O art. 311 do Código Penal foi alterado em 27/04/2023 e passou a prever que é crime “suprimir” placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, sem autorização do órgão competente.
Foi acrescido o § 2º no art. 311 que passou a prever que é crime conduzir veículo automotor com placa de identificação ADULTERADA OU REMARCADA. Veja que não previu a palavra “SUPRIMIDA”.
Antes da Lei n. 14.562/2023
Após a Lei n. 14.562/2023
Art. 311 – Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa.
Art. 311. Adulterar, remarcar ou suprimir número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente: (Redação dada pela Lei nº 14.562, de 2023) Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) § 2º Incorrem nas mesmas penas do caput deste artigo: (Redação dada pela Lei nº 14.562, de 2023) III – aquele que adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, mantém em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar ADULTERADO ou REMARCADO. (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)
O Superior Tribunal de Justiça entende, até então, que a conduta de “suprimir” está abarcada pela conduta de “adulterar”.[1]
Com a alteração dada pela Lei n. 14.562/2023 teremos que aguardar para saber se esse entendimento vai se manter, pois, aparentemente, o legislador alterou o caput para prever o verbo “suprimir” e não mencionou no § 2º o termo “SUPRIMIDO”, o que dá a entender que houve silêncio eloquente, intencional, razão pela qual é possível dizer, pela lógica, que para o legislador a conduta de suprimir não está abarcada pela conduta de “adulterar”.
Dessa forma, conduzir veículo sem placa é crime?
Antevejo três correntes.
1ª) Sim. O art. 311 do Código Penal prevê que suprimir a placa de identificação, sem autorização do órgão competente, é crime. Suprimir é retirar, eliminar. Logo, quem retira a placa pratica o crime previsto no art. 311 do CP. Consequentemente, quem conduz o veículo sem placa pratica o crime de receptação (art. 180 do CP), por ser o veículo “produto de crime”. Caso o condutor do veículo seja o indivíduo que retirou a placa haverá somente o crime do art. 311 do CP, sendo a condução pós-fato impunível (princípio da consunção).
Sobre o crime de receptação para quem dirige veículo com sinal de identificação adulterado:
O veículo automotor com sinal de identificação adulterado insere-se no conceito de “produto de crime” e, portanto, deve ser considerado apto a configurar o objeto do delito de receptação.
TJ-SP – APL: 00004499520068260050 SP 0000449-95.2006.8.26.0050, Relator: Airton Vieira, Data de Julgamento: 14/04/2014, 1ª Câmara Criminal Extraordinária, Data de Publicação: 15/04/2014.
2ª) Não. Em que pese o art. 311 do Código Penal prever que suprimir placa de identificação seja crime, em razão da subsidiariedade do direito penal e intervenção mínima, por ser essa conduta considerada infração de trânsito (art. 230, IV, do CTB), não há crime. Como a retirada da placa constitui apenas infração de trânsito, não há o crime de receptação por quem dirige o veículo.
3ª) Não. Retirar a placa do veículo é crime (art. 311 do CP), entretanto não é crime conduzi-lo, pois a retirada da placa não é suficiente, por si só, para caracterizar o veículo como “produto de crime”, havendo no caso uma infração penal que tutela os interesses da fé pública e regularidade da segurança do registro do veículo.
[1] 1. A conduta de raspar ou suprimir os caracteres gravados no chassi, também denominado de Número de Identificação do Veículo – NIV, dos veículos automotores, subsume-se ao crime previsto no art. 311 do Código Penal.3. Recurso especial desprovido. (STJ – REsp: 1035710 SP 2008/0044128-0, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 21/06/2011, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2011)
A Lei n. 14.562, de 26 de abril de 2023, que entrou em vigor na data de sua publicação (27/4/2023), promoveu importantes alterações no crime de adulteração de sinal identificador de veículo (art. 311 do CP)
Dentre as alterações feitas, uma delas tira uma dúvida comum no meio policial: qual crime pratica o agente que conduz veículo com placa adulterada?
Antes havia divergências se era o crime de receptação (art. 180 do CP).
Diante da alteração realizada pela Lei n. 14.562/2023 e com vigência imediata, o agente que conduz veículo com a placa adulterada pratica o crime previsto no art. 311, § 2º, III, do Código Penal.
Art. 311. Adulterar, remarcar ou suprimir número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente: (Redação dada pela Lei nº 14.562, de 2023)
III – aquele que adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, mantém em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar adulterado ou remarcado.(Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)
Percebe-se que o tipo penal prevê expressamente a punição do agente que atua com dolo eventual (devesse saber) e, consequentemente, com dolo direto (STF, ARE 705620).
A polícia ao abordar um indivíduo que conduz um veículo com a placa adulterada deverá prendê-lo pelo art. 311, § 2º, III, do CP. Eventual alegação de que não sabia, pois pegou o carro emprestado, por exemplo, exige investigação que deve ser conduzida pelo Delegado de Polícia.
