O advogado pode acompanhar as diligências policiais, na rua ou na casa de seu cliente?

Imagine que a polícia chegue em uma residência para cumprir um mandado de busca e apreensão ou para realizar uma busca e apreensão sem mandado por haver fundadas razões ou que aborde um veículo ou uma pessoa na rua, ocasião em que o suspeito aciona o advogado que comparece ao local.

Poderá o advogado acompanhar as diligências policiais?

A Constituição Federal assegura que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. (art. 5º, LXIII).

O Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei n. 8.906/94 – dispõe que é direito do advogado “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.” (art. 7º, III) e ainda assegura que os advogados podem ingressar livremente “nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares”. (art. 7º, VI, “b”).

A Lei de Abuso de Autoridade – Lei n. 13.869/19 -, por sua vez, dispõe que é crime de abuso de autoridade “Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado” (art. 20).

Não obstante a Constituição Federal e as leis mencionem “preso”, a interpretação que se deve dar, por se tratar de direito fundamental, é ampliativa, de forma que basta a mera suspeição de recair sobre o agente a prática de infração penal para que ele seja advertido, antes de ser ouvido, mesmo que não esteja preso, de seus direitos constitucionais, inclusive o de constituir advogado.

Essa intepretação também é possível de se extrair do art. 6º, V, do CPP quando afirma que a autoridade policial, logo que tiver conhecimento da infração penal ouvirá o agente, observando-se o direito ao silêncio.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu em mais de uma ocasião que no momento da prisão em flagrante delito o agente deve ser informado de seu direito ao silêncio (STF – RHC: 170843; STF, HC 218.335; STF: HC 80.949/RJ; Rcl 33.711/SP).

Destaco que há decisão do STJ em sentido diverso, isto é, pela desnecessidade de informar o agente previamente de seu direito ao silêncio (AgRg no HC 674.893/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, 5ª Turma, julgado em 14/09/2021, DJe 20/09/2021).

O tema será pacificado pelo STF (Tema 1185), mas ainda não há data prevista para o julgamento.

Feita essas explicações iniciais, vamos ao principal: poderá o advogado acompanhar as diligências policiais?

O ponto central gira em torno da SEGURANÇA.

Os policiais devem verificar se o local oferece segurança para todos os envolvidos.

Ao chegar para realizar uma busca e apreensão, se houver advogado querendo acompanhar, o ideal é que primeiro os policiais certifiquem-se de que o local é seguro, inclusive, para o advogado. Por exemplo, vai entrar na residência para cumprir mandado de busca e apreensão de armas ilegais e tráfico de drogas. A natureza dos crimes demonstra haver um maior risco de confronto, logo, o ideal é a polícia entrar sozinha, dar busca nos envolvidos e com o ambiente seguro, autorizar o advogado a acompanhar. Obviamente, o acompanhamento também depende de haver um número suficiente de policiais para garantir a segurança.

O advogado quer falar com o cliente que está sofrendo uma busca em seu veículo. Os policiais poderão autorizar o acesso, desde que haja condições de segurança.

O acesso ao suspeito deve ocorrer somente após os policiais terem realizado a busca pessoal e se as condições de segurança forem favoráveis. A guarnição está em um local violento? Explique para o advogado e ao saírem desse local autorize o acesso que poderá ocorrer nas proximidades, mas em local seguro, ou na Delegacia de Polícia.

 Por que é importante que o suspeito tenha acesso imediato ao advogado? A estratégia de defesa começa na rua, com orientações ao cliente, inclusive se deve responder ou não os policiais na rua.

Saliento que os policiais não são obrigados a esperarem que o advogado chegue no local para iniciarem as diligências, em razão do princípio da oportunidade e imediatismo da atuação policial. A postergação do início das diligências pode resultar em drogas irem embora pelo vaso sanitário e armas serem arremessadas na casa de vizinhos etc. Já vi essas duas hipóteses acontecerem.

