A imunidade parlamentar se estende ao militar que critica o Comando? O militar que curte ou compartilha post crítico ao Comandante pratica crime?

Essas questões são importantes de serem esclarecidas, pois não é incomum que parlamentares postem vídeos nas redes sociais com críticas contundentes ao Comandante ou ao Governador, ocasião em que militares podem comentar, curtir ou compartilhar.

Quando haverá crime militar nesses casos?

O crime mais comum nesses casos, por parte de militares, é o crime militar de crítica indevida, que o STF já decidiu ser constitucional (ADPF 475).

O senador, deputado, vereador que seja militar da reserva, a par das divergências, pode praticar o crime militar de crítica indevida (art. 166 do CPM), entretanto, se a crítica for realizada no exercício do mandato parlamentar, em conexão com as funções, haverá imunidade material. Nesse sentido já decidiu o STF (Inq. 2.295-1).

O parlamentar, ainda que seja militar da reserva, que faz duras críticas ao Governador ou ao Comandante, desde que guardem pertinência com suas funções parlamentares, está amparado pela imunidade material (art. 53 e art. 27, § 1º, ambos da CF). Não há o crime militar de crítica indevida (art. 166 do CPM). Quem exerce cargo público, sobretudo de grande envergadura, está sujeito a sofrer críticas ácidas, duras… Faz parte do jogo democrático! Obviamente, não se admite discurso de ódio e ofensas!

A natureza jurídica da excludente decorrente de imunidade material é controvertida. Há decisões do STF que afirmam excluir a tipicidade Inq 3677) e outras que afirmam excluir a ilicitude (Pet 7634). Na doutrina há várias outras correntes. Fato é que diante do entendimento do STF, seja pela exclusão da tipicidade ou da ilicitude, o partícipe não será punido. Isso porque prevalece no Brasil a adoção da teoria da acessoriedade limitada, segundo a qual a punição do partícipe exige que o fato seja típico e ilícito.

Dessa forma, o parlamentar que faz severas críticas ao comando e conta com a participação de militares durante as críticas, em tese, neste caso, será extensível aos militares a imunidade material. A Súmula n. 245 do STF (A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa), segundo a doutrina majoritária, aplica-se à imunidade formal e não material, em razão de sua natureza jurídica. Esse é o raciocínio jurídico e doutrinário que prevalece!

Diversa é a situação do militar que comenta vídeos nas redes sociais com críticas ao Governador ou Comandante, vindo a chancelar as críticas, apoiar, reforçar ou incentivá-las, pois não se trata de participação no ato do parlamentar, o que somente pode ocorrer antes ou durante o discurso parlamentar, mas nunca após, pois se trata de nova prática de ato sem estar acobertado pela imunidade material. Isto é, comentários críticos de militares posteriores à fala do parlamentar são novos comentários após cessada a imunidade e, portanto, pode configurar crime.

É bom destacar que o parlamentar tem imunidade para realizar as críticas, desde que guarde conexão com a função, mas o militar que não estiver junto do parlamentar no momento das críticas, não terá a extensividade da imunidade. Logo, responderá normalmente pelo crime militar de crítica indevida.

O parlamentar que provoca ou incentiva a tropa a praticar crimes (motim decorrente de greve, recusa de obediência, desrespeito a superior, crítica indevida etc.) não está acobertado pela imunidade material, como decidiu o STF no caso Daniel Silveira (AP 1044/DF. A liberdade de expressão não pode ser usada para a prática de atividades ilícitas ou para a prática de discursos de ódio, contra a democracia ou contra as instituições).

O fato de o militar curtir e/ou compartilhar vídeos ou posts que criticam o comando, por si só, não é suficiente para caracterizar o crime militar de crítica indevida. Entretanto, poderá configurar transgressão disciplinar. Nesse sentido já decidiu o STJ, a saber:

É possível inferir que, ao compartilhar a manifestação de outra pessoa em rede social, o texto passa a ser exibido na página pessoal daquele que compartilhou, tornando-a visível a seus amigos e, por vezes, a terceiros, o que claramente propaga a publicação inicial.

