso público e não ocupa cargo público.
A atividade do árbitro é inegavelmente técnica, pois exerce as mesmas atribuições de um juiz de direito.
No tocante à aceitação da função de árbitro como tempo de atividade jurídica, aplicam-se os mesmos fundamentos da conciliação e mediação.
Em razão da impossibilidade legal (dedicação exclusiva, salvo o magistério) e prática (incompatibilidade de horário), o exercício do cargo público de conciliador ou mediador não será possível ou será extremamente difícil.
E a advocacia? É possível que haja um policial advogado? E caso o policial pretenda atuar na advocacia em estado diverso do qual é policial?
É sim possível quem um policial seja advogado, contudo deverá estar na inatividade.
O Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – Lei n. 8.906/94 – veda ao policial a possibilidade de advogar (art. 28, V e VI).
A advocacia é incompatível com o exercício da atividade policial e para qualquer militar na ativa.
Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:
V – ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;
VI – militares de qualquer natureza, na ativa;
A incompatibilidade consiste na proibição total de advogar (art. 27 do EAOAB).
Art. 27. A incompatibilidade determina a proibição total, e o impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia.
Portanto, o policial e/ou militar não pode advogar ainda que exerça a advocacia em estado diverso do qual atua, o que seria perfeitamente possível diante dos processos digitais e audiências por videoconferência. Às vezes o advogado opta por atuar somente por escrito, sem realizar audiências.
A vedação da advocacia para policiais e militares persiste somente enquanto estiverem na ativa, pois na transferência para a inatividade e na aposentadoria o policial e o militar deixam de ocupar cargo ou função vinculada direta ou indiretamente à atividade policial. No tocante aos militares, o próprio inciso VI do art. 28 do EAOAB é expresso em vedar enquanto estiver na ativa.
Os guardas municipais também não podem advogar, pois exercem atividade policial de qualquer natureza, na medida em que no exercício da missão constitucional de proteção de bem, serviços e instalações do município e nas diversas atribuições previstas no Estatuto Geral da Guarda Municipal, participam da prevenção e repressão ao crime, possuem poder de polícia e compõem o Sistema Único de Segurança Pública (art. 9º, § 2º, VII, da Lei n. 13.675/18).
Em que pese este entendimento parecer ser o prevalente, há decisões judiciais que permitem o exercício da advocacia pelos guardas municipais.
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. EXERCÍCIO PROFISSIONAL. OAB/RS. CARGO DE GUARDA MUNICIPAL. INCOMPATIBILIDADE. ARTIGOS 28 E 30, INCISO I, DA LEI 8.906/94. INOCORRÊNCIA. Os casos de incompatibilidade enumerados no artigo 28 da Lei nº 8.906/94 constituem rol taxativo, que não acolhe interpretação ampliativa, sob pena de ofensa à garantia constitucional do livre exercício profissional estabelecida no artigo 5º, inciso XIII. Assegurada a inscrição na OAB do impetrante que ocupa o cargo de Guarda Municipal por enquadrar-se na hipótese descrita no art. 30, I, da Lei 8.906/94, não figurando caso de incompatibilidade previsto no art. 28, III, do mesmo estatuto legal. Precedentes. (TRF-4 – AC: 50431461320174047000 PR 5043146-13.2017.4.04.7000, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 29/01/2019, TERCEIRA TURMA)
O Supremo Tribunal Federal já decidiu ser constitucional a impossibilidade do exercício da advocacia por policiais.
Ação direta de inconstitucionalidade. Exercício da advocacia. Servidores policiais. Incompatibilidade. Artigo 28, inciso V, da Lei nº 8.906/94. Ausência de ofensa ao princípio da isonomia. Improcedência da ação. 1. A vedação do exercício da atividade de advocacia por aqueles que desempenham, direta ou indiretamente, serviço de caráter policial, prevista no art. 28, inciso V, da Lei nº 8.906/94, não se presta para fazer qualquer distinção qualificativa entre a atividade policial e a advocacia. Cada qual presta serviços imensamente relevantes no âmbito social, havendo, inclusive, previsão expressa na Carta Magna a respeito dessas atividades. O que pretendeu o legislador foi estabelecer cláusula de incompatibilidade de exercício simultâneo das referidas atividades, por entendê-lo prejudicial ao cumprimento das respectivas funções. 2. Referido óbice não é inovação trazida pela Lei nº 8.906/94, pois já constava expressamente no anterior Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei nº 4.215/63 (art. 84, XII). Elegeu-se critério de diferenciação compatível com o princípio constitucional da isonomia, ante as peculiaridades inerentes ao exercício da profissão de advogado e das atividades policiais de qualquer natureza. 3. Ação julgada improcedente. (ADI 3541, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-057 DIVULG 21-03-2014 PUBLIC 24-03-2014)
A realização de pós-graduação conta como tempo de atividade jurídica?
O Supremo Tribunal Federal decidiu na ADI n. 4.219 que é constitucional a aceitação no concurso para ingresso no Ministério Público do tempo de pós-graduação como tempo de atividade jurídica.
“A obtenção dos títulos decorrente da formação continuada tende, em verdade, a privilegiar uma visão mais ampla da formação do integrantes das variadas carreiras jurídicas. Visão esta que, por ter fulcro no tríptico ensino-pesquisa-extensão do art. 207 da CRFB/88, promove o alargamento das competências classicamente associadas a essas profissões.” (Ministro Edson Fachin)
O Supremo Tribunal Federal não decidiu que os concursos para as carreiras jurídicas devem aceitar o tempo de pós-graduação como tempo de atividade jurídica, mas sim que é constitucional essa exigência para os concursos para membro do Ministério Público, o que, consequentemente, aplica-se para as demais carreiras jurídicas que permitam a utilização do tempo de especialização como tempo de atividade jurídica.
Portanto, o critério de aceitação ou não da pós-graduação como tempo de atividade jurídica é da instituição responsável pelo concurso, mediante a edição de atos normativos que prevejam essa possibilidade.
E para a magistratura? É possível contar o tempo de pós-graduação como tempo de atividade jurídica?
A Resolução n. 75/09 do Conselho Nacional de Justiça não admite a realização de pós-graduação como tempo de atividade jurídica.
A Resolução n. 11/06 do CNJ tratava da atividade jurídica para o ingresso na magistratura e admitia essa possibilidade, mas desde o dia 21 de maio de 2009, data da publicação da Resolução n. 75 do CNJ, não conta mais, pois revogou essa possibilidade prevista na Resolução n. 11/2006. Por uma questão de proteção da legítima expectativa e da boa-fé, a Resolução n. 75/2009 criou uma regra de transição (art. 90) e admitiu o cômputo da pós-graduação como atividade jurídica para a magistratura somente nos casos em que a pós-graduação tiver sido iniciada antes da entrada em vigor da referida resolução. Isto é, quem iniciou a pós até o dia 20 de maio de 2009, poderá contar o período da especialização como tempo de atividade jurídica. Quem iniciou a partir de 21 de maio de 2009 não pode contar como tempo de atividade jurídica, contudo pode contar como ponto na prova de título.
Como saber se em determinado concurso a pós-graduação conta como atividade jurídica? É necessário verificar a lei que trata dos requisitos de ingresso no cargo visado e o edital do concurso. Caso haja previsão de pós-graduação como atividade jurídica, conta; se não houver, não conta. A solução é simples!
Em análise às normas, já citadas neste texto, que tratam da atividade jurídica para o ingresso nas carreiras da Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública da União, Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional, Procurador Federal e Delegado Federal, somente o concurso para o Ministério Público (Promotor ou Procurador da República) aceita a pós-graduação como atividade jurídica.
No tocante aos concursos para delegados estaduais, defensorias públicas estaduais, procuradorias estaduais e municipais, tem que analisar a norma própria de cada ente federativo que trate do conceito de atividade jurídica.
Até o momento foi demonstrado que há dificuldades para que os policiais, bombeiros e guardas municipais exerçam atividades que sejam, com segurança, consideradas preponderantemente jurídicas e aceitas nos concursos públicos.
Qual é a solução para que o policial, bombeiro ou guarda municipal consiga exercer atividade jurídica que seja aceita em concurso público?
Reafirmo que não é possível afirmar que as comissões dos concursos públicos aceitarão as atividades desempenhadas por policiais, bombeiros e guardas municipais como atividade jurídica, pois esta análise compete à banca, contudo é possível dar um norte visando construir um caminho que, provavelmente, dará certo.
Caso o policial, bombeiro ou guarda trabalhe na rua, uma possibilidade de obter tempo de atividade jurídica, consiste em, mesmo não sendo a sua atribuição, realizar análises e confeccionar minutas de soluções dos mais diversos processos e procedimentos administrativos (inquéritos, sindicâncias etc.), ainda que seja uma análise e minuta por semana. Isso, ao longo do tempo, resultará em dezenas e dezenas de minutas e em três anos, centenas, o que demonstrará a prática reiterada de atos que exijam o uso preponderante de conhecimentos jurídicos.
Certo é que o policial, bombeiro ou guarda terá que trabalhar no horário de folga para realizar as análises e minutas, ocasião em que poderia estar estudando, contudo é um preço a se pagar, pois sem tempo de atividade jurídica, não adianta estudar anos, ser aprovado em provas dificílimas e não poder prosseguir no concurso e tomar posse por não possui tempo de atividade jurídica.
Como conseguir realizar análises e minutas de processos e procedimentos administrativos sem trabalhar na seção jurídica que possua essa atribuição? O policial, bombeiro ou guarda precisará conversar com o Chefe ou Comandante para que este autorize, sendo possível, inclusive, que o superior hierárquico expeça ato normativo designando o policial, bombeiro ou guarda para realizar análises e minutas de processos e procedimentos, documento este que também poderá ser utilizado também comprovar a atividade jurídica.
Em qualquer caso será necessário apresentar para a comissão do concurso uma certidão circunstanciada das atividades jurídicas desempenhadas, razão pela qual o policial, bombeiro ou guarda, para dar subsistência e fidedignidade à certidão, pode anotar o número de todos os processos analisados e minutados.
Para o concurso de Delegado Federal, como exposto na tabela, pode não contar como atividade jurídica, então o policial que trabalha na rua precisa exercer outra atividade para conseguir tempo para o concurso de Delegado Federal?
A resposta é não, pois em que pese não contar como atividade jurídica, conta como atividade policial e o art. 2º-B da Lei n. 9.266/96, com a redação dada pela Lei n. 13.047/14, aceita como experiência profissional para fins de ingresso no cargo de Delegado de Polícia não só a atividade jurídica, mas também a atividade policial.
Art. 2o-B. O ingresso no cargo de Delegado de Polícia Federal, realizado mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, é privativo de bacharel em Direito e exige 3 (três) anos de atividade jurídica ou policial, comprovados no ato de posse. (Redação dada pela Lei nº 13.047. de 2014)
A Instrução Normativa n. 124/2018 da Polícia Federal regulamenta o conceito de atividade policial para os concursos de ingresso no cargo de Delegado da Polícia Federal.