Se não houver ninguém na casa é razoável esperar a chegada do advogado, por um curto tempo, se os envolvidos manifestarem esse interesse.

É sempre recomendável que a busca e apreensão na residência seja filmada pela polícia. Quanto mais transparência, melhor. Fica mais seguro para todos os envolvidos.

Constantemente vimos situações em que a polícia não filma e na justiça o acusado alega inocência e que eventuais drogas ou armas foram plantadas e o resultado acaba sendo a absolvição.

A diligência ser acompanhada por advogado reduz bem a chance de eventual alegação de nulidade ser acolhida posteriormente.

Caso um advogado ou a própria parte filme as diligências, o policial não pode mandar cessar a filmagem sob a alegação de direito de imagem. O fato de estar fardado, em serviço, sobretudo se o local for público ou a casa particular de quem sofre a intervenção estatal, cede espaço para o direito da parte ou advogado filmar a ação. Isso é pacífico na jurisprudência (STF, ADPF 130; STJ, STJ, RMS 38.010-RJ).

Entre os policiais e os advogados deve haver um ótimo relacionamento profissional, com tratamento urbano e cordial de ambos. Os advogados devem entender que a polícia está fazendo o trabalho dela e, realmente, que está em busca de provas que podem incriminar – ou até mesmo inocentar. Os policiais devem entender que os advogados estão fazendo o papel deles, de defenderem seus clientes e buscar erros para anular o processo ou argumentos para comprovar a inocência ou uma redução de pena.

Por fim, o Memorando nº 30.074.2/22 da PMMG versa sobre a conduta dos policiais em ocorrências que advogados participam e, em síntese, orienta que os policiais militares, em Minas Gerais, procedam dessa forma:

A prisão de eleitores e de candidatos nas eleições 2022. A polícia pode cumprir mandado de prisão e prender em flagrante delito nas vésperas e no dia das eleições?

O Código Eleitoral prevê no art. 236 que “Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.”

Há duas correntes acerca de prisão dos eleitores em razão do disposto no art. 236 do Código Eleitoral.

1ª corrente: os eleitores somente podem ser presos, no período indicado, nas exceções previstas no art. 236 do Código Eleitoral: a) flagrante delito; b) sentença condenatória por crime inafiançável; c) desrespeito a salvo-conduto.

Para a 1ª corrente, neste ano (2022), os eleitores não podem, em regra, serem presos a partir de 00:00 do dia 27 de setembro até as 17:00 horas do dia 04 de outubro. Caso haja segundo turno, não podem ser presos a partir de 00:00 do dia 25 de outubro até as 17:00 horas do dia 1º de novembro.

Os candidatos não podem ser presos desde 15 (quinze) dias antes das eleições[1] até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento das eleições. Portanto, nas eleições 2022, os candidatos não podem ser presos a partir de 00:00 do dia 17 de setembro até as 17:00 horas do dia 04 de outubro, no primeiro turno e a partir de 00:00 do dia 15 de outubro até as 17:00 horas do dia 1º de novembro, se houver segundo turno.

2ª corrente: os eleitores podem ser presos normalmente. O art. 236 do Código Eleitoral não foi recepcionado pela Constituição Federal, uma vez que o art. 5º, LXI, define as hipóteses em que cabem as prisões, devendo estas serem aplicadas durante o período eleitoral ou não.

FUNDAMENTOS

1ª CORRENTE (APLICAÇÃO DO ART. 236 DO CÓDIGO ELEITORAL)

No caso de flagrante em delito o eleitor poderá ser preso e o juiz poderá converter a prisão em flagrante em preventiva (art. 312 do CPP).

Em que pese não ser possível a prisão preventiva, abre-se exceção quando decorrer da prisão em flagrante. Com efeito, o Código Eleitoral data de 1965 e naquela época bastava a prisão em flagrante para que o eleitor permanecesse preso. A prisão em flagrante se sustentava por si só. Com as modificações legislativas, hoje não mais se mantém uma pessoa presa, simplesmente, por ter sido presa em flagrante. É necessário que haja conversão da prisão em flagrante em preventiva.

