O vídeo abaixo me chamou atenção pela habilidade do piloto da moto da Guarda Municipal. Claramente, a vida e a integridade física do guarda estavam em constante risco durante toda a perseguição e com um domínio incomum conseguiu perseguir o sujeito até rendê-lo. Para pilotar moto da GM ou da PM o policial deve, além de ser voluntário, ter grande domínio e habilidade!
Juridicamente, temos os seguintes apontamentos:
a) A fuga, sobretudo no caso do vídeo, claramente é uma situação de fundada suspeita, o que legitima a busca pessoal. Há julgado do STJ que decidiu que a fuga após visualizar a viatura policial não justifica a busca pessoal (HC 811.634).
b) A Portaria Interministerial n. 4.226/2010 do Ministério da Justiça e Secretaria de Direitos Humanos diz no Anexo I, item 4, que “Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.”
c) A Lei n. 13.060/2014 trata do uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública e no art. 2º, parágrafo único, I, diz que não é legítimo o uso de arma de fogo “contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros.”
d) O Manual Técnico-Profissional n. 3.04.04/2020-CG da PMMG recomenda não “disparar arma fogo contra o veículo em fuga, pois haverá risco de atingir transeuntes ou prováveis reféns em seu interior.” Certo que a escrita visou carros, mas o mesmo raciocínio se aplica a motos em relação ao risco de atingir transeuntes.
Em se tratando da fuga em moto há diversas variáveis: a) O indivíduo em fuga coloca em risco diversas pessoas, como se pode ver no vídeo. A depender do caso, se o veículo for utilizado como “arma”, como um carro que sai atropelando pessoas ou que haja grande risco disso ocorrer, o policial está autorizado a disparar em legítima defesa (se houver destinatário certo) ou estado de necessidade (se o perigo não tiver destinatário certo, o que é mais provável); b) O policial efetuar um disparo contra o piloto em fuga tem uma chance alta de errar o disparo e atingir terceiro; c) Caso o policial consiga atingir o piloto este cairá da moto que poderá ir na direção de terceiros e provocar lesões graves ou até a morte; d) Em alguns trechos da perseguição, se o policial conseguir alcançar a moto em fuga pode se utilizar, se houver condições, da pistola de emissão de impulso elétrico; e) Deve-se analisar se tem passageiro na moto e em qual condição está.
Concluo que a regra é não atirar, salvo situações extremas, como o indivíduo na moto que esteja armado e possa atirar ou que haja uma elevada probabilidade de utilizar o veículo como “arma”, atropelar e matar pessoas.
É um dispositivo contendo agulhas de aço que faz o papel de impedir que um veículo prossiga ao ter os pneus furados. Trata-se de um limitador de fuga. O vídeo a seguir demonstra bem o que é a “cama de faquir” em uma utilização real.
Quando um veículo está em fuga, a polícia tem o dever de perseguir o veículo com o fim de realizar a abordagem. Nestas situações a polícia pode lançar na via pública pregos com o fim de furar os pneus e o veículo parar? Sim!
Trata-se de uma atuação policial fundada no estrito cumprimento do dever legal, pois, por lei, a polícia deve abordar os autores de infração penal ou quando houver fundada suspeita de que o agente está a praticar ou que acabou de cometer infração penal (arts. 240, § 2º e 302, ambos do CPP).
Os agentes que estão em um veículo em fuga, claramente, estão em situação de fundada suspeita e devem ser abordados pela polícia que está autorizada a se utilizar dos meios necessários e proporcionais para parar o veículo.
Nesse sentido, a Polícia Rodoviária Federal prevê institucionalmente a utilização da “cama de faquir” e recomenda a sua utilização para furar os pneus de carros, ônibus e caminhões, mas não de motos, em razão do grande risco que se tem do piloto em alta velocidade se acidentar e morrer ou sofrer sérias lesões.
A Polícia Militar de Minas Gerais também prevê a utilização da “cama de faquir” no Manual Técnico-Profissional n. 3.04.04/2020-CG.
