O papel da Polícia Militar é muito mais amplo do que atender ocorrências em que haja a prática de crimes, pois a PM atua na preservação da ordem pública, que é um conceito mais amplo do que a prevenção e repressão criminal.
A preservação da ordem pública engloba a convivência pacífica e harmoniosa, a prevenção a ilícitos civis e criminais, o bom convívio social.
A convivência em sociedade permite situações conflituosas que não possuem repercussão criminal, apenas cível, como os casos de esbulho possessório, em que um terceiro toma ou entra ilegalmente no imóvel fora dos casos que configura o crime de esbulho possessório.
Para que haja o crime de esbulho possessório a invasão deve ocorrer mediante violência a pessoa ou grave ameaça ou mediante concurso de pelo menos três pessoas e devem ter o fim de tomar a posse para si (esbulho possessório), não caracterizando o crime o simples ingresso na propriedade alheia desabitada.
Caso a invasão, ainda que haja somente um agente, ocorra com o fim de esbulho possessório, a uma casa que seja financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação, o crime será o previsto no art. 9º da Lei n. 5.741/71. Em se tratando de invasão, com a intenção de ocupar, terra da União, dos Estados ou dos Municípios, ainda que seja um agente, o crime será o previsto no art. 20 da Lei n. 4.947/66.
Nota-se que em todos os casos deve haver a intenção de ocupar o imóvel e não caracteriza o crime de esbulho possessório o simples fato de entrar.
Ingressar ilegalmente em imóvel não caracteriza, necessariamente, o crime de violação de domicílio (art. 150 do CP), pois este tem por finalidade proteger a intimidade (art. 5º, X, da CF), a vida privada, o direito à paz, ao sossego, à tranquilidade como decorrência da inviolabilidade domiciliar, que é um direito fundamental (art. 5º, XI, da CF).
O art. 150, § 4º, I, do Código Penal afirma que a expressão “casa” compreende qualquer compartimento habitado, que significa qualquer espaço destinado à ocupação humana, como casas, apartamentos, quartos de hotel e de motel, barcos, boleia de caminhão, abrigo debaixo de pontes e viadutos etc.
Nesse sentido, tendo em vista o bem jurídico tutelado (privacidade) e que um compartimento desabitado não é considerado “casa” para fins violação de domicílio, caso um agente adentre, sem autorização, em uma casa desabitada, como uma que não tem morador e está à venda, não haverá crime de violação de domicílio. O mesmo raciocínio se aplica a terrenos que estejam à venda.
Diante desse contexto, perceba que é possível a ocorrência de invasão de terreno, imóvel, sem que haja crime, cuja proteção deve ser buscada no direito civil e pode ocorrer, inclusive, imediatamente, sem necessidade de ajuizar ação judicial. O nome disso é desforço imediato.
O desforço imediato (arts. 1.210, § 1º, e 1.224, ambos do Código Civil) consiste na autoproteção de seu imóvel. Isto é, o proprietário de um imóvel pode expulsar uma pessoa que adentre ao seu imóvel utilizando-se da força moderada, ainda que não haja autorização judicial, desde que atue tão logo saiba que seu imóvel foi invadido.
Permitir que o cidadão se utilize do desforço imediato sem que haja um amparo estatal acabará por resultar na prática de crimes, como dano, lesão corporal e até mesmo em homicídio. Além do mais, o cidadão que não puder contar com o apoio do estado para exercer o desforço imediato, acaba tendo o seu direito esvaziado, já que na prática pode ser muito difícil para um particular conseguir retirar outro, pacificamente, de um imóvel invadido.
A Polícia Militar é o contraponto da violência, previne, evita a sua ocorrência quando presente. O papel constitucional e social da Polícia Militar vai muito além de prevenir crimes. A Polícia Militar permite que os cidadãos exerçam os mais diversos direitos no dia a dia ao tutelar a ordem pública.
É importante destacar que a Polícia Militar já atua em invasões de terra em cumprimento a ordem judicial, ainda que não decorra de crime. A diferença decorre do fator tempo. O desforço imediato exige a atuação tão logo o proprietário/morador saiba que o imóvel foi invadido. Caso o possuidor do direito não se utilize do desforço imediato terá que ingressar com uma ação possessória e a decisão judicial, caso haja necessidade para o seu cumprimento, contará com o apoio da Polícia Militar e o mesmo pode ocorrer para a resolução dos conflitos extrajudicialmente.
Se a Polícia Militar não atuar nesses casos, como o cidadão exercerá o direito ao desforço imediato? Qual órgão do estado concederia esse apoio? Deixar na mão do particular para resolver isso sozinho fomentaria a selvageria. A simples presença da PM, na maioria dos casos, seria suficiente e, se for necessário, está autorizado a usar a força moderada para retirar o(s) invasor(es).
Em uma situação na qual um cidadão entre em uma casa desabitada ou terreno à venda, sem situação que caracterize crime, a Polícia Militar pode ser acionada para apoiar o desforço imediato, que deve ocorrer com a retirada do indivíduo que entrou indevidamente no imóvel, sem que, para isso, faça-se necessário autorização judicial.
Tem-se, portanto, um exemplo de atuação da Polícia Militar em ocorrência de natureza cível.
Na hipótese em que o militar praticar um crime militar e exonerar (der “baixa”) ou for excluído, poderá, enquanto civil, ser processado e julgado perante a Justiça Militar Estadual, pois a qualidade de militar deve ser aferida quando da prática do fato delituoso (tempus delict).
Crime militar cometido por militar no exercício da função. Em homenagem à garantia do juízo natural, a competência deve ser fixada sempre em relação à qualidade que o recorrente apresentava no momento do cometimento do fato, não podendo ser alterada por conta de alteração fática posterior (exoneração).
RHC 20.348-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 24/6/2008.
Não há falar em incompetência da Justiça Militar se, à época dos fatos, o paciente era soldado da Polícia Militar e, no momento da prática dos crimes, se identificou como tal, fazendo uso de arma da corporação e, embora não estivesse fardado, estava acompanhado de outros militares devidamente fardados e em situação que denotava estarem todos em atividade.
STJ – HC 80.461 – MS Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. DJ 19/08/09.
A respeito da possibilidade de civis serem julgados perante a Justiça Militar Estadual ao praticarem fatos definidos como crime no Código Penal Militar, o tema é controverso, mas é pacífico que não praticam crime militar na esfera estadual.
1ª corrente (prevalece): a Constituição Federal define no art. 125, § 4º, que compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e como a Justiça Comum não julga crimes militares, pelo menos em primeira instância, pois em segunda instância nos estados em que não existe Tribunal de Justiça Militar, cabe ao Tribunal de Justiça comum julgar os crimes militares em grau de recurso, não há que se falar em crime militar praticado por civil no âmbito estadual por inexistir órgão competente para processar e julgar civis por crimes militares, o que implica dizer que, por opção política do legislador, civis não praticam crimes militares em nível estadual.