Assim, é possível a decretação de prisão preventiva e o cumprimento imediato quando decorrer de conversão de prisão em flagrante. Admite-se a prisão em flagrante com os seus desdobramentos decorrentes.

Veda-se no período mencionado acima somente o cumprimento de mandados de prisão, mas não a conversão da prisão em flagrante em preventiva ou até mesmo a decretação da prisão provisória (preventiva ou temporária), postergando-se, no entanto, o cumprimento do mandado.

Há uma suspensão temporária de cumprimento de mandados de prisão, salvo se o mandado de prisão for decorrente de sentença criminal condenatória por crime inafiançável. Essa possibilidade deve ser vista com cautela, pois o Código Eleitoral data de 1965 e naquela época era possível a decretação da prisão com base em sentença criminal condenatória, ainda que não tivesse transitado em julgado, o que não é mais possível, pois configura antecipação de pena e hoje encontra vedação expressa no art. 313, § 2º, do Código de Processo Penal. Portanto, a nosso ver, essa hipótese, atualmente, não é mais aplicável, pois não mais subsiste a prisão decorrente de sentença condenatória e toda prisão antes do trânsito em julgado e início do cumprimento da pena configura verdadeira hipótese de prisão preventiva e como esta prisão não pode ser cumprida durante o período indicado, não é possível o seu cumprimento.

São crimes inafiançáveis o racismo, a tortura, o tráfico de drogas, terrorismo, crimes cometidos por grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, além dos crimes hediondos e crimes militares.

É vedado, também, o cumprimento de mandado de prisão civil (pensão alimentícia), pois não é mencionado como exceção no art. 236 do Código Eleitoral.

Quem não pode votar pode ser preso. Quem não é eleitor pode ser preso. Isto é, aqueles que tiveram seu título eleitoral cancelado podem ser presos normalmente, ainda que seja prisão decorrente de mandado sem sentença condenatória.

Assim, as pessoas que estão com os direitos políticos suspensos ou os perderam; que deixaram de votar em 03 (três) eleições consecutivas, não justificaram a ausência na votação, não recolheram a multa imposta e que tiveram o título eleitoral cancelado por não realizarem o cadastro biométrico não podem votar e, consequentemente, podem ser presas.

A perda ou a suspensão dos direitos políticos ocorrem nos casos de cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; incapacidade civil absoluta; condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII e por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º (art. 15 da Constituição Federal).

De toda forma, para quem defende a plena validade do art. 236 do Código Eleitoral, é possível que a polícia realize operação policial entre 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição visando o cumprimento de mandado de prisão, desde que este seja cumprido em desfavor de pessoa que não vota ou, se votar, seja mandado decorrente de sentença penal condenatória por crime inafiançável.

O eleitor que sofrer violência, moral ou física, na sua liberdade de votar, ou pelo fato de haver votado pode pleitear perante o juiz eleitoral o salvo-conduto (art. 235 do Código Eleitoral) com o fim de garantir o seu direito à locomoção e ao voto livre, sem que tenha receios de ser impedido de exercer o seu direito fundamental ao voto.

Quem descumprir o salvo-conduto, seja policial, militar ou qualquer pessoa, pela literalidade do Código Eleitoral, pode sofrer prisão por desobediência pelo período de até 05 (cinco) dias.

Art. 235. O juiz eleitoral, ou o presidente da mesa receptora, pode expedir salvo-conduto com a cominação de prisão por desobediência até 5 (cinco) dias, em favor do eleitor que sofrer violência, moral ou física, na sua liberdade de votar, ou pelo fato de haver votado.

