Aspectos relevantes da decisão do STF que descriminalizou o porte de maconha para o consumo pessoal e impactos na atuação policial na rua

O Supremo Tribunal Federal (RE 635659) fixou as seguintes teses ao descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal:

1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III);

2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta;

3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença;

4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito;

5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes;

6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários;

7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio;

8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.

A decisão do STF que descriminalizou o porte de maconha para o consumo pessoal gerou muitas dúvidas, sobretudo na atuação policial na rua.

Os tópicos abordados a seguir não tem a pretensão de esgotar o assunto, apenas de contribuir, ainda que minimamente para os debates.

1. O STF decidiu que portar maconha para consumo pessoal não é crime. Cuidado, pois não houve liberação. Apenas deixou de ser crime e passou a ser ilícito extrapenal. O porte das demais drogas para consumo pessoal continua sendo o crime previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/06, se previstas na Portaria SVS/MS nº 344/98 (cocaína, crack, heroína etc.).

As consequências para quem for flagrado portando maconha para consumo pessoal podem ser essas duas: advertência sobre os efeitos do uso da maconha e aplicação de medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Para as demais drogas ilícitas, além dessas medidas é possível aplicar a prestação de serviço à comunidade, o que agora não é mais possível para o usuário de maconha (art. 28 da Lei de Drogas). Ate que o CNJ regulamente, o juiz do juizado especial criminal será o responsável por aplicar as referidas medidas ao portador de maconha.

2. Criou-se uma presunção de porte de maconha para uso pessoal quando a quantidade que a pessoa portar for de até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas.

Isso não impede que uma pessoa que porte menos de 40 gramas não seja enquadrada no tráfico, pois há apenas uma presunção de que é usuária. Imagine o agente que ande pelas ruas vendendo drogas, mas sempre com no máximo 40 gramas, o que é pesado antes de sair de casa para não ser flagrado no tráfico. Ele vende, retorna em casa e pega mais droga. E assim faz a distribuição da droga na região em que atua. Neste caso atua claramente como “aviãozinho” e deve responder por tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/06).

3. A pessoa que é flagrada portando quantidade superior a 40 gramas não será, automaticamente, enquadrada como traficante, pois em todo caso deverá estar comprovado que a quantidade de droga se destina ao tráfico, pois até 40 gramas há uma presunção relativa de uso. Acima de 40 gramas não há presunção de uso, mas não se trata de presunção de traficância. Fica em aberto devendo-se analisar as provas do caso. A defesa terá mais trabalho para demonstrar que é usuário.

Quando houver uma quantidade de maconha superior a 40 gramas aplica-se o mesmo raciocínio do crime de receptação.

Quando há a apreensão do bem resultante de crime na posse do agente, é ônus do imputado comprovar a origem lícita do produto ou que sua conduta ocorreu de forma culposa. Isto não implica inversão do ônus da prova, ofensa ao princípio da presunção de inocência ou negativa do direito ao silêncio, mas decorre da aplicação do art. 156 do Código de Processo Penal, segundo o qual a prova da alegação compete a quem a fizer.

STJ. AgRg no AREsp n. 2.309.936/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 17/5/2024.

Portanto, será ônus do agente comprovar que a droga se destina ao uso, como decorrência do art. 156 do CPP.

4. A quantidade estabelecida pelo STF aplica-se apenas nos casos de porte de maconha. Não há a mesma presunção se uma pessoa for flagrada portando, por exemplo, menos de 40 gramas de cocaína, o que não significa também que será traficante. O ônus da prova continua sendo da acusação.

5. A polícia deverá analisar vários aspectos para identificar se os casos, independentemente, da quantidade de drogas, configuram uso ou tráfico, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes.

6. As instituições policiais, certamente, vão adquirir balanças certificadas pelo INMETRO para que fiquem nas viaturas e nas Delegacias, pois quando o policial abordar uma pessoa na rua usando maconha precisará antes de conduzi-la certificar-se de que a quantidade é superior a 40 gramas.

7. Certamente, nas Polícias Militares em que o TCO é lavrado na rua continuarão sem conduzir o usuário de maconha para a Delegacia, mas nas instituições militares em que o TCO não é lavrado tenho minhas dúvidas se vão apresentá-lo na Delegacia em razão de uma infração extrapenal. De toda forma, o Delegado de Polícia poderá analisar o caso para dizer sé é tráfico ou uso de drogas.

8. Como a abordagem policial na rua de usuários muitas vezes ocorre sem investigação prévia ficará muito difícil demonstrar que se trata de traficante se a pessoa estiver com no máximo 40 gramas de maconha.

9. A polícia pode realizar busca pessoal na rua quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos que constituam corpo de delito (infração penal). Há previsão também de busca pessoal para apreender coisas obtidas por meios criminosos ou para colher qualquer elemento de convicção de infração penal (arts. 240, §§ 1º e 2º e 244). Fato é que o STF e o STJ têm sido rigorosos com as buscas pessoais.

A busca pessoal prevista no CPP tem natureza probatória e correlação com a prática de infração penal. Como portar até 40 gramas de maconha não é mais crime é possível a realização de busca pessoal quando o policial se deparar na rua com um indivíduo com maconha? Visualizo dois possíveis entendimentos.

1º) Não é possível realizar a busca pessoal, pois se trata de infração extrapenal e não há previsão legal que autorize a busca nesses casos, devendo a polícia atuar apenas quando houver situação de flagrante uso de maconha e não por fundada suspeita de que a pessoa porta maconha. Neste caso, ao constatar o uso o policial vai aprender a maconha e ordenar que o indivíduo entregue toda a maconha que estiver com ele, podendo, para tanto, verificar os bolsos, mochila etc. Caso a pessoa descumpra a ordem haverá desobediência (o crime de desobediência neste caso é discutível e pode ser que prevaleça a inexistência de crime)

2º) É possível realizar a busca pessoal, já que há fundada suspeita de portar maconha que, em que pese não ser considerado crime, a aquisição da maconha decorre da prática de um crime por terceiro (tráfico). Como o CPP autoriza a busca pessoal para apreender coisas obtidas por meios criminosos (quem vendeu praticou crime), bem como para colher elementos de convicção de infração penal (é necessário investigar a prática do tráfico de quem vendeu), permite-se a busca pessoal.

Outro argumento que sustenta a possibilidade de busca pessoal decorre da determinação do STF para que a polícia apreenda a maconha que o usuário portar e é impossível a apreensão sem a realização de busca, razão pela qual o STF autorizou, implicitamente (teoria dos poderes implícitos), a realização de buscas pessoais pela polícia de natureza administrativa.