Como o civil não pode ser processado e julgado pela Justiça Militar Estadual, caso pratique determinado delito contra as instituições militares estaduais, será processado na Justiça comum se os fatos por ele praticados encontrarem definição na lei penal comum. É nesse sentido o teor da súmula nº 53 do STJ(“Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime conta instituições militares estaduais”). Na mesma linha, eis o teor da súmula nº 30 do extinto Tribunal Federal de Recursos: “Conexos os crimes praticados por policial militar e por civil, ou acusados estes como coautores pela mesma infração, compete à Justiça Militar Estadual processar e julgar o policial militar pelo crime militar (CPM, art. 9º) e à Justiça Comum, o civil”. (destaque nosso)
A Súmula n. 53 do STJ diz que “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais”, sendo extraída de sua interpretação que para os civis serem julgados por crimes contra as instituições militares estaduais deve haver correspondência do fato típico no Código Penal comum daquele previsto no Código Penal Militar ou que o fato deve ser previsto na legislação penal comum, ainda que não encontre correspondência no CPM. Isto é, o julgamento de civis por crime contra as instituições militares estaduais ocorre somente se houver crime previsto na legislação penal comum, pois não praticam os crimes previstos no Código Penal Militar, já que não são julgados pela Justiça Militar Estadual.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido do civil responder perante a Justiça Comum por crime que atenta contra as instituições militares estaduais, no entanto, deve haver previsão da conduta como infração penal na legislação penal comum.
Com efeito, a Justiça Militar Estadual é competente para julgar militares integrantes das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros, quando pratiquem crimes, na forma do art. 9º, do CPPM.
Não possui competência para julgar civil. Sua competência é mais restrita. Interpretação da Lei Maior. Incidência da Súmula 53 desta Corte Superior de Justiça, segundo a qual “compete à Justiça Comum estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais”.
Destarte, em se tratando de estelionato previdenciário que, em tese, atinge patrimônio da Polícia Militar de São Paulo, está afastada a competência da Justiça Militar da União, por ausência de violação de interesses das Forças Armadas. De outro lado, em se tratando de crime supostamente praticado por civil, também está afastada a competência da Justiça Militar do Estado de São Paulo, ainda que configurada prejuízo ao patrimônio da Polícia Militar daquele Estado, haja vista a redação restritiva do artigo 125, § 4º, da Constituição Federal.
Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária de São Paulo – DIPO 3, o suscitado.
(CC n. 170.531/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 24/6/2020, DJe de 29/6/2020.) (destaque nosso)
2ª corrente (minoritária): essa corrente critica a primeira, pois sustenta que há uma confusão entre o conceito de competência e de crime, pois o órgão julgador não possui nenhuma relação ao se definir se uma conduta é criminosa ou não.
Adriano Alves-Marreiros, Guilherme Rocha e Ricardo Freitas[2] ensinam que:
Não se pode deixar de aplicar a lei por não gostar dela, por não conhecê-la ou por não entendê-la. Não pode deixar, portanto, de ser aplicado o Código Penal Militar, quando há ofensa às instituições militares estaduais, apenas porque a Justiça Militar Estadual não pode julgar civis. Muda a competência, mas não muda a lei, não muda a natureza de crime militar da conduta, como, aliás, ocorre com qualquer outra justiça. Ademais, este posicionamento é reconhecido na Súmula 53 do STJ (de 1992, posterior à Constituição atual), isto é, aquela regra de competência afasta, indiscutivelmente, a aplicação da Lei Adjetiva Castrense, já que esta é aplicável, apenas, nos seus estritos termos (em especial, seu art. 6.º), nos processos perante as Justiças Militares estaduais.
Aliás, a Constituição atribui competência ao STF para processar e julgar os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes comuns. Em geral se entende que, neste dispositivo constitucional, crime comum é aquele que não se caracteriza como crime de responsabilidade, não excluindo, assim, os crimes militares (que, neste caso, fariam parte dos crimes comuns). Mas tal discussão não é relevante em obra que trata de direito penal, até porque o entendimento diverso – o de que, em crimes militares, os comandantes citados não seriam julgados pelo STF – também nos levaria a concluir que se trata de crime militar, só que julgado na própria Justiça Militar. A mesma Carta atribui ao STJ competência para processar e julgar desembargadores federais. Todas essas pessoas não podem, então, ser processadas por crimes militares? Parece ser óbvia a resposta negativa, caso contrário, todos aqueles que têm foro por prerrogativa de função estariam fora do alcance da Lei Penal Militar, podendo cometer condutas delituosas previstas no Código Penal Militar sem consequências penais, ferindo gravemente o princípio da igualdade. (destaque nosso)
O ponto nevrálgico da discussão se consubstancia na possibilidade, ou não, do não-militar praticar ilícito tipificado como crime militar em desfavor de militar do Estado.
Entendemos pela ocorrência desta possibilidade, pelos motivos a seguir aduzidos: primeiro, e conforme já citado, em face da imperatividade da manutenção da regularidade das instituições militares estaduais. Segundo, pela indisponibilidade do Estado na tutela dos bens jurídicos penais militares que, pela natureza de sua constituição, não podem ser disponibilizados como alguns bens tutelados pelo direito penal comum.
Assim, por exemplo, uma facção criminosa que atente contra a vida de um militar do Estado, simplesmente pelo fato deste ser um integrante de uma Instituição Militar Regular, com o único intuito de ofendê-la, não está apenas ofendendo o bem jurídico da vida, mas também o bem jurídico penal militar regularidade das Instituições militares, ocorrendo, portanto o dever de tutela do Estado, preconizado no inciso III do artigo 9º do Código Penal Militar.
(…)
O fundamento de inexistência de prestação jurisdicional da matéria ora em testilha balda-se em deveras inconformidade com os ditames do Estado Democrático de Direito, mormente quanto à ofensa ao contido no artigo 2º da Lex Mater, uma vez que a ausência de tutela pelo Estado-juiz consubstancia em deveras insegurança jurídica ao deixar de providenciar a devida proteção dos bens jurídicos penais militares.
Pelo exposto, cumpre consignar que, em que pese a divisão jurisdicional, compete à justiça comum, comumente denominada de “justiça residual”, a prestação jurisdicional nos casos não amparados pelas Justiças Especializadas.
Por este turno, faz-se pertinente concluir que o foro competente para processar e julgar os civis pela prática de crime militar em desfavor dos militares do Estado é da Justiça Comum. (destaque nosso)
Os argumentos da corrente minoritária são relevantes e nos leva a refletir se não há um equívoco ao afastar a possibilidade de civis serem julgados perante a Justiça Comum pela prática de crime militar.
Ao estudar o histórico de julgados que justificou o Superior Tribunal de Justiça a editar a Súmula n. 53, que dispõe que “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais”, o STJ apresentou três conflitos de competência com as seguintes ementas:
Competência – Crime militar praticado por civil – Art. 125, § 4º, Constituição Federal. Os crimes militares praticados por civil, são de competência da Justiça Comum, face à expressa determinação constitucional (art. 125, § 4°), que não permite à Justiça Militar Estadual processar e julgar partes estranhas à corporação militar. Conflito procedente. (CC 1.258-SP)
Constitucional. Competência. Civil. Prática de crime militar contra instituição militar estadual. 1. A Constituição – art. 125, § 4.0 – confere à Justiça Militar Estadual competência para julgar apenas os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei. 2. Assim, compete à Justiça Comum Estadual julgar civil acusado da prática de crime contra instituições militares estaduais. (CC 1.525-RS)
Constitucional. Crime militar praticado por civil contra policial militar. Competência. À Justiça Militar Estadual não cabe processar e julgar civil, ainda que pela prática de crime contra instituição policial militar – CF, art. 125, § 4!l. Precedentes do STJ. (CC 2.117-RS)
Ao estudar os votos das decisões nota-se claramente que o STJ não disse que civis não praticam crimes militares, pelo contrário, asseverou que civis praticam crimes militares, mas nestes casos devem ser julgados perante a Justiça Estadual.
Trecho do voto no CC 1.525-RS: “Os civis, como deflui da norma, devem ser julgados, mesmo quando acusados de praticarem crimes militares, pela Justiça Comum Estadual.”