Parágrafo único. A medida será válida para o período compreendido entre 72 (setenta e duas) horas antes até 48 (quarenta e oito) horas depois do pleito. (destaque nosso)

José Jairo Gomes[2] ensina que:

No salvo-conduto pode ser cominada prisão de até cinco dias, em caso de desobediência. Essa prisão não possui natureza penal, senão político-administrativa, cujo sentido é garantir a liberdade de sufrágio do eleitor. Resta, porém, saber se essa modalidade de prisão harmoniza-se com a Constituição Federal. É que o sistema constitucional somente aceita prisão civil (no sentido de não penal) “pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia” (CF, art. 5º, LXVII; STF, Súmula Vinculante nº 25).

Trata-se de prisão inconstitucional, dada a sua natureza político-administrativa e a vedação de prisão civil fora da hipótese autorizada constitucionalmente (pensão alimentícia).

De qualquer forma, para o policial ou militar que estiver trabalhando na rua e se deparar com uma ocorrência que decorra do descumprimento de salvo-conduto, deverá apresentar o descumpridor ao juiz eleitoral, pois neste caso, cabe ao juiz realizar este filtro de constitucionalidade.

Prisão realizada fora das hipóteses permitidas pode configurar o crime eleitoral previsto no art. 298 do Código Eleitoral[3].

A proibição de prisões no período eleitoral mencionado tem como finalidade evitar perseguições políticas ou qualquer abuso que possa comprometer as eleições, no sentido de direcionar a prisão de determinados eleitores por terem preferência por certo partido ou candidato, bem como para evitar repercussões, que possam favorecer ou não, candidatos.

2ª CORRENTE (INAPLICABILIDADE DO ART. 236 DO CÓDIGO ELEITORAL)

O tema suscita polêmicas, pois para forte corrente doutrinária[4] e há decisões judiciais nesse sentido, o art. 236 do Código Eleitoral não foi recepcionado pela Constituição Federal, uma vez que o art. 5º, LXI, define as hipóteses em que cabem as prisões, devendo estas serem aplicadas durante o período eleitoral ou não.

Nesse sentido:

Não pode o Código Eleitoral, norma infraconstitucional, estabelecer restrições às espécies de prisão constitucionalmente estabelecidas, haja vista que o inciso LXI do artigo 5º da Constituição Federal expressamente prevê que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”.(Habeas Corpus nº 0027246-58.2014.4.03.0000, 5ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Paulo Fontes. j. 01.12.2014, unânime, DE 10.12.2014) (destaque nosso)

O Professor Igor Pinheiro sustenta a inconstitucionalidade do art. 236 do Código Eleitoral e apresenta vários argumentos, dentre os quais se encontram: a) dever de segurança para a sociedade (art. 144 da CF); b) Trata-se de um escudo protetor às diversas associações/organizações criminosas que tentam macular o processo eleitoral por meio da compra de votos, transportes de eleitores e outras práticas de corrupção que desigualam as oportunidades e impedem, muitas vezes, que o resultado das urnas seja espontâneo; c) O art. 236 do Código Eleitoral data de 1965, época em que havia influência dos “coronéis” para prender opositores políticos; d) Há uma proteção deficiente da lisura eleitoral ao aplicar o art. 236 do CE, dentre outros.

Para essa corrente, é possível que a polícia realize operação policial entre 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição visando o cumprimento de mandado de prisão, independentemente, de ser pessoa que vota ou não. Hipótese mais tranquila para a atuação policial consiste em efetuar a prisão decorrente de mandado de prisão quando se deparar com a pessoa ocasionalmente, como uma blitz ou abordagem em via pública.

Em qualquer caso não deve haver desvio de finalidade, como focar o cumprimento de mandado de prisão especificamente para um grupo de pessoas que sabe que votará em candidato que contraria os interesses da autoridade que mandou cumprir o mandado de prisão.

Quem prender eleitor durante o período vedado no art. 236 do Código Eleitoral, pratica crime de abuso de autoridade?

Vejam bem. O art. 9º da Lei de Abuso de Autoridade diz que é crime “Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”.