O emprego do dispositivo está associado à necessidade de fazer com que veículos em fuga no trânsito interrompam seu fluxo, por meio da dificuldade gerada para a manutenção da estabilidade veicular em razão da perfuração dos pneus do veículo, e com isso, permitir a abordagem dos ocupantes e sua consequente prisão. Na doutrina policial os empregos desses limitadores de fuga estão alinhados às atividades repressivas, especialmente durante perseguições policiais.
Em síntese, trata-se de um procedimento policial legal, proporcional e os policiais que utilizam estão no ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL.
Como ocorre a destruição de coisa própria, neste caso, não há crime no ato de destruir o próprio veículo.
O crime de dano previsto no art. 163 do Código Penal exige que a destruição seja de coisa alheia.
Art. 163 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
É possível que em algum caso a destruição de coisa própria seja crime? Sim, o art. 346 do Código Penal prevê como crime destruir ou danificar coisa própria que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção (acordo, contrato).
Ex.1: juiz determina e penhora de um bem (veículo, televisão etc.) que é penhorado e vai para o depósito enquanto aguarda o leilão. O dono do bem entra no depósito e danifica o próprio bem. (Por determinação judicial).
Ex.2: uma pessoa aluga um veículo que se recusa a devolver, por ainda estar no prazo, e o proprietário danifica o veículo, inviabilizando o seu uso. (Por convenção)
Então, nunca haverá crime após a polícia apreender/remover um veículo e o dono danificá-lo? Depende da forma de destruição. Se for por chutes, socos, pauladas etc., não será crime; se for por incêndio, haverá o crime previsto no art. 250 do CP, se houver exposição a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, o que, inevitavelmente, ocorre nos incêndios em vias públicas. A depender do caso, colocar fogo no carro pode ser o caso do crime previsto no art. 54 da Lei de Crimes Ambientais, se puder resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.
A ordem do policial para que cessem os danos ao veículo ou para que não danifique o carro é legal! Portanto, a meu ver, o descumprimento da ordem é o caso de crime de desobediência. Entretanto, prevalece o entendimento de que se não houver amparo legal – previsto em lei – para essa ordem, não há crime de desobediência (STJ, RHC 67452/RJ).
É importante que a polícia preserve o veículo, pois se o proprietário não buscá-lo no prazo de sessenta dias, contado do dia do recolhimento, será avaliado e levado a leilão (art. 328 do CTB).
Por fim, o art. 346 do Código Penal deveria ser alterado para prever como crime a destruição de coisa própria que esteja sob responsabilidade do Estado. Tutela-se ordem judicial e o interesse particular, mas não o interesse do Estado.
A Resolução n. 23.669/2021, que trata dos atos gerais das eleições 2022, foi alterada para tratar do porte de armas nas 48 horas que antecedem o pleito e nas 24 horas que o sucedem.
O art. 154 passou a prever o seguinte:
Art. 154. A força armada se conservará a 100 metros da seção eleitoral e não poderá se aproximar do local da votação e não poderá adentrar sem ordem judicial ou do presidente da mesa receptora nas 48 horas que antecedem o pleito e nas 24 horas que o sucedem, exceto nos estabelecimentos penais e nas unidades de internação de adolescentes, respeitado o sigilo de voto.
§ 1º A redação prevista no caput não se aplica aos integrantes das forças de segurança em serviço junto à Justiça Eleitoral e quando autorizado ou convocados pela autoridade eleitoral competente.
§ 2º A previsão prevista no caput desse artigo aplica-se inclusive aos civis que carreguem armas, ainda que detentores de porte ou licença estadual.
§ 3º Aos agentes de força de segurança pública que se encontrem em atividade geral de policiamento no dia das eleições, fica permitido o porte de arma de fogo na seção eleitoral no momento que forem votar, não se aplicando, excepcionalmente, a restrição prevista no caput.