A Justiça Comum pode possuir competência para julgar matéria afeta à outra justiça, desde que decorra de previsão constitucional, como ocorre quando a Constituição Federal possibilita que a Justiça Estadual julgue causas trabalhistas quando a comarca não for abrangida pela Justiça do Trabalho (art. 112) e que a lei autorize que causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal (art. 109, § 3º).
Até o advento da Lei n. 13.043/2014 as execuções fiscais propostas pela União, que são de competência da Justiça Federal, eram propostas perante a Justiça Estadual nas cidades que não continham a Justiça Federal.
Destaca-se que a competência da Justiça Comum é residual, face à inexistência de vácuo de competência, logo, toda matéria que não esteja prevista para ser julgada por qualquer outro ramo da justiça, deve ser julgada pela Justiça Comum, como é o caso dos crimes militares praticados por civis. Assim, pode-se afirmar que implicitamente a Constituição Federal determinou que a Justiça Estadual comum julgue os crimes militares praticados por civis contra as instituições militares estaduais.
A aplicação da Súmula n. 53 do STJ como ocorre atualmente e há bastante tempo contradiz o próprio teor da súmula, o que fica comprovado ao se estudar as razões de sua origem, que deixou consignado de forma expressa que os civis que praticam crimes militares no âmbito estadual devem ser julgados pela Justiça Comum.
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A Lei n. 9.472/97 dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, devendo ser observada para que, quem realizar atividade de telecomunicação, não pratique infração penal.
Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza (art. 60, § 1º, da Lei n. 9.472/97).
Em se tratando de radiodifusão, a Lei n. 9.472/97 define como atividade clandestina toda aquela desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de exploração de satélite (art. 184, parágrafo único).
Na atividade policial não é incomum que infratores possuam um Rádio Hand-Talk (HT), um rádio transmissor, para ouvir a frequência da rede rádio da Polícia Militar.
Nesses casos os agentes envolvidos podem praticar o crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62 ou o art. 183 da Lei n. 9.472/97.
Lei n. 4.117/62.
Lei n. 9.472/97
Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos. (Substituído pelo Decreto-lei nº 236, de 28.2.1967) Parágrafo único. Precedendo ao processo penal, para os efeitos referidos neste artigo, será liminarmente procedida a busca e apreensão da estação ou aparelho ilegal. (Substituído pelo Decreto-lei nº 236, de 28.2.1967)
Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.
Perceba que o art. 70 da Lei n. 4.117/62 abrange a “instalação” ou “utilização” de telecomunicação de forma irregular, ao passo que o art. 183 da Lei n. 9.472/97 trata de “desenvolver clandestinamente” atividades de telecomunicação.
Instalar é fazer funcionar, inserir, colocar, montar. Utilizar é fazer uso, usar.
Desenvolver é prosseguir, originar, reproduzir. Clandestino é tudo aquilo que feito às escondias, de forma oculta.
Note que para o crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62 é suficiente que haja a mera instalação ou utilização, o que permite afirmar que basta a prática de uma conduta para a configuração do crime, ao passo que o art. 183 da Lei n. 9.472/97 exige que haja um desenvolvimento clandestino, de onde se extrai a necessidade de haver uma permanência, um prosseguimento, isto é, uma habitualidade, como um uso constante.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “A diferença entre a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações e a do art. 183 da nova lei de Telecomunicações está na habitualidade da conduta. Quando a atividade clandestina de telecomunicações é desenvolvida de modo habitual, a conduta tipifica o disposto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, e não o art. 70 da Lei nº 4.117/62, que se restringe àquele que instala ou utiliza sem habitualidade a atividade ilícita em questão.”[1]
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, possui entendimento no sentido de que a distinção entre os crimes previstos nos artigos 183 da Lei n. 9.472/1999 e 70 da Lei n. 4.117/1962 é a habitualidade. Para a configuração do primeiro exige-se a prática rotineira da conduta de desenvolver atividade de telecomunicação clandestina.[2]
Ambos os crimes são de perigo abstrato, portanto, há a ocorrência da infração penal, independentemente, da demonstração de um perigo concreto, pois o simples descumprimento da lei presume a geração de um perigo.
São crimes formais, pois em que pese ser possível a ocorrência de resultado naturalístico, como a interferência nos meios de comunicação, este não é exigido.
Os tipos penais tutelam a segurança dos meios de comunicação, uma vez que a instalação, o uso e o desenvolvimento clandestino podem acarretar uma série de consequências, como interferir, atrapalhar e gerar uma série de problemas de comunicação entre serviços públicos de emergência, como as viaturas policiais e de regaste do Corpo de Bombeiros Militar, ambulâncias, bem como a regularidade das comunicações decorrentes de navegação aérea e marítima.
Nota-se não haver dúvidas que o uso irregular é crime, razão pela qual o policial ao se deparar com um agente utilizando-se de rádio que capte a frequência da Polícia Militar ou não, desde que sem autorização da ANATEL, deverá ser preso e conduzido à Delegacia da Polícia Federal. A condução deve se dar para a Delegacia da Polícia Federal por se tratar de crime em detrimento de serviço e por ser de interesse da União (art. 144, § 1º, I, da CF), já que o órgão regulador responsável por autorizar e fiscalizar o uso de rádio no Brasil é a Agência Nacional de Telecomunicação – ANATEL -, que é autarquia federal, mais especificamente, uma agência reguladora.
A seguir, cito julgados importantes e que podem nortear a atuação policial.
Para a caracterização do delito do art. 70, da Lei n.º 4.117/62 basta que o equipamento transceptor esteja apto a funcionar, sendo desnecessária a comprovação do uso efetivo.[3]
A “instalação” e “utilização” de rádio transmissor em veículo configura o tipo do art. 70 da Lei n. 4.117/62 e não o do art. 183 da Lei 9.427/97.[4]
A utilização de aparelho radiocomunicador na faixa de frequência da Polícia Militar, sem licença da ANATEL, configura o crime previsto no art. 183 da Lei n. 9.427/97, ainda que o equipamento opere em baixa frequência, sendo inaplicável o princípio da insignificância.[5]
O delito tipificado pelo art. 183 da Lei 9.472/1997 tem natureza formal, o que significa que se consuma com a prática da conduta descrita no tipo penal, qual seja, o desenvolvimento de atividade de telecomunicação sem autorização legal, independente da faixa de potência utilizada ou da produção de resultado danoso.[6]
A mera escuta radiofônica de conversação na frequência restrita da Brigada Militar não caracteriza o crime de violação de comunicação radioelétrica (art. 151, § 1º, II, do CP).[7]
Especificamente quanto à decisão de que “A mera escuta radiofônica de conversação na frequência restrita da Brigada Militar não caracteriza o crime de violação de comunicação radioelétrica” é importante tecer algumas observações.
O crime de violação de comunicação radiográfica (art. 151, § 1º, II, do CP) possui a seguinte redação:
Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – Na mesma pena incorre:
Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica
II – quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;
O tipo penal subdivide-se em duas partes. Especificamente, ao que interessa ao presente texto, que é a análise da captação de comunicação radioelétrica, tem-se a seguinte redação: “quem indevidamentedivulga, transmite a outrem ou utilizaabusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro”. (destaquei)
A doutrina sustenta que essa parte se aplica somente a pessoas que não exerçam função pública relacionada à transmissão da mensagem, pois, neste caso, pratica o crime do art. 56, § 1º, da Lei n. 4.117/62. Portanto, quando o art. 151, § 1º, II, do Código Penal diz haver crime por parte de quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, o “quem” se refere a pessoas comuns, que não seja servidor público que trabalhe com transmissão da mensagem.
