A Lei n. 9.472/97 dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, devendo ser observada para que, quem realizar atividade de telecomunicação, não pratique infração penal.
Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza (art. 60, § 1º, da Lei n. 9.472/97).
Em se tratando de radiodifusão, a Lei n. 9.472/97 define como atividade clandestina toda aquela desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de exploração de satélite (art. 184, parágrafo único).
Na atividade policial não é incomum que infratores possuam um Rádio Hand-Talk (HT), um rádio transmissor, para ouvir a frequência da rede rádio da Polícia Militar.
Nesses casos os agentes envolvidos podem praticar o crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62 ou o art. 183 da Lei n. 9.472/97.
Lei n. 4.117/62.
Lei n. 9.472/97
Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos. (Substituído pelo Decreto-lei nº 236, de 28.2.1967) Parágrafo único. Precedendo ao processo penal, para os efeitos referidos neste artigo, será liminarmente procedida a busca e apreensão da estação ou aparelho ilegal. (Substituído pelo Decreto-lei nº 236, de 28.2.1967)
Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.
Perceba que o art. 70 da Lei n. 4.117/62 abrange a “instalação” ou “utilização” de telecomunicação de forma irregular, ao passo que o art. 183 da Lei n. 9.472/97 trata de “desenvolver clandestinamente” atividades de telecomunicação.
Instalar é fazer funcionar, inserir, colocar, montar. Utilizar é fazer uso, usar.
Desenvolver é prosseguir, originar, reproduzir. Clandestino é tudo aquilo que feito às escondias, de forma oculta.
Note que para o crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62 é suficiente que haja a mera instalação ou utilização, o que permite afirmar que basta a prática de uma conduta para a configuração do crime, ao passo que o art. 183 da Lei n. 9.472/97 exige que haja um desenvolvimento clandestino, de onde se extrai a necessidade de haver uma permanência, um prosseguimento, isto é, uma habitualidade, como um uso constante.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “A diferença entre a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações e a do art. 183 da nova lei de Telecomunicações está na habitualidade da conduta. Quando a atividade clandestina de telecomunicações é desenvolvida de modo habitual, a conduta tipifica o disposto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, e não o art. 70 da Lei nº 4.117/62, que se restringe àquele que instala ou utiliza sem habitualidade a atividade ilícita em questão.”[1]
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, possui entendimento no sentido de que a distinção entre os crimes previstos nos artigos 183 da Lei n. 9.472/1999 e 70 da Lei n. 4.117/1962 é a habitualidade. Para a configuração do primeiro exige-se a prática rotineira da conduta de desenvolver atividade de telecomunicação clandestina.[2]
Ambos os crimes são de perigo abstrato, portanto, há a ocorrência da infração penal, independentemente, da demonstração de um perigo concreto, pois o simples descumprimento da lei presume a geração de um perigo.
São crimes formais, pois em que pese ser possível a ocorrência de resultado naturalístico, como a interferência nos meios de comunicação, este não é exigido.
Os tipos penais tutelam a segurança dos meios de comunicação, uma vez que a instalação, o uso e o desenvolvimento clandestino podem acarretar uma série de consequências, como interferir, atrapalhar e gerar uma série de problemas de comunicação entre serviços públicos de emergência, como as viaturas policiais e de regaste do Corpo de Bombeiros Militar, ambulâncias, bem como a regularidade das comunicações decorrentes de navegação aérea e marítima.
Nota-se não haver dúvidas que o uso irregular é crime, razão pela qual o policial ao se deparar com um agente utilizando-se de rádio que capte a frequência da Polícia Militar ou não, desde que sem autorização da ANATEL, deverá ser preso e conduzido à Delegacia da Polícia Federal. A condução deve se dar para a Delegacia da Polícia Federal por se tratar de crime em detrimento de serviço e por ser de interesse da União (art. 144, § 1º, I, da CF), já que o órgão regulador responsável por autorizar e fiscalizar o uso de rádio no Brasil é a Agência Nacional de Telecomunicação – ANATEL -, que é autarquia federal, mais especificamente, uma agência reguladora.
A seguir, cito julgados importantes e que podem nortear a atuação policial.
Para a caracterização do delito do art. 70, da Lei n.º 4.117/62 basta que o equipamento transceptor esteja apto a funcionar, sendo desnecessária a comprovação do uso efetivo.[3]
A “instalação” e “utilização” de rádio transmissor em veículo configura o tipo do art. 70 da Lei n. 4.117/62 e não o do art. 183 da Lei 9.427/97.[4]
A utilização de aparelho radiocomunicador na faixa de frequência da Polícia Militar, sem licença da ANATEL, configura o crime previsto no art. 183 da Lei n. 9.427/97, ainda que o equipamento opere em baixa frequência, sendo inaplicável o princípio da insignificância.[5]
O delito tipificado pelo art. 183 da Lei 9.472/1997 tem natureza formal, o que significa que se consuma com a prática da conduta descrita no tipo penal, qual seja, o desenvolvimento de atividade de telecomunicação sem autorização legal, independente da faixa de potência utilizada ou da produção de resultado danoso.[6]
A mera escuta radiofônica de conversação na frequência restrita da Brigada Militar não caracteriza o crime de violação de comunicação radioelétrica (art. 151, § 1º, II, do CP).[7]
Especificamente quanto à decisão de que “A mera escuta radiofônica de conversação na frequência restrita da Brigada Militar não caracteriza o crime de violação de comunicação radioelétrica” é importante tecer algumas observações.
O crime de violação de comunicação radiográfica (art. 151, § 1º, II, do CP) possui a seguinte redação:
Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – Na mesma pena incorre:
Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica
II – quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;
O tipo penal subdivide-se em duas partes. Especificamente, ao que interessa ao presente texto, que é a análise da captação de comunicação radioelétrica, tem-se a seguinte redação: “quem indevidamentedivulga, transmite a outrem ou utilizaabusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro”. (destaquei)
A doutrina sustenta que essa parte se aplica somente a pessoas que não exerçam função pública relacionada à transmissão da mensagem, pois, neste caso, pratica o crime do art. 56, § 1º, da Lei n. 4.117/62. Portanto, quando o art. 151, § 1º, II, do Código Penal diz haver crime por parte de quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, o “quem” se refere a pessoas comuns, que não seja servidor público que trabalhe com transmissão da mensagem.