§ 4º Os tribunais, juízas e juízes eleitorais, no âmbito das respectivas circunscrições, poderão solicitar à presidência do TSE, a extensão da vedação constante no caput do parágrafo 2º deste artigo aos locais que necessitem de idêntica proteção.
§ 5º. O Tribunal Superior Eleitoral no exercício do seu poder regulamentar e de polícia adorará todas as providências necessárias para tornar efetiva essas vedações, mediante resolução ou portaria considerada a urgência.
§ 6º. O descumprimento do caput e parágrafo 2º desse artigo acarretará a prisão em flagrante por porte ilegal de arma, sem prejuízo do crime eleitoral correspondente.
Nota-se pela leitura do artigo acima que somente é possível que militares das Forças Armadas se aproximem do local da votação, se houver autorização ou ordem judicial ou do presidente da mesa receptora, com exceção dos estabelecimentos penais e nas unidades de internação de adolescentes.
Em se tratando de policiais e militares das instituições de segurança pública que estejam em serviço junto à Justiça Eleitoral, poderão, quando autorizados ou convocados pelo juiz eleitoral ou presidente da mesa receptora, permanecerem armados nas proximidades do local de votação.
Os policiais e militares que no dia das eleições estejam em qualquer atividade de policiamento poderão portar armas de fogo na seção eleitoral quando forem votar.
Os civis que possuem porte de arma, em nenhum caso, poderão se aproximar do local de votação armados ou votarem armados.
Aquele que descumprir a determinação do Tribunal Superior Eleitoral incidirá na prática do crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/03).
Esquematicamente, o cenário pode assim ser visualizado:
Quem?
Pode portar arma ao votar?
Previsão
Consequência
Militar do Exército de serviço.
Sim. A regra é que permaneça a 100 metros da seção eleitoral e somente se aproxime mediante autorização/ordem judicial ou do presidente da mesa receptora.
Art. 154, caput, §§ 1º e 3º da Resolução n. 23.669/2021.
Não há, por se tratar de exercício regular de um direito.
Policial Civil, Federal, Rodoviária Federal, Penal e Guarda Municipal.
Sim, desde que esteja em atividade geral de policiamento. A norma dá a entender que abrange somente os policiais e guardas que estejam de serviço na rua. E os policiais que trabalham em delegacia, presídio ou internamente? Obviamente, não vão sair na rua uniformizados e sem arma. Seria o caso de trocarem de roupa e deixarem a arma na delegacia/presídio? É um tema bem polêmico. Entendo que deve ser feita uma interpretação extensiva para abranger também todos os policiais que estejam de serviço no dia, não somente na rua.
Art. 154, caput, § 3º da Resolução n. 23.669/2021.
Não há, por se tratar de exercício regular de um direito. Observação: caso o meu entendimento não prevaleça poderá ser interpretado como crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 154, § 6º, da Resolução n. 23.669/21 c/c art. 14 da Lei n. 10.826/03).
Policial Militar
Sim. A maioria dos policiais trabalha na rua no dia das eleições, logo, para os policiais militares não haverá maiores discussões. O militar que trabalhar no quartel no dia das eleições estará em apoio à atividade geral de policiamento.
Art. 154, caput, § 3º da Resolução n. 23.669/2021.
Não há, por se tratar de exercício regular de um direito.
Policiais e militares que não estejam de serviço
Não.
Art. 154, caput, §§ 3º e 6º da Resolução n. 23.669/2021.
Porte ilegal de arma de fogo (art. 154, § 6º, da Resolução n. 23.669/21 c/c art. 14 da Lei n. 10.826/03).
Civil que possui porte de arma.
Não.
Art. 154, § 2º, da Resolução n. 23.669/2021.
Porte ilegal de arma de fogo (art. 154, § 6º, da Resolução n. 23.669/21 c/c art. 14 da Lei n. 10.826/03).
A Lei n. 9.472/97 dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, devendo ser observada para que, quem realizar atividade de telecomunicação, não pratique infração penal.
Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza (art. 60, § 1º, da Lei n. 9.472/97).