É muito importante que as instituições militares se posicionem formalmente, mediante ato do Comandante-Geral e defina o protocolo operacional, conforme determina o art. 30 da Lei n. 14.751/2023. Adotando-se segundo entendimento que expus isentará os policiais militares de eventual alegação de abuso de autoridade nas buscas pessoais, em razão da ausência da finalidade específica de abusar da autoridade, já que o elemento subjetivo no caso será o cumprimento de norma do comando da instituição, a qual está obrigado a cumprir (obediência hierárquica/estrito cumprimento do dever legal).

10. A polícia pode adentrar à residência do indivíduo que fuma maconha?

Como a Constituição Federal não autoriza o ingresso em residência em razão da prática de ilícito extrapenal (art. 5º, XI, CF) não é possível mais ingressar na casa de usuário de maconha. Logo, se a polícia visualiza uma pessoa fumando maconha pela janela, não poderá entrar.

11. Caso o usuário de maconha incomode os vizinhos com o cheiro, o que fazer?

A solução é extrapenal e deve ocorrer mediante a aplicação de multa, se morar em condomínio de casas ou apartamentos, ou mediante o ajuizamento de uma ação de obrigação de não fazer com pedido de multa.

Os vizinhos possuem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais ao sossego e à saúde (art. 1.277 do CC). No condomínio não se pode utilizar o espaço de maneira prejudicial à salubridade (art. 1.336, IV, do CC).

Caso as multas não sejam suficientes elas podem ir aumentando e serem cobradas judicialmente, com o bloqueio de bens, conta bancária etc. Em último caso, após reiteradas multas e comportamentos antissociais, é possível até mesmo a expulsão do condômino antissocial, sem perda da propriedade, mediante ação judicial. O mesmo raciocínio se aplica ao condômino que se utiliza de seu apartamento para prostituição e há, no dia a dia, um constante entra e sai de pessoas.

12. A decisão do STF não impacta em nada o crime militar de porte de drogas para consumo pessoal (art. 290 do CPM), pois este crime tutela também o regular funcionamento das instituições militares. Eu e o Luiz Paulo Spinola escrevemos isso em nosso livro que comenta a minirreforma do CPM. Continua sendo crime portar maconha para consumo pessoal em quartel ou em serviço. De toda forma o parâmetro fixado pelo STF de até 40 gramas de maconha haver presunção de ser porte para consumo pessoal pode também ser utilizado no crime militar de porte de drogas para consumo pessoal.

13. O candidato a ingressar nas instituições militares continua sendo contraindicado se houver registro administrativo de porte de maconha para consumo pessoal, pois essa conduta, ainda que não seja criminosa é incompatível com o serviço prestado pelas instituições militares. A sindicância social analisa também os aspectos morais e a conduta social, o que vai além dos antecedentes criminais e na esfera militar o porte de drogas para consumo pessoal é punido rigorosamente com pena de reclusão de um a cinco anos e como já dizia o Ministro Ayres Britto “uso de drogas e o dever militar são como água e óleo: não se misturam”.

14. Não é possível enquadrar quem compra droga como receptador (art. 180 do CP), pois não obstante a maconha seja droga ilícita e adquirida de forma ilegal (comprada de traficante), o STF decidiu que o porte de maconha para consumo pessoal não é crime, o que afasta qualquer possibilidade de enquadrar em outro tipo penal.

15. O adolescente ou criança que for flagrado utilizando maconha não praticará ao infracional e essa conduta também deve ser registrada administrativamente e encaminhada ao Conselho Tutelar e Ministério Público.

O Conselho Tutelar deve atuar para atender crianças e adolescentes quando estiverem vulneráveis em razão de suas próprias condutas e deve encaminhá-los aos pais ou responsáveis (arts. 136, I, 98, III e 101, I, do ECA).

    Ao Ministério Público cabe zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis (art. 201, VIII, do ECA), o que permite afirmar que é atribuição do Ministério Público, enquanto garantidor dos direitos das pessoas em desenvolvimento, acompanhar os casos em que adolescentes e crianças forem flagrados utilizando maconha.

    16. O art. 33, § 3º, da Lei de Drogas prevê que é crime “Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem”. Essa conduta criminosa não foi afetada pela decisão do STF, pois discutiu-se a constitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas e não do art. 33, § 3º, e neste caso o agente envolve terceiros no uso de drogas e não utiliza apenas sozinho.

    17. Houve uma espécie de abolitio criminis judicial. Portanto, não é possível mais constar, na folha de antecedentes criminais, o art. 28 da Lei de Drogas. Logo, esse registro deve ser apagado.

    18. O STF já decidiu ser inadmissível a Revisão Criminal em razão de meras variações jurisprudenciais, ressalvadas situações excepcionais de abolitio criminis ou declaração de inconstitucionalidade de dispositivos legais (HC 153805 AgR, Relator(a):  Min. Dias Toffoli, 2ª Turma, j. 11/09/2018).

    Portanto, em tese será cabível uma revisão criminal para analisar as condenações penais de quem portava até 40 gramas, para que seja feita uma nova valoração dos fatos. Comprovando que a condenação não possui outros elementos que indique a traficância, apenas tendo sido condenado em razão da quantidade, será o caso de procedência da revisão criminal em razão da abolitio criminis.

    Foi divulgado que o Conselho Nacional de Justiça fará mutirão carcerário para analisar os processos dos condenados por tráfico que portavam até 40 gramas de maconha.

    Cabe revisão criminal até mesmo se a pena já tiver sido cumprida (art. 622 do CPP).

    O Governador de Minas Gerais enviou projeto de lei para reajustar os salários dos militares e servidores públicos em 10,06%. A Assembleia Legislativa pode aumentar o reajuste?

    O Governador do Estado de Minas Gerais enviou projeto de lei para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais que concede o reajuste de 10,06% para os militares e servidores públicos civis.

    Houve intensa mobilização dos militares e dos policiais em Minas Gerais para que houvesse o reajuste em percentual maior, mas após intensos debates ficou decidido pelo Governo que o reajuste seria de 10,06%.

    Diante desse panorama parlamentares articulam inserir no projeto de lei enviado pelo Governador um percentual maior de reajuste ou outras gratificações.

    O Governador disse em entrevista que proposta diversa da que foi por ele enviada será vetada, contudo a Assembleia Legislativa pode “derrubar” o veto e a parte vetada vir a ser promulgada.