Código Penal
Lei n. 4.117/62
Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º – Na mesma pena incorre: Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônicaII – quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;
Art. 56. Pratica crime de violação de telecomunicação quem, transgredindo lei ou regulamento, exiba autógrafo ou qualquer documento do arquivo, divulgue ou comunique, informe ou capte, transmita a outrem ou utilize o conteúdo, resumo, significado, interpretação, indicação ou efeito de qualquer comunicação dirigida a terceiro. § 1º Pratica, também, crime de violação de telecomunicações quem ilegalmente receber, divulgar ou utilizar, telecomunicação interceptada.
Comunicação telegráfica consiste no envio e recebimento de informações por intermédio da telegrafia.
Telegrafia, consoante art. 4º da Lei n. 4.117/62, é o processo de telecomunicação destinado à transmissão de escritos, pelo uso de um código de sinais.
Comunicação radioelétrica se refere ao envio e recebimento de mensagens por intermédio de ondas eletromagnéticas, o que dispensa o uso de fios.
O tipo penal exige que o agente divulgue, transmita a outrem ou utilize abusivamente a comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigia a terceiro.
Divulgar consiste em dar publicidade, tornar público. Transmitir é repassar, enviar para outra pessoa. Utilizar quer dizer usar, fazer uso.
A divulgação, a transmissão ou a utilização devem ser feitas de forma abusiva, ou seja, em desrespeito às normas que tratam de telecomunicação. De toda forma, observe que o legislador exige que o uso seja indevido e utilizou também que o uso deve ser abusivo. Ora, se o uso é indevido, necessariamente, será abusivo, razão pela qual essa previsão é desnecessária.
Feitas essas ponderações fica mais fácil demonstrar o raciocínio jurídico da decisão judicial que afirmou que a mera escuta radiofônica de conversação na frequência restrita da Polícia Militar não caracteriza o crime de violação de comunicação radioelétrica.
Observe que o art. 151, § 1º, II, do Código Penal em nenhum momento tipifica a conduta de ouvir ou tomar conhecimento, indevidamente, de conteúdo falado na frequência de rádio que seja fechada, como a da Polícia Militar que, em tese, deve ser restrita somente para os militares que estejam trabalhando, por questões estratégicas e de segurança[8]. O tipo penal tipifica como crime somente a conduta de divulgar, transmitir ou utilizar indevidamente a comunicação radioelétrica.
A utilização referenciada no tipo penal para caracterizar o crime pode se basear no uso indevido das informações captadas, seja para fins de praticar crimes, de conseguir se esconder da polícia ou qualquer finalidade indevida (não prevista, não autorizada ou vedada por lei), ainda que não haja nenhuma divulgação ou repasse das informações para terceiros, pois essa divulgação ou repasse não são exigidos pelo tipo penal que permite a prática do crime somente com a utilização indevida, abusiva.
Portanto, receber informações da rede rádio da frequência da Polícia Militar e utilizar essas informações, indevidamente, caracteriza o crime do art. 151, § 1º, II, do Código Penal, o que ocorre, comumente, quando criminosos escutam a rede rádio da Polícia Militar.
Por outro lado, caso os envolvidos ouçam a rede rádio da Polícia Militar, simplesmente, por ouvir, sem o uso indevido das informações, não há crime.
Diante desse panorama, no caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul[9], ficou demonstrado nos autos que os réus somente estavam ouvindo a rede rádio na frequência da Polícia Militar (Brigada Militar), sem prova de que fizeram o uso indevido das informações obtidas ou que divulgaram ou transmitiram a terceiros.
Como a conduta de somente ouvir a rede rádio da Polícia Militar, sem praticar mais nenhum ato, é atípica (não existe previsão legal de que seja crime), os réus foram absolvidos.
Portanto, nessas situações, os agentes devem ser presos por praticarem o crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62 ou do art. 183 da Lei n. 9.472/97, sendo mais factível prender pelo art. 70 da Lei n. 4.117/62 e conduzir à Polícia Federal, uma vez que este crime não exige a habitualidade, que deve ser comprovada para efetuar a prisão e, geralmente, a prova decorre de uma investigação realizada pela autoridade de polícia judiciária. No caso do art. 70 da Lei n. 4.117/62 é suficiente a mera instalação ou utilização de telecomunicações sem a observância das normas pertinentes, o que pode ser comprovado de pronto em uma ocorrência policial. Em todo caso o aparelho utilizado irregularmente deve ser apreendido pelos policiais, por constituir a própria materialidade da infração penal (art. 6°, II, do CPP).
[1] STF – HC: 93870 SP – SÃO PAULO 0000691-04.2008.0.01.0000, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 20/04/2010, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-168 10-09-2010.
STF – HC: 115137 PI, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 17/12/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-030 DIVULG 12-02-2014 PUBLIC 13-02-2014.
[2] AgRg no REsp 1748368/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 22/11/2018.
[3] TRF-4 – ACR: 50003124620144047017 PR 5000312-46.2014.4.04.7017, Relator: CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Data de Julgamento: 06/03/2017, SÉTIMA TURMA.
[4] TRF-4 – ACR: 50007549620104047002 PR 5000754-96.2010.4.04.7002, Relator: VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Data de Julgamento: 09/10/2013, OITAVA TURMA.
[5] TRF-3 – ACR: 00007554620074036115 SP 0000755-46.2007.4.03.6115, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, Data de Julgamento: 01/03/2016, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/03/2016.
[6] TRF-1 – APR: 00002257420144014103, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO, Data de Julgamento: 02/02/2021, QUARTA TURMA.
[7] TJ-RS – RC: 71003575792 RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Data de Julgamento: 26/03/2012, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/03/2012.
[9] TJ-RS – RC: 71003575792 RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Data de Julgamento: 26/03/2012, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/03/2012.