Em se tratando de radiodifusão, a Lei n. 9.472/97 define como atividade clandestina toda aquela desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de exploração de satélite (art. 184, parágrafo único).
Na atividade policial não é incomum que infratores possuam um Rádio Hand-Talk (HT), um rádio transmissor, para ouvir a frequência da rede rádio da Polícia Militar.
Nesses casos os agentes envolvidos podem praticar o crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62 ou o art. 183 da Lei n. 9.472/97.
Lei n. 4.117/62.
Lei n. 9.472/97
Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos. (Substituído pelo Decreto-lei nº 236, de 28.2.1967) Parágrafo único. Precedendo ao processo penal, para os efeitos referidos neste artigo, será liminarmente procedida a busca e apreensão da estação ou aparelho ilegal. (Substituído pelo Decreto-lei nº 236, de 28.2.1967)
Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.
Perceba que o art. 70 da Lei n. 4.117/62 abrange a “instalação” ou “utilização” de telecomunicação de forma irregular, ao passo que o art. 183 da Lei n. 9.472/97 trata de “desenvolver clandestinamente” atividades de telecomunicação.
Instalar é fazer funcionar, inserir, colocar, montar. Utilizar é fazer uso, usar.
Desenvolver é prosseguir, originar, reproduzir. Clandestino é tudo aquilo que feito às escondias, de forma oculta.
Note que para o crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62 é suficiente que haja a mera instalação ou utilização, o que permite afirmar que basta a prática de uma conduta para a configuração do crime, ao passo que o art. 183 da Lei n. 9.472/97 exige que haja um desenvolvimento clandestino, de onde se extrai a necessidade de haver uma permanência, um prosseguimento, isto é, uma habitualidade, como um uso constante.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “A diferença entre a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações e a do art. 183 da nova lei de Telecomunicações está na habitualidade da conduta. Quando a atividade clandestina de telecomunicações é desenvolvida de modo habitual, a conduta tipifica o disposto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, e não o art. 70 da Lei nº 4.117/62, que se restringe àquele que instala ou utiliza sem habitualidade a atividade ilícita em questão.”[1]
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, possui entendimento no sentido de que a distinção entre os crimes previstos nos artigos 183 da Lei n. 9.472/1999 e 70 da Lei n. 4.117/1962 é a habitualidade. Para a configuração do primeiro exige-se a prática rotineira da conduta de desenvolver atividade de telecomunicação clandestina.[2]
Ambos os crimes são de perigo abstrato, portanto, há a ocorrência da infração penal, independentemente, da demonstração de um perigo concreto, pois o simples descumprimento da lei presume a geração de um perigo.
São crimes formais, pois em que pese ser possível a ocorrência de resultado naturalístico, como a interferência nos meios de comunicação, este não é exigido.
Os tipos penais tutelam a segurança dos meios de comunicação, uma vez que a instalação, o uso e o desenvolvimento clandestino podem acarretar uma série de consequências, como interferir, atrapalhar e gerar uma série de problemas de comunicação entre serviços públicos de emergência, como as viaturas policiais e de regaste do Corpo de Bombeiros Militar, ambulâncias, bem como a regularidade das comunicações decorrentes de navegação aérea e marítima.
Nota-se não haver dúvidas que o uso irregular é crime, razão pela qual o policial ao se deparar com um agente utilizando-se de rádio que capte a frequência da Polícia Militar ou não, desde que sem autorização da ANATEL, deverá ser preso e conduzido à Delegacia da Polícia Federal. A condução deve se dar para a Delegacia da Polícia Federal por se tratar de crime em detrimento de serviço e por ser de interesse da União (art. 144, § 1º, I, da CF), já que o órgão regulador responsável por autorizar e fiscalizar o uso de rádio no Brasil é a Agência Nacional de Telecomunicação – ANATEL -, que é autarquia federal, mais especificamente, uma agência reguladora.
A seguir, cito julgados importantes e que podem nortear a atuação policial.