Não é suficiente, no entanto, para fins de responsabilização penal, o mero ato de compartilhar dada notícia, sem que se aduza qualquer circunstância que possa identificar, no ato de compartilhar, o animus dirigido a reproduzir uma crítica ao “ato de seu superior ou ao assunto atinente à disciplinar militar” (CPM, art. 166).

(RHC n. 75.125/PB, relator Ministro Nefi Cordeiro, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 25/10/2016, DJe de 18/11/2016.)

Militar que compartilha imagem com texto crítico a superior em grupo de whatsapp, ainda que não seja o criador da imagem, pratica o crime militar de crítica indevida (art. 166 do CPM), pois o ato de compartilhamento já se configura como crítica.

No caso o militar encaminhou para um grupo de whatsapp com 256 pessoas uma imagem contendo, dentre outras, foto do Governador e do Comandante-Geral com o seguinte conteúdo:

“Não deram a data-base. Vão acabar com a Licença Especial. Querem ferrar com a PM na reforma da previdência (Carta de Vitória) e o Comando da PM concede a maior honraria da PMPR (Medalha Cel Sarmento) ao Governador e ao Chefe da Casa Civil. O que eles fizeram para merecer tal honra? Explique aí Cel. Péricles!!! [sic]”

(TJ-PR – APL: 00286243820198160013 Curitiba 0028624-38.2019.8.16.0013 (Acórdão), Relator: substituto benjamim acacio de moura e costa, Data de Julgamento: 29/04/2023, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 08/05/2023)

Não é possível afirmar com segurança que quem curte ou compartilha conteúdos críticos ao Comando, sem tecer comentários ou endossá-los, em que pese fazer a postagem ganhar mais engajamento, praticará o crime militar de crítica indevida. Não há julgados consolidados e foi possível encontrar julgado pela absolvição e condenação. Tudo vai depender da análise do caso concreto. Fato é que o militar fica sujeito a responder pelo crime militar de crítica indevida.

Quem compartilha esses conteúdos em grupos grandes ou de pessoas desconhecidas, bem como nas redes sociais, assume um risco de ser interpretado como um apoio à crítica e fica vulnerável a sofrer ação penal por crítica indevida. Diversa é a situação de quem compartilha em um grupo restrito de amigos próximos ou para pessoas determinadas, em razão da proximidade.

A análise será do elemento subjetivo de quem compartilha, se há apenas o ânimo de narrar, de divulgar ou se o dolo é de criticar.

Os militares de folga podem comparecer às ruas e aos eventos decorrentes do dia 07 de setembro?

07 de setembro é um dia histórico e um dos mais marcantes para o Brasil em razão da independência proclamada por Dom Pedro às margens do Rio Ipiranga, ao gritar “Independência ou Morte”.

A pintura abaixo, de autoria de Pedro América, simboliza o grito do Ipiranga: “Independência ou Morte”.

Não há nenhuma vedação ou proibição para que militares, de folga e em trajes civis, saiam às ruas para assistir aos desfiles ou manifestar apreço à independência do Brasil. Ainda que houvesse seria inconstitucional.

A grande discussão consiste na participação de militares para protestar em atos políticos, o que encontra vedação em alguns regulamentos disciplinares.

O Estatuto dos Policiais Militares do Distrito Federal – Lei n. 7.289/84 – prevê no art. 45 que “São proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caracter reivindicatório ou político.”

O Decreto Distrital nº 23.317/02 prevê que se aplica à Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar o Regulamento Disciplinar do Exército – Decreto nº 4.346/02 -, que por sua vez prevê no Anexo I, item 57, como transgressão disciplinar “Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”.

No âmbito da Polícia Militar de Minas Gerais não há vedação semelhante, pelo contrário, o art. 14, XVI, do Código de Ética dos Militares do Estado de Minas Gerais considera transgressão disciplinar “comparecer fardado a manifestação ou reunião de caráter político-partidário, exceto a serviço” e o Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais – Lei Complementar n. 5.301/69 – prevê no art. 30 que “É proibido o uso de uniforme em manifestações de caráter político-partidário, exceto em serviço.” Extrai-se, em uma leitura a contrario sensu que os militares estaduais em Minas Gerais podem participar de atos político-partidários, desde que não estejam fardados ou em serviço.