Como há os dois entendimentos, não há abuso de autoridade, caso o policial prenda o eleitor no período vedado, como cumprir o mandado de prisão que não decorra de uma sentença condenatória por crime inafiançável.

Isso porque o art. 1º, § 2º, da Lei n. 13.869/19 preconiza que a divergência na interpretação da lei, que é o caso, não configura abuso de autoridade, além de ter que estar demonstrado o dolo específico de abusar da autoridade.

O Professor Igor Pinheiro (Crimes Eleitorais e Conexos – Eleições 2022, Editora JHMIZUNO) explica bem a distinção entre o crime eleitoral do art. 298 do Código Eleitoral e o art. 9º da Lei de Abuso de Autoridade.

  CRIMES RELACIONADOS COM A DECRETAÇÃO DE PRISÃO EM PERÍODO ELEITORAL  COMENTÁRIOS
  – ARTIGO 298, DO CÓDIGO ELEITORAL:  Prender ou deter eleitor, membro de mesa receptora, fiscal, delegado de partido ou candidato, com violação do disposto no Art. 236. Pena – Reclusão até quatro anos.  No caso do descumprimento da “garantia eleitoral” do artigo 236 do Código Eleitoral há previsão de crime.   É importante registrar que, tal como se dá com todos os crimes eleitorais, a prática desse tipo penal exige ação dolosa, de modo que se o juiz, ao decretar a prisão, declarou incidentalmente a não recepção desse crime eleitoral, não há que se falar em infração penal ou disciplinar de sua parte.   Também não podemos desconsiderar a questão prática do magistrado não conhecer tal vedação legal (algo muito recorrente diante da sazonalidade da função eleitoral e do pouco estudo pela maioria dos profissionais do Direito, infelizmente, mas confirmada inclusive pelo fato da disciplina figurar como optativa no fluxograma das faculdades). Nesse caso, a sua ignorância pode ensejar a aplicação do erro de tipo, previsto no artigo 20 do Código Penal e que exclui o dolo, tornando a conduta atípica.   Nesse sentido, leciona Cleber Masson, quando diz que “o Código Penal trata de forma idêntica o erro e a ignorância. Ambos podem ensejar a aplicação do instituto do erro de tipo. Destarte, quando se fala em ‘erro’, utiliza essa palavra em sentido amplo, compreendendo o erro propriamente dito e a ignorância. (…) O erro de tipo, seja escusável ou inescusável, sempre exclui o dolo” (MASSON, Cleber. Direito Penal, Vol.1. São Paulo: Método, 14ª edição, 2020, p.272/273).   Igual situação é a do Promotor de Justiça (Eleitoral ou não), Delegado de Polícia ou do agente policial que participam ou determinam o cumprimento de mandados de prisão no “período vedado”.   Em suma, portanto, o referido crime eleitoral não está mais em vigor na nossa análise e, para quem entende o contrário, é preciso que fique demonstrado o dolo do agente.  
  ARTIGO 9º, DA LEI DO ABUSO DE AUTORIDADE: Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único.  Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de: I – relaxar a prisão manifestamente ilegal; II – substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível; III – deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.      Demonstrada a tese de não-recepção dos artigos 236 e 298 do Código Eleitoral, ainda existe a possibilidade de que a decretação de prisão em período eleitoral possa configurar crime de abuso de autoridade, como apontado pelo artigo 9°, da Lei n°13.964/2019.   Inicialmente, é de se destacar que o artigo 1° da Nova Lei do Abuso de Autoridade ter o agente praticado a conduta típica com manifesto deliberado de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal, de modo que é incompatível com os tipos penais do abuso de autoridade o dolo eventual ou o dolo genérico. Trata-se de medida imprescindível para que se possa diferenciar o agente que cometeu um erro, ou mesmo uma ilegalidade de boa-fé (por equívoco, mas sem o propósito deliberado de abusar das prerrogativas estatais que lhe foram outorgadas) daquele que agiu com o claro propósito preordenado de praticar a conduta típica para uma daquelas finalidades específicas exigidas pela lei. É importante registrar que essa válvula de escape trazida pela lei (inserida por emenda no Senado Federal) é o que permite diferenciar o agente corrupto (que deve ser punido exemplarmente) daquele que age de boa-fé, por convicção jurídica ou baseado em doutrina/jurisprudência não pacificadas. Sem isso, a lei seria toda inconstitucional, pois todo e qualquer erro seria abuso de autoridade. Assim, o magistrado que resta convencido dos motivos fático-jurídicos apresentados pelo Ministério Público ou pela Polícia quanto ao cabimento da prisão e motiva isso expressamente em sua decisão não comete crime algum (eleitoral ou de abuso), ainda que sua decisão venha a ser reformada e independentemente do período, pois, em alguns casos, a prisão pode ser a única forma idônea de fazer cessar a reiteração criminosa, garantir a livre produção da prova ou a aplicação da lei penal  (vide comentários ao artigo 236 supra). Portanto, não é crime de abuso