Para a caracterização do delito do art. 70, da Lei n.º 4.117/62 basta que o equipamento transceptor esteja apto a funcionar, sendo desnecessária a comprovação do uso efetivo.[3]
A “instalação” e “utilização” de rádio transmissor em veículo configura o tipo do art. 70 da Lei n. 4.117/62 e não o do art. 183 da Lei 9.427/97.[4]
A utilização de aparelho radiocomunicador na faixa de frequência da Polícia Militar, sem licença da ANATEL, configura o crime previsto no art. 183 da Lei n. 9.427/97, ainda que o equipamento opere em baixa frequência, sendo inaplicável o princípio da insignificância.[5]
O delito tipificado pelo art. 183 da Lei 9.472/1997 tem natureza formal, o que significa que se consuma com a prática da conduta descrita no tipo penal, qual seja, o desenvolvimento de atividade de telecomunicação sem autorização legal, independente da faixa de potência utilizada ou da produção de resultado danoso.[6]
A mera escuta radiofônica de conversação na frequência restrita da Brigada Militar não caracteriza o crime de violação de comunicação radioelétrica (art. 151, § 1º, II, do CP).[7]
Especificamente quanto à decisão de que “A mera escuta radiofônica de conversação na frequência restrita da Brigada Militar não caracteriza o crime de violação de comunicação radioelétrica” é importante tecer algumas observações.
O crime de violação de comunicação radiográfica (art. 151, § 1º, II, do CP) possui a seguinte redação:
Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – Na mesma pena incorre:
Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica
II – quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;
O tipo penal subdivide-se em duas partes. Especificamente, ao que interessa ao presente texto, que é a análise da captação de comunicação radioelétrica, tem-se a seguinte redação: “quem indevidamentedivulga, transmite a outrem ou utilizaabusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro”. (destaquei)
A doutrina sustenta que essa parte se aplica somente a pessoas que não exerçam função pública relacionada à transmissão da mensagem, pois, neste caso, pratica o crime do art. 56, § 1º, da Lei n. 4.117/62. Portanto, quando o art. 151, § 1º, II, do Código Penal diz haver crime por parte de quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, o “quem” se refere a pessoas comuns, que não seja servidor público que trabalhe com transmissão da mensagem.
Código Penal
Lei n. 4.117/62
Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º – Na mesma pena incorre: Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônicaII – quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;
Art. 56. Pratica crime de violação de telecomunicação quem, transgredindo lei ou regulamento, exiba autógrafo ou qualquer documento do arquivo, divulgue ou comunique, informe ou capte, transmita a outrem ou utilize o conteúdo, resumo, significado, interpretação, indicação ou efeito de qualquer comunicação dirigida a terceiro. § 1º Pratica, também, crime de violação de telecomunicações quem ilegalmente receber, divulgar ou utilizar, telecomunicação interceptada.
Comunicação telegráfica consiste no envio e recebimento de informações por intermédio da telegrafia.
Telegrafia, consoante art. 4º da Lei n. 4.117/62, é o processo de telecomunicação destinado à transmissão de escritos, pelo uso de um código de sinais.
Comunicação radioelétrica se refere ao envio e recebimento de mensagens por intermédio de ondas eletromagnéticas, o que dispensa o uso de fios.
O tipo penal exige que o agente divulgue, transmita a outrem ou utilize abusivamente a comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigia a terceiro.
Divulgar consiste em dar publicidade, tornar público. Transmitir é repassar, enviar para outra pessoa. Utilizar quer dizer usar, fazer uso.
A divulgação, a transmissão ou a utilização devem ser feitas de forma abusiva, ou seja, em desrespeito às normas que tratam de telecomunicação. De toda forma, observe que o legislador exige que o uso seja indevido e utilizou também que o uso deve ser abusivo. Ora, se o uso é indevido, necessariamente, será abusivo, razão pela qual essa previsão é desnecessária.
Feitas essas ponderações fica mais fácil demonstrar o raciocínio jurídico da decisão judicial que afirmou que a mera escuta radiofônica de conversação na frequência restrita da Polícia Militar não caracteriza o crime de violação de comunicação radioelétrica.