Veja que no âmbito da Polícia Militar do Distrito Federal, o que também pode ser aplicável a outras instituições militares estaduais, a depender do regulamento, veda-se a participação em manifestações coletivas de ato político.

O grande “X” da questão é definir o que é um “ato político”.

O ato político é todo ato que se relaciona à política, que, por sua vez, refere-se à capacidade e habilidade das pessoas se relacionarem e influenciar outras. No dia a dia é da natureza do ser humano praticar atos políticos. Como já dizia Aristóteles, o homem é um ser político por natureza. A política decorre do simples convívio em sociedade. Exemplificativamente, se um grupo de pessoas se reúne para pedir pela regulamentação do homeschooling pelo Congresso Nacional, esse grupo pratica um ato político.

Note que ao se proibir a prática de “ato político”, genericamente, sem delimitar, acaba por inviabilizar um direito sagrado de toda pessoa, independentemente, da profissão, de se manifestar e de influenciar terceiros, inclusive instituições, razão pela qual fere a liberdade de expressão e consiste em uma interpretação inconstitucional.

De mais a mais, em nada afeta, para os militares, a hierarquia e a disciplina o fato de se reunir para pedir pelo fim da corrupção, pela democracia,

pela redução da carga tributária, pela aprovação de um projeto de lei que entende ser interessante pelo país. Portanto, vedar a prática de “ato político” genericamente é manifestamente inconstitucional.

Sendo assim, é necessário interpretar que a vedação é para prática de ato político-partidário – o que possui previsão expressa em regulamentos militares -, o que também deve ser visto com cautela. Estariam os militares proibidos de participar de atos político-partidários em qualquer situação ou somente se estiverem fardados ou em serviço?

O ato político-partidário ocorre quando a política é voltada para fins eleitorais, de eleger políticos e de alcançar o poder.  

Precisas são as lições do cientista político Rogerio Dultra dos Santos ao explicar o que é atividade político-partidária no parecer “Conceito, natureza e extensão da atividade político-partidária, da dedicação à mesma e sua distinção de atividades políticas e político-sociais em geral”[1]

Assim, não basta a ligação ao partido político para que a “atividade político-partidária” se complete ou se caracterize de forma plena. Ela precisa consistir numa atividade cuja finalidade precípua seja alcançar a vitória eleitoral e ocupar cargos no Estado. A atividade político-partidária poderia, inclusive, se dar sem filiação formal ao partido. Mas a sua caracterização demanda, no entanto, a vinculação e o apoio regulares e específicos a um mandato, ou a grupo ou tendência interna, cujo objetivo é a vitória eleitoral nas disputas intra-partidarias ou eleitorais propriamente ditas. Neste caso, o militante não-filiado opera na prática como se fosse: ele cumpre tarefas regulares vinculadas a um mandato, a um candidato ou a uma fração do partido e pode receber salário para isto. Este militante pode esperar, assim, caso o partido seja vitorioso, espaço – em forma de cargos – no governo.

A atividade político-partidaria é, portanto, o sinônimo inafastável da atividade político-eleitoral. A finalidade da ação politica aqui não é a mesma dos grupos de pressão, dos movimentos sociais ou dos lobbies, mas sim a de alcançar o poder. A atuação recai diretamente sobre as ações capazes de garantir vitória política através do sufrágio. Nesses termos, a chamada militância político-partidária tem um claro caráter de profissionalização e de regularidade quase laboral. Requer assiduidade, compromisso e assunção de tarefas de natureza burocrática. A dedicação à atividade político-partidaria se insere no rol específico da atuação na estrutura do partido, seja na direção do pleito por mandato representativo, seja na dinâmica da atividade político-burocratica de apoio.