Código Penal
Lei n. 4.117/62
Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º – Na mesma pena incorre: Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônicaII – quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;
Art. 56. Pratica crime de violação de telecomunicação quem, transgredindo lei ou regulamento, exiba autógrafo ou qualquer documento do arquivo, divulgue ou comunique, informe ou capte, transmita a outrem ou utilize o conteúdo, resumo, significado, interpretação, indicação ou efeito de qualquer comunicação dirigida a terceiro. § 1º Pratica, também, crime de violação de telecomunicações quem ilegalmente receber, divulgar ou utilizar, telecomunicação interceptada.
Comunicação telegráfica consiste no envio e recebimento de informações por intermédio da telegrafia.
Telegrafia, consoante art. 4º da Lei n. 4.117/62, é o processo de telecomunicação destinado à transmissão de escritos, pelo uso de um código de sinais.
Comunicação radioelétrica se refere ao envio e recebimento de mensagens por intermédio de ondas eletromagnéticas, o que dispensa o uso de fios.
O tipo penal exige que o agente divulgue, transmita a outrem ou utilize abusivamente a comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigia a terceiro.
Divulgar consiste em dar publicidade, tornar público. Transmitir é repassar, enviar para outra pessoa. Utilizar quer dizer usar, fazer uso.
A divulgação, a transmissão ou a utilização devem ser feitas de forma abusiva, ou seja, em desrespeito às normas que tratam de telecomunicação. De toda forma, observe que o legislador exige que o uso seja indevido e utilizou também que o uso deve ser abusivo. Ora, se o uso é indevido, necessariamente, será abusivo, razão pela qual essa previsão é desnecessária.
Feitas essas ponderações fica mais fácil demonstrar o raciocínio jurídico da decisão judicial que afirmou que a mera escuta radiofônica de conversação na frequência restrita da Polícia Militar não caracteriza o crime de violação de comunicação radioelétrica.
Observe que o art. 151, § 1º, II, do Código Penal em nenhum momento tipifica a conduta de ouvir ou tomar conhecimento, indevidamente, de conteúdo falado na frequência de rádio que seja fechada, como a da Polícia Militar que, em tese, deve ser restrita somente para os militares que estejam trabalhando, por questões estratégicas e de segurança[8]. O tipo penal tipifica como crime somente a conduta de divulgar, transmitir ou utilizar indevidamente a comunicação radioelétrica.
A utilização referenciada no tipo penal para caracterizar o crime pode se basear no uso indevido das informações captadas, seja para fins de praticar crimes, de conseguir se esconder da polícia ou qualquer finalidade indevida (não prevista, não autorizada ou vedada por lei), ainda que não haja nenhuma divulgação ou repasse das informações para terceiros, pois essa divulgação ou repasse não são exigidos pelo tipo penal que permite a prática do crime somente com a utilização indevida, abusiva.
Portanto, receber informações da rede rádio da frequência da Polícia Militar e utilizar essas informações, indevidamente, caracteriza o crime do art. 151, § 1º, II, do Código Penal, o que ocorre, comumente, quando criminosos escutam a rede rádio da Polícia Militar.
Por outro lado, caso os envolvidos ouçam a rede rádio da Polícia Militar, simplesmente, por ouvir, sem o uso indevido das informações, não há crime.
Diante desse panorama, no caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul[9], ficou demonstrado nos autos que os réus somente estavam ouvindo a rede rádio na frequência da Polícia Militar (Brigada Militar), sem prova de que fizeram o uso indevido das informações obtidas ou que divulgaram ou transmitiram a terceiros.
Como a conduta de somente ouvir a rede rádio da Polícia Militar, sem praticar mais nenhum ato, é atípica (não existe previsão legal de que seja crime), os réus foram absolvidos.
Portanto, nessas situações, os agentes devem ser presos por praticarem o crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62 ou do art. 183 da Lei n. 9.472/97, sendo mais factível prender pelo art. 70 da Lei n. 4.117/62 e conduzir à Polícia Federal, uma vez que este crime não exige a habitualidade, que deve ser comprovada para efetuar a prisão e, geralmente, a prova decorre de uma investigação realizada pela autoridade de polícia judiciária. No caso do art. 70 da Lei n. 4.117/62 é suficiente a mera instalação ou utilização de telecomunicações sem a observância das normas pertinentes, o que pode ser comprovado de pronto em uma ocorrência policial. Em todo caso o aparelho utilizado irregularmente deve ser apreendido pelos policiais, por constituir a própria materialidade da infração penal (art. 6°, II, do CPP).
[1] STF – HC: 93870 SP – SÃO PAULO 0000691-04.2008.0.01.0000, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 20/04/2010, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-168 10-09-2010.
STF – HC: 115137 PI, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 17/12/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-030 DIVULG 12-02-2014 PUBLIC 13-02-2014.
[2] AgRg no REsp 1748368/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 22/11/2018.
[3] TRF-4 – ACR: 50003124620144047017 PR 5000312-46.2014.4.04.7017, Relator: CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Data de Julgamento: 06/03/2017, SÉTIMA TURMA.
[4] TRF-4 – ACR: 50007549620104047002 PR 5000754-96.2010.4.04.7002, Relator: VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Data de Julgamento: 09/10/2013, OITAVA TURMA.
[5] TRF-3 – ACR: 00007554620074036115 SP 0000755-46.2007.4.03.6115, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, Data de Julgamento: 01/03/2016, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/03/2016.
[6] TRF-1 – APR: 00002257420144014103, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO, Data de Julgamento: 02/02/2021, QUARTA TURMA.
[7] TJ-RS – RC: 71003575792 RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Data de Julgamento: 26/03/2012, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/03/2012.
[9] TJ-RS – RC: 71003575792 RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Data de Julgamento: 26/03/2012, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/03/2012.
Constituição Federal • Art. 144, VI • Art. 144, § 5º-A • Art. 144, §§ 5º e 6º • Emenda Constitucional n. 104/2019
Lei de Execução Penal • Art. 61, VI, da LEP • Art. 79, II e III, da LEP
Decreto-Lei 667/69
• Art. 3º
Síntese
a) Não cabe, pela Constituição Federal, à Polícia Penal realizar a fiscalização de condenados criminalmente e que estejam em liberdade nem a fiscalização do cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão e de medidas protetivas no contexto de violência doméstica;
b) Na hipótese em que houver lei que preveja ser atribuição da Polícia Penal a fiscalização de condenados que estejam soltos, a lei será de duvidosa constitucionalidade;
c) Cabe ao patronato proceder à fiscalização do cumprimento das penas de prestação de serviço à comunidade e de limitação de fim de semana e colaborar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do livramento condicional, no entanto, no Brasil, o órgão é inoperante ou inexistente;
d) A preservação da ordem pública, a prevenção situacional, a ausência de outros órgãos policiais ou instituições responsáveis para proceder à fiscalização, o papel subsidiário da Polícia Militar, em atuar em todos os temas afetos ao universo policial e segurança pública que não pertençam às demais instituições, faz nascer para a Polícia Militar, o papel de órgão fiscalizador do cumprimento da pena por condenados em liberdade, além de fiscalizar o cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão e de medidas protetivas no contexto de violência doméstica, sempre que necessário;
e) Em tema de segurança pública não pode haver um vácuo de atribuição, o que gera imensa insegurança pública e jurídica. A amplitude constitucional das atribuições da Polícia Militar permite afirmar, diante de todos os fundamentos expostos, que é a instituição policial com maiores atribuições e cabe à Polícia Militar o papel fiscalizador nas situações mencionadas.
Não raras vezes uma pessoa é condenada criminalmente a pena privativa de liberdade, contudo continua ou obtém a liberdade, seja por ter sido fixado o regime semiaberto ou aberto e não haver estabelecimento penal compatível com o regime; seja pelo fato de progredir para esses regimes.