de autoridade a autorização judicial para o cumprimento de medidas prisionais e outras cautelares em qualquer período da disputa eleitoral, salvo se demonstrado concretamente que o magistrado deferiu o pedido com a finalidade específica exigida pelo artigo 1° da citada lei. O dolo específico faz parte da tipicidade, nunca é demais lembrar, motivo pelo qual a justa causa para a instauração de investigação voltada a apurar crime de abuso de autoridade deve ser exigida previamente de maneira rígida, sob pena de se legitimar tentativas criminosas de constrangimentos a autoridades. As representações por supostos abuso de autoridade devem trazer, portanto, elementos de prova ou indícios nesse sentido, sob pena do representante, ainda que advogado seja[5], incorrer em calúnia (artigo 138, do Código Penal) ou  denunciação caluniosa (artigo 338, do Código Penal ou 326-a, do Código Eleitoral), que devem ser apurados pelo Ministério Público à luz da Súmula 714 do Supremo Tribunal Federal (STF): “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do ministério público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções.” Em sentido parecido com o que defendemos, surge o disposto no Enunciado 29 do Grupo de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCRIM): “Representações indevidas por abuso de autoridade podem, em tese, caracterizar crime de denunciação caluniosa (CP, art. 339), dano civil indenizável (CC, art. 953) e, caso o reclamante seja agente público, infração disciplinar ou político-administrativa.” Sobre a conduta típica em si, para que não se declare a inconstitucionalidade pura e simples da lei, parece-nos ser cabível uma interpretação conforme à Constituição da tipificação em comento para estabelecer que só há crime quando seja determinada a privação de liberdade de alguém contra enunciado expresso de uma súmula vinculante (como no caso das de número 24[6] e 25[7]) ou contra tese fixada em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo, uma vez que tais institutos visam a exatamente manter a uniformidade da jurisprudência e o próprio sistema já coloca tais entendimentos como forma de garantir a isonomia no julgamento de casos similares, em especial no tocante às súmulas vinculantes.   Observe-se, porém, que se houver o descumprimento de tais precedentes motivadamente não terá a autoridade responsável incorrido, ipso facto, no delito de abuso de autoridade descrito no artigo 9°, pois ainda será preciso que se demonstre cabalmente que a mesma agiu com o dolo específico de prejudicar outrem, beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou que agiu por mero capricho pessoal. E isso, é ônus probatório da acusação, nunca é demais lembrar, sob pena de responsabilidade penal objetiva.   Do contrário, será um error in judicando, passível de ser sanado via reclamação, habeas corpus ou o recurso cabível, sem que se possa cogitar de qualquer responsabilidade do julgador.   Trata-se de premissa básica para assegurar também a independência funcional das autoridades, que poderão ficar refém dos criminosos.   Também não haverá o crime, por exemplo, se o magistrado decretar prisões em desrespeito ao disposto no artigo 236, do Código Eleitoral, se o mesmo tiver declarado incidentalmente a não-recepção desse dispositivo, como defende quase toda a doutrina eleitoral.   Mais grave, porém, é o disposto no parágrafo único desse mesmo artigo, que traz três hipótese de penalização dos magistrados que, “dentro de prazo razoável” (sem especificar qualquer critério cronológico fixo ou objetivo[8]), “deixar de: I – relaxar a prisão manifestamente ilegal”.   Aqui, mais uma vez, falta previsibilidade da conduta que se quer coibir, pois, salvos aquelas hipóteses acima referidas (súmulas vinculantes, teses de repercussão geral, recursos repetitivos ou decisões em controle concentrado de constitucionalidade), não há um parâmetro seguro para o magistrado sobre o que se entende por “prisão manifestamente ilegal”.   No mesmo juízo de inconstitucionalidade incide o inciso II, segundo o qual também comete crime quem, “dentro de prazo razoável, deixar de substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível.”   Sendo repetitivo, mas não há como ser diferente diante de tamanha inépcia legislativa: como criminalizar a conduta de um magistrado que, interpretando a lei à luz de certa doutrina ou jurisprudência (ainda que minoritárias) entende não ser o caso de conversão da prisão em medida cautelar ou de que não cabe a liberdade provisória, se na mesma lei consta dispositivo que imuniza a conduta de quem age amparado em divergência na interpretação da lei (artigo 1°, §2°)?   Trata-se de uma clara contradição interna da lei, agravada pelo uso de expressões genéricas e imprecisas, como já apontado acima.   O mesmo raciocínio vale para o inciso III, que diz ser crime deixar de “deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.”