    Algumas análises:

    1. Caso os parlamentares mineiros aprovem um reajuste superior é de suma importância que não alterem o artigo do projeto de lei que prevê o reajuste de 10,06%. Imagine, a título de exemplo, que alterem o reajuste de 10,06% para 20%. O Governador não terá a opção de conceder somente o reajuste de 10,06% e para vetar o que excedeu o que prometeu conceder terá que vetar todo o artigo, logo, não será concedido nenhum reajuste, caso isso ocorra. Isso porque o Chefe do Poder Executivo somente pode vetar texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea (art. 66, § 2º, da CF). Não é possível vetar somente palavras, muito menos alterar o conteúdo do texto aprovado no Legislativo.

    2. Qual é a saída? Existe solução política, mas não jurídica. Politicamente, qualquer reajuste que vá além do que o Governador enviou para a Assembleia ou a criação de qualquer bônus ou gratificação para os servidores do Executivo, deve ser inserido em artigo diverso do que foi enviado pelo Governador ou em parágrafos no artigo que concede o reajuste, como a inserção de parágrafos que concedam reajustes parcelados. Isso possibilitará que o Governador vete os reajustes e bônus/gratificações inseridos sem prejudicar o que foi inicialmente enviado pelo Governador. Logo, o reajuste de 10,06% permanece garantido e a Assembleia Legislativa poderá derrubar os vetos e enviar para a promulgação.

    3. Por que eu disse “politicamente” no item anterior? Juridicamente, não é possível que o Legislativo, por iniciativa, conceda reajustes, bônus ou gratificações para os servidores do Executivo. Há vício de iniciativa (inconstitucionalidade por vício formal subjetivo). Portanto, qualquer inserção, por parlamentares, de reajuste, bônus, auxílio ou gratificação para os militares e servidores do Executivo no projeto de lei enviado pelo Governador é inconstitucional. Onde está previsto isso? Art. 61, § 1º, II, “a”, da Constituição Federal e art. 66, III, “b”, da Constituição do Estado de Minas Gerais.

          Vejam:

    Constituição FederalConstituição do Estado de MG
    Art. 66 (…) § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: II – disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;Art. 66 – São matérias de iniciativa privativa, além de outras previstas nesta Constituição: III – do Governador do Estado: b) a criação de cargo e função públicos da administração direta, autárquica e fundacional e a fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros da Lei de Diretrizes Orçamentárias;

          Imagine que a Assembleia Legislativa insira um reajuste superior ou acrescente alguma gratificação ou qualquer valor que os servidores do Executivo deverão receber, o Governador vete e a ALMG derrube o veto. O que poderá ocorrer?

          O Governador possui legitimidade para ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (art. 103, V, da CF), que é o que deverá ocorrer. Nesse caso caberá ao Supremo Tribunal Federal julgar e poderá suspender liminarmente a validade dos trechos da lei que for inconstitucional, sobretudo quando houver grave risco de prejuízo ao erário. O Supremo Tribunal Federal tem antigo entendimento consolidado pela impossibilidade do Legislativo, de iniciativa, conceder reajuste, bônus, auxílio para servidores do Executivo (ADI 1809).

          Portanto, diante de todo esse cenário, atrelado ao fato de que a criação de novos encargos financeiros deve ter comprovação de receita, sob pena de ser inconstitucional, acredito que o reajuste que será concedido será somente o de 10,06%, por mais que haja todo esforço da Assembleia Legislativa em tentar conceder um reajuste superior ou criar qualquer tipo de compensação financeira para os policiais e militares.

    Calculadora comparativa do salário entre profissões

    Olá pessoal,

    No dia 24/09/2020 fiz uma live com o Professor Leonardo Cacau sobre a averbação de tempo de serviço urbano e rural e os concursos públicos, a qual ficou registrada em meu instagram (@rodrigo.foureaux).

    A finalidade foi esclarecer sobre as regras de aposentadoria para quem presta concurso público e migra de carreira. Um policial que passa na magistratura, por exemplo, vai se aposentar com quantos anos e com qual salário? Vale a pena sob o ponto de vista financeiro?

    A decisão em prestar um concurso público, além daquele já prestado por quem é policial, envolve uma série de fatores pessoais, como a qualidade de vida, a mudança de cidade e o distanciamento da família e amigos, o local de trabalho, a satisfação na profissão policial, a vocação para a carreira que pretende alcançar, a autorrealização, a autonomia funcional e diversos outros.

    Falei brevemente sobre esses pontos, o que ficou registrado no meu instagram no dia 24/09/2020.

    Pedi a um analista financeiro que fizesse uma calculadora que permitisse comparar o total ganho entre duas carreiras, no decorrer da vida, levando-se em consideração os seguintes pontos:

    a) A média salarial na profissão 01 no decorrer de toda a vida ativa;

    b) A média dos valores recebidos durante a aposentadoria decorrente da profissão 01 até a expectativa de vida;

    c) A média salarial na profissão 02 no decorrer de toda a vida ativa;

    d) b) A média dos valores recebidos durante a aposentadoria decorrente da profissão 02 até a expectativa de vida.

    Por exemplo: eu sou policial e trabalho até os 60 anos de idade, tendo prestado 35 anos de serviço. Imagine que esse policial viva até os 80 anos de idade. Como se aposentou aos 60 anos, vai receber a aposentadoria por 20 anos. Pego a média do meu salário durante toda a vida em que trabalhei e depois a média dos valores recebidos por mês durante a aposentadoria. Com base nesses critérios terei a média de meu salário no decorrer de toda a vida, levando em consideração que “recebo” sem trabalhar com a aposentadoria. Eu sei que no decorrer da vida o servidor paga contribuição previdenciária para se aposentar e receber sem ter que trabalhar. Fato é que o cálculo visa somente dar uma noção comparativa entre os salários de duas profissões, com base na expectativa de vida.

    Por vezes escuto que não vale a pena trocar uma profissão por outra, analisando-se exclusivamente os motivos financeiros, considerando toda a vida. Com essa calculadora você poderá saber se essa afirmação é verdadeira. É claro que receber um alto salário com uma idade mais nova permite formar o seu patrimônio mais cedo, investir, conquistar a sua independência financeira e ter um rendimento mensal considerável ao se aposentar. Ter um bom salário enquanto é novo permite você mesmo decidir quando e com quanto vai se aposentar. Claro que quanto mais trabalhar maior será a sua aposentadoria feita por você mesmo.

    São só alguns pontos para te fazer refletir e a tomar a melhor decisão.

    Para acessar a calculadora clique aqui.

    Um abraço!

    Rodrigo Foureaux

    A instituição policial pode exigir que o policial more no local em que trabalha e condicionar a saída do local de residência para outra cidade, estado ou para o exterior à previa autorização do Comando?