Observe que o art. 151, § 1º, II, do Código Penal em nenhum momento tipifica a conduta de ouvir ou tomar conhecimento, indevidamente, de conteúdo falado na frequência de rádio que seja fechada, como a da Polícia Militar que, em tese, deve ser restrita somente para os militares que estejam trabalhando, por questões estratégicas e de segurança[8]. O tipo penal tipifica como crime somente a conduta de divulgar, transmitir ou utilizar indevidamente a comunicação radioelétrica.
A utilização referenciada no tipo penal para caracterizar o crime pode se basear no uso indevido das informações captadas, seja para fins de praticar crimes, de conseguir se esconder da polícia ou qualquer finalidade indevida (não prevista, não autorizada ou vedada por lei), ainda que não haja nenhuma divulgação ou repasse das informações para terceiros, pois essa divulgação ou repasse não são exigidos pelo tipo penal que permite a prática do crime somente com a utilização indevida, abusiva.
Portanto, receber informações da rede rádio da frequência da Polícia Militar e utilizar essas informações, indevidamente, caracteriza o crime do art. 151, § 1º, II, do Código Penal, o que ocorre, comumente, quando criminosos escutam a rede rádio da Polícia Militar.
Por outro lado, caso os envolvidos ouçam a rede rádio da Polícia Militar, simplesmente, por ouvir, sem o uso indevido das informações, não há crime.
Diante desse panorama, no caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul[9], ficou demonstrado nos autos que os réus somente estavam ouvindo a rede rádio na frequência da Polícia Militar (Brigada Militar), sem prova de que fizeram o uso indevido das informações obtidas ou que divulgaram ou transmitiram a terceiros.
Como a conduta de somente ouvir a rede rádio da Polícia Militar, sem praticar mais nenhum ato, é atípica (não existe previsão legal de que seja crime), os réus foram absolvidos.
Portanto, nessas situações, os agentes devem ser presos por praticarem o crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62 ou do art. 183 da Lei n. 9.472/97, sendo mais factível prender pelo art. 70 da Lei n. 4.117/62 e conduzir à Polícia Federal, uma vez que este crime não exige a habitualidade, que deve ser comprovada para efetuar a prisão e, geralmente, a prova decorre de uma investigação realizada pela autoridade de polícia judiciária. No caso do art. 70 da Lei n. 4.117/62 é suficiente a mera instalação ou utilização de telecomunicações sem a observância das normas pertinentes, o que pode ser comprovado de pronto em uma ocorrência policial. Em todo caso o aparelho utilizado irregularmente deve ser apreendido pelos policiais, por constituir a própria materialidade da infração penal (art. 6°, II, do CPP).
[1] STF – HC: 93870 SP – SÃO PAULO 0000691-04.2008.0.01.0000, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 20/04/2010, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-168 10-09-2010.
STF – HC: 115137 PI, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 17/12/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-030 DIVULG 12-02-2014 PUBLIC 13-02-2014.
[2] AgRg no REsp 1748368/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 22/11/2018.
[3] TRF-4 – ACR: 50003124620144047017 PR 5000312-46.2014.4.04.7017, Relator: CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Data de Julgamento: 06/03/2017, SÉTIMA TURMA.
[4] TRF-4 – ACR: 50007549620104047002 PR 5000754-96.2010.4.04.7002, Relator: VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Data de Julgamento: 09/10/2013, OITAVA TURMA.
[5] TRF-3 – ACR: 00007554620074036115 SP 0000755-46.2007.4.03.6115, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, Data de Julgamento: 01/03/2016, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/03/2016.
[6] TRF-1 – APR: 00002257420144014103, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO, Data de Julgamento: 02/02/2021, QUARTA TURMA.
[7] TJ-RS – RC: 71003575792 RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Data de Julgamento: 26/03/2012, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/03/2012.
[9] TJ-RS – RC: 71003575792 RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Data de Julgamento: 26/03/2012, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/03/2012.