É possível também que o agente não condenado tenha em seu desfavor a fixação de medidas cautelares diversas da prisão, na forma do art. 319 do Código de Processo Penal, ou medidas protetivas no contexto de violência doméstica e familiar, conforme previsto na Lei Maria da Penha.
Nessas situações surge a discussão a respeito de qual instituição policial deve fiscalizar as condições impostas judicialmente.
Dentre as condições impostas nessas situações, a que exige uma fiscalização constante, sob pena de se tornar uma medida ineficaz, consiste no recolhimento domiciliar e na proibição de frequentar determinados locais. Certo que a tornozeleira eletrônica pode substituir o papel de um órgão fiscalizador presente fisicamente, contudo, a presença do Estado na fiscalização é muito importante por surtir no agente um efeito psicológico inibidor de que o Estado o está acompanhando e caso descumpra alguma medida, poderá ser preso. Além do mais, não tem como, mediante tornozeleira eletrônica, saber com exatidão se o agente está frequentando algum local proibido, como, por exemplo, um bar que fora proibido de frequentar temporariamente. O agente poderá alegar que estava nas proximidades, pois a indicação da tornozeleira eletrônica não possui uma precisão exata.
Pena sem fiscalização é impunidade! Medida cautelar diversa da prisão sem fiscalização é ineficaz!
Por vezes juízes expedem ofícios para a Polícia Militar solicitando o apoio na fiscalização. A qual instituição policial cabe realizar a fiscalização? É, realmente, atribuição constitucional da Polícia Militar ou seria da Polícia Penal?
Com o advento da Emenda Constitucional n. 104, de 04 de dezembro de 2019, foi criada a Polícia Penal.
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
Os policiais penais eram denominados “agentes penitenciários” ou “agentes de segurança penitenciária” que passaram, automaticamente, a serem chamados de policiais penais, em razão do disposto no art. 4º da Emenda Constitucional n. 104/2019.
Art. 4º O preenchimento do quadro de servidores das polícias penais será feito, exclusivamente, por meio de concurso público e por meio da transformação dos cargos isolados, dos cargos de carreira dos atuais agentes penitenciários e dos cargos públicos equivalentes.
As atribuições dos policiais penais encontram-se previstas no § 5º-A do art. 144 da Constituição Federal.
Aos policiais penais cabe garantir a ordem e a segurança nos estabelecimentos penais do país; realizarem escolta armada de presos; trabalharem na ressocialização dos presos; fiscalizarem a entrada de pessoas e veículos nos estabelecimentos penais e realizarem buscas pessoais; cuidarem da vigilância interna, externa e da disciplina dos estabelecimentos prisionais, dentre outras atribuições especificadas em lei.
A finalidade precípua da Polícia Penal é a segurança dos estabelecimentos penais, o que autoriza a lei a conceder outras funções que tenham relação com a atividade-fim da Polícia Penal.
Inicialmente, a Proposta de Emenda à Constituição n. 14/2016 do Senado Federal, que recebeu o número 372/2017 na Câmara dos Deputados, que posteriormente, se transformou na PEC n. 104/2019, que, por sua vez, foi aprovada e se transformou na Emenda Constitucional n. 104/2019 (Criou a Polícia Penal) previa que à Polícia Penal caberia “a segurança dos estabelecimentos penais, além de outras atribuições definidas em lei específica de iniciativa do Poder Executivo.”, sendo aprovada somente a segurança dos estabelecimentos penais.
Isso, contudo, não significa que a lei não possa trazer funções para a Polícia Penal que possuam correlação com a segurança dos estabelecimentos, até porque a Emenda Constitucional n. 104/2019 somente criou a Polícia Penal e é necessária lei para regulamentar a Polícia Penal, dispor sobre a carreira e as funções. Além do mais, a competência para legislar sobre direito penitenciário é concorrente entre a União, Estados e o Distrito Federal (art. 24, I, da CF), o que permite que estados legislem a respeito de regras para as polícias penais, inclusive, sobre as atribuições destas, desde que esteja dentro do parâmetro estabelecido no § 5º-A do art. 144 da Constituição Federal (segurança dos estabelecimentos penais).
Não pode o legislador ampliar as atribuições da Polícia Penal que não possuam correlação com a segurança dos estabelecimentos penais, como permitir a realização de policiamento ostensivo e a condução de investigações criminais. A condução e o deslocamento de presos para audiências e hospitais é atividade intrínseca à missão constitucional da Polícia Penal, na medida em que os presos se encontram sob responsabilidade da Polícia Penal, sendo, portanto, a instituição responsável pela vigilância e segurança dos presos. A partir do momento que os presos obtêm liberdade, deixa de ser responsabilidade da Polícia Penal realizar o acompanhamento e vigilância.
Na hipótese em que a lei ampliar as atribuições da Polícia Penal que não possuam correlação com a segurança dos estabelecimentos penais, na prática, certamente, será aplicada, em que pese ser de duvidosa constitucionalidade. Fábio Nakaharada entende que se a lei autorizar a fiscalização pela Polícia Penal será constitucional, apesar de alargar o texto constitucional, assim como ocorreu com o Estatuto das Guardas Municipais que alargou a proteção de bens, serviços e instalações, alçando em lei ordinária, atribuição de patrulhamento ostensivo, pois é matéria afeta às atribuições do Poder Executivo e será uma hipótese de definir legalmente qual instituição deve exercer essa atribuição, sobretudo por estar afeta à atividade de inteligência da Polícia Penal.
E continua sustentando seus argumentos que diferente da competência jurisdicional que é rígida, uma vez que visa a imparcialidade e a isenção perante partes contrárias, a atribuição de órgãos do poder executivo objetiva a prestação de serviços públicos universalmente, sendo que, em matéria de segurança pública, o STF tem levado o caráter utilitarista ao sistema de segurança pública: quanto mais órgãos puderem prover as necessidades da população na matéria ordem pública, melhor. Nesse mesmo sentido, a votação maioritária, ainda em andamento e irreversível, das polícias militares terem atribuição de lavrar termo circunstanciado.
E a fiscalização de condenados em liberdade ou de pessoas que possuam em seu desfavor medidas diversas da prisão? É atribuição da Polícia Penal?
Trata-se de atribuição que, igualmente, foge da previsão constitucional da Polícia Penal (segurança dos estabelecimentos penais), pois uma vez que o agente se encontra em liberdade, não há mais nenhuma correlação com a segurança dos estabelecimentos penais, e a possibilidade de se ampliar as atribuições da Polícia Penal mediante a edição de lei de iniciativa do Poder Executivo, foi retirada durante a tramitação da PEC que criou a Polícia Penal.
Portanto, a referida fiscalização não é atribuição da Polícia Penal.
Por não ser atribuição da Polícia Penal, cabe à Polícia Militar realizar a fiscalização? Qual é o papel da Polícia Militar?
Às polícias militares, que são forças auxiliares e reservas do Exército e subordinam-se aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (art. 144, §§ 5º e 6º).
A Constituição Federal traz duas missões constitucionais para a Polícia Militar, consistentes na polícia ostensiva e na preservação da ordem pública.
A amplitude dos conceitos de “polícia ostensiva” e de “preservação da ordem pública” permite dizer que a polícia militar, dentre os órgãos de segurança pública elencados no art. 144 da Constituição Federal, é a que possui maiores atribuições.
O conceito de “polícia ostensiva” é amplo e surgiu com a Constituição de 1988.