O policial que atua na rua deve, na maioria absoluta dos casos, limitar-se a realizar uma análise de tipicidade formal, em razão do princípio da legalidade (art. 37 da CF), por razões de segurança jurídica e pelo fato do policial que trabalha na rua realizar a captura e condução de um autor de infração penal, pois a prisão propriamente dita, de um autor em flagrante delito, cabe ao Delegado de Polícia, isso porque a prisão em sentido amplo subdivide-se em várias fases, que, a despeito das controvérsias doutrinárias, pode ser subdividida em captura, condução do preso ao Delegado de Polícia, lavratura do auto de prisão em flagrante e encarceramento.
A análise fática e jurídica da prática do crime cabe ao Delegado de Polícia (art. 2º, § 6º, da Lei n. 12.830/13), que é a autoridade competente para realizar a Verificação de Procedência das Informações – VPI – de possível prática de infração penal (art. 5º, § 3º, do CPP) e proceder à investigação criminal (art. 144, § 4º, da CF).
O policial que trabalha na rua comunica ao Delegado de Polícia a possível prática de infração penal (tipicidade formal) e deve, sempre que possível e houver situação de flagrante delito, como regra, conduzir os envolvidos (autor, vítima e testemunhas) até a Delegacia de Polícia. O policial que trabalha na rua, na grande maioria dos casos, o policial militar, realiza a prisão-captura (captura), cabendo ao delegado de polícia realizar a prisão propriamente dita, no caso, prisão em flagrante, sendo a captura somente uma das fases da prisão em flagrante..
Do contrário – policial na rua realizar ampla análise do tipo penal -, além de ferir o princípio da legalidade que rege o serviço público e dispõe que ao servidor público somente é possível fazer o que encontra previsão em lei, e não há previsão em lei que o policial que trabalha na rua pode realizar análise ampla do tipo penal e deixar de conduzir os envolvidos, pelo contrário, deve apresentá-los ao Delegado de Polícia, na forma do art. 304 do Código de Processo Penal que trata da apresentação do preso à autoridade competente, que ouvirá, inclusive as testemunhas, causaria uma grave insegurança jurídica, pois a análise ampla do tipo penal permite inúmeras soluções e cada policial poderia resolver ocorrências das mais variadas formas, o que prejudicaria, inclusive, eventual necessidade de produção de prova, que é uma das finalidades do flagrante delito.
Portanto, o policial que trabalha na rua deve aplicar o princípio da legalidade em sua acepção estrita (princípio da legalidade em sentido estrito) e analisar a tipicidade formal.
A análise da tipicidade formal consiste no enquadramento entre o fato e a norma. Há uma adequação da conduta ao tipo penal. Exemplificativamente, se uma pessoa subtrai um objeto alheio, tal fato subsome-se ao art. 155 do Código Penal que prevê o crime de furto, que consiste em “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Independentemente, das circunstâncias em que este furto ocorreu, se decorreu de estado de necessidade (furto famélico), se o objeto é insignificante, se o agente incidiu em erro de tipo e pegou um objeto que acreditava ser seu, o enquadramento no art. 155 do Código Penal existe, pois decorre de uma mera tipicidade formal.
A aplicabilidade de princípios, como o da insignificância e da adequação social, a intervenção mínima do direito penal, a teoria da tipicidade conglobante, dentre outros, podem ser aplicados, como regra, pelo Oficial da Instituição Militar enquanto autoridade de polícia judiciária, pelo Delegado de Polícia, Promotor de Justiça e o Juiz, o que não será objeto de análise neste momento, pois o foco deste texto é a atuação do policial na rua.
A análise a ser feita decorre da teoria tripartite do tipo penal, em razão da adoção do conceito analítico de crime para analisar os substratos do crime.
Quando se fala em prática de um crime não se deve “fechar os olhos” para a análise exclusiva e isolada de um artigo do Código Penal ou de uma lei que possua a previsão de crimes. A análise é complexa e perpassa pela análise de todos os seus substratos, além da punibilidade, como é o caso de crimes que o próprio Código Penal já concede, antes mesmo da prática do crime, o perdão legal (art. 181 do CP).
Como exposto, o policial, como regra, deve analisar somente a tipicidade formal. Portanto, ainda que uma pessoa furte um real, o policial deve efetuar a prisão em flagrante e conduzir à Delegacia de Polícia. Não cabe ao policial que trabalha na rua aplicar o princípio da insignificância e liberar o agente, pois causaria imensa insegurança jurídica e violaria o princípio da legalidade estrita. A análise é da tipicidade formal. O policial na rua, como regra, não analisa os demais substratos do fato típico nem a ilicitude nem a culpabilidade.
Ocorre que em situações manifestamente pacificadas é possível que o próprio policial que trabalha na rua visualize a prática de um fato que, em tese, seria considerado crime, mas aplique excludentes do crime, princípios, teorias, doutrina, jurisprudência, imunidades penais e que realize o controle de constitucionalidade durante a atuação na rua.
O objetivo não é discorrer sobre toda a teoria do crime para explicar os casos em que o policial pode acolher uma excludente, um princípio, uma teoria, pois tornaria o texto muito extenso. Dessa forma, passaremos direto para citar quais são as causas que excluem o crime, os princípios, teorias, imunidades e os pontos relevantes do direito que permitem ao policial deixar de prender na ruaem razão da aplicação de princípios, teorias, doutrina, jurisprudência, imunidades penais e controle de constitucionalidade.
Antes, porém, é importante demonstrar em tabela os substratos do crime e seus elementos. Cada substrato possui elementos próprios que devem estar presentes para que o substrato se perfaça.
Para que haja um crime é necessário que se faça presente os seguintes substratos do crime: fato típico, antijurídico e culpável (teoria tripartite do crime).
Fato típico
Antijurídico
Culpável
a) Conduta (dolo ou culpa); b) Resultado; c) Nexo Causal; d) Tipicidade.
Contrariedade da conduta com o ordenamento jurídico.
a) Imputabilidade; b) Potencial Consciência da ilicitude; c) Exigibilidade de conduta diversa.
Presentes todos os elementos dos substratos do crime e ausente causas que impeçam a punição, como as imunidades previstas no art. 181 do Código Penal, é possível afirmar que o agente deve ser punido criminalmente.