Art. 4º Considera-se atividade policial, para fins de ingresso no cargo de Delegado de Polícia Federal, o efetivo exercício de cargo público, de natureza policial, na Polícia Federal, na Polícia Rodoviária Federal, na Polícia Ferroviária Federal, nas Polícias Civis ou nas Polícias Militares.
Nota-se que basta o efetivo exercício de cargo público, de natureza policial, na Polícia Federal, na Polícia Rodoviária Federal, na Polícia Ferroviária Federal, nas Polícias Civis ou nas Polícias Militares.
E o efetivo exercício de cargo público, de natureza policial, na Polícia Penal? Como a Instrução Normativa n. 124 data de 14 de junho de 2018 e a a polícia penal foi criada com o advento da Emenda Constitucional n. 104, de 04 de dezembro de 2019, não foi contemplada na referida instrução normativa. É necessário, portanto, que a Instrução Normativa n. 124/2018 seja atualizada para contemplar a Polícia Penal, na medida em que o art. 2º-B da Lei n. 9.266/96 foi expresso em exigir três anos de atividade policial, o que deve abranger todas as instituições policiais, pois não cabe ao administrador público restringir o alcance da lei que não excepcionou nenhum órgão policial.
Não se enquadra no conceito de atividade policial aquela exercida por militares do Corpo de Bombeiro e por guardas municipais, consoante art. 4º Instrução Normativa n. 124/2018, pois o art. 2º-B da Lei n. 9.266/96 autoriza a utilização do tempo de serviço como atividade policial, conceito este que foi definido pela Polícia Federal, dentro de sua discricionariedade limitada, como o exercício de qualquer cargo público de natureza policial, o que abrange os órgãos policiais elencados nos incisos do art. 144 (Polícia Federal, na Polícia Rodoviária Federal, na Polícia Ferroviária Federal, nas Polícias Civis ou nas Polícias Militares e Polícia Penal) e o Corpo de Bombeiro é um órgão de defesa civil e a Guarda Municipal um órgão de segurança pública. Não são órgãos genuinamente policiais.
Questão interessante consiste em definir se os peritos criminais exercem atividade policial.
A Polícia Técnico-Científica, em que pese receber o nome de “polícia”, não se trata, genuinamente, de um órgão policial, mas sim de um Instituto Geral de Perícias.
Não se trata de um órgão policial de segurança pública, em que pese com ela colaborar, ao realizar os trabalhos periciais, pois não consta no rol do art. 144 da Constituição Federal, que apresenta os órgãos policiais de forma taxativa.
O Supremo Tribunal Federal decidiu pela impossibilidade da criação, pelos Estados-membros, de Instituto-Geral de Perícias como órgão de segurança pública, por não estar descrito no art. 144 da Constituição Federal.21
O Instituto de Perícias da maioria dos estados brasileiros é desvinculado da Polícia Civil, como ocorre em Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Tocantins, mas não podem ser tratados como órgãos policiais de segurança pública, e a desvinculação pode ocorrer criando-se uma autarquia responsável pela realização de perícias no âmbito do estado.
Nos estados em que ainda há vinculação, como em Minas Gerais, o Instituto de Perícias é um órgão da Polícia Civil.
No âmbito da União, os peritos criminais são vinculados à Polícia Federal.
Dessa forma, pela literalidade da Instrução Normativa n. 124/2018, os peritos criminais de Minas Gerais, por pertencerem à Polícia Civil e os peritos criminais da Polícia Federal, exercem atividade policial e podem computar o prazo de atividade policial para fins de aprovação no concurso da Polícia Federal. Nos demais estados, pelo fato do perito criminal pertencer ao Instituto de Perícias e não à Polícia Civil, não exercem atividade policial e não podem utilizar o tempo de efetivo exercício do cargo de perito para computar como atividade policial para o concurso de Delegado da Polícia Federal.
Ocorre que tal entendimento viola a isonomia, pois criaria um discrímen injustificável entre candidatos que possuem o mesmo cargo e exercem as mesmas atividades. Não há fundamento jurídico ou lógico para tal distinção. Basta imaginar o exemplo em que dois peritos criminais, um de Minas Gerais e o outro de São Paulo, são aprovados no concurso para Delegado de Polícia Federal. Somente o candidato de Minas Gerais conseguiria avançar no concurso, ser nomeado e tomar posse, enquanto que o candidato de São Paulo ficaria prejudicado. Portanto, ainda que um perito não exerça atividade policial, por não pertencer à Polícia Civil ou Federal, por uma questão de isonomia, é razoável, justo e legal a Polícia Federal aceitar o trabalho dos peritos como tempo de “atividade policial”, salvo se em todo o país a função do perito for desvinculada das instituições policiais.
O raciocínio jurídico exposto já foi utilizado pelo Supremo Tribunal Federal, em concursos da magistratura.
Dessa forma, considerou-se o fato de uma delas ter se formado em Direito mais de 3 anos antes de sua convocação e de, apesar de aprovada no exame da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, não ter exercido a advocacia por incompatibilidade com o cargo público que ocupava, qual seja, o de escrivã da Polícia Federal, cargo que envolve, como assinalado por decisão do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (Pedido de Providência 1238), o desempenho de atividades em que são exigidos conhecimentos jurídicos e para o qual, em algumas unidades da federação, seria exigido o bacharelado em direito. No que se refere à outra candidata, considerou-se o tempo que exercera como Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, visto que, embora somente em 2007 esse cargo tivesse passado a ser privativo de bacharel em direito no Estado do Pará (Lei Estadual 6.969/2007), já o seria em outras Unidades da Federação. Asseverou-se que entendimento contrário implicaria tratamento desigual entre candidatos daquelas unidades federadas e candidatos do Estado do Pará. Vencido o Min. Marco Aurélio, que julgava as reclamações improcedentes. Rcl 4939/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 17.12.2008.(Rcl-4939)
MANDADO DE SEGURANÇA. 24º CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE PROCURADOR DA REPÚBLICA. TRÊS ANOS DE ATIVIDADE JURÍDICA. § 3º DO ART. 129 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXERCÍCIO DE CARGO NÃO-PRIVATIVO DE BACHAREL EM DIREITO. PECULIARIDADES DO CASO. 1. No julgamento da ADI 3.460, o Supremo Tribunal Federal concluiu que: a) os três anos de atividade jurídica a que se refere o § 3º do art. 129 da Constituição Federal contam-se da data da conclusão do curso de Direito; b) o momento da comprovação desse requisito é a data da inscrição no concurso público. 2. É de se computar, para fins de comprovação de atividade jurídica, o tempo de exercício de cargo não-privativo de bacharel em Direito, desde que, inexistindo dúvida acerca da natureza eminentemente jurídica das funções desempenhadas, o cargo seja incompatível com o exercício da advocacia. O mesmo se dá na hipótese de ser privativo de bacharel em Direito, em outras unidades da Federação, cargo com idênticas atribuições. Precedente: Rcl 4.906, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa. 3. O termo inicial da atividade jurídica do impetrante como advogado é sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. Faltaram-lhe 19 (dezenove) dias para o matemático preenchimento dos três anos. Período faltante que corresponde ao prazo razoável para a expedição da carteira de advogado após o seu requerimento. Precedente: MS 26.681, da relatoria do ministro Menezes Direito. 4. Segurança concedida.” (MS 27.604, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, Dje 9/2/2011)
Em se tratando de concursos para Delegado da Polícia dos estados, o raciocínio é o mesmo apresentado para os concursos de Delegado da Polícia Federal, devendo-se observar quais estados exigem atividade jurídica ou policial.
b) A lavratura de termo circunstanciado de ocorrência por policial configura atividade jurídica?
Recentemente, em julgamento concluído em 26/06/2020, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3807, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, o Supremo Tribunal Federal por 10 votos a 01, vencido o Ministro Marco Aurélio, decidiu que o termo circunstanciado de ocorrência embora substitua o inquérito policial como principal peça informativa dos processos penais que tramitam nos juizados especiais, não é procedimento investigativo, mas sim um boletim de ocorrência mais detalhado.
Considerando-se que O TERMO CIRCUNSTANCIADO NÃO É PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO, mas peça informativa com descrição detalhada do fato e as declarações do condutor do flagrante e do autor do fato, deve-se reconhecer que A POSSIBILIDADE DE SUA LAVRATURA PELO ÓRGÃO JUDICIÁRIO NÃO OFENDE OS §§ 1º E 4º DO ART. 144 DA CONSTITUIÇÃO, nem interfere na imparcialidade do julgador. (Trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia).
Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal pacificou que o termo circunstanciado de ocorrência não é procedimento investigativo e pode ser lavrado por autoridade diversa do Delegado de Polícia e que isso não ofende o art. 144, §§ 1º e 4º da Constituição Federal, que trata das atribuições da Polícia Federal e Polícia Civil.
Diante dessa decisão do STF, há uma boa probabilidade das bancas de concurso entenderem que a lavratura constante de termo circunstanciado de ocorrência não configura, necessariamente, atividade jurídica, já que não se trata de procedimento investigativo e o TCO é uma mera peça informativa com descrição detalhada do fato, contudo não deixa de ser um exercício de atividade jurídica, pois o policial deve analisar a tipificação de crimes, a presença de causas de aumento e de diminuição de pena, o concurso de crimes, dentre outros institutos jurídicos, que são muito bem citados pelo Professor Henrique Hoffmann22, que discorda ser o TCO uma mera peça de informação.
Assim, referir-se ao termo circunstanciado de ocorrência por meio de eufemismos como “mero registro de fatos” ou “boletim de ocorrência mais robusto” consiste em discurso enganoso para tentar legitimar usurpação de função pública. Ainda que o TCO não seja complexo, sua lavratura não consiste em simples atividade mecânica, mas jurídica e investigativa, na qual o delegado de polícia decide sobre uma série de questões, tais como tipificação formal e material da infração penal, concurso de crimes, qualificadoras e causas e aumento de pena, nexo de causalidade, tentativa, desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior, crime impossível, justificantes e dirimentes, conflito aparente de leis penais, incidência ou não de imunidade, erro de tipo, apreensão dos objetos arrecadados, restituição de objetos apreendidos, requisição de perícia, requisição de documentos e dados cadastrais, representação por medidas assecuratórias, representação por busca e apreensão domiciliar, reprodução simulada dos fatos, entre outras atribuições de polícia judiciária e de apuração de infrações penais comuns. Ademais, caso se constate delito envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, lesão corporal culposa de trânsito em circunstâncias específicas ou concurso de crimes de menor potencial ofensivo em que se supere o patamar do Juizado Especial Criminal, além de todas as análises já mencionadas, a autoridade de polícia judiciária deve deliberar acerca da existência do estado de flagrância, da concessão da liberdade provisória mediante fiança, da presença de requisitos da prisão temporária ou preventiva ou de outras medidas cautelares, do indiciamento, dentre outras medidas restritivas da liberdade do cidadão.
Não é recomendável que o policial acredite que a lavratura reiterada de termo circunstanciado de ocorrência, por si só, computará como atividade jurídica, devendo buscar a realização de outras atividades para reforçar o exercício da atividade jurídica.