    SÍNTESE

    Fundamentos
    • Art. 93, VII, e art. 129, § 2º da Constituição Federal
    • Art. 22 da Convenção Americana de Direitos Humanos
    • Art. 5º, XV e LIV, da Constituição Federal
    • Art. 319, IV, e art. 320 do Código de Processo Penal
    • Art. 76 do Código Civil

    O Supremo Tribunal Federal decidiu na ADPF n. 90, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, julgada em 03/04/2020 que:

    1. A regra que estabelece a necessidade de residência do policial no município em que exerce suas funções é compatível com a Constituição de 1988, a qual já prevê obrigação semelhante para magistrados, nos termos do seu artigo 93, VII (“o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal”);

    2. A proibição de saída do município sede da unidade em que o servidor atua sem autorização do superior hierárquico configura grave violação da liberdade fundamental de locomoção (artigo 5º, XV, da Constituição de 1988) e do devido processo legal (artigo 5º, LIV, da Constituição), mercê de constituir medida de caráter excepcional no âmbito processual penal (artigo 319, IV, do CPP), a revelar a desproporcionalidade da sua expansão como regra no âmbito administrativo. A investidura em cargo público não afasta a incidência dos direitos e garantias fundamentais assegurados pela Carta Magna, de modo que o agente público não pode ficar confinado aos limites do Município no qual exerce suas funções, submetido ao alvedrio de seus superiores para transitar pelo território nacional.

    Após o estudo do julgado do Supremo Tribunal Federal e aprofundamentos realizados por este autor, chegou-se às seguintes conclusões:

    a) É possível que lei ou norma da instituição policial obrigue o policial a residir na cidade em que trabalha;

    b) Não é possível que lei ou norma da instituição policial exija prévia autorização para que o policial saia da cidade em que trabalha para viajar para outra cidade ou estado;

    c) Em que pese haver entendimento em sentido diverso, temos que é possível que a instituição policial, mediante lei em sentido formal e não atos normativos do Poder Executivo, exija prévia autorização para que o policial saia do país.

    A Constituição Federal prevê no art. 93, VII, que o juiz titular deve residir na comarca, salvo autorização do tribunal.

    Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

    VII o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

    O art. 129, § 2º, da Constituição Federal possui semelhante previsão para os membros do Ministério Público.

    Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

    § 2º As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

    Nada prevê a Constituição Federal acerca da necessidade de policiais terem que morar na cidade em que trabalha. Diante da ausência de previsão constitucional, discute-se se é constitucional a previsão em lei ou ato normativo da instituição que obrigue policiais e militares a residirem no local em que trabalha.

    O Supremo Tribunal Federal1 enfrentou essa questão e decidiu pela possibilidade da instituição policial exigir que o policial resida na cidade em que trabalha.

    No caso concreto foi analisado o art. 244 da Lei Complementar n. 3.400/81 do Espírito Santo.

    Art. 244. As autoridades policiais, seus agentes e auxiliares ficam obrigados a residir no município sede da unidade policial em que prestarem serviços ou onde lhes tenha sido permitido, não podendo afastar-se sem prévia autorização superior, salvo para atos e diligências de seus encargos.

    O Supremo Tribunal Federal fundamentou que a Constituição Federal autoriza exigir que magistrados residam na comarca, por ser compatível a exigência com as liberdades fundamentais e as atribuições profissionais, logo, não há motivo que justifique vedar que essa exigência seja estendida a outras categorias profissionais

    Quanto à regra que estabelece a necessidade de residência no município sede da unidade policial, não se vislumbra incompatibilidade em relação à Carta de 1988, na qual já existe obrigação semelhante para magistrados, nos termos do seu artigo 93, VII: “o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal”. Desse modo, se o constituinte entendeu compatível com as liberdades fundamentais a exigência de moradia onde são exercidas as atribuições profissionais, não há motivos para vedar que o legislador amplie a regra para abranger outros servidores públicos.

    Vale consignar que residência e domicílio são conceitos distintos e não se confundem.

    O Código Civil afirma que o servidor público possui domicílio necessário no lugar em que exerce permanentemente suas funções e o militar no local em que servir, o que não significa dizer que o Código Civil obrigue o servidor público e o militar a residirem no local em que trabalham, pois o conceito de residência é diverso do conceito de domicílio.

    Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso.

    Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.

    Carlos Roberto Gonçalves2 leciona que:Domicílio é a sede jurídica da pessoa, onde ela se presume presente para feitos de direito e onde pratica habitualmente seus atos e negócios jurídicos.

    A residência é, portanto, apenas um elemento componente do conceito de domicílio, que é mais amplo e com ela não se confunde. Residência, como foi dito, é simples estado de fato, sendo o domicílio uma situação jurídica. Residência, que indica a radicação do indivíduo em determinado lugar, também não se confunde com morada ou habitação, local que a pessoa ocupa esporadicamente, como a casa de praia ou de campo, ou o hotel em que passa uma temporada, ou mesmo o local para onde se mudou provisoriamente até concluir a reforma de sua casa. É a mera relação de fato, de menor expressão que residência.

    Uma pessoa pode ter um só domicílio e mais de uma residência. (…)

    Admite-se, também, que uma pessoa possa ter domicílio sem possuir residência determinada, ou em que esta seja de difícil identificação. Preleciona Orlando Gomes que, nesses casos, para resguardar o interesse de terceiros, vem-se adotando a teoria do domicílio aparente, segundo a qual, no dizer de Henri de Page, ‘aquele que cria as aparências de um domicílio em um lugar pode ser considerado pelo terceiro como tendo aí seu verdadeiro domicílio.’” (destaquei)

    Portanto, é perfeitamente possível que um servidor público ou militar possuam domicílio em local diverso da residência, já que aquele decorre de um status jurídico, no sentido de fixar o local em que a pessoa, no dia a dia, pratica e realiza seus atos jurídicos, enquanto que a residência decorre de um status fático, que consiste no local em que o servidor efetivamente more, onde permaneça fisicamente no dia a dia nos horários de folga.

    Como exemplo de prática de atos jurídicos no domicílio do servidor público ou do militar, tem-se a intimação judicial realizada para a audição na condição de testemunha, cuja intimação será feita, respectivamente, ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que servir (art. 455, § 4º, III, do CPC).


    A exigência para que o policial resida na cidade em que trabalha deve estar contida em lei em sentido estrito (lei propriamente dita) ou pode decorrer de um ato normativo da instituição policial (lei em sentido amplo)?

    O Supremo Tribunal Federal não entrou nesse mérito, tendo o Ministro Luiz Fux, Relator da ADPF 90, mencionado genericamente que se o constituinte entendeu compatível com as liberdades fundamentais a exigência de moradia onde são exercidas as atribuições profissionais, não há motivos para vedar que o legislador amplie a regra para abranger outros servidores públicos.