Ocorre que há causas que excluem o crime, por eliminar a presença de algum dos elementos do substrato do crime, seja em razão de previsão em lei ou como decorrência de aplicação de princípios e teorias.
A seguir citaremos exemplos de situações que o policial pode, na rua, aplicar princípios e teorias para deixar de efetuar a prisão-captura.
a) Princípio da adequação social
A aplicação do princípio da adequação social exclui a tipicidade material e em algumas situações manifestamente claras e pacíficas o policial pode aplicar esse princípio na rua Tome como exemplo o policial que visualiza um bebê tendo a orelha furada na farmácia para colocar um par de brincos que, em tese, seria a prática de lesão corporal, contudo deixa de ser crime em razão da adequação social. Outro exemplo consiste na visualização por policiais de pessoas nuas em uma praia de nudismo o que, em tese, seria crime de ato obsceno, contudo em razão do princípio da adequação social, o fato se torna atípico. O mesmo raciocínio se aplica aos casos de desfile de escolas de samba durante o carnaval, em que a polícia visualiza uma mulher com os seios expostos, mas nada faz, em razão da adequação social.
b) Consentimento do ofendido
O consentimento do ofendido pode ser causa supralegal de exclusão da ilicitude, quando o dissentimento (não concordância, divergência) não constituir o tipo penal. Caso integre o tipo penal excluirá o próprio tipo penal (causa de exclusão do tipo penal).
Tome como exemplo o policial que visualiza uma pessoa, durante o desenho de uma tatuagem, sentir dores, contudo foi por ela autorizada a realização da tatuagem. O policial não deverá prender o tatuador, sequer é necessário o registro de ocorrência, em razão do consentimento do ofendido (causa supralegal de exclusão da ilicitude).
Na hipótese em que uma pessoa ingressar em uma casa, com a autorização do morador, pelo fato do dissentimento constituir o tipo penal, haverá a exclusão do próprio tipo penal, mais especificamente, da tipicidade formal. O mesmo raciocínio se aplica nas relações sexuais consentidas.
c) Exercício regular de um direito e estrito cumprimento do dever legal
O exercício regular de um direito e o estrito cumprimento do dever legal excluem a ilicitude. Aplicando-se a teoria da tipicidade conglobante o exercício regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal excluem a própria tipicidade.
Exemplo 01: O policial é acionado em um hospital pelo fato de o médico ter realizado aborto em uma mulher vítima de estupro. O policial não deverá prender o médico por ter atuado no exercício regular de um direito. Destaco que sequer é necessária autorização judicial para o médico realizar o aborto nesses casos.
Exemplo 03: Oficial de justiça adentra à residência de uma pessoa para proceder à penhora de bens determinados judicialmente. O morador, inconformado, aciona a polícia. O policial não deverá prender o oficial de justiça, que agem em estrito cumprimento do dever legal.
Exemplo 04: Um policial efetua a prisão em flagrante delito de um agente que, posteriormente, é encarcerado. Deve o colega policial efetuar a prisão do policial que prendeu o agente por sequestro? Óbvio que não, pois atuou no estrito cumprimento do dever legal.
Exemplo 05: uma pessoa invade o imóvel de uma família que viaja por um período de 03 (três) meses. Essa pessoa passa a usar o imóvel como se fosse seu e no retorno da família se deparam com um desconhecido dentro do imóvel, ocasião em que o retiram a força, sem registrar ocorrência e sem procurar a polícia. O invasor aciona a polícia. Deverá a polícia efetuar a prisão dos familiares por exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP)? Não, pois a lei permite o desforço imediato (art. 1.210, § 1º, do CC) e o próprio crime de exercício arbitrário das próprias razões destaca que não há crime quando a própria lei permite a ação pelo particular para satisfazer direito próprio. Trata-se de exercício regular do direito.
d)Excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa
A inexigibilidade de conduta diversa exclui a culpabilidade.
O conflito de deveres é uma causa supralegal de exclusão da culpabilidade e ocorre quando uma decisão deve ser tomada em curto tempo, quando existe a obrigação de atuar para proteger, cuidar, amparar ou evitar resultados danosos para os bens jurídicos envolvidos, sendo que no caso concreto, não é possível tutelar todos os bens jurídicos.
Exemplo: Durante a pandemia decorrente da Covid-19 chegam ao hospital dezenas de pessoas com coronavírus para serem atendidas, mas há somente 10 leitos de UTI, sendo necessários 15 leitos. Os médicos vão examinar os pacientes e decidir quais serão internados, não sendo possível atender a todos. Há conflito de deveres, pois os médicos possuem obrigação de atender a todos, mas não há condições logísticas que possibilitem o atendimento de todos. O mesmo ocorre em uma situação em que há duas pessoas feridas, mas o médico só consegue atender e transportar uma. Nessas situações, o policial não deve efetuar a prisão do médico em razão do conflito de deveres (inexigibilidade de conduta diversa).
A inexigibilidade de conduta diversa pode ser aplicada também quando em uma pequena cidade do interior não há efetivo policial suficiente, como dois, três ou quatro policiais que trabalham em um turno de madrugada, e ocorre um assalto ao banco, que conta com dezenas de assaltantes fortemente armados. Nesse caso os policiais, em que pese possuírem a obrigação de agir e de enfrentarem o perigo, não devem se deslocar para a ocorrência e confronto e ainda que seja possível chegar ao banco com os infratores dentro enquanto saqueiam os cofres do banco, devem pedir e aguardar apoio, pois não se exige do policial atitudes de super-herói e que exponha a vida a um risco extremamente elevado. A suficiência de força para a atuação policial é pressuposto básico de segurança e para a atuação policial.