A simpatia ideológica, a militância eventual, a manifestação pública de apoio (a candidato, ideia ou programa) ou a participação eventual em atividades de partido ou manifestações de rua organizadas por redes de movimentos sociais não caracterizam necessariamente atividade político-partidária por conta da ausência da regularidade e do labor, da falta de objetivo eleitoral e vinculação a mandato, corrente ou mesmo a partido definido, e que implicariam na ideia de dedicação, conforme se exige no texto constitucional.

Nota-se que a participação em manifestações de rua organizadas por movimentos sociais não caracteriza, necessariamente, atividade político-partidária.

Ocorre que a restrição imposta por regulamentos militares é mais profunda e veda a participação em manifestações de caráter político-partidário, isto é, ainda que o militar não pratique ato que caracterize atividade político-partidário, é suficiente a sua participação em movimentos que sejam de caráter político-partidário.

Deve ser feita uma leitura constitucional da vedação da manifestação e participação do militar em movimentos de caráter político-partidário, pois a liberdade de expressão e de reunião constituem direito fundamental e os militares não são excluídos desses direitos, em que pese possuírem uma maior limitação.

A Constituição Federal, em diversas passagens, quando quis excluir os militares, o fez expressamente, como autorizar a prisão por transgressão disciplinar ou por crime propriamente militar, sem ordem judicial; ao vedar o habeas corpus para as punições disciplinares militares; ao proibir a sindicalização, a realização de greve e a filiação partidária.

A restrição aos direitos fundamentais deve ser interpretada restritivamente e o art. 5º, XVI, da Constituição Federal diz que todos – sem excluir os militares – podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização. Da mesma forma o art. 5º, IV, da CF assegura a liberdade de expressão sem excluir os militares.

A Constituição Federal quando quis excluir a possibilidade de determinadas categorias participarem de atividades político-partidárias foi expressa e somente previu para os juízes e membros do Ministério Público (art. 95, parágrafo único, III, e art. 128, II, “e”).

Isso não significa que leis não possam restringir a participação de outras categorias, como a dos militares, contudo, a interpretação deve ser restritiva e interpretar como proibição total é inconstitucional, por restringir, injustificadamente, direito fundamental que não fora restrito nem pela própria Constituição.

o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, promulgado no Brasil por intermédio do Decreto n. 592/1992, prevê que toda pessoa tem direito à liberdade de expressão e que ninguém poderá ser molestado por suas opiniões e permite que haja restrições, desde que previstas em lei e que sejam necessárias para a proteção da segurança nacional, ordem, saúde e moral públicas.

ARTIGO 19

1.     Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.

2.     Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.

3.     O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Conseqüentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:

a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.

A Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica – incorporada ao Brasil por intermédio do Decreto Federal nº 678/1992 – possui previsão semelhante.

Artigo 13.  Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão.  Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b.  a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

Logo, não há nenhuma ilegalidade – inconvencionalidade – em restringir o direito à liberdade de expressão de determinadas categorias de profissionais em razão da função que exercem, desde que seja uma restrição justificada e legítima, na medida em que, em se tratando de militares, a ausência de restrição poderá comprometer a segurança nacional e a ordem pública.

Portanto, a melhor interpretação, a meu ver, consiste em permitir que militares da ativa participem de movimentos políticos, inclusive de natureza político-partidária, desde que observe os preceitos que regem as instituições militares – hierarquia e disciplina -, e tenha uma participação mais passiva, sem assumir a liderança do movimento, o que demonstra uma participação ativa e haverá uma linha tênue entre a o direito à liberdade de expressão e a quebra da hierarquia e disciplina, até porque militares não devem criticar publicamente atos de superiores ou do Governo, sob pena de incidir no crime militar de crítica indevida.

Maiores responsabilidades e restrições recaem sobre os comandantes, uma vez que a Polícia Militar, com frequência, será acionada para garantir a segurança de movimentos político-partidários ou para conter eventual desordem que envolva esses movimentos e deverá atuar de forma técnica e imparcial e a partir do momento que um comandante se envolve em movimentos político-partidários, ainda que em horário de folga e em trajes civis, poderá comprometer a imagem e a credibilidade institucional nas atuações em movimentos político-partidários da oposição e eventual uso da força poderá ser visto como um uso da força político, sob a alegação de que o comandante foi visto participando de movimento político-partidário do adversário ou de um partido que possui ideologia diversa.