A polícia ostensiva envolve a atuação preventiva e visual da polícia, com o fim de se evitar a ocorrência de crimes; perpassa pelas quatro fases do poder de polícia[1]; engloba toda atividade ostensiva voltada para a segurança pública que não esteja expressamente na Constituição para os demais órgãos de segurança pública.
Quando a Constituição quis limitar a atuação da Polícia ao patrulhamento ostensivo, disse expressamente como o caso da Polícia Rodoviária e Ferroviária Federal (art. 144, §§ 2º e 3º).
A polícia ostensiva, dada a sua amplitude conceitual, abrange o policiamento ostensivo, que por sua vez abrange o patrulhamento.
A expressão “preservação da ordem pública” também surgiu com a Constituição de 1988.
A Emenda Constitucional n. 01, de 17 de outubro de 1969, previa que competia à Polícia Militar a “manutenção da ordem pública” (art. 13, § 4º).
A Constituição de 1988 menciona que cabe à polícia militar a “preservação da ordem pública” (art. 144, § 5º).
Nota-se que houve a substituição do termo “manutenção” por “preservação”, sendo este mais amplo que aquele.
A manutenção da ordem pública consiste no ato de manter, de conservar, de fazer permanecer a ordem pública. A atividade da Polícia Militar, enquanto mantenedora da ordem pública tem-se por cumprida enquanto a ordem pública não é violada, enquanto crimes não ocorrem.
Na preservação da ordem pública, tem-se um plus. Não basta sua manutenção, conforme apresentado acima. É necessário que a ordem pública seja preservada, o que consiste em restaurá-la imediatamente, tão logo esta seja quebrada. Portanto, a preservação da ordem pública possui caráter dúplice: preventivo e repressivo.
O Decreto-Lei 88.777/83, que aprova o regulamento para as polícias militares e corpos de bombeiros militares, conceitua ordem pública no art. 2º, item 21:
21) Ordem Pública – Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum.
Álvaro Lazzarini leciona que “A ordem pública é mais fácil de ser sentida do que definida, mesmo porque ela varia de entendimento no tempo e no espaço. Aliás, nessa última hipótese, pode variar, inclusive, dentro de um determinado país. Mas sentir-se-á a ordem pública segundo um conjunto de critérios de ordem superior, políticos, econômicos, morais e, até mesmo, religiosos. A ordem pública não deixa de ser uma situação de legalidade e moralidade normal. Apurada por quem tenha competência para isso sentir e valorar. A ordem pública, em outras palavras, existirá onde estiver ausente a desordem, isto é, os atos de violência de que espécie for, contra as pessoas, bens ou o próprio Estado. A ordem pública não é figura jurídica, embora dela se origine e tenha a sua existência formal.”[2]
Trata-se, a bem da verdade, de um conceito jurídico indeterminado, ou seja, são termos ou expressões inseridos em normas jurídicas, que possuem um conteúdo aberto, de forma que o intérprete possa moldar o conteúdo de acordo com os valores reinantes na sociedade, a depender da época, do tempo e da finalidade da forma.
A Lei 11.473/07, que dispõe sobre cooperação federativa no âmbito da segurança pública, traz um rol exemplificativo no art. 3º, do que se consideram atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, a saber: a) o policiamento ostensivo; b) o cumprimento de mandados de prisão; c) o cumprimento de alvarás de soltura; d) a guarda, a vigilância e a custódia de presos; e) os serviços técnico-periciais, qualquer que seja sua modalidade; o registro e a investigação de ocorrências policiais; f) as atividades relacionadas à segurança dos grandes eventos; g) as atividades de inteligência de segurança pública; h) a coordenação de ações e operações integradas de segurança pública; i) o auxílio na ocorrência de catástrofes ou desastres coletivos, inclusive para reconhecimento de vitimados; j) o apoio às atividades de conservação e policiamento ambiental.
Consoante o Decreto-Lei n. 88.777/83, a perturbação da ordem “Abrange todos os tipos de ação, inclusive as decorrentes de calamidade pública que, por sua natureza, origem, amplitude e potencial possam vir a comprometer, na esfera estadual, o exercício dos poderes constituídos, o cumprimento das leis e a manutenção da ordem pública, ameaçando a população e propriedades públicas e privadas.” (art. 2º, item 25).
O Decreto-Lei 667/69, que reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares, trata no art. 3º, que foi alterado pelo Decreto-Lei n. 2.010/83, e recepcionado pela Constituição Federal de 1988[3], das atribuições da Polícia Militar.
Art. 3º – Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições[4]: (Redação dada pelo Del nº 2010, de 1983)
a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; (Redação dada pelo Del nº 2010, de 1983)
b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem; (Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983)
c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas; (Redação dada pelo Del nº 2010, de 1983)
d) atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo Federal em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção, subordinando-se à Força Terrestre para emprego em suas atribuições específicas de polícia militar e como participante da Defesa Interna e da Defesa Territorial; (Redação dada pelo Del nº 2010, de 1983)
e) além dos casos previstos na letra anterior, a Polícia Militar poderá ser convocada, em seu conjunto, a fim de assegurar à Corporação o nível necessário de adestramento e disciplina ou ainda para garantir o cumprimento das disposições deste Decreto-lei, na forma que dispuser o regulamento específico. (Redação dada pelo Del nº 2010, de 1983)
O art. 3º data de 1983 e menciona “manutenção” em razão da Emenda Constitucional de 1969, considerado por muitos como uma Constituição, por referir-se à polícia militar como responsável pela manutenção da ordem pública.
Em que pese a Constituição de 1967 referir-se à Polícia Militar como responsável pela “manutenção da ordem e segurança interna”[5] e a Emenda Constitucional n. 01/69 como responsável pela “manutenção da ordem pública”[6], o próprio Decreto-Lei 667/69 atribuiu à polícia militar, originariamente, a atuação repressiva em caso de perturbação da ordem, no art. 3º, “c”, o que coaduna-se com o conceito de preservação da ordem pública.
Lazzarini[7] ainda salienta que (1989, p. 235-236 apud David, 2017, p. 34):
[…] às Polícias Militares, instituídas para o exercício da polícia ostensiva e preservação da ordem pública (art. 144, § 5º), compete todo o universo policial, que não seja atribuição constitucional prevista para os demais seis órgãos elencados no art. 144 da Constituição da República de 1988. Em outras palavras, no tocante à preservação da ordem pública, às polícias militares não só cabe o exercício da polícia ostensiva na forma retro examinada, como também a competência residual de exercício de toda atividade policial de segurança pública não atribuída aos demais órgãos. A competência ampla da Polícia Militar na preservação da ordem pública engloba, inclusive, a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de greves ou outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, funcionando, então, a Polícia Militar como verdadeiro exército da sociedade. Bem por isso as Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema da ‘ordem pública’ e, especificamente, da ‘segurança pública‘.
O âmbito de atuação da Polícia Militar é em nível estadual, o que não a impede de atuar em vias federais e municipais, localizadas no estado em que a Corporação atua, pois a Constituição Federal não estabeleceu nenhuma limitação territorial quanto ao exercício da polícia ostensiva e da preservação da ordem pública, devendo as polícias atuarem em conjunto, visando à colaboração recíproca em prol do interesse maior, que é a segurança pública, “respeitados os raios de competência institucional de cada uma delas, sem qualquer limitação territorial, à míngua de qualquer respaldo legal.”[8]
Portanto, é possível afirmar que a Polícia Militar se funda em dois pilares, a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, que são conceitos amplos, que englobam todas as atividades policiais que não estejam previstas expressamente para os demais órgãos de segurança pública.
