Qual crime pratica quem lança informação falsa de que foi vacinado no sistema ConecteSUS?

Como amplamente divulgado, a Polícia Federal apontou que o ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro, pode ter cometido o crime de inserção de dados falsos em sistema de informações (art. 313-A do CP), crime este que é denominado de peculato eletrônico.

Inserção de dados falsos em sistema de informações (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000))

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

            Veja que para a prática desse crime, no contexto apresentado, é necessário que:

a) Tenha ocorrido a inserção de dados falsos;

b) O agente seja funcionário público autorizado a inserir os dados;

c) A inserção dos dados seja em sistema informatizado ou banco de dados da Administração Pública (seja federal, estadual ou municipal);

d) Haja a finalidade de obter vantagem indevida para o funcionário que inseriu a informação falsa ou para outra pessoa.

a) Tenha ocorrido a inserção de dados falsos.

Isso é muito fácil de comprovar. Basta verificar no sistema se houve a inserção de informações falsas, pois o Presidente da República publicamente disse, por várias vezes, que não vacinou. A não ser que tenha falado que não vacinou, mas tenha vacinado.

b) O agente seja funcionário público autorizado a inserir os dados.

Esse crime somente pode ser praticado por funcionário que possua autorização para inserir dados no sistema eletrônico. Caso o funcionário não possua autorização para inserir os dados no sistema, mas acesse e insira informações falsa praticará, segundo o STJ (HC 1000062/SP), o crime previsto no art. 299, parágrafo único, do Código Penal (falsidade ideológica).

Caso terceiros influenciem ou participem de qualquer moda para que o funcionário público autorizado insira informações falsas no ConecteSUS praticará também o crime previsto no art. 313-A do Código Penal. Inclusive, a qualidade de funcionário público do agente que pratica o crime se comunica a terceiros envolvidos no crime (arts. 29 e 30, ambos do Código Penal). Isto é, terceiros que não são funcionários públicos respondem como se funcionários públicos fossem.

Esse ponto é o mais difícil de ser comprovado, pois necessita demonstrar que a inserção de dados falsas era de conhecimento prévio ou concomitante do Presidente da República à época. Por isso o acesso ao celular do ex-presidente é importante para as investigações. Não se pode presumir que tinha conhecimento, pois cabe à acusação comprovar, assim como nos casos passados envolvendo o atual Presidente.

Tecnicamente, acredito que a defesa alegará três pontos importantes, dentre outros:

  1. O ex-presidente não tinha conhecimento e quem inseriu o dado no sistema visou prejudicá-lo, pois era público e notório que ele não tinha vacinado;
  2. A utilização do Certificado Nacional de Covid-19 pelo ex-presidente em qualquer local seria facilmente perceptível e questionado, já que publicamente diz não ter sido vacinado, mas apresenta certificado que afirma ter vacinado. Isto é, equivaleria a dizer publicamente que praticou crime ou, se tiver participado da inserção da informação falsa, a um crime impossível por ineficácia absoluta do meio.
  3. Li em vários sites e isso certamente será alegado, que o Bolsonaro ingressou nos EUA utilizando-se do passaporte diplomático, que não exige comprovação de vacina pelo Covid-19.

c) A inserção dos dados seja em sistema informatizado ou banco de dados da Administração Pública (seja federal, estadual ou municipal);

Conforme informações extraídas do site do Governo Federal, o Conecte SUS Cidadão é o aplicativo oficial do Ministério da Saúde e a porta de acesso aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) de forma digital. Ele permite que o cidadão acompanhe, na palma da mão, o seu histórico clínico.  O aplicativo Conecte SUS mostra as informações gerais do cidadão, como Carteira Nacional de Vacinação, Certificado Nacional de Covid-19 (…).

Trata-se de um sistema informatizado e banco de dados da Administração Pública Federal.

d) Haja a finalidade de obter vantagem indevida para o funcionário que inseriu a informação falsa ou para outra pessoa.

Ao obter o Certificado Nacional de Covid-19 a pessoa não passa por restrições impostas pelo Governo ou em países ou locais que exigem a vacinação. Logo, é um dado importante, cuja falsificação possui a finalidade de obter vantagem indevida.

Para fechar, dois pontos importantes:

a) Caso um agente, em acordo com um profissional de saúde, simule ter vacinado e o profissional certifique isso e insira a informação falsa no sistema, haverá apenas o crime de peculato eletrônico, pois o documento que afirma ter vacinado foi crime-meio (falsidade ideológica, art. 299 do CP) para a prática do crime-fim (peculato eletrônico, art. 313-A do CP).

b) O Prof. Rodrigo Pardal apontou, precisamente, que para ser documento para fins penais deve-se ter no documento autoridade identificada, isto é, assinatura do responsável pelo preenchimento do documento. Se houver eventual cartão que identifique a vacinação pela Covid-19, mas não constar assinatura do responsável pelo preenchimento, não há crime de falsidade documental. Pode haver inserção de informações falsas no sistema informatizado caracteriza o crime do art. 313-A do CP.

O STJ já decidiu que não há crime na conduta de inserir informação falsa no currículo Lattes, pois não é considerado documento para fins penais, uma vez que não se trata de “documento eletrônico”, que é aquele que possa ter a sua autenticidade aferida por assinatura digital na forma da Medida Provisória n. 2.200-2/2001.