Diante de todo o exposto podemos concluir, em uma leitura constitucional e convencional, que militares podem participar de manifestações político-partidárias, desde que:

a) A reunião seja pacífica, logo não deve haver nenhum ato que perturbe a ordem pública, como invasão de qualquer local, interrupção do trânsito, queima de objetos e congêneres.

b) O militar não esteja armado.

c) O militar não esteja fardado.

d) O militar não esteja em horário de serviço, salvo se for para trabalhar, ou seja, para participar enquanto protestante deve estar de folga, férias, licença.

e) Da manifestação não seja deflagrada greve, seja por qual for o motivo (art. 143, § 3º, IV c/c art. 42, § 1º, ambos da CF e STF – ARE 654.432).

f) Não haja por parte dos militares atos que possam configurar quebra da hierarquia e disciplina.

g) A participação seja passiva, como a mera presença física, sem assumir a liderança do movimento.

Não há crime militar pelo simples fato de militares participarem de movimentos político-partidários.

Por que não há crime de motim? A simples participação no protesto por vários militares é um direito, se observadas as condições acima, e não há crime de motim. Haverá crime de motim caso um superior determine que militares cumpram a escala de serviço, mas decidem descumprir e compareçam ao movimento (art. 149, I, do CPM).

Por que não há crime de reunião ilícita? No crime de reunião ilícita a finalidade é, originariamente, discutir ato de superior ou assunto atinente à disciplina militar, o que não está presente ao participar de um movimento político-partidário.

Por que não há o crime de crítica indevida? Para haver esse crime deve ocorrer crítica pública a ato de superior ou assunto atinente à disciplina militar ou a qualquer resolução do Governo. O superior indicado no tipo penal do art. 166 do CPM pode ser o Governador? O tema é divergente. Para parte da doutrina, somente os militares podem ser superiores (o que parece prevalecer). A outra corrente entende que como o Governador é a autoridade máxima, Chefe Supremo das Instituições Militares Estaduais, também pode ser superior. O movimento político-partidário busca fortalecer, dentre outros fatores, a ideologia do partido e não criticar atos de superior ou assuntos atinentes à disciplina militar. Se o movimento criticar resolução do Governo, os militares devem abster de participar. Saliento que a mera presença física do militar não é suficiente para atrair a incidência do crime de crítica indevida, o qual exige uma ação.  

De toda forma, entendo que a crítica respeitosa, ainda que por militares, com fins construtivos, decorre da liberdade de expressão mitigada que os militares possuem e não deve sofrer repressão penal.

Exposto todo esse contexto, voltamos à pergunta inicial, os militares de folga podem comparecer às ruas no dia 07 de setembro?

As comemorações decorrentes do dia 07 de setembro constituem um ato cívico, que é aquele que demonstra o valor do país e da sociedade, o respeito pela nação e a reafirmação da relevância do país ser independente.

O comparecimento aos eventos cívicos decorrentes do Dia da Independência não só é um direito dos militares, como é a demonstração de um sentimento de patriotismo, o qual é uma característica dos militares.

Não é possível impedir que militares de folga, sozinhos ou acompanhados de suas famílias, compareçam às ruas e assistam aos eventos cívicos, o que para os militares é um ato de orgulho e amor pela carreira que escolheu perfilhar.

Discussões podem surgir se o evento cívico, posteriormente, for transformado em um evento político-partidário. Nesta hipótese os militares podem participar? Observadas as restrições expostas acima, entendemos que sim.

Querer silenciar militares a todo custo é um ato antidemocrático e os relegam a cidadãos de segunda categoria. A liberdade de expressão deve ser exercida ainda que para ouvir o que não nos agrada e os militares podem exercê-la com responsabilidade, sem ferir a hierarquia e a disciplina.