No exemplo acima, deve o superior, ao chegar à ocorrência, efetuar a prisão dos policiais por não terem se deslocado à ocorrência e deixado de evitar o resultado e responderem, consequentemente, pelo resultado (furto ou roubo) ou a depender do caso, prevaricação, desde que comprovado o interesse ou sentimento pessoal ao não atuarem? A resposta é, obviamente, negativa, em razão da inexigibilidade de conduta diversa. Pode-se entender também que nesse caso a omissão não foi penalmente relevante (art. 13, § 2º, CP e art. 29, § 2º, do CPM), pois é requisito para a relevância da omissão que o agente garantidor, além de dever agir, possa agir. No caso, como demonstrado, os policiais não podiam agir em razão da insuficiência de força e pelo fato de, obviamente, o Código Penal Comum e Militar não terem exigido dos policiais força sobrenatural, atitude de super-herói e exposição elevadíssima a risco de vida, que extrapole a natureza das atividades policiais. Não se nega que a atividade policial possui risco de vida, o que é inerente à atividade, contudo esse risco deve ser proporcional, sendo inimaginável dois, três ou quatro policiais, sozinhos, sem apoio, com armamentos aquém dos necessários irem para o combate com dezenas de assaltantes fortemente armados.
e) Imunidade penal
O Código Penal prevê no art. 181 que os cônjuges, durante o casamento, e os filhos, netos (descendentes), pais, avós (ascendentes), que praticarem crimes patrimoniais, uns contra os outros, são isentos de pena.
Trata-se de imunidade penal absoluta, chamada também por outros nomes, como escusa absolutória. Escusa no sentido de desculpa, de justificativa. Portanto, quem furta o celular de seu pai ou pega dinheiro escondido na carteira não pode ser punido.
Há crime, mas não é possível haver instauração do inquérito policial e muito menos do processo penal. O crime existe, mas não há qualquer possibilidade do agente que praticou o crime ser punido.
O legislador optou, por questões de política criminal, em uma ponderação de valores, por valorizar as relações familiares, sendo que essas questões podem ser resolvidas “em casa”, sem a presença do estado, mormente para impor uma condenação penal que poderá vir a piorar as relações familiares. Nesses casos pode ser necessário tratamento e apoio psicológico, e não uma sentença penal condenatória.
Caso a Polícia Militar seja acionada e seja comprovado na hora que se trata de uma relação familiar, como o exemplo do filho que furtou o pai, sequer o agente que praticou o crime deve ser conduzido para a Delegacia. A condução somente será necessária se os ânimos no local estiverem exaltados, visando a pacificação social, para que a situação não se agrave e caminhe para agressões físicas, podendo acarretar em outros crimes, como lesão corporal.
Em regra, a Polícia Militar deve-se limitar a lavrar o Boletim de Ocorrência, relatar todo o fato e juntar cópia de documento que comprove a relação de parentesco.
Ainda que estejam presentes as relações familiares acima mencionadas, se o crime patrimonial é de roubo, extorsão ou quando há emprego de grave ameaça ou violência à pessoa ou a vítima possui idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, o agente que praticou o crime será processado normalmente e poderá sofrer uma condenação penal, não havendo nenhuma imunidade. Não se aplica a imunidade, também, a outra pessoa que participe do crime e não possua o vínculo familiar exigido pela lei (art. 183 do CP). Logo, nesses casos, a prisão-captura e condução para a Delegacia é inevitável.
Dentre os vários crimes que admitem a aplicação da imunidade penal absoluta, cito os principais: furto (art. 155); apropriação indébita (art. 168); estelionato (art. 171) e receptação (art. 180).
f) Controle de constitucionalidade
O policial na rua pode, até mesmo, realizar controle de constitucionalidade, em situações manifestamente absurdas, e deixar de efetuar prisões, o que deve ocorrer nas hipóteses de inconstitucionalidade formal orgânica, em que um município, por exemplo, legisla para criar determinados crimes, o que fere a competência privativa da União (art. 22, I, da CF).
O exemplo pode aparecer absurdo e meramente doutrinário, contudo no Brasil há 5.570 municípios e já houve um caso em que o município de Aporá, no Estado da Bahia, editou a Lei n. 045/2011 para alterar o inciso IV do art. 29 e art. 29-A da Constituição Federal para aumentar o número de cadeiras da Casa Legislativa de Aporá, de 09 (nove) para 11 (onze), e diminuir o percentual do repasse duodecimal à Câmara de Vereadores, tendo por parâmetro não o quantitativo populacional, como previsto na Constituição Federal, mas a receita anual do Município.
Em Novo Gama, no Estado de Goiás, a Lei n. 1.515/2015 proibiu qualquer manifestação pública que fira ou afronte a fé cristã e que o descumprimento a essa lei configuraria, automaticamente, o crime de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo, o que veio a ser julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, por ter usurpado competência da União.[1]
Tome como exemplo os vereadores de um município preocupados com a soltura de pipas na cidade, com a participação de adultos, decidem criar o crime de “soltar pipa” e em um determinado dia a polícia é acionada em razão da prática desse crime. O policial não deverá prender em flagrante quem estiver soltando pipa, face à manifesta e escandalosa inconstitucionalidade formal orgânica da lei municipal que legislou sobre direito penal incriminador.
Outro exemplo consiste na hipotética criação de crime por decreto municipal. Imagine que um prefeito de um determinado município após expedir diversas medidas com o fim de conter o avanço da Covid-1919 cria um tipo pena próprio, mediante decreto municipal, para o caso de descumprimento das medidas estabelecidas. Trata-se de uma criação, que nem assim se pode chamar, teratológica de crime, que jamais deve ser tido como crime por qualquer pessoa, sobretudo policiais, que são agentes da lei e devem cumprir a Constituição Federal. Logo, os policiais não devem prender em flagrante delito pelo crime criado por decreto municipal.
g) Aplicação de jurisprudência pacificada
Nos casos em que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça possuírem jurisprudência pacífica, uniformizada ou julgados que pacifiquem discussões jurídicas, como as súmulas, o policial também pode e deve aplicar o entendimento pacificado nas ruas, que vai implicar no próprio cumprimento do princípio da legalidade, pois aos tribunais superiores cabe pacificar a interpretação da lei e à administração pública cabe seguir os entendimentos jurisprudenciais pacificados, devendo, inclusive, justificar quando não observá-los.[2]
Exemplo 01: O Supremo Tribunal Federal decidiu no Recurso Extraordinário n. 583.523, em repercussão geral, que o art. 25 da Lei de Contravenções Penais não foi recepcionado pela CF/88 por violar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia.