    A Constituição Federal tratou da obrigatoriedade de residência no local de trabalho somente para juízes e promotores, pois são cargos públicos cujos membros possuem previsão na própria Constituição Federal e dada a atividade-fim das funções é conveniente e prudente que o juiz e promotor residam na comarca, com o intuito de conhecerem melhor a realidade e aplicarem o direito sem desconhecer a realidade local. No entanto, normas específicas das carreiras dos servidores públicos podem, também, obrigarem a residência na cidade em que trabalham.

    O art. 5º, II, da Constituição Federal diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e o art. 37, caput, diz que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”

    Trata-se de aplicação do princípio da legalidade.

    Para tanto, deve-se analisar o grau de abrangência do princípio da legalidade, se se trata somente de leis em sentido estrito, aprovadas pelo Poder Legislativo, ou normas jurídicas que podem ser editadas pelo Poder Executivo, como uma portaria, resolução, decreto.

    Gilmar Mendes Ferreira e Paulo Gustavo Gonet Branco discorrem sobre o conceito de legalidade e ensinam que:3

    O conceito de legalidade não faz referência a um tipo de norma específica, do ponto de vista estrutural, mas ao ordenamento jurídico em sentido material. É possível falar então em um bloco de legalidadeou de constitucionalidade que englobe tanto a lei como a Constituição.Lei, nessa conformação, significa norma jurídica, em sentido amplo, independente de sua forma.

    Quando a Constituição, em seu art. 5º, II, prescreve que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, por “lei” pode-se entender o conjunto do ordenamento jurídico (em sentido material), cujo fundamento de validade formal e material encontra-se precisamente na própria Constituição. Traduzindo em outros termos, a Constituição diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não esteja previamente estabelecida na própria Constituição e nas normas jurídicas dela derivadas, cujo conteúdo seja inovador no ordenamento (Rechtsgesetze). O princípio da legalidade, dessa forma, converte-se em princípio da constitucionalidade (Canotilho), subordinando toda a atividade estatal e privada à força normativa da Constituição.

    Flávio Martins Alves Nunes Júnior4 leciona que:

    (…) como prevê a Constituição (art. 5º, II), “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Indaga-se: essa “lei” a que a Constituição se refere, é lei no sentido amplo ou lato (qualquer ato normativo do poder público, envolvendo decretos, portarias, resoluções, medidas provisórias etc.) ou lei no sentido estrito (um ato emanado do Poder Legislativo)? A expressão “lei” do artigo 5º, II, da Constituição Federal se refere à lei no sentido lato ou amplo. Assim, é possível que sejamos obrigados a fazer algo, por conta de uma Medida Provisória, por exemplo. (…) Da mesma forma, a Prefeitura de um Município poderá, por ato normativo (resolução, portaria etc.) da Secretaria de Transportes, reduzir a velocidade máxima permitida em algumas vias públicas. As pessoas serão obrigadas a dirigir seus veículos naquela velocidade, sob pena de multa.

    Importante: não se pode confundir o princípio da legalidade com o princípio da reserva legal.

    Enquanto o princípio da legalidade, base do Estado de Direito, é o parâmetro norteador de todos os atos do poder público e das pessoas, a reserva legal consiste numa determinação constitucional de elaboração de uma lei em sentido estrito para disciplinar determinadas relações. Nas palavras de Gilmar Mendes, “diante de normas densas de significado fundamental, o constituinte defere ao legislador atribuições de significado instrumental, procedimental ou conformador/criador do direito.

    (…) há uma diferença substancial entre o princípio da legalidade e o princípio da reserva legal. Enquanto o primeiro se refere à lei no sentido amplo (qualquer ato normativo do poder público), o segundo se refere à lei no sentido estrito (ato emanado do Poder Legislativo).

    Nota-se, portanto, que o princípio da legalidade não se restringe somente à lei em sentido formal, sendo possível que atos do Poder Executivo estejam abrangidos pelo conceito de legalidade.

    A Administração Pública não pode inovar no direito ao editar atos normativos, sob pena de usurpar competência legislativa e ferir a separação de poderes, o que não a impede de editar normas que visem resguardar o interesse público, nos limites da lei.

    Matheus Carvalho5 ensina que:

    Neste diapasão, se faz necessário lembrar que a Legalidade não exclui a atuação discricionária do agente público, tendo essa que ser levada em consideração quando da análise, por esse gestor, da conveniência e da oportunidade em prol do interesse público. Como a Administração não pode prever todos os casos onde atuará, deverá valer-se da discricionariedade para atender a finalidade legal, devendo, todavia, a escolha se pautar em critérios que respeitem os princípios constitucionais como a proporcionalidade e razoabilidade de conduta, não se admitindo a interpretação de forma que o texto legal disponha um absurdo.

    O poder normativo da Administração Pública possibilita a edição de atos normativos com o fim de complementar a lei, sem, no entanto, inovar no ordenamento jurídico, o que é admitido, para a doutrina majoritária, somente na hipótese de regulamento autônomo previsto no art. 84, VI, da Constituição Federal.

    Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

    VI – dispor, mediante decreto, sobre:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

    a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

    b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

    A organização do funcionamento estrutural e hierárquico de uma instituição decorre do poder hierárquico, que permite que a administração pública estruture, organize e ordene as suas atividades administrativas e que os servidores públicos, em uma relação funcional e hierárquica, deem ordens, controlem, gerenciem, corrijam, coordenem as atividades administrativas e observem o cumprimento das regras impostas pelos superiores hierárquicos, em observância ao interesse público.

    Demonstrado ser possível a edição de atos normativos pela Administração Pública, com o fim de dar fiel cumprimento à execução da lei e que o princípio da legalidade previsto no art. 5º, II e art. 37, ambos da Constituição Federal, não tratam, necessariamente, de lei em sentido formal, é perfeitamente possível que a instituição policial, mediante ato do Poder Executivo ou do Comando da Instituição edite norma que obrigue o policial a residir na cidade em que trabalha.

    Qual é a finalidade em se exigir que um policial resida na cidade em que trabalha?

    O policial que mora na cidade em que trabalha conhece melhor a cidade e os moradores, o que é muito comum em pequenas cidades do interior, o que permite uma maior aproximação social e facilita a troca de informações relevantes que poderão ser utilizadas pela polícia para a prevenção e investigação.

    Além do mais, o policial ao residir na cidade em que trabalha passa a se envolver mais com os problemas sociais, conhecer a realidade e se torna mais conhecido da comunidade, o que pode torná-lo conhecido pelo nome e essa aproximação com a sociedade é importante para transmitir mais confiança do trabalho da polícia e para que o policial conheça melhor os agentes que atuam no crime.