No Brasil, diversas polícias militares lavram o termo circunstanciado de ocorrência, como a Polícia Militar de Minas Gerais, de Goiás, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, do Paraná, da Rondônia, de Sergipe e de outros estados. A Polícia Rodoviária Federal também lavra TCO.
c) O policial que trabalha na administração exerce função que conta como tempo de atividade jurídica?
Na administração o policial pode trabalhar em diversas áreas não jurídicas, o que pode ser um complicador para obter o tempo de atividade jurídica. O policial pode trabalhar com planejamento, logística, recursos humanos, comunicação social, na intendência, com estatística, na área contábil, com música, informática, finanças, dentre outras.
Uma grande instituição, como são as instituições policiais, possui espaço para todo o tipo de gosto. É possível trabalhar nas mais diversas áreas. A instituição policial é bem peculiar, pois permite que um policial no decorrer da carreira se especialize e trabelhe em diversas áreas e forme um conhecimento interdisciplinar, típico das Ciências Policiais.
Portanto, o trabalho na administração, por si só, não constitui atividade jurídica, no entanto, caso o policial federal, civil, militar ou penal, o bombeiro militar ou o guarda municipal trabalhe na Seção Jurídica ou de Justiça e Disciplina da Unidade em que serve, mediante a produção de atos e documentos jurídicos e a análise e confecção de minutas de processos e procedimentos jurídicos, contará como atividade jurídica, pois é uma atividade que exige a prática reiterada de atos que exigem o uso preponderante do conhecimento jurídico.
O policial penal que seja diretor do estabelecimento penal pratica, diariamente, diversos atos jurídicos, como decisões sobre punição administrativa de presos, solução de processos administrativos dos policiais penais, expedição de documentos e atos jurídicos diversos, o que pode ser considerado como uso preponderante do conhecimento jurídico.
O mesmo raciocínio se aplica aos Comandantes militares e Diretores e Chefes na Polícia Federal e Civil, sendo que nestes casos, os cargos de direção e chefia, geralmente, cabem aos delegados de polícia, o que, por si só, configura o uso preponderante de atividade jurídica.
E se o policial trabalhar na administração, mas não for em seção jurídica, e desejar ter o tempo de atividade jurídica, como proceder? Neste caso deve proceder da mesma forma sugerida para o policial operacional (que trabalha na rua).
No tocante à atividade de inteligência exercida por policiais, estes podem encontrar dificuldades para comprovar a atividade jurídica, caso o único argumento de comprovação seja a atividade de inteligência, pois em que pese ser uma atividade jurídica, já que parte do serviço de inteligência se destina à coleta de dados e informações sobre a autoria, materialidade e a forma que determinado crime foi praticado, a comissão do concurso pode entender que não é uma atividade preponderantemente jurídica e sim parcial ou minimamente jurídica.
No âmbito da polícia, a atividade de inteligência consiste no serviço realizado com o fim de se obter dados e informações que possam influenciar decisões e ações de segurança pública voltadas para a proteção da sociedade, bem como na coleta de dados e informações que visem esclarecer a autoria, materialidade e a forma como se deu determinado crime, pois são informações relevantes para a tomada de decisões gerenciais no âmbito da Segurança Pública.23
A Política Nacional de Inteligência24 menciona que a inteligência é uma atividade especializada e que “exige o emprego de meios sigilosos, como forma de preservar sua ação, seus métodos e processos, seus profissionais e suas fontes. Desenvolve ações de caráter sigiloso destinadas à obtenção de dados indispensáveis ao processo decisório, indisponíveis para coleta ordinária em razão do acesso negado por seus detentores. Nesses casos, a atividade de Inteligência executa operações de Inteligência – realizadas sob estrito amparo legal -, que buscam, por meio do emprego de técnicas especializadas, a obtenção do dado negado.”
Nas demais seções (comunicação social, logística, planejamento e qualquer outra que não seja jurídica), como regra, o policial não exerce atividade jurídica, cujo o uso do Direito seja preponderante, salvo funções específicas dentro dessas seções, como o policial da seção de logística que seja o responsável pelas licitações da unidade policial em que trabalha.
d) Caso o concurso para o qual o policial foi aprovado exija o bacharelado em Direito, contará como tempo de atividade jurídica?
Em alguns estados, como Minas Gerais e Goiás, exige-se o bacharelado em Direito para ingressar no oficialato das instituições policiais militares estaduais.
A Constituição do Estado de Minas Gerais, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 83 de 3 de agosto de 2010 dispõe em seu art. 142, § 4º que “O cargo de Oficial do Quadro de Oficiais da Polícia Militar – QO-PM –, com competência para o exercício da função de Juiz Militar e das atividades de polícia judiciária militar, integra, para todos os fins, a carreira jurídica militar do Estado.”
O Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais, Lei 5.301/69, com a redação dada pela Lei Complementar do Estado de Minas Gerais n. 115, de 05 de agosto de 2010 dispõe em seu art. 6º-A que “Para ingresso no Quadro de Oficiais da Polícia Militar – QO-PM – é exigido o título de bacharel em direito, obtido em estabelecimento reconhecido pelo sistema de ensino federal, estadual ou do Distrito Federal, sendo o respectivo concurso público realizado com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, sem prejuízo do disposto no § 2º do art. 13.”
O fato de um candidato policial ter sido aprovado em uma instituição policial que possui como requisito o bacharelado em Direito para o ingresso na carreira significa, necessariamente, a obtenção de tempo de atividade jurídica? O tempo de curso de formação (Curso de Formação de Oficiais ou o curso de formação para Delegado de Polícia) conta como tempo de atividade jurídica ou este prazo vem a contar somente após a conclusão do curso?
Veja como as normas das instituições abordam o exercício de função privativa de bacharel em Direito como tempo de atividade jurídica.
Concurso
Previsão normativa
Magistratura
Aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito; (art. 59, I, da Resolução n. 75/2009 do CNJ).
Ministério Público
Não há previsão expressa. A atividade exercida exclusivamente por bacharel em Direito presume-se ser atividade jurídica, contudo para o CNMP é necessário comprovar que o cargo, emprego ou função exige a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos. O exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos. (Art. 1º, II, da Resolução n. 40/2009)
Defensoria Pública da União
Não há previsão expressa. Considera-se como atividade jurídica o exercício da advocacia, o cumprimento de estágio de Direito reconhecido por lei e o desempenho de cargo, emprego ou função, de nível superior, de atividades eminentemente jurídicas.(Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009). (Lei Complementar n. 80/1994) Considera-se atividade jurídica, para fins de ingresso na carreira de Defensor Público Federal: o efetivo exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, privativo de bacharel em Direito ou que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos (art. 29, § 2º, II, da Resolução n. 118/2015 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União).
Advogado da União e Procurador da Fazenda Nacional
O exercício de cargo, emprego ou função pública, privativos de bacharel em Direito, sejam efetivos, permanentes ou de confiança. (Redação alterada pela Resolução nº 4/CSAGU, de 29 de março de 2004) (art. 27, II, da Resolução n. 01/2002 do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União
Delegado da Polícia Federal
A atividade exercida com exclusividade por bacharel em Direito (art. 3º, I, da Instrução Normativa n. 124/2018).
Procurador Federal
Não há previsão expressa. O exercício de atividades práticas desempenhadas na vida forense, relacionadas às ciências jurídicas, inclusive as atividades desenvolvidas como estudante de curso de direito, cumprindo estágio regular e supervisionado, deve observar a legislação e os demais atos normativos regedores da hipótese; A comprovação da existência de atividades, ao menos parcialmente, jurídicas, em cargos, empregos ou funções públicas, sejam efetivos, permanentes ou de confiança, em qualquer dos Poderes ou Funções Essenciais à Justiça, será feita mediante a demonstração dessas atividades, acompanhada da juntada da legislação pertinente que defina as atribuições respectivas. (Art. 19-C, I e III, da Instrução Normativa n. 01/2009 da AGU)
Em se tratando das defensorias públicas estaduais, delegados estaduais e procuradorias estaduais e municipais deve-se observar as leis e normas que regem as respectivas carreiras.
O cargo de Delegado de Polícia é privativo de bacharel em Direito (art. 3º da Lei n. 12.830/13)25, motivo pelo qual o seu simples exercício presume a realização de atividades jurídicas, sendo desnecessário comprovar na prática os atos jurídicos realizados. É suficiente a demonstração de que ocupa cargo privativo de bacharel em Direito.
O mesmo ocorre nos concursos públicos para a carreira de Oficial da Polícia Militar que exija o bacharelado em Direito. Refiro-me a Oficiais, pois para Praças as forças públicas militares estaduais não exigem o bacharelado em Direito e algumas possuem como requisito para o ingresso ser possuidor de qualquer curso superior.
Em diversos estados exige-se que o militar seja bacharel em Direito para ingressar no Curso de Formação de Oficiais que, inclusive, é considerado carreira jurídica26, e ao se formar obtém o título de bacharel em Ciências Militares, sendo exigido qualquer curso superior para ingressar no Curso de Formação de Soldados, que ao se formar obtém o título de Técnico ou Tecnólogo em Segurança Pública, sendo este considerado curso superior.
O fato de ser Oficial da Polícia Militar, em estado que exija o bacharelado para o ingresso como Oficial, faz presumir a realização de atividades jurídicas, sendo desnecessário comprovar na prática os atos jurídicos realizados. É suficiente a comprovação de que ocupa cargo privativo de bacharel em Direito.
Quando as normas preveem a possibilidade de se comprovar a atividade jurídica necessária para ingressar na carreira mediante a comprovação de que ocupa cargo privativo de bacharel em Direito ou de que realiza atividades exclusivamente praticadas por bacharel em Direito, é porque presumem o exercício de atividade jurídica do candidato que ocupa um cargo de bacharel em Direito, o que nem sempre é verdade.
A presunção de realizar atividades jurídicas, por ocupar cargo privativo de bacharel em Direito, pode ser elidida pela comissão do concurso, caso fique demonstrado que, em que pese ser aprovado para um concurso público que possua como requisito ser bacharel em Direito, e exercer a carreira jurídica, o policial não desempenhe atividades jurídicas, o que pode ocorrer nas instituições policiais, como o Delegado recém-aprovado no concurso que obtém licença para cursar um mestrado ou doutorado no exterior ou então passa a exercer funções administrativas, sem correlação necessária com o Direito, como ser o responsável pela segurança de determinada autoridade, e o Oficial da Polícia Militar que se forma e passa a trabalhar, exclusivamente, na Seção de Comunicação Social da unidade em que serve ou também passa a trabalhar na segurança de determinada autoridade, sem desempenhar atividades jurídicas.
Na realidade é muito pouco provável que um Oficial recém-formado trabalhe administrativamente, pois é comum, muitas vezes em razão de previsão em normas, e na prática, que trabalhe no serviço operacional e realize diversos processos e procedimentos administrativos como Encarregado ou Escrivão.
A presunção é que se o concurso exige o bacharelado em Direito, o desempenho do cargo caracterizará atividade jurídica, contudo esta presunção não é absoluta, conforme exemplos citados, podendo o candidato ter problemas no concurso em que for aprovado e precisar de provar o desempenho de atividades jurídicas, razão pela qual torna-se importante que o policial que estude para concursos confeccione certidão jurídica circunstanciada das atividades jurídicas desempenhadas no exercício do cargo.