Art. 25. Ter alguém em seu poder, depois de condenado, por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima:
Pena — prisão simples, de dois meses a um ano, e multa de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Logo, os policiais, na rua, não devem efetuar prisões (prisão-captura) em razão da prática dos fatos previstos no art. 25 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688/41).
Exemplo 02: A jurisprudência é pacífica que o exercício da atividade de flanelinha, sem registro perante os órgãos oficiais, não é infração penal (STF, HC 115046/MG e STJ, RHC 88.815/RJ). Dessa forma, o policial, na rua, ao se deparar com o flanelinha exercendo a sua atividade de lavador de veículo não deve conduzi-lo pela contravenção penal prevista no art. 47 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688/41).
Considerações finais
Na prática, no dia a dia, o policial na rua por diversas vezes já aplica princípios, teorias e jurisprudência, mesmo sem saber que assim está procedendo.
Há situações limítrofes e que geram dúvidas se o policial pode ou não prender, como o que tem ocorrido no país em razão das proibições do uso de máscara e outras medidas preventivas para conter o coronavírus. Há entendimentos que o descumprimento caracteriza o crime do art. 268 do Código Penal (infração de medida sanitária preventiva), mas há corrente em sentido contrário. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça ainda não pacificaram a controvérsia. Os policiais devem somente orientar a cumprir as medidas ou já deve de pronto realizar a condução pelo crime do art. 268 do Código Penal? Na prática tem ocorrido as duas situações, em razão das divergências jurídicas.
E quanto à contravenção penal de vadiagem, o policial deve prender?
Entendo que o policial não deve efetuar a prisão-captura do agente que praticar o art. 59 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688/41), em razão de sua manifesta não recepção (inconstitucionalidade), em razão da dignidade da pessoa humana, direito às diversas liberdades públicas, direito à autonomia da vontade, princípio da intervenção mínima do direito penal e princípio da lesividade. Além do mais, trata-se de uma infração penal destina aos pobres, em um país com tanta pobreza e altíssimos índices de desemprego, o que permitira a aplicação de um inconcebível Direito Penal para os Pobres.
Art. 59. Entregar-se alguem habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses.
Parágrafo único. A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena.
Enfim, o presente artigo não tem por finalidade exaurir todas as possibilidades, mas somente levar à reflexão e demonstrar que o policial na rua não é engessado a ponto de não poder, em nenhuma hipótese, aplicar princípios, doutrina, teorias – como a da imputação objetiva -, jurisprudência, realizar o controle de constitucionalidade. Há situações pacíficas e manifestamente claras que o policial pode e deve atuar não só de acordo com a tipicidade formal, como foi demonstrado, mas de acordo com todo o ordenamento jurídico.
[1] MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 431 GOIÁS
[2]Art. 50, VII, da Lei n. 9.784/99 c/c art. art. 24, parágrafo único, do Decreto-Lei n. 4.657/42.
O Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN – é um órgão ou entidade executiva de trânsito e possui as atribuições elencadas no art. 221 do Código de Trânsito Brasileiro, como cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito das respectivas atribuições; realizar, fiscalizar e controlar o processo de formação, aperfeiçoamento, reciclagem e suspensão de condutores, expedir e cassar Licença de Aprendizagem, Permissão para Dirigir e Carteira Nacional de Habilitação, mediante delegação do órgão federal competente; estabelecer, em conjunto com as Polícias Militares, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito, dentre outras.
O Código de Trânsito Brasileiro – Lei n. 9.503/97 – não utiliza o nome Departamento Estadual de Trânsito para se referir ao órgão executivo de trânsito estadual, em que pese ser comum, em razão de assim ter sido previsto no revogado Código Nacional de Trânsito, em seu art. 102, o que não impede que cada estado, dentro de suas atribuições e poder de organização administrativa atribua nome diverso, na forma do art. 8º3 do CTB.
Em que pese o Departamento de Trânsito ser um órgão que colabora com a segurança pública, ao fiscalizar o cumprimento da legislação de trânsito e adotar medidas que visem a prevenção e a redução da violência no trânsito, não consta no rol do art. 144 da Constituição Federal, razão pela qual não pode ser inserido pelos estados como um órgão policial de segurança pública.
Os Estados-membros devem seguir o modelo federal previsto no art. 144 da Constituição Federal, que é norma de observância obrigatória e estabelece um rol taxativo dos órgãos de segurança pública, além de definir a atribuição de cada um deles.
O Supremo Tribunal Federal assentou que “Os Estados-membros, assim como o Distrito Federal, devem seguir o modelo federal. O art. 144 da Constituição aponta os órgãos incumbidos do exercício da segurança pública. Entre eles não está o Departamento de Trânsito. Resta, pois, vedada aos Estados-membros a possibilidade de estender o rol, que esta Corte já firmou ser numerus clausus, para alcançar o Departamento de Trânsito.”4
Assim, o Departamento de Trânsito não pode constituir-se em um órgão autônomo de segurança pública dos estados, e Minas Gerais é o único estado em que o DETRAN integra a Polícia Civil, sendo uma autarquia nos demais estados, em que pese haver um movimento em Minas Gerais para que o DETRAN se torne uma autarquia.
A Constituição do Estado de Minas Gerais prescreve no art. 139, III, ser atribuição da Polícia Civil o registro e licenciamento de veículo automotor e habilitação de condutor.
A Lei Orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais – Lei Complementar n. 129/13, por sua vez, estrutura o Departamento de Trânsito de Minas Gerais – Detran-MG (art. 37)5.
Ocorre que a Constituição Federal em seu art. 144, § 4º dispõe que à Polícia Civil incumbe, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Nota-se que a Polícia Civil possui constitucionalmente as funções de polícia judiciária e investigativa, sem que haja previsão de atribuição de trânsito, razão pela qual é inconstitucional a norma contida na Constituição do Estado de Minas Gerais que autoriza a Polícia Civil ser a responsável pelo registro e licenciamento de veículo automotor e habilitação de condutor.