    Conhecer as peculiaridades do local em que trabalha é importante para a atuação policial.

    O policial, enquanto morador de uma cidade, possui, naturalmente, um maior zelo, cuidado e preocupação com o bem-estar e segurança da cidade.

    Jeferson Botelho Pereira6 defende que:

    (…) as autoridades somente residindo na Comarca de sua respectiva lotação, sentindo, por conseguinte, seus anseios e necessidades de perto e integrando-se nela, poderão realizar plena e perfeitamente suas funções, cumprindo sua missão mais relevante: a de paladino dos direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis.

    Registra-se, ainda, que é comum nas instituições policiais que haja um plano de chamada, com o fim de acionar todos os policiais de um determinado local nos casos emergenciais, como a realização de um assalto envolvendo um grande número de agentes em uma pequena cidade do interior. Certamente, o plano será acionado para que todos os policiais, ainda que de folga ou férias, em curto espaço de tempo, estejam prontos para atuarem.

    Como demonstrado, a Corporação pode exigir que o policial resida na cidade em que trabalha, bem como estabelecer as hipóteses em que será autorizada a residência fora da cidade.

    É razoável que a instituição policial analise diversos fatores ao decidir determinar, como regra, que o policial resida no município em que trabalha, como a convivência familiar, a segurança, a qualidade de vida e a estrutura da cidade, de forma que haja um equilíbrio entre o interesse público na permanência constante do policial na cidade e a qualidade de vida e saúde psicológica e mental que o policial deve ter, de forma que esteja em condições físicas e psicológicas de atuar sempre que necessário. Dessa forma, ao se determinar a residência na cidade como regra, é prudente que o comando da instituição flexibilize essa regra para analisar casos pontuais que justifiquem a não moradia no município.

    E no que tange à exigência de prévia autorização do comando para que o policial saia do local de residência para outra cidade, estado ou para o exterior?

    O Supremo Tribunal Federal7 enfrentou essa questão e decidiu pela impossibilidade da instituição policial exigir que o policial solicite autorização para sair da cidade em que trabalha.

    No caso concreto foi analisado o art. 244 da Lei Complementar n. 3.400/81 do Espírito Santo.

    Art. 244. As autoridades policiais, seus agentes e auxiliares ficam obrigados a residir no município sede da unidade policial em que prestarem serviços ou onde lhes tenha sido permitido, não podendo afastar-se sem prévia autorização superior, salvo para atos e diligências de seus encargos.

    O Supremo Tribunal Federal fundamentou que tal exigência viola a Constituição Federal, pois constitui uma grave medida restritiva de liberdade e constitui uma espécie de medida cautelar penal prevista no art. 319, IV, do Código de Processo Penal, que somente pode ser imposta em situações extremas. Considerou que mesmo durante um processo criminal a proibição de deixar a comarca assume caráter extraordinário, não é possível que imponha essa condição administrativamente. Sustentou que a Constituição Federal assegura a liberdade de locomoção em todo o território nacional e não prevê a possibilidade de se exigir do servidor público prévia autorização para se ausentar da cidade em que mora.

    Em contrapartida, submeter ao crivo da Administração superior a possibilidade de saída do município sede da autoridade policial equivale a estabelecer, em desfavor do servidor, grave medida restritiva de liberdade, sem razões válidas que a amparem. Note-se que a proibição de ausentar-se da Comarca é medida cautelar penal prevista no artigo 319, IV, do Código de Processo Penal, que apenas pode ser decretada em caráter excepcionalíssimo, quando: (i) a permanência for conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; e (ii) a medida for adequada à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado (artigo 282, II, CPP). Considerando que mesmo durante a persecução penal a proibição de deixar a Comarca assume caráter extraordinário, deve-se concluir que essa intervenção drástica na liberdade ambulatorial não pode assumir caráter geral e irrestrito na disciplina administrativa do regime jurídico dos servidores públicos. O artigo 5º, XV, da Constituição é de clareza meridiana ao garantir que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. A investidura em cargo público, evidentemente, não afasta a incidência da norma fundamental, de modo que o agente público não pode ficar confinado aos limites do Município no qual exerce suas funções, submetido ao alvedrio de seus superiores para transitar pelo território nacional. Afinal, como já definido pelo Plenário desta Corte, mesmo no âmbito militar o interesse do serviço não é escusa para a violação de liberdades fundamentais em normas que disciplinam a conduta dos agentes públicos (…)

    Márcio Cavalcante8 explica que:

    Essa previsão viola a Constituição Federal.

    Submeter ao crivo da Administração superior a possibilidade de saída do município sede da autoridade policial equivale a estabelecer, em desfavor do servidor, grave medida restritiva de liberdade, sem razões válidas que a amparem.

    A proibição de ausentar-se da Comarca é medida cautelar penal prevista no art. 319, IV, do CPP, que apenas pode ser decretada em caráter excepcionalíssimo, quando:

    a) a permanência for conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; e

    b) a medida for adequada à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado (art. 282, II, CPP).

    Considerando que mesmo durante a persecução penal a proibição de deixar a Comarca assume caráter extraordinário, deve-se concluir que essa intervenção drástica na liberdade ambulatorial não pode ser imposta no regime jurídico dos servidores públicos.

    O art. 5º, XV, da Constituição assegura a liberdade de locomoção. A investidura em cargo público não tem o condão de fazer com que o servidor perca essa garantia constitucional. Assim, o agente público não pode ficar confinado aos limites do Município no qual exerce suas funções, submetido à autorização de seus superiores para transitar pelo território nacional.

    O STF já declarou inconstitucionais, em diversas oportunidades, normas que proibiam o afastamento de juízes de suas comarcas, podendo esse mesmo raciocínio ser aplicado ao caso concreto.

    Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente para reconhecer a não recepção do trecho “não podendo afastar-se sem prévia autorização superior, salvo para atos e diligências de seus encargos” contido no art. 244 da Lei Complementar n. 3.400/81.

    O Supremo Tribunal Federal tratou da impossibilidade de se exigir prévia autorização de superior hierárquico para que policiais se desloquem no âmbito do território nacional. Nota-se que a abrangência territorial decidida na ADPF n. 90 é o território do Brasil.

    5. A investidura em cargo público não afasta a incidência dos direitos e garantias fundamentais assegurados pela Carta Magna, consoante já definido pelo Plenário desta Corte mesmo no âmbito militar (ADPF 291, Relator Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 28/10/2015), de modo que o agente público não pode ficar confinado aos limites do Município no qual exerce suas funções, submetido ao alvedrio de seus superiores para transitar pelo território nacional.