A preservação da ordem pública possui uma maior feição preventiva, que é o cenário ideal para a sociedade e cumpre com a missão constitucional de se garantir o status de paz social. A partir do momento em que ocorre o crime a ordem pública é violada, a Constituição Federal é violada, direitos coletivos e individuais são violados. A atuação da Polícia Militar é, predominantemente, preventiva, deve-se antecipar ao crime, evitar a sua ocorrência, o que exige estratégia e inteligência, de forma que o avanço do crime nunca fique à frente do avanço tecnológico e estratégico das instituições policiais.
Quando a Polícia Militar fiscaliza as medidas fixadas judicialmente ou decorrentes da lei para condenados em liberdade, atua preventivamente, pois atua voltada para um público que já possui condenação criminal que ainda deve possuir um acompanhamento pelo Estado, devendo-se levar em consideração ainda que esses condenados estão em um processo de readaptação para o convívio social por terem abalado a ordem pública, que deve ser preservada pela Polícia Militar.
Deve-se levar em consideração ainda que no Brasil há um número significativo de reincidência, conforme tabela abaixo extraída do documento “Reincidência Criminal no Brasil: relatório de pesquisa”[9], de autoria do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
O trabalho de acompanhamento de condenados em liberdade pela Polícia Militar surte ainda um importante efeito psicológico nos condenados, de que estão sendo vigiados e acompanhados pelo Estado e que caso pratiquem qualquer ilegalidade poderão regredir de regime. Há um claro efeito preventivo.
Pode-se afirmar que a presença da Polícia Militar periodicamente na vida de grupos de pessoas que possuem condenação criminal colabora para prevenir ações delituosas e, consequentemente, colabora com a preservação da ordem pública, que é missão constitucional da Polícia Militar.
Dentre as atribuições preventivas da Polícia Militar inclui-se a prevenção situacional, que consiste em reduzir as oportunidades para que um infrator pratique o crime, seja por intermédio de instalação de câmeras de segurança, orientação à sociedade de como se precaver, como evitar ruas sem movimento e mais escuras à noite, bem como um trabalho direcionado ao infrator, como “marcar presença”, para que ele tenha ciência de que o Estado se mantém vigilante, “de olho”, e que a prática de qualquer ilegalidade poderá resultar em sanções, já que um dos fatores que desinibe o crime é a crença na impunidade.[10]
No exercício das funções preventivas no que tange ao crime, o Estado atua, essencialmente, sob três frentes, que constituem a prevenção primária, secundária e terciária. A prevenção terciária é voltada para os condenados e tem por fim evitar a reincidência e visa a reinserção social, que, em tese, deve ser feita por outra instituição, como a Polícia Penal.
Em relação aos agentes que possuem medidas cautelas diversas da prisão e medidas protetivas no contexto de violência doméstica, a fiscalização é de suma importância, devendo-se aplicar o mesmo raciocínio acima exposto, uma vez que a fiscalização previne, evita a prática de crime, o que é missão constitucional da Polícia Militar.
Nota-se, portanto, que Polícia Militar é uma instituição gigante, que exerce atribuições complexas e de extrema importante para a sociedade, devendo atuar em várias frentes e realiza um trabalho preventivo, no sentido mais amplo.
E o patronato?
O patronato é um órgão de execução penal (art. 61, VI, da LEP) e possui, dentre as suas atribuições (art. 79, II e III, da LEP), fiscalizar o cumprimento das penas de prestação de serviço à comunidade e de limitação de fim de semana e colaborar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do livramento condicional.
O patronato pode ser um órgão público ou particular e exerce, além da função fiscalizatória, a função de prestar assistência aos condenados que cumprem pena privativa de liberdade no regime aberto e pena de limitação de fim de semana, além dos egressos. Nota-se, portanto, haver uma importante função social. Assim, é possível falar que o patronato possui dupla função: social e fiscalizatória.
Infelizmente, no Brasil, o patronato não é estruturado e possui pouca efetividade, por falta de investimento e de interesse político.
Paulo Henrique Brant Vieira[11], com precisão, afirma que:
Passado o tempo, o Patronato continua como um órgão ainda carente de afirmação, com ações pontuais não como um órgão do Estado, mas como um órgão de composição em que a execução penal é aplicada. Todavia, quanto a ação de fiscalização dos egressos, conforme previsto em lei, o caminho que se desenha é monitoração eletrônica. (..)
(…)
Neste ponto, reconhecendo o impacto da reincidência no campo da segurança pública, impossível afastar a necessária contribuição dos órgãos de polícia, em especial das polícias militares dos estados, as quais cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública e, neste campo, compreender as estratégias de intervenção utilizadas para conter o avanço da criminalidade, bem como o alinhamento destas ações, em especial no Estado de Minas Gerais. (destaquei)
Feita essas explicações acerca das atribuições constitucionais da Polícia Militar, Polícia Penal e do patronato, cabe à Polícia Militar realizar a fiscalização de condenados em liberdade, das medidas cautelares diversas da prisão e das medidas protetivas fixadas no contexto de violência doméstica?
Por inexistir órgão que cuide da fiscalização de condenados em liberdade, sendo o patronato inefetivo e caber à Polícia Militar a prevenção e preservação da ordem pública, inclusive, suprir a ausência ou falência de outros órgãos, em relação à segurança pública, cabe à Polícia Militar realizar a fiscalização de condenados em liberdade, bem como fiscalizar o cumprimento das medidas cautelares diversas da prisão e das medidas protetivas no contexto de violência doméstica, quando necessário, o que pode ocorrer diante da ausência de tornozeleira eletrônica.
A preservação da ordem pública, a prevenção situacional, a ausência de outros órgãos policiais ou instituições responsáveis para proceder à fiscalização, o papel subsidiário da Polícia Militar, em atuar em todos os temas afetos ao universo policial e segurança pública que não pertençam às demais instituições, faz nascer para a Polícia Militar, o papel de órgão fiscalizador do cumprimento da pena por condenados em liberdade, além de fiscalizar o cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão e de medidas protetivas no contexto de violência doméstica, sempre que necessário.
Nas precisas lições do saudoso Álvaro Lazzarini, compete à Polícia Militartodo o universo policial, que não seja atribuição constitucional das demais instituições policiais, devendo atuar no caso de falência operacional ou inoperância dos demais órgãos policiais.
Em tema de segurança pública não pode haver um vácuo de atribuição, o que gera imensa insegurança pública e jurídica. A amplitude constitucional das atribuições da Polícia Militar permite afirmar, diante de todos os fundamentos expostos, que é a instituição policial com maiores atribuições e cabe à Polícia Militar o papel fiscalizador nas situações mencionadas.
Em um passado não muito distante era comum a Polícia Militar, por todo o Brasil, realizar a segurança interna de estabelecimentos penais, o que hoje é papel constitucional da Polícia Penal. O que justificava a Polícia Militar, responsável pela polícia ostensiva e preservação da ordem pública, cuidar da segurança dos presídios? Exatamente, os fundamentos acima expostos.
Nesse sentido, Paulo Henrique Brant Vieira[12] afirma que:
Em alinhamento à doutrina do professor Lazzarini (1989), e, considerando que mesmo havendo o órgão com competência para exercer a fiscalização na execução penal, como no caso dos Patronatos, previstos tanto na Lei de Execução Penal brasileira, como no Lei Estadual nº 11.404/94, restando por parte deste órgão deficiência que cause prejuízo à segurança pública ou a ordem pública, é necessário reconhecer a necessidade de ação complementar por partes das polícias militares dos estados. (destaquei)
Thiago Colnago Cabral no artigo “A quem cabe a fiscalização da pena imposta ao condenado solto?”[13] explica que:
Efetivamente, há estímulo à violação da lei quando se fixam condições à prisão domiciliar, ao livramento condicional e às saídas temporárias, mas se consigna a inexistência de vigilância direta e se deixa de definir quem será encarregado da fiscalização.