Questão interessante surge se o mesmo indivíduo adulterar a placa do carro e depois utilizá-lo. Neste caso deverá responder apenas por um dos crimes: art. 311, caput ou art. 311, § 2º, III, ambos do CP? A par das divergências, seguindo entendimento jurisprudencial no sentido de que quem falsifica documento e o utiliza responde apenas pelo crime de uso de documento falso, deve o agente responder pelo crime de conduzir veículo com placa adulterada, sendo a adulteração absorvida pela condução (princípio da consunção).[1]
[1] HC n. 464.045/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 26/2/2019, DJe de 15/3/2019.
Veja a imagem a seguir para ilustrar um exemplo prático:
Os números eram 6 e 3 e se transformaram em 8 e 8.
O agente que assim procede pratica o crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor (art. 311 do Código Penal), pois adultera (modifica, altera) sinal de identificação do veículo (placa).
Art. 311 – Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento:(Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996))
As placas constituem sinal identificador de qualquer veículo e a conduta realizada pelo agravante, que, com o uso de fita isolante, modificou o seu número, configura sim o delito tipificado no art. 311 do Código Penal. O tipo constante do art. 311 do Código Penal visa resguardar a autenticidade dos sinais identificadores de veículos automotores, tutelando a fé pública e o poder de polícia do Estado, não exigindo que a conduta do agente seja dirigida a uma finalidade específica, tornando, também, desnecessária a produção de prova pericial, se no processo ficar clara a adulteração, o que ocorreu.
STJ – AgRg no HC 496.325/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 23/08/2019.
Há divergência se a adulteração grosseira da placa é suficiente para a caracterização do crime do art. 311 do Código Penal.
1ª corrente (não é suficiente)
2ª corrente (é suficiente)
O uso de papel higiênico na placa do veículo evidencia uma adulteração grosseira incapaz de ludibriar alguém, não atingindo a fé pública. TJ-MG – APR: 10498180016640001, Data de Publicação: 05/05/2021.
Necessária é a absolvição por atipicidade da conduta eis que o uso de fita isolante na placa do veículo evidencia uma adulteração grosseira incapaz de ludibriar alguém, não atingindo a fé pública. TJ-MG – APR: 10026160046681001 Data de Publicação: 09/04/2018. (Esse julgado possui um entendimento divergente do STJ)
A adulteração de placa identificadora de motocicleta, ainda que grosseira, é conduta típica. TJDFT – Acórdão 1127740, 20171510053582APR, Publicado no DJe: 5/10/2018.
Particularmente, adoto este entendimento, pois o fato de usar fita isolante é suficiente para enganar agentes de trânsito e radares com o veículo em movimento e impedir ou dificultar a fiscalização e autuação.
O agente que insere a fita isolante e altera a placa, ainda que de forma momentânea, e, posteriormente, dirige o veículo, pratica somente o crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, pois a condução do veículo irregular (produto de crime) é fato posterior impunível (princípio da consunção).
Caso quem conduza o veículo não seja a mesma pessoa que tenha alterado a placa com a fita isolante, haverá somente o crime de receptação (art. 180 do CP).
Art. 180 – Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)
1. O veículo automotor com sinal de identificação adulterado insere-se no conceito de “produto de crime” e, portanto, deve ser considerado apto a configurar o objeto do delito de receptação. Não se fala, aqui, em atipicidade da conduta, em que pese não estar comprovada a prática de anterior crime contra o patrimônio ou contra a ordem econômica. O Código Penal não estabeleceu qualquer distinção neste sentido, não cabendo ao intérprete fazê-lo. 2. Conquanto típica a conduta descrita na denúncia, “in casu”, não foi suficientemente comprovado que o réu tinha ciência quanto à origem espúria do bem. Não cabe, pois, condenação por receptação dolosa. 3. A modificação do fundamento legal da absolvição (de atipicidade da conduta para insuficiência de provas) caracterizaria “reformatio in pejus”, razão pela qual não pode ser empreendida à falta de reclamo da Acusação. 4. Recurso Ministerial desprovido.
TJ-SP – APL: 00004499520068260050 SP 0000449-95.2006.8.26.0050, Relator: Airton Vieira, Data de Julgamento: 14/04/2014, 1ª Câmara Criminal Extraordinária, Data de Publicação: 15/04/2014.
Por fim, caso o agente oculte letras e/ou números da placa, como colocar as mãos sobre a placa da moto quando passa pelo radar, não pratica o crime do art. 311 do Código Penal, pois o verbo “ocultar” não está contido no crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor. Haverá somente infração de trânsito gravíssima (art. 230, VI, do CTB).
Na espécie, o ora paciente foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 311, caput, do CP, uma vez que teria ocultado, mediante dispositivo operado manualmente, a placa de identificação de seu veículo quando passava pela cancela de uma praça de pedágio, objetivando, com a prática, furtar-se de efetuar o devido pagamento. A Turma, de acordo com o fato narrado na inicial, na qual ficou demonstrada a ausência de adulteração ou remarcação de sinal identificador do veículo, concedeu a ordem para trancar a ação penal, pois não se aplica o art. 311 do CP aos fatos da denúncia, restando, assim, atípica a conduta imputada ao paciente. A conduta descrita no referido artigo não prevê a modalidade de ocultar, mas, tão somente, a de adulterar e remarcar, sendo esses verbos núcleos do tipo. (HC n. 139.199/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 23/2/2010, DJe de 3/5/2010.)