    Diante disso deve-se analisar se a impossibilidade de se exigir prévia autorização do policial para se ausentar da cidade em que mora abrange também as viagens para o exterior.

    Certamente, haverá duas correntes.

    A primeira sustentar-se-á nos próprios fundamentos da ADPF n. 90, uma vez que o art. 320 prevê como medida cautelar penal a proibição de se ausentar do país, ocasião em que o investigado ou acusado deve entregar o passaporte no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. A proibição de se ausentar do país é uma medida extrema, não sendo possível condicionar a viagem ao exterior à autorização de superior hierárquico, pois a liberdade de locomoção abrange, inclusive, o direito a viajar para o exterior, sendo esta a exegese do art. 5º, XV, da Constituição Federal, ao dispor que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

    Nota-se que o direito fundamental à liberdade de locomoção assegura o direito a entrar, permanecer e sair do território nacional e não somente a liberdade de transitar livremente dentro do país.

    A segunda corrente, por nós defendida, consiste na possibilidade do comando exigir que o policial solicite prévia autorização para as viagens internacionais, uma vez que os direitos fundamentais não são absolutos e o próprio inciso XV do art. 5º da Constituição Federal prevê a possibilidade de restrição do direito ao ingresso e saída do território nacional nos termos da lei. Trata-se de uma norma de eficácia contida, pois a lei pode restringir, em determinadas situações, o direito de entrar, permanecer e sair do território nacional.

    Quando a Constituição Federal prevê a restrição de um direito “nos termos da lei”, “na forma da lei”, “segundo a lei”, exige a edição de lei em sentido restrito (reserva legal), como ensina Flávio Martins Alves Nunes Júnior9

    Enquanto o princípio da legalidade, base do Estado de Direito, é o parâmetro norteador de todos os atos do poder público e das pessoas, a reserva legal consiste numa determinação constitucional de elaboração de uma lei em sentido estrito para disciplinar determinadas relações. Nas palavras de Gilmar Mendes, “diante de normas densas de significado fundamental, o constituinte defere ao legislador atribuições de significado instrumental, procedimental ou conformador/criador do direito.”

    A Constituição Federal de 1988 traz muitos dispositivos com expressões como “na forma da lei”, “nos termos da lei”, “segundo a lei”. Exemplos não faltam: “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva” (art. 5º, VII); (…) “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX) etc.

    Por se tratar da restrição a um direito fundamental (liberdade de locomoção) e pelo fato da Constituição prever expressamente que é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, NOS TERMOS DA LEI, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens, somente lei em sentido formal (lei em sentido estrito) pode restringir o direito de entrar, permanecer e sair do país.10

    A Convenção Americana de Direitos Humanos, incorporada ao Brasil mediante o Decreto n. 678/1992, possui status supralegal, e dispõe no art. 22, itens 2 e 3 que toda pessoa tem o direito de sair do próprio país e que este direito somente pode ser restringido em virtude de lei, na medida indispensável para a segurança ou a ordem públicas.

    Artigo 22

    Direito de Circulação e de Residência

    2. toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio.

    3. O exercício dos direitos acima mencionados não pode ser restringido senão em virtude de lei, na medida indispensável, numa sociedade democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional, a segurança ou a ordem públicas, a moral ou a saúde públicas, ou os direitos e liberdades das demais pessoas. (destaquei)

    Dessa forma, qualquer ato normativo do Poder Executivo (decreto, portaria, resolução etc.) que preveja a necessidade do comando conceder prévia autorização para o policial se ausentar do país é inconstitucional. A exigência dessa autorização deve decorrer de lei, sendo possível que a instituição policial somente a regulamente.

    Por serem os órgãos policiais os responsáveis pela segurança e ordem pública, sobretudo a Polícia Militar, cuja missão constitucional é a preservação da ordem pública (art. 144, § 5º, da CF), a Convenção Americana de Direitos Humanos autoriza a exigência de prévia autorização para que os policiais realizem viagens internacionais.

    Não é incomum que leis estaduais e normas institucionais prevejam que o policial deverá estar em condições, a qualquer hora, independentemente, de estar em gozo de férias ou folga, de atender a convocações da Corporação em situações extremas e ao solicitar autorização para viajar para o exterior o comando analisará a viabilidade de concedê-la, pois caso necessite do retorno imediato ou rápido do policial que esteja em viagem pelo exterior, corre-se o risco de não pode contar com o policial no horário e local que for necessário. Em se tratando de viagem de caráter nacional, aparentemente, é mais fácil que ocorra a apresentação do policial no local que for necessário.

    Um exemplo é o art. 15 do Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais – Lei n. 5.301/69.


    Art. 15 – A qualquer hora do dia ou da noite, na sede da Unidade ou onde o serviço o exigir, o policial-militar deve estar pronto para cumprir a missão que lhe for confiada pelos seus superiores hierárquicos ou impostos pelas leis e regulamentos.

    Não se deve confundir o recolhimento do passaporte enquanto medida cautelar de natureza penal com a necessidade de prévia autorização para realizar viagem para o exterior, pois este possui cunho administrativo e visa o resguardo do interesse público e necessidade de permanência do policial no país, em vista de um interesse superior, como a possibilidade da eclosão de uma greve ou de um tumulto social de grandes proporções que impossibilite a autorização para a realização da viagem. O recolhimento do passaporte possui natureza processual e visa impossibilitar a saída de um investigado ou acusado do país para a garantia da aplicação da lei penal. São medidas diversas, com causas, finalidades e fundamentos diversos, portanto, não se justifica o argumento de que a medida é extremamente danosa para ser aplicada administrativamente.

    Em qualquer caso que a corporação negar autorização para que o policial realize viagem internacional, o ato administrativo deverá estar fundamentado em fatos concretos que demonstre ser o indeferimento a medida indispensável.

    O remédio jurídico para combater eventual ilegalidade no indeferimento do pedido de realização de viagem internacional é o habeas corpus, pois a liberdade de locomoção é protegida não somente nos casos de riscos de prisão criminal, mas em qualquer situação em que este direito consagrado corra risco de ser afetado.

    Ainda que o indeferimento infundado decorra de decisão de instituição militar estadual, a justiça comum será a competente para analisar eventual habeas corpus, na medida em que não se trata de ação judicial contra ato disciplinar militar (art. 125, § 4º, da CF), salvo se restar demonstrado que o indeferimento do pedido decorreu de uma espécie de punição do militar.