É imperiosa a correção de tais incongruências, prestando-se como melhor parâmetro as deliberações administrativas do Comando da Polícia Militar da 8ª Região Integrada de Segurança Pública de Minas Gerais, sediada em Governador Valadares, já aplicadas em todo o estado.
A Polícia Militar constituiu Patrulha de Atenuação de Risco Social (Paris), cujo objetivo remonta justamente à fiscalização do cumprimento das condições de recolhimento e de horário da prisão domiciliar, do livramento condicional e das saídas temporárias.
A deliberação em comento tem lastro no artigo 144 da Constituição, que atribui à Polícia Militar a preservação da ordem pública, ratificada pela verificação de que, no mais das vezes, as práticas delitivas estão atreladas a agentes que já apresentam histórico delitivo.
Logo, fiscalizar o regular cumprimento da pena em liberdade é importante elemento de atenuação da criminalidade, especialmente da violenta. (destaquei)
O Projeto de Lei n. 1596/2019, de autoria do Deputado Federal Major Vitor Hugo, visa alterar a Lei de Execução Penal – Lei n. 7.210/83 – para estabelecer que compete ao oficial de liberdade condicional acompanhar o cumprimento das condições impostas ao beneficiário do instituto do livramento condicional. O projeto de lei cria um cargo específico para realizar a fiscalização, o que seria bom se fosse ampliado para as demais situações, como fiscalizar todos condenados em liberdade e que tiverem contra si medida cautelar diversa da prisão e medidas protetivas no contexto de violência doméstica.
A Polícia Militar de Minas Gerais realiza o acompanhamento de condenados em liberdade, inclusive, com acesso ao Sistema Eletrônico de Execução Unificado – SEEU – que é o sistema de controle informatizado da execução penal que permite acompanhar todas as informações e a execução penal dos condenados. Na prática, o militar após proceder à fiscalização, lança relatório direto no SEEU que é acompanhado pelo juiz e Ministério Público. Trata-se, portanto, de uma atividade institucionalidade pela PMMG em parceria com o Poder Judiciário.
É importante frisar que apesar da Polícia Militar realizar esse papel fiscalizatório, não possui nenhum vínculo ou subordinação com o Poder Judiciário e Ministério Público, razão pela qual cabe ao Comandante definir como será realizada a fiscalização, o efetivo empregado, os dias e horários, de acordo com o interesse da segurança pública, sobretudo por comprometer parte do efetivo que poderia estar no policiamento ostensivo e preventivo e atendendo ocorrências policiais.
É inegável que o acúmulo de atribuições por parte da Polícia Militar compromete o efetivo, que muitas vezes já é reduzido, além de reduzir a presença da Polícia Militar em outras atividades, como o patrulhamento, o atendimento de ocorrência e realização de operações. Portanto, em um cenário ideal, a realização da fiscalização de condenados em liberdade e de agentes que possuam contra si medidas cautelares diversas da prisão e medidas protetivas no contexto de violência doméstica, deve ser realizada por outro órgão, no entanto, enquanto não houver essa previsão constitucional ou em lei, cabe à Polícia Militar.
Na prática pode ocorrer da Polícia Penal assumir para si a fiscalização do cumprimento da pena quando o preso estiver em liberdade, contudo, não há essa previsão na Constituição Federal, sendo mais uma atuação colaborativa (princípio da cooperação entre os órgãos de segurança pública) do que obrigação.
Diante de todo o exposto, é possível afirmar que:
a) Não cabe, pela Constituição Federal, à Polícia Penal realizar a fiscalização de condenados criminalmente e que estejam em liberdade nem a fiscalização do cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão e de medidas protetivas no contexto de violência doméstica;
b) Na hipótese em que houver lei que preveja ser atribuição da Polícia Penal a fiscalização de condenados que estejam soltos, a lei será de duvidosa constitucionalidade;
c) Cabe ao patronato proceder à fiscalização do cumprimento das penas de prestação de serviço à comunidade e de limitação de fim de semana e colaborar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do livramento condicional, no entanto, no Brasil, o órgão é inoperante ou inexistente;
d) A preservação da ordem pública, a prevenção situacional, a ausência de outros órgãos policiais ou instituições responsáveis para proceder à fiscalização, o papel subsidiário da Polícia Militar, em atuar em todos os temas afetos ao universo policial e segurança pública que não pertençam às demais instituições, faz nascer para a Polícia Militar, o papel de órgão fiscalizador do cumprimento da pena por condenados em liberdade, além de fiscalizar o cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão e de medidas protetivas no contexto de violência doméstica, sempre que necessário;
e) Em tema de segurança pública não pode haver um vácuo de atribuição, o que gera imensa insegurança pública e jurídica. A amplitude constitucional das atribuições da Polícia Militar permite afirmar, diante de todos os fundamentos expostos, que é a instituição policial com maiores atribuições e cabe à Polícia Militar o papel fiscalizador nas situações mencionadas.
[1] Ordem de polícia; consentimento de polícia; fiscalização de polícia e sanção de polícia.
[6]. Art. 13, § 4º, da Emenda Constitucional n. 01/69.
[7]. DAVID, Louize Campos. ASPECTOS JURÍDICOS, BENEFÍCIOS E DESAFIOS DA IMPLANTAÇÃO DO CICLO COMPLETO DE POLÍCIA NO BRASIL: UMA ANÁLISE DAS PROPOSTAS DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 2017. 120f. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, 2017.
[8].Nesse sentido: CONSTITUIÇÃO E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PATRULHAMENTO EM RODOVIAS FEDERAIS. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL E POLÍCIA MILITAR. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. NÃO OCORRÊNCIA. I – O patrulhamento ostensivo das rodovias federais é da competência da Polícia Rodoviária Federal, nos termos da lei (CF, art. 144, § 2º), cabendo às polícias militares o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública (CF, art. 144, § 5º). II – A atuação das polícias militares encontra-se subordinada aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (CF, art. 144, § 6º), observados os limites territoriais da Unidade da Federação, sem qualquer ressalva quanto às rodovias federais ali existentes, respeitando-se, contudo, as regras de ocupação de área de domínio federal, seja no tocante à instalação de edificação (provisória ou permanente), seja por ocasião da realização de operação policial, de que resulte alteração no fluxo do tráfego, nas referidas rodovias. III – Remessa oficial desprovida. Sentença confirmada. (TRF-1 – REO: 38441 PI 96.01.38441-3, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 01/12/2008, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 26/01/2009 e-DJF1 p. 123)
[9] BRASIL. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Reincidência Criminal no Brasil: relatório de pesquisa. Rio de Janeiro: IPEA, 2015.
[10] Nesse sentido é o Memorando n. 008.3/2020 – 36º BPM PMMG.
[11] VIEIRA, Paulo Henrique Brant. A REINCIDÊNCIA DE EGRESSOS DO SISTEMA PENAL: impactos da criminalidade violenta e a experiência das ações do controle criminal na 15ª região de polícia militar.. 2021. 99 f. Monografia (Especialização) – Curso de Curso de Especialização em Segurança Pública, Academia da Polícia Militar de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021.
[12] VIEIRA, Paulo Henrique Brant. A REINCIDÊNCIA DE EGRESSOS DO SISTEMA PENAL: impactos da criminalidade violenta e a experiência das ações do controle criminal na 15ª região de polícia militar.. 2021. 99 f. Monografia (Especialização) – Curso de Curso de Especialização em Segurança Pública, Academia da Polícia Militar de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021.