Qual entendimento você policial deve seguir?

Recomendo observar as normas institucionais que tratem da atuação policial no período das eleições, se houver, claro. Do contrário, deve seguir as orientações do superior hierárquico que deve ficar à vontade para adotar um dos entendimentos, pois ambos são fundamentados, em que pese o meu posicionamento pessoal ser pela segunda corrente.


[1] Código Eleitoral. Art. 236 (…) § 1º Os membros das mesas receptoras e os fiscais de partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito; da mesma garantia gozarão os candidatos desde 15 (quinze) dias antes da eleição.

[2]GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14ª Edição. São Paulo: Editora Atlas. 2018. p. 524.

[3] Art. 298. Prender ou deter eleitor, membro de mesa receptora, fiscal, delegado de partido ou candidato, com violação do disposto no Art. 236:Pena – Reclusão até quatro anos.

[4] CÂNDIDO, Joel João. Direito Eleitoral Brasileiro, 10 ed., 2ª tiragem. Bauru : Edipro, 2003.

[5] O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que o advogado não possui imunidade profissional quanto ao tipo penal de calúnia: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. CALÚNIA. CRIME NÃO ALCANÇADO PELA INVIOLABILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 133 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DOLO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações no exercício da profissão, estabelecida pelo art. 133 da Constituição da República, é relativa, não alcançando todo e qualquer crime contra a honra. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que o crime de calúnia não é alcançado pela imunidade. Precedentes. 3. O trancamento da ação penal, pela via do habeas corpus, se dá excepcionalmente, quando evidente o constrangimento alegado. 4. Questão relativas ao dolo da prática criminosa remetem à análise aprofundada dos elementos fático-probatórios, não podendo ser conhecidos na via extraordinária. 5. Agravo regimental desprovido. (RE 585901 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 21/09/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010 EMENT VOL-02418-07 PP-01514 RF v. 106, n. 412, 2010, p. 373-375).

[6] Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

[7] É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.

[8] No caso, o “legislador ordinário” deveria ter utilizado a mesma técnica do artigo 97-A, da Lei n°9.504/1997, que mensura, em um ano, a duração razoável do processo na seara eleitoral para determinados tipos de ações. Não agindo dessa forma, deixou ao critério do subjetivismo de cada julgador o quantum que determinará o que é ou não “prazo razoável”.