De qualquer forma, como as normas preveem a possibilidade de se comprovar o exercício de atividade jurídica, simplesmente, pelo fato do candidato ocupar cargo público privativo de bacharel em Direito, o que presume o exercício de atividades privativas de bacharel em Direito, o que caracteriza, portanto, as atividades jurídicas necessárias, a simples comprovação dessa exigência (ocupar cargo privativo de bacharel em Direito) atende às exigências do edital, devendo ser comprovado o desempenho de atividades jurídicas na prática se houver exigência da banca, seja por mencionar expressamente isso no edital ou por intimar o candidato a comprovar após este ter informado que exerce cargo público privativo de bacharel em Direito.
E como fica a transição para o Oficial que passou no concurso para ser Oficial, mas a exigência era de Ensino Médio, contudo com o tempo passou-se a exigir o bacharelado em Direito para o ingresso no oficialato?
Nessa situação haverá não bacharéis em Direito exercendo função privativa de bacharel em Direito. Haverá uma transição que, com o tempo, consolidará no exercício de todas as funções privativas de bacharel em Direito, exclusivamente, por bacharéis em Direito.
Para fins de concurso deve-se levar em consideração, quando o concurso considerar somente o cômputo do prazo de atividade jurídica após a colação de grau, que é a situação da magistratura27, do Ministério Público28 e da Polícia Federal29, caso o Oficial tenha ingressado na Polícia Militar, cuja exigência fosse o Ensino Médio, a data em que o Oficial vier a colar grau, pois a partir desta data, por já ocupar cargo privativo de bacharel em Direito, passará a ter as duas exigências: obtenção do grau de bacharel em Direito e o exercício de cargo privativo de bacharel em Direito.
Caso o concurso não exija a colação de grau em Direito para iniciar o cômputo do prazo de atividade jurídica, a data da publicação da lei que tornou a carreira privativa de bacharel em Direito, será o marco para o início da contagem do tempo de atividade jurídica.
Tome como exemplo a Polícia Militar de Minas Gerais, que passou a exigir, com o advento da Lei Complementar do Estado de Minas Gerais n. 115, de 05 de agosto de 2010, publicada no dia 06/08/2010, o título de bacharel em Direito para o ingresso no Quadro de Oficiais da Polícia Militar (QOPM). Portanto, a partir de 06 de agosto de 2010, todos os oficiais do QOPM passaram, automaticamente, a exercerem cargo privativo de bacharel em Direito, mas somente quem possuía o curso superior em Direito passou a contar como prazo de atividade jurídica para os concursos que exijam a contagem do tempo após a obtenção do bacharelado em Direito. Os Oficiais que concluíram o curso em Direito em data posterior a 06 de agosto de 2010, passaram a partir da colação de grau, a contar o prazo de atividade jurídica para os concursos que exijam a contagem do tempo após a obtenção do bacharelado em Direito, logo, se um Oficial colou grau em Direito em 22 de julho de 2011 – que é o caso do autor deste texto -, a partir desta data se iniciou, automaticamente, a contagem do tempo de atividade jurídica.
Questão interessante é que a Resolução n. 75/09 do Conselho Nacional de Justiça e a Instrução Normativa n. 124/2018 da Polícia Federal preveem como forma de se comprovar a atividade jurídica o exercício de atividade que somente possa ser exercida por bacharel em Direito.
Sucede-se que o exercício do oficialato na Polícia Militar, por mais que a exigência de ingresso seja o bacharelado em Direito, não é função exercida privativamente por bacharel em Direito, pois há outra forma de ingressar no oficialato sem possuir o bacharelado em Direito, que decorre de prova interna e promoção de militares que, até então, seguiam a carreira de Praça, que não exige para o ingresso o bacharelado em Direito, que em Minas Gerais é denominado de Curso de Habilitação de Oficiais (CHO).
A propósito, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, possuem julgados que não consideram a atividade realizada como atividade jurídica quando o cargo não for ocupado, exclusivamente, por bacharéis em Direito.
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DO CARGO DE PROCURADOR DA REPÚBLICA. LIMINAR DEFERIDA EXCLUSIVAMENTE PARA PARTICIPAÇÃO DO CANDIDATO EM PROVA ORAL. EXIGÊNCIA DE TRÊS ANOS DE ATIVIDADE JURÍDICA. ART. 129, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: CONTAGEM DO PRAZO A PARTIR DA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE BACHAREL EM DIREITO. 1. Nos termos da decisão do Supremo Tribunal (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.460), o triênio constitucionalmente exigido de atividade jurídica há que ser demonstrado no ato de inscrição definitiva no concurso. 2. Atividade jurídica é aquela que, desempenhada pelo bacharel em direito, tem como objeto a exclusividade ou a comprovada preponderância do conhecimento jurídico. Cargo que não é exclusivo de bacharel em direito não revela o atendimento da exigência constitucional do art. 129, § 3º, da Constituição da República, prevista também no edital do concurso e no art. 44, § 2º, inc. II, da Resolução n. 93/2007, que estabelece regras para ingresso na carreira do Ministério Público Federal. 3. Ocupação de cargo cujas atribuições não exigem graduação em direito não pode ser qualificada como exercício de atividade jurídica. 4. Segurança denegada. (STF – MS: 27609 DF, Relator: CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 19/02/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-064 DIVULG 02-04-2009 PUBLIC 03-04-2009 EMENT VOL-02355-01 PP-00135)
A ATIVIDADE DE OFICIAL DA POLÍCIA MILITAR NÃO É PRIVATIVA DE BACHAREL EM DIREITO E, POR ISSO, À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STF, NÃO CARACTERIZA ATIVIDADE RELACIONADA A CARREIRAS JURÍDICAS. Precedentes: MS 27606, Relator Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2009; MS 27609, Relator Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 19/02/2009; ADI 3460, Relator Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2006. 4. De outro lado, quanto aos pontos referentes à atividade de preposto, o item 7.1.1 do Edital estipula que a fração superior a trinta meses só tem relevância para a pontuação depois de cinco anos de exercício na função de preposto de serventia, o que não ocorreu no caso. 5. O item 7.2.1 do Edital, em complemento ao item 7.1.1, dispõe que “o tempo de bacharel em direito só é computável enquanto no exercício de preposição.” 6. Ausência de direito líquido e certo à pretensão perseguida. 7. Recurso ordinário não provido. (ROMS – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 26546 2008.00.58166-6, BENEDITO GONÇALVES, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:17/03/2010)
O último julgado citado (ROMS n. 26546) não se aplica à realidade da Polícia Militar de Minas Gerais, quando afirma que a atividade do Oficial da Polícia Militar não é carreira jurídica, pois a própria Constituição do Estado de Minas Gerais afirma que o oficialato é carreira jurídica.
Art. 142 (…)
§ 4º O cargo de Oficial do Quadro de Oficiais da Polícia Militar – QO-PM –, com competência para o exercício da função de Juiz Militar e das atividades de polícia judiciária militar, integra, para todos os fins, a carreira jurídica militar do Estado.
Deve-se levar em consideração também que os julgados acima enfrentaram realidades em que não se exigiam o bacharelado em Direito para ingressar na carreira, situação diversa dos concursos para ingresso no Curso de Formação de Oficiais dos estados que exigem o bacharelado em Direito.
De qualquer forma, corre-se o risco do candidato Oficial da Polícia Militar de estado em que exija o bacharelado em Direito para ingressar na carreira de oficial da instituição militar, não conseguir, pelo fato de ser Oficial, comprovar, em razão dessa condição, o exercício de função privativa de bacharel em Direito, uma vez que há Oficiais das instituições militares que não precisam ser bacharéis em Direito (CHO), o que retira a exclusividade do exercício da atividade por bacharel em Direito.
Resolução n. 75/09 do Conselho Nacional de Justiça
Art. 59. Considera-se atividade jurídica, para os efeitos do art. 58, § 1º, alínea “i”: I – aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito;
Instrução Normativa n. 124/2018 da Polícia Federal
Art. 3º Considera-se atividade jurídica, para fins de ingresso no cargo de Delegado de Polícia Federal: I – a atividade exercida com exclusividade por bacharel em Direito;
Em se tratando de policiais que estudam para ser Delegado da Polícia Federal, o tempo de atividade jurídica não é uma preocupação, pois o fato de ser policial, por si só, computa como tempo de atividade policial, o que é aceito nos concursos para Delegado Federal (art. 4º da Instrução Normativa n. 124/2018 da Polícia Federal).
É importante destacar que malgrado o oficialato possa ser exercido por bacharéis em Direito ou não, os Oficiais que realizam o Curso de Habilitação de Oficiais passam a compor o Quadro de Oficiais Complementares ou outro nome correspondente – pelo menos em Minas Gerais – e não o Quadro de Oficiais, que é composto, exclusivamente, pelos Oficiais que realizaram o Curso de Formação de Oficiais e há atribuições que podem ser exercidas, exclusivamente, por Oficiais que compõem o Quadro de Oficiais, por terem feito o CFO, como a Presidência da Comissão de Processo Administrativo-Disciplinar – CPAD (art. 66, § 2º, do Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais).
Diante desse contexto, dada as especificidades da carreira de Oficial da Polícia Militar que ingressou mediante o Curso de Formação de Oficiais, é razoável e prudente que as comissões de concursos considerem como atividade exercida com exclusividade por bacharel em Direito, pois em que pese não haver exigência de que todos os oficiais sejam bacharéis em Direito, conforme demonstrado, ocupam quadros distintos e exercem, ainda que minimamente, funções diversas.
O curso de formação das escolas policiais conta como tempo de atividade jurídica?
Em se tratando do Curso de Formação de Oficiais (Polícia Militar), quando o ingresso exigir o bacharelado em Direito, necessariamente, o Cadete ou o Aluno do curso ocupará um cargo privativo de bacharel em Direito, portanto, presume-se que o período do curso de formação computa como atividade jurídica.
Acontece que no curso de formação o militar não exercerá, efetivamente, atividades preponderantemente jurídicas, pois está na condição de aluno e, muitas vezes, o curso de formação é uma especialização ou curso superior em Ciências Militares.
Portanto, o candidato que tenha concluído o Curso de Formação de Oficiais, por exemplo, de dois anos, pode precisar de mais três anos após a conclusão para completar o tempo mínimo de três anos de atividade jurídica que é exigido, por exemplo, para a magistratura e o Ministério Público.
De qualquer forma, a presunção é que se o concurso exige o bacharelado em Direito, o desempenho do cargo (Cadete/Aluno do CFO) caracterizará atividade jurídica, contudo esta presunção não é absoluta, podendo o candidato ter problemas no concurso em que for aprovado e precisar de provar o desempenho de atividades jurídicas, razão pela qual torna-se importante que o policial que estude para concursos confeccione certidão jurídica circunstanciada das atividades jurídicas desempenhadas no exercício do cargo.