Da mesma forma é inconstitucional a previsão contida na Lei Orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais que subordina o Detran à Polícia Civil mineira, ainda que esteja de acordo com a Constituição Estadual. Deve-se analisar se a lei ou a previsão contida na Constituição Estadual está de acordo com a Constituição Federal.
Os Estados possuem capacidade de auto-organização e organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios da Constituição Federal (art. 25 da CF).
A Constituição Federal concedeu a capacidade de auto-organização aos estados, mas impôs limites ao mencionar que a auto-organização deve observar os princípios da Constituição Federal.
Dessa maneira, o poder constituinte derivado decorrente, que consiste no poder de os estados fazerem suas próprias constituições, possui limites, que subdividem-se em princípios constitucionais sensíveis, princípios constitucionais estabelecidos e os princípios constitucionais extensíveis.
Os princípios constitucionais sensíveis encontram-se previstos expressamente na Constituição Federal (art. 34, VII, a-e)6 e a violação destes enseja intervenção federal.
Os princípios constitucionais estabelecidos limitam a capacidade de auto-organização dos estados e subdividem-se em limites explícitos vedatórios; limites explícitos mandatórios; limites inerentes e limites decorrentes.7
Pedro Lenza8 explica que os limites explícitos vedatórios proíbem os Estados de praticarem atos ou procedimentos contrários ao fixado pelo poder constituinte originário – exs.: arts. 19, 35, 150, 152; que os limites explícitos mandatórios restringem a liberdade de organização dos estados – exs.: arts. 18, § 4.°, 29, 31, § l.°, 37 a 42, 92 a 96,98, 99, 125, § 2.°, 127 a 130, 132, 134, 135, 144, IV e V, §§ 4.º a 7º; que os limites inerentes implícitos ou tácitos vedam qualquer possibilidade de invasão de competência por parte dos Estados-Membros; que os limites decorrentes advêm de disposições expressas. Exs.: necessidade de observância do princípio federativo, do Estado Democrático de Direito, do princípio republicano (art. 1º, caput), da dignidade da pessoa humana (art. 1.°, III); da igualdade (art. 5º, caput), da legalidade (art. 5º, II); da moralidade (art. 37), do combate a desigualdades regionais (art. 43) etc.
Nota-se que a liberdade de organização dos estados quanto às atribuições da Polícia CIvilé restrita ao disposto na Constituição Federal, em razão dos limites explícitos mandatórios.
Os princípios constitucionais extensíveis tratam das normas que organizam a estrutura federativa do Brasil, como as normas que tratam das eleições (arts. 28 e 77); normas sobre o funcionamento do TCU (art. 75); normas sobre o processo legislativo (art. 59); normas para criação de CPI (art. 58, § 3º); normas sobre os princípios que regem a Administração Pública (art. 37).
Os estados possuem autonomia, no entanto, devem observar os limites impostos constitucionalmente.
Compete à União legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, XI, da CF) e o Código de Trânsito Brasileiro ao tratar da composição do Sistema Nacional de Trânsito elencou diversos órgãos e entidades (art. 7º), dentre os quais não se inclui a Polícia Civil.
Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:
I – o Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo;
II – os Conselhos Estaduais de Trânsito – CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal – CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores;
III – os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
IV – os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
V – a Polícia Rodoviária Federal;
VI – as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e
VII – as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI.
Ao inserir a Polícia Civil no exercício do poder constituinte derivado decorrente ou mediante lei estadual, no rol do Sistema Nacional de Trânsito, incide em dupla e manifesta inconstitucionalidade, por violar a competência da União para legislar sobre trânsito e por ampliar as atribuições constitucionais da Polícia Civil.
De mais a mais, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.182, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei Orgânica do Distrito Federal que inseria o Detran como um dos órgãos de segurança pública, sendo que o rol previsto no art. 144 da Constituição é taxativo. Assim, conceder as atribuições do Detran à Polícia Civil, que não pertence ao Sistema Nacional de Trânsito, constitui uma forma de, por vias transversas, inseri-lo no rol de órgãos de segurança pública, sem alterar a Constituição Federal.
A respeito do assunto, precisas são as lições de Gustavo Dayrell9, que abordou o tema no artigo “A inconstitucionalidade do exercício de atividades de trânsito pela Polícia Civil de Minas Gerais e a desvinculação do Detran”.
Todos os demais entes adotam organização administrativa diversa, predominando o modelo autárquico. O Estado de São Paulo foi o último a proceder à desvinculação, transformando o órgão de trânsito em autarquia por meio da Lei Complementar nº 1.195 de 17 de janeiro de 2013.
Não sem razão, já que a polícia judiciária não tem atribuição para exercício de atividades típicas de trânsito, motivo pela qual a referida vinculação é inconstitucional.
O artigo 144, §4º da Constituição Federal de 1988 preceitua incumbirem à polícia civil as “funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais”, não deixando qualquer margem para desvio de sua atividade finalística.
Exatamente por isso, foi excluída pelo Código de Trânsito Brasileiro do SNT, conforme se extrai do rol taxativo do artigo 7º, incisos I ao VII, vejamos:
Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:
I – o Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo;
II – os Conselhos Estaduais de Trânsito – CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal – CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores;
III – os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
IV – os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
V – a Polícia Rodoviária Federal;
VI – as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal;
VII – as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI.
Ressalte-se, por relevante, que a Constituição Mineira foi publicada quando estava em vigor o antigo Código de Trânsito (Lei 5.108, de 21 de setembro de 1966) e esse não relacionava quais entes faziam parte do Sistema Nacional de Trânsito. Porém, o Código de Trânsito de 1997 elencou quais os entes podem fazer parte do referido sistema e, conforme visto, excluiu a Polícia Civil.
Assim, a atribuição de atividades de trânsito à polícia judiciária malfere o artigo 7º, incisos I ao VII, do CTB e, por consectário, a competência privativa da União para legislar sobre trânsito (artigo 22, XI da CF/88). Não obstante, viola o próprio artigo 144, §4º da CF/88, que não autorizou o exercício de atribuições diversas da apuração de infrações penais.