[1] Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/parecer-rogerio-dultra-casara-cnj.pdf .

Defender a criação de um partido nazista é crime?

Como amplamente divulgado, o então apresentador do Flow Podcast, Monark, disse em 07/02/2022, o seguinte:

“Eu acho que tinha de ter o partido nazista reconhecido pela lei.”

A fala dele está amparada pela liberdade de expressão?

Não. É bom ficar muito claro que a liberdade de expressão não é absoluta e no Brasil não há espaço para o discurso de ódio (hate speech), diversamente dos Estados Unidos que admite o discurso de ódio.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas(…)” (HC 82424).

O discurso antissemita é um discurso de ódio e no conhecido “caso Ellwanger”, em que Siegfried Ellwanger, um escritor gaúcho, editou e publicou livros em que veiculou ideias antissemitas, que buscavam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, foi decidido pelo STF (HC 82424), que equivale à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista.

Discurso antissemita é aquele pautado em preconceito, discriminação, hostilização, contra o povo semita, que inclui os judeus.  Na prática o discurso antissemita refere-se ao discurso de ódio contra os judeus.

Defender a criação de um partido nazista no Brasil viola frontalmente a Constituição Federal, pois além de ser objetivo do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, religião, nacionalidade e qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV), a criação de partido político deve observar os direitos fundamentais da pessoa humana e defendê-los (art. 17 da CF c/c art. 1º da Lei n. 9.096/95). Além do mais, um partido com ideias nazistas não seria um partido, mas sim uma organização criminosa.

A fala é criminosa?

Há duas correntes.

1ª corrente: Sim, artigo 20 da Lei 7.716/89, que consiste em “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” Qualquer fala, texto ou ideia nazista divulgada caracteriza o crime do art. 20 da Lei de Racismo.

Para se ter ideia, sequer é possível divulgar e difundir imagens nazistas, como a cruz suástica ou gamada, símbolo do regime nazista, o que também caracteriza crime (art. 20, § 1º, da Lei n. 7.716/89). Neste caso deve haver a finalidade específica de se divulgar o nazismo, sendo possível a exibição dessas imagens para fins históricos e didáticos ou por colecionadores em uma exposição.

Ao defender a criação de um partido nazista induziu (lançou uma ideia) a discriminação e o preconceito contra raça, cor, etnia, religião.

 Defender ideias nazistas, além de atacar profundamente os judeus, ataca toda a humanidade, fomenta a distinção entre seres humanos e o extermínio de grupos que são considerados “inferiores”, pelo critério de quem está no poder.

2ª corrente: Não houve crime, em que pese ser uma fala reprovável, pois se considerar crime não é mais possível debater condutas que são crimes e podem deixar de ser. Uma coisa é o debate contra a lei; outra é defender as condutas proibidas pela lei. O fato de defender a criação de um partido nazista não quer dizer que defendeu a prática de atrocidades ou que concorde com os ideais nazistas, somente defendeu a ampla liberdade de expressão, de reunião e de pensamentos.  

Para quem não considera crime, o caso julgado pelo STF em relação à Marcha da Maconha, é um exemplo (ADPF n. 187), pois o STF decidiu, conforme voto do Relator à época o Ministro Celso de Mello, que a mera proposta de descriminalização de determinado ilícito penal não se confunde com o ato de incitação à prática do delito nem com o de apologia de fato criminoso. O debate sobre abolição penal de determinadas condutas puníveis pode ser realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ainda que a ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada estranha, extravagante, inaceitável ou perigosa, ponderou.

Eu tenho dificuldades de concordar com a 2ª corrente, pois deve haver um mínimo de tolerância e não consigo desvincular a defesa da criação de um partido nazista das ideias defendidas pelo nazismo, por mais que se defenda a ampla liberdade de expressão. Para mim são duas faces de uma mesma moeda. Como dizia o filósofo Popper, “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância”. Esse é o Paradoxo da Tolerância, ou seja, as intolerâncias, como são as ideias nazistas, não devem ser toleradas; do contrário os tolerantes serão destruídos.