De qualquer forma, como as normas preveem a possibilidade de se comprovar o exercício de atividade jurídica, simplesmente, pelo fato do candidato ocupar cargo público privativo de bacharel em Direito, o que presume o exercício de atividades privativas de bacharel em Direito, o que caracteriza, portanto, as atividades jurídicas necessárias, a simples comprovação dessa exigência (ocupar cargo privativo de bacharel em Direito) atende às exigências do edital, devendo ser comprovado o desempenho de atividades jurídicas na prática se houver exigência da banca, seja por mencionar expressamente isso no edital ou por intimar o candidato a comprovar após este ter informado que exerce cargo público privativo de bacharel em Direito.
Portanto, há uma possibilidade dos concursos aceitarem o tempo do curso de formação como tempo de atividade jurídica, o que não tem como ser garantido em razão das especificidades acima expostas.
Em relação ao curso de formação como parte do concurso, que é o que ocorre no concurso para Delegado da Polícia Federal, não há que se falar em contagem de tempo de atividade jurídica, pois não são policiais que exercem atividades jurídicas, mas sim alunos em curso de formação como parte de um concurso, sem exercerem atividades preponderantemente jurídicas.
Um ponto de suma importância consiste na possibilidade de Oficial da Polícia Militar de qualquer estado conseguir comprovar que exerce cargo privativo de bacharel em Direito, ainda que no estado em que seja Oficial não se exija o bacharelado em Direito para ingressar no oficialato, pois em outros estados há esta exigência, como o Estado de Minas Gerais e de Goiás.
Isso porque não aceitar que Oficial de qualquer instituição policial militar exerça atividade jurídica para fins de concursos públicos, consistiria em violação à isonomia e em um discrímen injustificável entre candidatos que possuem o mesmo cargo e exercem as mesmas atividades. Não há fundamento jurídico ou lógico para tal distinção. Basta imaginar o exemplo em que dois Oficiais, um de Minas Gerais e o outro de estado que não exige o bacharelado em Direito, são aprovados no concurso para Juiz de Direito. Somente o candidato de Minas Gerais conseguiria avançar no concurso, ser nomeado e tomar posse, enquanto que o candidato do outro estado ficaria prejudicado. Portanto, ainda que um Oficial não pertença a uma instituição que exige o bacharelado em Direito para o ingresso, por uma questão de isonomia, é razoável, justo e legal aceitar o exercício do oficialato como tempo de atividade jurídica.
O raciocínio jurídico exposto já foi utilizado pelo Supremo Tribunal Federal, em concursos da magistratura.
Dessa forma, considerou-se o fato de uma delas ter se formado em Direito mais de 3 anos antes de sua convocação e de, apesar de aprovada no exame da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, não ter exercido a advocacia por incompatibilidade com o cargo público que ocupava, qual seja, o de escrivã da Polícia Federal, cargo que envolve, como assinalado por decisão do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (Pedido de Providência 1238), o desempenho de atividades em que são exigidos conhecimentos jurídicos e para o qual, em algumas unidades da federação, seria exigido o bacharelado em direito. No que se refere à outra candidata, considerou-se o tempo que exercera como Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, visto que, embora somente em 2007 esse cargo tivesse passado a ser privativo de bacharel em direito no Estado do Pará (Lei Estadual 6.969/2007), já o seria em outras Unidades da Federação. Asseverou-se que entendimento contrário implicaria tratamento desigual entre candidatos daquelas unidades federadas e candidatos do Estado do Pará. Vencido o Min. Marco Aurélio, que julgava as reclamações improcedentes. Rcl 4939/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 17.12.2008.(Rcl-4939)
MANDADO DE SEGURANÇA. 24º CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE PROCURADOR DA REPÚBLICA. TRÊS ANOS DE ATIVIDADE JURÍDICA. § 3º DO ART. 129 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXERCÍCIO DE CARGO NÃO-PRIVATIVO DE BACHAREL EM DIREITO. PECULIARIDADES DO CASO. 1. No julgamento da ADI 3.460, o Supremo Tribunal Federal concluiu que: a) os três anos de atividade jurídica a que se refere o § 3º do art. 129 da Constituição Federal contam-se da data da conclusão do curso de Direito; b) o momento da comprovação desse requisito é a data da inscrição no concurso público. 2. É de se computar, para fins de comprovação de atividade jurídica, o tempo de exercício de cargo não-privativo de bacharel em Direito, desde que, inexistindo dúvida acerca da natureza eminentemente jurídica das funções desempenhadas, o cargo seja incompatível com o exercício da advocacia. O mesmo se dá na hipótese de ser privativo de bacharel em Direito, em outras unidades da Federação, cargo com idênticas atribuições. Precedente: Rcl 4.906, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa. 3. O termo inicial da atividade jurídica do impetrante como advogado é sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. Faltaram-lhe 19 (dezenove) dias para o matemático preenchimento dos três anos. Período faltante que corresponde ao prazo razoável para a expedição da carteira de advogado após o seu requerimento. Precedente: MS 26.681, da relatoria do ministro Menezes Direito. 4. Segurança concedida.” (MS 27.604, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, Dje 9/2/2011)
Por fim, a comprovação de atividade jurídica por Oficiais, em tese, é mais fácil do que a comprovação de atividade jurídica para as Praças, pois os Oficiais podem ser juízes militares, presidem inquérito policial militar e auto de prisão em flagrante, conduzem sindicâncias e processos administrativos, geralmente, aos oficiais incumbe a função de coordenar o turno de serviço e orientar a tropa juridicamente durante o serviço, o que, no entanto, não impede, de forma alguma, da Praça conseguir comprovar o tempo de atividade jurídica, conforme os diversos exemplos já citados neste texto, como a realização de análises e minutas de soluções de processos e procedimentos administrativos. As Praças participam também dos processos e procedimentos administrativos, geralmente, como escrivães e em alguns casos como encarregados.
e) O policial pode exercer outra atividade, além da atribuição de natureza policial, que seja considerada atividade jurídica, como ser professor, conciliador, mediador, técnico, analista, árbitro ou advogado?
Todos esses pontos já foram analisados neste texto.
f) Como os militares do Corpo de Bombeiros podem exercer atividade jurídica?
O exercício da atividade jurídica por militares do Corpo de Bombeiros já foi analisado. Vale a pena reforçar que aplica-se o mesmo raciocínio exposto para os policias que trabalham na rua ou na administração, sem ser em seção jurídica. Remetemos o leitor para a leitura do tópico “Qual é a solução para que o policial, bombeiro ou guarda municipal consiga exercer atividade jurídica que seja aceita em concurso público?”
g) Como os militares das Forças Armadas podem exercer atividade jurídica?
A Constituição Federal somente autoriza o acúmulo de cargo público por militares das Forças Armadas na hipótese do art. 37, XVI, “c”, ou seja, somente militares profissionais da saúde conseguem acumular outro cargo público, desde que este também seja na área de saúde.
Art. 142 (…)
II – o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea “c”, será transferido para a reserva, nos termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 77, de 2014)
III – o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea “c”, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 77, de 2014)
VIII – aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, bem como, na forma da lei e com prevalência da atividade militar, no art. 37, inciso XVI, alínea “c”;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 77, de 2014)
Diante da literalidade da Constituição, ao militar federal não é possível ser professor em instituição pública de ensino, já que autoriza o acúmulo de cargo público somente na hipótese contida na alínea “c” do inciso XVI do art. 37, e o magistério para quem ocupa cargo técnico ou científico encontra-se na alínea “b”. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça já autorizou essa acumulação de cargos públicos, em hipótese em que o militar federal era médico.
Caso exista compatibilidade de horários, é possível a acumulação do cargo de médico militar com o de professor de instituição pública de ensino. Com base na interpretação sistemática dos arts. 37, XVI, “c”, 42, § 1°, e 142, § 3°, II, da CF, a jurisprudência do STJ admite a acumulação, por militares, de dois cargos privativos de médico ou profissionais de saúde, desde que o servidor não desempenhe funções típicas da atividade castrense. Nesse contexto, conclui-se que o fato de o profissional de saúde integrar os quadros de instituição militar não configura, por si só, impedimento à acumulação de cargos. No entanto, ela só será possível nas hipóteses previstas no art. 37, XVI, da CF, entre as quais se encontra a autorização de acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico. Desse modo, deve-se considerar lícito, caso haja compatibilidade de horários, o acúmulo remunerado de um cargo de médico e outro de professor. Isso porque aquele possui natureza científica e sua ocupação pressupõe formação em área especializada do conhecimento, dotada de método próprio, de modo a caracterizar um cargo “técnico ou científico”, na forma em que disposto na alínea “b” do inciso XVI do art. 37 da CF. Ademais, não parece razoável admitir a acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico por um lado e, por outro, eliminar desse universo o cargo de médico, cuja natureza científica é indiscutível.RMS 39.157-GO, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 26/2/2013.
Os mesmos fundamentos aplicados no julgado acima poderiam ser aplicados para autorizar os militares federais a lecionarem em universidades públicas, na forma do art. 37, XVI, “b”, da Constituição Federal.
Certamente, haverá resistências em reconhecer a tecnicidade do cargo ocupado por militares federais (Oficiais e Praças), assim como ocorre com o cargo ocupado por policiais, contudo as funções desempenhadas pelos militares federai são eminentemente técnicas, pois lidam com conhecimentos específicos sobre a segurança nacional, o que inclui uma gama de conhecimentos e treinamentos peculiares e próprios, inclusive com armamento. A função é técnica do Soldado ao General.
O fato de desempenhar funções típicas da atividade castrense não impossibilita – ou não deveria impossibilitar – o exercício do magistério em instituições públicas de ensino, até porque é importante para a evolução do ensino que militares das Forças Armadas – e policiais também – lecionem em ambientes acadêmicos, o que potencializa a diversidade e pluralidade de ideias, fortalece os debates e a própria democracia.
Além do mais, os militares das Forças Armadas, em tempo de paz, possuem condições de exercerem o magistério, já que a dedicação e disponibilidade permanente que devem possuir não implica em permanecer trabalhando todos os dias, inclusive nos períodos noturnos.
De qualquer forma, no site da Marinha ao tratar do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas especifica que estes possuem dedicação exclusiva e disponibilidade permanente.30
c) Dedicação exclusiva
O militar ativo não pode exercer qualquer outra atividade formal, o que o torna dependente, exclusivamente, da sua remuneração e dificulta o seu posterior ingresso no mercado de trabalho, quando na inatividade.
d) Disponibilidade permanente
O militar se mantém disponível para o serviço ao longo das 24 horas do dia, sem, por isso, ter direito a reivindicar qualquer remuneração extra, compensação de qualquer ordem ou cômputo de serviço especial. Podendo, ainda, ser acionado a qualquer momento e a sua revelia.
Diante disso, certamente, os militares possuirão dificuldades em exercer outras atribuições, fora das Forças Armadas, que possibilitem a contagem do tempo de atividade jurídica, razão pela qual os militares das Forças Armadas devem procurar trabalhar em seções jurídicas que elaborem atos e documentos jurídicos ou então realize análise e minuta de processos administrativos diversos.
Como conseguir realizar análises e minutas de processos e procedimentos administrativos sem trabalhar na seção jurídica que possua essa atribuição? O militar federal precisará conversar com o Comandante para que este autorize, sendo possível, inclusive, que o superior hierárquico expeça ato normativo designando o militar para realizar análises e minutas de processos e procedimentos, documento este que também poderá ser utilizado para comprovar a atividade jurídica.
Os militares, comumente, permanecem aquartelados e as atividades realizadas na rua não constituem atividades preponderantemente jurídicas, pois, geralmente, consiste em operações para a Garantia da Lei e da Ordem ou outra específica determinada pelo Presidente da República ou Comandante do Exército. Certo é que nas operações voltadas para a garantia da Lei e da Ordem os militares aplicam o direito ao realizarem prisões, buscas pessoais, registrarem as ocorrências, dentre outras atribuições, sendo aplicável o mesmo raciocínio já exposto quanto ao desempenho das atividades policiais que também possuem essas atribuições.
Por fim, a comprovação de atividade jurídica por Oficiais das Forças Armadas, em tese, é mais fácil do que a comprovação de atividade jurídica para as Praças, pois os Oficiais podem ser juízes militares, presidem inquérito policial militar e auto de prisão em flagrante, conduzem sindicâncias e processos administrativos. As Praças podem também participarem dos processos e procedimentos administrativos, geralmente, como escrivães.
h) Os guardas municipais exercem atividade jurídica?
O ponto já foi abordado neste texto.
Vale a pena reforçar que aplica-se o mesmo raciocínio exposto para os policias que trabalham na rua ou na administração, sem ser em seção jurídica. Remetemos o leitor para a leitura do tópico “Qual é a solução para que o policial, bombeiro ou guarda municipal consiga exercer atividade jurídica que seja aceita em concurso público?”
i) Como deve ser feita a certidão de atividade jurídica?
A certidão de atividade jurídica deve possuir o máximo de informações e detalhes de todas as atividades jurídicas desempenhas pelo candidato, sobretudo se a função exercida não for privativa de bacharel em Direito.
Como sugestão, recomenda-se que o policial, o militar, o bombeiro, o guarda municipal e todo aquele que prestar concurso público, durante o período em que está a trabalhar para computar o tempo de atividade jurídica, anote, no decorrer do tempo, todas as atividades exercidas, como o número dos processos e procedimentos que realizou análises e minutas e dos atos normativos também minutados.
Para facilitar para você, disponibilizarei a certidão das atividades jurídicas por mim desempenhadas e apresentada perante as comissões dos concursos em que fui aprovado (TJPA, TJPB, TJAL e TJGO).
Como reforço argumento da atividade jurídica, além da certidão, demonstrei para as comissões dos concursos que ocupava cargo privativo de bacharel em Direito (Oficial da PMMG) e acredito que este fato, por si só, seria suficiente para que o concurso aceitasse meu tempo de atividade jurídica, contudo, por uma questão de segurança, optei por apresentar uma certidão minuciosa das atividades jurídicas por mim desempenhadas.
Por fim, é de suma importância deixar muito claro para todos os policiais, militares, bombeiros e guardas municipais que não é possível afirmar com absoluta segurança em quais situações as comissões dos concursos públicos aceitarão as atividades jurídicas desempenhadas, sobretudo quando o cargo ocupado não for privativo de bacharel em Direito, razão pela qual recomendo fortemente que incluam nas certidões o máximo de detalhes acerca das atividades jurídicas desempenhadas, o que cabe às comissões avaliarem.
Como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, “a comprovação de atividade jurídica, pode considerar o tempo de exercício em cargo não-privativo de bacharel em Direito, desde que, ausentes dúvidas acerca da natureza eminentemente jurídica das funções desempenhadas”31.
Diante de todo o exposto, segue tabela que visa esquematizar de forma simplificada as exigências dos concursos públicos e o que o policial, o militar, o bombeiro militar e o guarda municipal devem fazer para possuírem atividade jurídica, o que, no entanto, não exime a leitura de todo este texto para entender as particularidades e projeção de cenário de cada situação.
Magistratura(Resolução n. 75 do CNJ)
O que fazer?
Aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito;
a) Em regra, o fato de ser Oficial da Polícia Militar computa como tempo de atividade jurídica, contudo, é importante juntar certidão de atividade jurídica; b) O fato de ser Delegado de Polícia computa como tempo de atividade jurídica; c) Militares das Forças Armadas, bombeiros militares e guardas municipais não conseguem computar tempo de atividade jurídica com base nesta hipótese.
O efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906, 4 de julho de 1994, art. 1º) em causas ou questões distintas;
Não conseguem tempo de atividade jurídica em razão do exercício da advocacia, por serem impedidos.
O exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico;
Podem exercer o magistério superior em universidades públicas e privadas, devendo-se observas as particularidades e exceções expostas no texto.
O exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano;
Dificilmente conseguirão exercer a função de conciliador, ou por impedimento legal ou por incompatibilidade de horário.
O exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios
Dificilmente conseguirão exercer a função de mediador ou de árbitro, ou por impedimento legal ou por incompatibilidade de horário.
A comprovação do tempo de atividade jurídica relativamente a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento.
O policial, o militar, o bombeiro militar ou o guarda municipal poderão adquirir atividade jurídica mediante a elaboração de minutas de soluções de processos e procedimentos jurídicos e de atos normativos diversos. Caso não trabalhe na seção responsável pela produção desses atos, por trabalhar na rua ou em outra seção administrativa, poderá tentar junto ao Chefe ou Comandante a produção desse atos, ainda que seja um por semana, com o fim de comprovar, futuramente, a prática de atividades jurídicas.
Ministério Público(Resolução n. 40 do CNMP)
O que fazer?
O efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, com a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906, de 4 Julho de 1994), em causas ou questões distintas.
Não conseguem tempo de atividade jurídica em razão do exercício da advocacia, por serem impedidos.
O exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos.
Podem exercer o magistério superior em universidades públicas e privadas, devendo-se observas as particularidades e exceções expostas no texto.
O exercício de função de conciliador em tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, assim como o exercício de mediação ou de arbitragem na composição de litígios, pelo período mínimo de 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano;
Dificilmente conseguirão exercer a função de conciliador, ou por impedimento legal ou por incompatibilidade de horário.
O exercício, por bacharel em Direito, de serviço voluntário em órgãos públicos que exija a prática reiterada de atos que demandem a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos, pelo período mínimo de 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano. (Incluído pela Resolução nº 206, de 16 de dezembro de 2019)
Provavelmente não conseguirão exercer o serviço voluntário, em razão de impedimento legal. Não havendo impedimento legal, a exigência de carga horária é de somente 16 (dezesseis) horas mensais, o que, certamente, é possível adequar à escala de trabalho do policial, militar, bombeiro militar ou guarda municipal. Portanto, não havendo impedimento legal, é uma possibilidade de exercer atividade jurídica que será aceita pelo Ministério Público. Não há igual previsão para os concursos da magistratura.
O exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios
Dificilmente conseguirão exercer a função de mediador ou de árbitro, ou por impedimento legal ou por incompatibilidade de horário.
A comprovação do tempo de atividade jurídica relativa a cargos, empregos ou funções não privativas de bacharel em Direito e a serviços voluntários será realizada por meio da apresentação de certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos, cabendo à comissão de concurso analisar a pertinência do documento e reconhecer sua validade em decisão fundamentada. (Redação dada pela Resolução nº 206, de 16 de dezembro de 2019)
O policial, o militar, o bombeiro militar ou o guarda municipal poderão adquirir atividade jurídica mediante a elaboração de minutas de soluções de processos e procedimentos jurídicos e de atos normativos diversos. Caso não trabalhe na seção responsável pela produção desses atos, por trabalhar na rua ou em outra seção administrativa, poderá tentar junto ao Chefe ou Comandante a produção desse atos, ainda que seja um por semana, com o fim de comprovar, futuramente, a prática de atividades jurídicas.
Também serão considerados atividade jurídica, desde que integralmente concluídos com aprovação, os cursos de pós-graduação em Direito ministrados pelas Escolas do Ministério Público, da Magistratura e da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como os cursos de pós-graduação reconhecidos, autorizados ou supervisionados pelo Ministério da Educação ou pelo órgão competente. Independente do tempo de duração superior, serão computados como prática jurídica: a) Um ano para pós-graduação lato sensu. b) Dois anos para Mestrado. c) Três anos para Doutorado.
O policial, o militar, o bombeiro militar ou o guarda municipal poderão adquirir tempo de atividade jurídica mediante a realização de curso pós-graduação em Direito, sendo possível obter os três anos necessários de atividade jurídica mediante a realização de uma pós-graduação lato sensu e um mestrado, ou então, mediante a realização de um doutorado.
Defensoria Pública da União(Lei Complementar n. 80/1994 e Resolução n. 118/201 da DPU)
O que fazer?
Considera-se como atividade jurídica o exercício da advocacia, o cumprimento de estágio de Direito reconhecido por lei e o desempenho de cargo, emprego ou função, de nível superior, de atividades eminentemente jurídicas. (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009). O efetivo exercício de advocacia, inclusive a voluntária;
Não conseguem tempo de atividade jurídica em razão do exercício da advocacia, por serem impedidos.
O tempo de estágio será considerado serviço público relevante e como prática forense.
Durante a faculdade, caso o policial, militar, bombeiro militar ou guarda municipal tenha realizado estágio na Defensoria Pública, poderá contar como tempo de atividade jurídica (prática forense).
O efetivo exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, privativo de bacharel em Direito ou que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos;
Podem exercer o magistério superior em universidades públicas e privadas, devendo-se observas as particularidades e exceções expostas no texto.
a) Em regra, o fato de ser Oficial da Polícia Militar computa como tempo de atividade jurídica, contudo, é importante juntar certidão de atividade jurídica; b) O fato de ser Delegado de Polícia computa como tempo de atividade jurídica; c) Militares das Forças Armadas, bombeiros militares e guardas municipais não conseguem computar tempo de atividade jurídica com fundamento no exercício de cargo privativo de bacharel em Direito.
O policial, o militar, o bombeiro militar ou o guarda municipal poderão adquirir atividade jurídica mediante a elaboração de minutas de soluções de processos e procedimentos jurídicos e de atos normativos diversos. Caso não trabalhe na seção responsável pela produção desses atos, por trabalhar na rua ou em outra seção administrativa, poderá tentar junto ao Chefe ou Comandante a produção desse atos, ainda que seja um por semana, com o fim de comprovar, futuramente, a prática de atividades jurídicas.
O exercício da função de conciliador em tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais ou em anexos de juizados especiais ou de varas judiciais;
Dificilmente conseguirão exercer a função de conciliador, ou por impedimento legal ou por incompatibilidade de horário.
O exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios;
Dificilmente conseguirão exercer a função de mediador ou de árbitro, ou por impedimento legal ou por incompatibilidade de horário.
O serviço voluntário prestado à Defensoria Pública por bacharel em Direito.
Provavelmente não conseguirão exercer o serviço voluntário, em razão de impedimento legal. Não havendo impedimento legal e na hipótese em que houver compatibilidade de horário, o serviço voluntário na Defensoria Pública, para quem almeja ser Defensor Público, é uma opção.
Advogado da União eProcurador da Fazenda(Lei Complementar n. 73/1993 e Resolução n. 01/2002 da AGU)
O que fazer?
O efetivo exercício da advocacia, na forma da Lei nº 8.906, de 1994, a abranger a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário, assim como as atividades de consultoria, assessoramento e direção jurídicos, sob inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. (Redação alterada pela Resolução nº 4/CSAGU, de 29 de março de 2004)
Não conseguem tempo de atividade jurídica em razão do exercício da advocacia, por serem impedidos.
O exercício de cargo, emprego ou função pública, privativos de bacharel em Direito, sejam efetivos, permanentes ou de confiança. (Redação alterada pela Resolução nº 4/CSAGU, de 29 de março de 2004)
a) Em regra, o fato de ser Oficial da Polícia Militar computa como tempo de atividade jurídica, contudo, é importante juntar certidão de atividade jurídica; b) O fato de ser Delegado de Polícia computa como tempo de atividade jurídica; c) Militares das Forças Armadas, bombeiros militares e guardas municipais não conseguem computar tempo de atividade jurídica com fundamento no exercício de cargo privativo de bacharel em Direito.
O exercício profissional de consultoria, assessoramento ou direção, bem como o desempenho, de cargo, emprego ou função pública de nível superior, com atividades eminentemente jurídicas. (Redação alterada pela Resolução nº 4/CSAGU, de 29 de março de 2004)
Em razão de provável impedimento legal, o que deve ser verificado em cada instituição, não podem exercer a função de consultoria, nem de assessoramento ou direção em qualquer empresa ou cargo público.
Podem exercer atividade jurídica, caso a função pública exercida seja privativa de nível superior, como os militares das Forças Armadas. Os que se formam pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) são bacharéis em Ciências Militares; os que se formam pela Escola Naval da Marinha do Brasil são bacharéis em Ciências Navais e os que se formam em pela Academia da Força Aérea são bacharéis em Ciências Aeronáuticas. Dessa forma, caso desempenhem atividades eminentemente jurídicas, como trabalhar em uma seção Jurídica ou de Justiça e Disciplina ou então realizarem, constantemente, inquéritos policiais e processos administrativos, desempenharão, os oficiais das Forças Armadas, a atividade jurídica necessária para o concurso de Advogado da União e Procurador da Fazenda.
Admitir-se-á, também, quanto à exigência legal relativa a dois anos de prática forense, apenas a comprovação de igual período de Estágio, desde que observadas, a legislação, e os demais atos normativos, regedores da hipótese.
A realização de estágio, conforme as normas especificadas pela AGU, é uma possibilidade de obter tempo de atividade jurídica (prática forense).
Procurador Federal(Instrução Normativa n. 01/2009da AGU)
O que fazer?
O exercício de atividades práticas desempenhadas na vida forense, relacionadas às ciências jurídicas, inclusive as atividades desenvolvidas como estudante de curso de direito, cumprindo estágio regular e supervisionado, deve observar a legislação e os demais atos normativos regedores da hipótese.
A realização de estágio durante o curso de Direito é uma possibilidade de obter tempo de atividade jurídica (prática forense).
O efetivo exercício da advocacia, na forma da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, abrange a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário, assim como as atividades de consultoria, assessoramento e direção jurídicos, sob inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil;
Não conseguem tempo de atividade jurídica em razão do exercício da advocacia, por serem impedidos.
A comprovação da existência de atividades, ao menos parcialmente, jurídicas, em cargos, empregos ou funções públicas, sejam efetivos, permanentes ou de confiança, em qualquer dos Poderes ou Funções Essenciais à Justiça, será feita mediante a demonstração dessas atividades, acompanhada da juntada da legislação pertinente que defina as atribuições respectivas. (Artigo acrescentado pela Instrução Normativa AGU nº 1, de 15.01.2010, DOU 18.01.2010)
a) Em regra, o fato de ser Oficial da Polícia Militar computa como tempo de atividade jurídica, contudo, é importante juntar certidão de atividade jurídica; b) O fato de ser Delegado de Polícia computa como tempo de atividade jurídica; c) Militares das Forças Armadas, bombeiros militares e guardas municipais podem conseguir computar tempo de atividade jurídica com fundamento na exigência de que a atividade realizada seja parcialmente jurídica, no entanto não há segurança que será aceito, mas há um menor rigor na exigência de atividade jurídica.
Delegado de Polícia Federal(Instrução Normativa n. 124/2018da PF)
O que fazer?
A atividade exercida com exclusividade por bacharel em Direito;
a) Em regra, o fato de ser Oficial da Polícia Militar computa como tempo de atividade jurídica, contudo, é importante juntar certidão de atividade jurídica; b) O fato de ser Delegado de Polícia computa como tempo de atividade jurídica; c) Militares das Forças Armadas, bombeiros militares e guardas municipais não conseguem computar tempo de atividade jurídica com base nesta hipótese.
O efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, com a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado em causas ou questões distintas, conforme o Estatuto da Advocacia;
Não conseguem tempo de atividade jurídica em razão do exercício da advocacia, por serem impedidos.
O exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos
Podem exercer o magistério superior em universidades públicas e privadas, devendo-se observas as particularidades e exceções expostas no texto.
O exercício de função de conciliador em tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, assim como o exercício de mediação ou de arbitragem na composição de litígios, pelo período mínimo de 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano.
Dificilmente conseguirão exercer a função de conciliador, mediador ou de árbitro, sem em razão de impedimento legal ou por incompatibilidade de horário.
A comprovação do tempo de atividade jurídica relativa a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico.
O policial, o militar, o bombeiro militar ou o guarda municipal poderão adquirir atividade jurídica mediante a elaboração de minutas de soluções de processos e procedimentos jurídicos e de atos normativos diversos. Caso não trabalhe na seção responsável pela produção desses atos, por trabalhar na rua ou em outra seção administrativa, poderá tentar junto ao Chefe ou Comandante a produção desse atos, ainda que seja um por semana, com o fim de comprovar, futuramente, a prática de atividades jurídicas.
Considera-se atividade policial, para fins de ingresso no cargo de Delegado de Polícia Federal, o efetivo exercício de cargo público, de natureza policial, na Polícia Federal, na Polícia Rodoviária Federal, na Polícia Ferroviária Federal, nas Polícias Civis ou nas Polícias Militares.
Para quem é policial, a atividade jurídica não será um problema, pois aceita o tempo de atividade policial.
Em se tratando das defensorias públicas estaduais, delegados estaduais e procuradorias estaduais e municipais deve-se observar as leis e normas que regem as respectivas carreiras.
Qual é o tempo de atividade jurídica exigido para cada concurso?
Concurso
Tempo de atividade jurídica
Fundamento
Magistratura
03 anos
Art. 93, I, da CF
Ministério Público
03 anos
Art. 129, § 3º, da CF
Defensoria Pública da União
03 anos
Art. 29, § 1º, XI, da Resolução n. 118/2015 da DPU
Advogado da União e Procurador da Fazenda
02 anos
Art. 21, § 2º, da Lei Complementar n. 73/1993
Procurador Federal
02 anos
Art. 8º-A da Instrução Normativa AGU n. 1/2009
Delegado de Polícia Federal
03 anos
Art. 2º-B da Lei n. 9.266/96
Em se tratando das defensorias públicas estaduais, delegados estaduais e procuradorias estaduais e municipais deve-se observar as leis e normas que regem as respectivas carreiras.
A partir de quando o tempo de atividade jurídica pode ser contado?
Concurso
Marco inicial da contagem do prazo
Fundamento
Magistratura
Colação de grau
Art. 93, I, da CF
Ministério Público
Colação de grau
Art. 129, § 3º, da CF
Defensoria Pública da União
Início do estágio durante a universidade
Art. 145, §º 3, da Lei Complementar n. 80/1994
Advogado da União e Procurador da Fazenda
Início do estágio durante a universidade
Art. 27, parágrafo único, da Resolução n. 01/2002 da Advocacia-Geral da União
Procurador Federal
Início do estágio durante a universidade
Art. 19-C. I, da Instrução Normativa n. 01/2009 da AGU
Delegado de Polícia Federal
Colação de grau
Art. 3º, § 1º, da Instrução Normativa n. 124/2018 da PF
Diante de todo o exposto é possível extrair as seguintes conclusões:
a) As atividades desempenhadas por policiais, militares, bombeiros e guardas municipais podem ser preponderante, parcial ou minimamente jurídicas, o que cabe à comissão do concurso publico avaliar;
b) O trabalho dos policiais, militares, bombeiros e guardas municipais na rua não é considerado, por si só, atividade jurídica para fins de concurso público;
c) Os candidatos a concursos públicos que sejam policiais, militares, bombeiros e guardas municipais podem desempenhar atividades jurídicas sem necessidade de se exonerarem para exercerem outro cargo público, que seja jurídico, ou atividade que conte como tempo de atividade jurídica, como advogar, devendo, para tanto, exercer atividades jurídicas na unidade em que trabalha, como realizar a análise e minuta de processos e procedimentos e a confecção de atos normativos, ainda que trabalhe na rua, o que pode ser ajustado entre o interessado e o Chefe/Comandante;
d) Os policiais, militares, bombeiros e guardas municipais dificilmente conseguirão exercer outra função, fora da atividade principal, em outra instituição, seja em razão de impedimento legal e/ou incompatibilidade de horário;
e) O fato do Oficial da Polícia Militar ocupar cargo privativo de bacharel em Direito não implica, necessariamente, em comprovação de atividade jurídica, sendo recomendável, por cautela, que exerça efetivamente atividades jurídicas e anote todas as informações e dados para constar na certidão circunstanciada. De qualquer forma, a presunção é de que exerce atividade jurídica;
f) A realização de pós-graduação, mestrado ou doutorado conta como tempo de atividade jurídica para os concursos do Ministério Público. Não conta como tempo de atividade jurídica nos concursos da magistratura, Defensoria Pública da União, Advogado da União, Procurador da Fazenda, Procurador Federal e Delegado de Polícia Federal. No que tange aos concursos para a defensoria pública estadual, delegado de polícia estadual e procuradorias estaduais e municipais, deve-se analisar a norma específica de cada instituição e os editais dos concursos públicos;
g) A lavratura do termo circunstanciado de ocorrência não implica, necessariamente, no reconhecimento de atividade jurídica suficiente para o concurso público;
h) O policial que trabalha em Seção Jurídica ou de Justiça e Disciplina e confeccione atos normativos, documentos jurídicos, analise e minute atos disciplinares, exerce atividade preponderantemente jurídica, o que deve ser comprovado mediante certidão circunstanciada;
i) O curso de formação das escolas policiais que exijam o bacharelado em Direito para o ingresso não conta, necessariamente, como tempo de atividade jurídica.
11STJ, HC 365283/SP, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 27/09/2016, DJe 24/11/2016
12RMS 7.550/PB, 6.ª Turma, Rel. Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, DJ de 02/03/1998.
13CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Definição de cargo técnicoo. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/051e4e127b92f5d98d3c79b195f2b291>. Acesso em: 04/04/2019.
14RMS 42.392/AC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/02/2015, DJe 19/03/2015; RMS 28.644/AP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 19/12/2011; RMS 20.033/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15/02/2007, DJ 12/03/2007, p. 261.
15REsp 1569547/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 02/02/2016.
16AgInt no RMS 49.835/AC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 27/05/2016
17 Art. 167. Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.
§ 1º Preenchendo o requisito da capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça, o conciliador ou o mediador, com o respectivo certificado, poderá requerer sua inscrição no cadastro nacional e no cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal.
§ 2º Efetivado o registro, que poderá ser precedido de concurso público, o tribunal remeterá ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção judiciária onde atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários para que seu nome passe a constar da respectiva lista, a ser observada na distribuição alternada e aleatória, respeitado o princípio da igualdade dentro da mesma área de atuação profissional.
§ 3º Do credenciamento das câmaras e do cadastro de conciliadores e mediadores constarão todos os dados relevantes para a sua atuação, tais como o número de processos de que participou, o sucesso ou insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como outros dados que o tribunal julgar relevantes.
§ 4º Os dados colhidos na forma do § 3º serão classificados sistematicamente pelo tribunal, que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da população e para fins estatísticos e de avaliação da conciliação, da mediação, das câmaras privadas de conciliação e de mediação, dos conciliadores e dos mediadores.
§ 5º Os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados na forma do caput , se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções.
§ 6º O tribunal poderá optar pela criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos, observadas as disposições deste Capítulo.
18CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4ª edição. Salvador: Juspodivm. 2017. p. 863.
19 Arts. 37 e 42, § 1º, ambos da Constituição Federal.
20EDcl no REsp 1195791/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 28/06/2012.
21 ADI 2.827, rel. min. Gilmar Mendes, j. 16-9-2010, P, DJE de 6-4-2011.
24Política Nacional de Inteligência. Disponível em: http://www.abin.gov.br/acesso-a-informacao/legislacao-de-inteligencia/coletanea-de-legislacao/politica-nacional-de-inteligencia/. Acesso em: 23 Nov 18.
25Art. 3º O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.
26Art. 142, § 4º, da Constituição do Estado de Minas Gerais.
31STF – AgR MS: 28226 DF – DISTRITO FEDERAL 0006914-36.2009.0.01.0000, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 04/08/2015, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-167 26-08-2015.
O Ministério da Educação, no dia 08 de junho de 2020, homologou o Parecer CNE/CES n. 945/2019, e reconheceu as Ciências Policiais como uma área do saber, conforme publicado no Diário Oficial da União de 09 de junho de 2020. Portanto, a partir deste reconhecimento, as Ciências Policiais figuram como área de conhecimento no rol das ciências estudadas no Brasil.
A ciência é responsável pelo estudo e conhecimento técnico que permite afirmar, comprovadamente, seguindo parâmetros científicos e confiáveis, a eficácia e os resultados, apresentando ainda os caminhos que foram percorridos (a metodologia empregada) para se atingir um determinado fim.
A ciência visa o aprofundamento, a pesquisa, o conhecimento para que possa ser utilizado para algum fim ou somente para se verificar a validade de histórias e determinadas hipóteses, podendo corroborá-las ou refutá-las. A ciência permite o avanço tecnológico, social, jurídico, econômico, policial, sociológico, filosófico, histórico, geográfico, da medicina, da psicologia. A ciência é o meio para o desenvolvimento de qualquer instituição e do país com base em realidades e fatos que sejam comprovadamente úteis.
As Ciências Policiais são responsáveis pelos estudos de todos os órgãos policiais, das finalidades das instituições policias, pela produção da teoria, doutrina policial e sua aplicação prática. A segurança pública, o planejamento estratégico voltado para a segurança pública, a atividade de inteligência, a preservação da ordem pública, a prevenção, repressão e a investigação criminal, a ressocialização de um preso, o policiamento comunitário, o crime enquanto fato social, são alguns dos objetos de estudos das Ciências Policiais. Trata-se de uma ciência ampla, que possui em sua composição ramos de diversas outras ciências, sem, no entanto, perder as suas peculiaridades. Surge, cientificamente, a Teoria Geral do Direito Policial.
Qual é a relevância das Ciências Policiais terem sido reconhecidas oficialmente pelo MEC como uma área do saber? Qual são as consequências práticas? O que muda?
Visando obter uma resposta técnica, consultei o Doutor em Educação pela UFMG e Capitão da Polícia Militar de Minas Gerais, Eduardo Godinho, que respondeu que “os estudos policiais não precisarão mais se ‘apropriar’ de outras áreas do saber (Direito, Administração Pública, Gestão Pública, Criminologia etc.), pois agora é uma área que possui conhecimento científico próprio. Os maiores ganhos serão no campo teórico. A atividade policial que até então era vista como uma prática, ganha espaço para ser debatida academicamente, dentro da Ciência Policial, que passa a figurar como uma área do saber.”
Os maiores ganhos serão no campo teórico, o que reflete, consequentemente, no campo prático, pois a atuação policial, seja na gestão pública e administrativa, seja na atividade de rua e investigativa, visa colocar a teoria em prática.
Com isso, haverá uma valorização acadêmica, formação e ampliação de especialistas em ciências policiais, maiores investimentos e recursos para estudos.
Haverá uma valorização técnica da palavra do especialista em Ciências Policiais, pois até então é comum ouvir pessoas de outras áreas que adentram à ciência policial, contudo possui formação somente em área diversa da ciência policial. É possível emitir opiniões jurídicas sobre a ciência policial, no entanto a opinião estritamente jurídica sobre a ciência policial pode não ser a mais técnica, dada as peculiaridades dessa ciência que é multidisciplinar.
O reconhecimento das Ciências Policiais como uma “área do saber” não afeta a abertura de curso superior e de especialização em Ciências Policiais, o que já ocorre no país, contudo valoriza essa área. Em termos práticos, o que muda é a valorização da atividade policial, que deixa de ser vista somente sob o ponto de vista prático e se torna teórica, científica, com estudos próprios por especialistas que se dedicam às Ciências Policiais.
O estudo das Ciências Policiais é dinâmico e interdisciplinar. Engloba diversas áreas do saber, como a Jurídica, a Psicologia, a Medicina, a Matemática, a Engenharia, a Criminologia, a Administração, a Comunicação Social, Computação, Contabilidade, Economia, dentre outras. Em maior ou menor grau, diversas ciências são estudadas pelas Ciências Policiais.
A atividade policial não se resume, simplesmente, em colocar policiais na rua ou realizar uma investigação. É infinitamente mais do que isso. Exige todo um estudo e preparo – exige a ciência – que muitas vezes é invisível aos olhos da sociedade.
A atividade policial é estritamente técnica e o reconhecimento das Ciências Policiais enquanto área do saber reforça a tecnicidade da atividade policial. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o cargo de policial militar não é considerado técnico.1
Com o devido respeito, o cargo de policial militar é estritamente técnico. Em diversos estados exige-se que o militar seja bacharel em Direito para ingressar no Curso de Formação de Oficiais que, inclusive, é considerado carreira jurídica2, e ao se formar obtém o título de bacharel em Ciências Militares, sendo exigido qualquer curso superior para ingressar no Curso de Formação de Soldados, que ao se formar obtém o título de Técnico ou Tecnólogo em Segurança Pública, sendo este considerado curso superior.
Além do mais, o policial militar no dia a dia exerce inúmeras atribuições que exigem conhecimentos técnicos, específicos, como habilidade com arma de fogo; saber tipificar ocorrências; noções de primeiros socorros; noções de criminologia; noções profundas de Administração; gestor de pessoas; o Comandante é ordenador de despesas; realização de planejamento, logística, inteligência, comunicação social e inúmeras outras atividades específicas da atividade policial. É inegável que a carreira policial militar é técnica, do Soldado ao Coronel.
O reconhecimento da atividade policial como uma ciência não deixa dúvidas que o cargo de policial militar é técnico, ainda que a instituição não exija curso superior para o ingresso, pois o cargo técnico é aquele que possui um conjunto de atribuições cuja execução reclama conhecimento específico de uma área do saber.3
A partir do momento em que se reconhece as Ciências Policiais como uma área do saber, automaticamente, reconhece que os policiais exercem cargo técnico, pois as Ciências Policiais são responsáveis por toda a dinâmica, estudo e prática policial, de todas as instituições policiais. Isto é, os policiais são operadores das Ciências Policiais, razão pela qual exercem cargo técnico.
Um importante efeito prático consiste na possibilidade das instituições policiais ou universidades formarem os cientistas policiais, que poderão ser ouvidos e se manifestarem acerca de procedimentos e condutas adotadas institucionalmente ou na atividade de rua, sendo que, atualmente, o comum é colher opiniões de juristas (cientistas jurídicos).
A alteração é importante e relevante para a atividade policial que ganha relevo nas áreas do saber e passa a contar com uma ciência própria, sem necessidade de ficar migrando entre as diversas outras ciências, não que outras ciências se tornarão menos importantes para a atividade policial, contudo passarão a compor a Ciência Policial com uma visão própria, adaptada à realidade da atividade policial.
Tome como exemplo um planejamento institucional que busque conhecimentos sociológicos, filosóficos, estatísticos, jurídicos e de gestão pública. Ao invés de mencionar as diversas áreas do saber será possível dizer que o planejamento teve como base científica a Ciência Policial, que possui natureza multidisciplinar, sem perder a sua natureza própria e peculiar enquanto ciência.
Por fim, deve-se citar como exemplo de possível colaboração das Ciências Policiais o estudo acerca da definição de ordem pública para fins de manutenção da prisão preventiva (art. 312 do CPP), inclusive em casos concretos, sendo possível que o juiz nomeie como amicus curiae (art. 138 do CPC)um grupo de cientistas policiais para que emita parecer técnico dos riscos em se colocar determinada pessoa que praticou um crime que permite a prisão preventiva em liberdade, da mesma forma que o juiz ouve um médico ao decidir se em uma cirurgia ocorreu erro médico.
Obviamente, cada ciência tem a sua peculiaridade e não há condições técnicas do juiz detectar se em uma cirurgia houve erro médico, mas é possível que o juiz analise se um réu deve continuar preso ou em liberdade durante o processo, como a hipótese em que o réu for multirreincidente em crimes graves ou nunca tiver praticado nenhum crime e responder por um furto simples, o que não quer dizer que em muitos outros casos a palavra do cientista policial não será essencial para fundamentar as decisões judiciais – e não só as decisões judiciais -, mas as governamentais, de políticas públicas e de gestão administrativa e estratégica.
NOTAS
1RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO DO CARGO PÚBLICO DE POLICIAL MILITAR COM O DE PROFESSOR. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que o cargo público de técnico, que permite a cumulação com o de professor nos termos do art. 37, XVI, b, da Constituição Federal, é o que exige formação técnica ou científica específica. Não se enquadra como tal o cargo ocupado pelo impetrante, de Policial Militar. 2. Recurso ordinário desprovido. (STJ – RMS: 32031 AC 2010/0067325-0, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 17/11/2011, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/11/2011)
2Art. 142, § 4º, da Constituição do Estado de Minas Gerais.
3RMS 7.550/PB, 6.ª Turma, Rel. Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, DJ de 2/3/98.