    Em Minas Gerais, a Lei n. 4.775/68 fixou o efetivo da Polícia Militar e deu outras providências, sendo previsto no art. 2º, § 1º, que o Poder Executivo editaria decreto para baixar o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar.

    Art. 2º – Fica o Poder Executivo autorizado a estruturar ou reestruturar administrativamente a Polícia Militar.

    § 1º – O Executivo deverá, por decreto, baixar o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, atendidas as normas legais vigentes.

    § 2º – Até o cumprimento do disposto no parágrafo anterior, continuarão a ser adotadas, no que lhe for aplicável, as normas do regulamento do Exército Brasileiro.


    Diante dessa previsão em lei, o Governador do Estado aprovou o Regulamento Geral da Polícia Militar de Minas Gerais – Decreto n. 11.636/69 – apresentado pelo Comando da Corporação, que no art. 522, III, prevê a necessidade de prévia autorização do Comandante para viagens nacionais, no período de férias, e do Governador do Estado para autorização de viagem para o exterior.

    Art. 522 – O gozo de férias obedecerá as seguintes prescrições:

    III – O período de férias anuais poderá ser gozado onde interessar ao policial-militar, dentro do pais, mediante permissão do respectivo Comandante do Corpo, Estabelecimento ou Repartição, e, no exterior, mediante autorização do Governador do Estado;

    O Governador do Estado, por intermédio do Decreto n. 36.885/95 (art. 1º, VI)11 delegou ao Comandante-Geral a autorização para viagens de militares para o exterior, que por sua vez, delegou aos Comandantes Regionais da Polícia Militar (Resolução n. 3.283/96, art. 6º, X) e, posteriormente, subdelegou aos Diretores de Unidade de Direção Intermediária a competência para autorizar viagens internacionais dos militares (Resolução n. 3.448/98, art. 1º).

    Nota-se que a previsão de exigência de prévia autorização para que o policial militar em Minas Gerais realize viagem internacional decorre de Decreto do Governador do Estado e não de lei em sentido formal, razão pela qual tal exigência é inconstitucional, por violar o art. 5º, XV, da Constituição Federal e inconvencional por violar o art. 22, item 3, da Convenção Americana de Direitos Humanos.

    Constituição FederalConvenção Americana de Direitos Humanos
    Art. 5º (…) XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, NOS TERMOS DA LEI, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;Artigo 22 Direito de Circulação e de Residência 2. toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 3. O exercício dos direitos acima mencionados não pode ser restringido senão em VIRTUDE DE LEI, na medida indispensável, numa sociedade democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional, a segurança ou a ordem públicas, a moral ou a saúde públicas, ou os direitos e liberdades das demais pessoas.

    Uma importante observação refere-se aos policiais que residem e trabalham em cidades que fazem divisa com a Venezuela e o Paraguai, por exemplo. Deve ser feita uma interpretação razoável e proporcional, diante da finalidade em se exigir a prévia autorização do comando para realizar uma viagem internacional, conforme exposto. Nesses casos, não se deve exigir prévia autorização do comando, em razão da rotina e facilidade de acesso e retorno desses países, não sendo exigível, nem mesmo, passaporte, sendo suficiente a identidade civil. Deve-se admitir, por exemplo, o livre trânsito de um policial pela Ponte Internacional da Amizade, localizada entre Foz do Iguaçu (Brasil) e a Ciudad del Este (Paraguai).

    ACORDO SOBRE DOCUMENTOS DE VIAGEM E DE RETORNO DOS ESTADOS PARTES DO MERCOSUL E ESTADOS ASSOCIADOS

    DOCUMENTOS DE VIAGEM

    Reconhecer a validade dos documentos de identificação pessoal de cada Estado Parte e Associado do MERCOSUL estabelecidos no Anexo I do presente documento como Documento de Viagem hábil para o trânsito de nacionais e/ou residentes regulares dos Estados Partes e Associados do MERCOSUL em seus territórios.

    Para efeitos deste artigo, entender-se-á como:

    a) “Trânsito” o movimento de nacionais ou residentes regulares provenientes do território de algum dos Estados Partes ou Associados do MERCOSUL, com destino ao território de outro Estado Parte ou Associado do MERCOSUL, não sendo necessário que sua partida seja de seu país de origem ou residência.

    O prazo de validade dos documentos do Anexo I será o neles estabelecido pelo Estado emissor. No caso de não possuir data de vencimento, entender-se-á que os documentos mantêm sua vigência por tempo indefinido.

    Caso a fotografia ou os dados pessoais gerem dúvidas sobre a identidade do portador do documento, poderá ser solicitada outra documentação efetiva para sanar tal circunstância.

    ANEXO I

    (…)

    República Federativa do Brasil

    Registro de Identidade Civil.

    Cédula de Identidade expedida por cada Unidade da Federação com validade nacional.

    Cédula de Identidade (para estrangeiros).

    Passaporte.

    O raciocínio exposto neste texto aplica-se a todos os policiais ou a qualquer servidor público, pois a interpretação apresentada decorre da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Fundamentais.

    Diante de todo o exposto é possível concluir que:

    a) É possível que lei ou norma da instituição policial obrigue o policial a residir na cidade em que trabalha;

    b) Não é possível que lei ou norma da instituição policial exija prévia autorização para que o policial saia da cidade em que trabalha para viajar para outra cidade ou estado;

    c) Em que pese haver entendimento em sentido diverso, temos que é possível que a instituição policial, mediante lei em sentido formal e não atos normativos do Poder Executivo, exija prévia autorização para que o policial saia do país.

    NOTAS

    1 STF. Plenário. ADPF 90, Rel. Luiz Fux, julgado em 03/04/2020.

    2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 9ª Edição, 2014.

    3MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

    4NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 839/840.

    5CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4ª edição. Salvador: Juspodivm. 2017. p. 68.

    6PEREIRA, Jeferson Botelho. O delegado de polícia civil e a gestão participativa. Necessidade de residir na comarca da respectiva lotaçãoRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18n. 358020 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24244. Acesso em: 16 jun. 2020.

    7 STF. Plenário. ADPF 90, Rel. Luiz Fux, julgado em 03/04/2020.

    8 Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2020/06/lei-estadual-pode-exigir-que-servidor.html>. Acesso em: 17/06/2020.

    9NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 839/840.

    10 O art. 144, § 7º, da Constituição Federal prevê que “A LEI disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.”

    11Art. 1º – Fica delegada competência ao Comandante-Geral da Polícia Militar, referente às atribuições do Governador do Estado, para a prática dos seguintes atos: VI – autorização para viagens do pessoal da Polícia Militar ao exterior, sem ônus para o Estado, exceto a percepção da remuneração básica e demais vantagens remuneratórias;