Com o advento da Emenda Constitucional n. 82/2014, a segurança viária passou a constar no Texto Constitucional, sendo assim previsto:
I – compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 82, de 2014)
II – compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 82, de 2014)
A segurança viária integra a segurança pública, na medida em que é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas.
A atribuição para o exercício da segurança viária compete aos órgãos ou entidades executivos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e seus agentes de trânsito, estruturados em carreira, o que não afasta as atribuições dos demais integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, como a Polícia Militar, em cuidar da segurança viária nem da Guarda Municipal, conforme já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal10.
O órgão executivo estadual a que se refere o inciso II, § 10º, do art. 144 da Constituição Federal abrange o Departamento Estadual de Trânsito, que em Minas Gerais, vincula-se à Polícia Civil (art. 37 da Lei Complementar n. 129/13).
Nota-se que pela literalidade da Constituição Federal e diante da realidade de Minas Gerais criou-se, dentro da Polícia Civil, que possui atribuições de polícia judiciária e investigativa, inconstitucionalmente, a carreira de agente de trânsito, o que na prática não existe, mas tornou-se possível caso entenda que é constitucional a manutenção do Detran “dentro” da Polícia Civil.
Em razão da autonomia dos entes federativos estaduais, cabe aos estados se organizarem para implementarem a carreira de agente de trânsito estadual. No Distrito Federal os agentes de trânsito são concursados e vinculados ao Departamento de Trânsito.
Deve-se destacar ainda que a liberação dos policiais civis que se dedicam às atividades do Departamento de Trânsito em Minas Gerais, na capital e nas cidades do interior, aprimorará os serviços da atividade-fim, já que haverá um maior tempo para se dedicarem às atividades de polícia judiciária e investigativas, além de aumentar o número de policiais civis na atividade-fim.
Além do mais, a partir do momento em que um órgão se especializa em uma determinada atividade e se dedica exclusivamente a ela há uma melhoria na qualidade da prestação do serviço público.
Afora o argumento constitucional, conforme demonstrado, há nítido interesse público em retirar dos policiais civis as atribuições de trânsito, de forma que estes se dediquem às atribuições constitucionais da Polícia Civil e conceder essas atribuições a uma autarquia que se dedicará às atividades do Departamento de Trânsito. Politicamente, portanto, também é uma medida viável e que atenderá, inclusive, a Lei n. 13.460/17, que trata da qualidade da prestação do serviço público.
Como bem exposto por Gustavo Dayrell11, “a missão constitucional da polícia judiciária é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, voltada à realização da segurança pública e à proteção dos direitos fundamentais, por isso, seu fortalecimento é de interesse de toda sociedade.”
Transformar o Detran de Minas Gerais em uma autarquia significa cumprir a Constituição, melhorar o serviço público de trânsito e da Polícia Civil. Não há prejuízos para a sociedade, somente ganhos.
NOTAS
1Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:
I – cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito das respectivas atribuições;
II – realizar, fiscalizar e controlar o processo de formação, aperfeiçoamento, reciclagem e suspensão de condutores, expedir e cassar Licença de Aprendizagem, Permissão para Dirigir e Carteira Nacional de Habilitação, mediante delegação do órgão federal competente;
III – vistoriar, inspecionar quanto às condições de segurança veicular, registrar, emplacar, selar a placa, e licenciar veículos, expedindo o Certificado de Registro e o Licenciamento Anual, mediante delegação do órgão federal competente;
IV – estabelecer, em conjunto com as Polícias Militares, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;
V – executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis pelas infrações previstas neste Código, excetuadas aquelas relacionadas nos incisos VI e VIII do art. 24, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;
VI – aplicar as penalidades por infrações previstas neste Código, com exceção daquelas relacionadas nos incisos VII e VIII do art. 24, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;
VII – arrecadar valores provenientes de estada e remoção de veículos e objetos;
VIII – comunicar ao órgão executivo de trânsito da União a suspensão e a cassação do direito de dirigir e o recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação;
IX – coletar dados estatísticos e elaborar estudos sobre acidentes de trânsito e suas causas;
X – credenciar órgãos ou entidades para a execução de atividades previstas na legislação de trânsito, na forma estabelecida em norma do CONTRAN;
XI – implementar as medidas da Política Nacional de Trânsito e do Programa Nacional de Trânsito;
XII – promover e participar de projetos e programas de educação e segurança de trânsito de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo CONTRAN;
XIII – integrar-se a outros órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito para fins de arrecadação e compensação de multas impostas na área de sua competência, com vistas à unificação do licenciamento, à simplificação e à celeridade das transferências de veículos e de prontuários de condutores de uma para outra unidade da Federação;
XIV – fornecer, aos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários municipais, os dados cadastrais dos veículos registrados e dos condutores habilitados, para fins de imposição e notificação de penalidades e de arrecadação de multas nas áreas de suas competências;
XV – fiscalizar o nível de emissão de poluentes e ruído produzidos pelos veículos automotores ou pela sua carga, de acordo com o estabelecido no art. 66, além de dar apoio, quando solicitado, às ações específicas dos órgãos ambientais locais;
XVI – articular-se com os demais órgãos do Sistema Nacional de Trânsito no Estado, sob coordenação do respectivo CETRAN.
2Art 10. Os Departamentos Estaduais de Trânsito, órgãos executivos com jurisdição sôbre todo o território do respectivo Estado, deverão dispor dos seguintes serviços, dentre outro: (…)
3Art. 8º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão os respectivos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários, estabelecendo os limites circunscricionais de suas atuações.
4 ADI 1.182, voto do rel. min. Eros Grau, j. 24-11-2005, P, DJ de 10-3-2006
5 Art. 37 O Departamento de Trânsito de Minas Gerais – Detran-MG -, órgão executivo de trânsito do Estado, tem por finalidade dirigir as atividades e serviços relativos ao registro e ao licenciamento de veículo automotor e à habilitação de condutor, nos termos do Código de Trânsito Brasileiro, competindo-lhe:
6 Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
7 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 21ª Edição. Saraiva: São Paulo, 2017. p. 204.
10RE 658570 – É constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas.