A diferença entre “ameaça” e “grave ameaça” para a caracterização dos crimes que exigem “grave ameaça”

Saber diferenciar quando há ameaça e grave ameaça é de suma importância, na medida em que a “grave ameaça” é utilizada para a obtenção de diversos benefícios penais e encontra-se presente como elemento objetivo do tipo em diversos crimes.

A subtração de um bem móvel mediante o uso de “grave ameaça” caracteriza o crime de roubo (art. 157 do CP), contudo se houver “ameaça”, o crime será o de furto.

A “grave ameaça” impede a concessão do arrependimento posterior (art. 16 do CP); a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito (art. 44, I, do CP); permite o reconhecimento da continuidade delitiva específica (art. 71, parágrafo único, do CP); impede a aplicação de imunidade absoluta (art. 183, I, do CP); é elemento caracterizador para o reconhecimento do crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP); do tráfico de pessoas (art. 149-A do CP); do roubo (art. 157 do CP); da extorsão (art. 158 do CP); do esbulho possessório (art. 161, § 1º, II, do CP); do dano qualificado (art. 163, parágrafo único, I, do CP); do estupro (art. 213 do CP); da coação no curso do processo (art. 344 do CP), dentre outros.

Diante desse panorama, como distinguir a “ameaça” da “grave ameaça”?

A constatação se uma ameaça é grave deve ocorrer em cada caso e deve-se analisar três fatores: a) quem faz a ameaça; b) quem recebe a ameaça; c) circunstâncias do caso.

a) quem faz a ameaça

No tocante ao autor da ameaça deve-se considerar a compleição física; o tom de voz; as condições de saúde do agente em relação à vítima, como a hipótese em que o autor aborde uma pessoa debilitada em uma cadeira de rodas e mande entregar o celular; as roupas que utiliza, como um homem branco que usa uma camisa com símbolo nazista e aborda um negro na rua; se possui tatuagem indicativa de violência, como um desenho com uma arma apontando para uma pessoa e escrito “157” (artigo do crime de roubo previsto no Código Penal).

b) quem recebe a ameaça

Em relação à vítima deve-se considerar suas limitações físicas; a condição social e cultural; a situação de saúde; a fé e a crença, como a vítima que se sente amedrontada ao receber uma ameaça espiritual1 ou promessa de bruxaria.

c) circunstâncias do caso

O local onde o agente aborda a vítima é relevante (rua deserta e escura, em frente a uma guarnição policial, dentro de um shopping); a hora; a forma como é feita a abordagem, se está com as mãos livres ou por debaixo da blusa; se porta algum objeto que possa ser intimidatório, como um punhal, um pedaço de pau, uma arma de fogo ou branca, uma garrafa de vidro; a quantidade numérica, como a hipótese em que dois ou três homens abordam uma pessoa e peçam para entregar um objeto, ainda que não ameaçassem diretamente; o sexo, como a hipótese em que um homem aborda uma mulher na rua e peça para entregar o cordão que usa no pescoço.

Na hipótese em que a vítima conheça o autor da ameaça anteriormente à realização desta e saiba que este é faixa preta em artes marciais, o simples pedido para que a vítima entregue o celular poderá caracterizar a “grave ameaça”.

Todos esses fatores são essenciais para constatar no caso concreto se a vítima sofreu uma ameaça a ponto de se tornar grave e amedrontá-la de forma que venha a ceder facilmente mediante a entrega do objeto subtraído ou saber dos riscos em enfrentar o agente. A ameaça para se tornar grave tem que causar sério e fundado temor na vítima, de forma que esta tenha ciência de que se não ceder, entregar a coisa pedida, poderá sofrer violência ou algum mal. A vítima tem que ter medo e saber que corre sério risco de se lesionar ou até mesmo morrer.

O simples fato da vítima entregar o bem pedido pelo agente infrator, sem que seja mediante expressa “grave ameaça” não significa que houve “grave ameaça” velada, todavia poderá ser um indicativo de que a vítima se sentiu ameaçada de forma grave, tanto é que cedeu a um simples pedido do agente.

A “grave ameaça” pode ser explícita ou velada (implícita). Será explícita quando o agente manifestar-se de qualquer forma (palavras, gestos, por escrito ou por qualquer meio, como apontar uma arma ou fingir estar armado) e velada quando o agente não se manifestar por qualquer meio, sendo possível extrair a grave ameaça das condições do agente, da vítima e das circunstâncias do caso.

Caso a vítima não se sinta amedrontada a ponto de ceder ao pedido do agente, estar-se-á diante de uma situação de ameaça, pois a grave ameaça afeta seriamente a vítima, de forma que esta fique com medo se não atender ao pedido do agente, pois tem ciência de que poderá sofrer lesão ou ser até mesmo morta.

Tome como exemplo uma vítima, alta e forte, que mexe no celular de frente para o mar, enquanto está sentada em uma cadeira de praia, momento em que um adolescente de 12 anos, franzino, de baixa estatura e de sunga, passa próximo à vítima e lhe pede o celular, senão irá enchê-lo de “porrada”. A vítima olha para o adolescente, mas não leva a sério e continua no celular, momento em que o adolescente toma o celular com força da mão da vítima e sai correndo. Haverá o crime de furto, pois a ameaça não chegou a ser grave.

Nesse sentido, se uma pessoa franzina, de baixa estatura e desarmada aproxima-se de um indivíduo alto, forte, lutador de muay thai e manda passa o celular, senão o encherá de “porrada”, momento em que o lutador imobiliza o agente, não haverá a tentativa do crime de roubo, face à inexistência de “grave ameaça” – houve somente a “ameaça” -, pois a ameaça provocada é insuficiente para intimidar e amedrontar seriamente a vítima.

A grave ameaça deve ser analisada, preponderantemente, de forma subjetiva, de acordo com o medo, intimidação e constrangimento sofrido pela vítima, o que, no entanto, não dispensa a presença de elementos objetivos, o que permite afirmar que é possível o reconhecimento da “grave ameaça” até mesmo se a vítima disser que não se sentiu ameaçada, como a hipótese em que a vítima é abordada por indivíduos fortemente armados que levam o seu veículo. Pouco importa, neste exemplo, se a vítima vai dizer se se sentiu ameaçada de forma grave ou não, pois a leitura de cenário, objetivamente, permite afirmar que houve grave ameaça.

Portanto, para que haja grave ameaça é necessária a presença de elementos subjetivos e objetivos que são analisados de forma proporcional e razoável de acordo com o tripé: a) quem fez a ameaça; b) quem recebeu a ameaça e c) quais eram as circunstâncias do caso.

O Professor Cezar Roberto Bitencourt2 ensina que:

Ameaça grave (violência moral) é aquela capaz de atemorizar a vítima, viciando sua vontade e impossibilitando sua capacidade de resistência. A grave ameaça objetiva criar na vítima o fundado receio de iminente e grave mal, físico ou moral, tanto a si quanto a pessoas que lhe sejam caras. É irrelevante a justiça ou injustiça do mal ameaçado, na medida em que, utilizada para a prática de crime, torna-a também antijurídica.

“Mediante grave ameaça” constitui forma típica da “violência moral”; é a vis compulsiva, que exerce força intimidativa, inibitória, anulando ou minando a vontade e o querer do ofendido, procurando, assim, inviabilizar eventual resistência da vítima. Na verdade, a ameaça também pode perturbar, escravizar ou violentar a vontade da pessoa, como a violência material. A violência moral pode materializar-se em gestos, palavras, atos, escritos ou qualquer outro meio simbólico. Mas somente a ameaça grave, isto é, aquela que efetivamente imponha medo, receio, temor na vítima, e que lhe seja de capital importância, opondo-se a sua liberdade de querer e de agir. O mal ameaçado pode consistir em dano ou em simples perigo, desde que seja grave, impondo medo à vítima, que, em razão disso, sinta-se inibida, tolhida em sua vontade, incapacitada de opor qualquer resistência ao sujeito ativo. No entanto, é desnecessário que o dano ou perigo ameaçado à vítima seja injusto, bastando que seja grave. Na verdade, a injustiça deve residir na ameaça em si e não no dano ameaçado.

E prossegue:

O aferimento da eficácia da ameaça é de caráter puramente subjetivo, sofrendo, certamente, influência direta de aspectos como nível cultural, idade, sexo, condição social, estado de saúde etc. A eficácia virtual da ameaça deve ser avaliada considerando-se o nível médio (de difícil aferição) dos indivíduos com a mesma condição ou padrão da vítima (Manzini). Assim, não se deve excluir a priori a idoneidade da ameaça, ainda que, de plano, pareça mirabolante, pois há pessoas, dominadas por crendices, que são facilmente impressionáveis. Oportuna a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (Rel. Juiz Celso Limongi, RT, 701/305): “Se a vítima se sentiu atemorizada, porque o acusado fazia menção de sacar da cintura uma arma, a ameaça, portanto, existiu, o que caracteriza o roubo simples, não sendo caso de desclassificação para furto por arrebatamento”.

O Superior Tribunal de Justiça3 já enfrentou o tema e no inteiro teor consta didática explicação.

Conforme destaca Weber Martins Batista, ‘como se trata de um estado de alma, sua análise é eminentemente subjetiva. Assim, a gravidade da ameaça deve ser analisada com base nas circunstâncias do caso, tendo em consideração o meio usado pelo agente, o local do fato, a hora em que aconteceu, se era possível algum auxílio de terceiro e, sobretudo, levando em conta as condições pessoais do agente e da vítima. Pode acontecer que o meio e modo de que se valeu o sujeito ativo – que não seria capaz de, em condições normais, intimidar um homem de mediana coragem – seja suficiente para atemorizar a vítima, pessoa mais fraca ou colocada em circunstâncias adversas’.

(…) Por outro lado, não há necessidade sequer que o agente verbalize o mal que vai praticar, caso não obtenha sucesso na subtração. Imagine-se a hipótese do agente que, sem mostrar a sua arma, leva, simplesmente, sua mão à cintura, dando a entender que a sacaria, caso fosse preciso. O simples gesto de levar as mãos à cintura já se configura em ameaça suficiente para fins de caracterização do roubo. Da mesma forma, a superioridade de forças, principalmente quando ocorre entre homens e mulheres, também já é suficiente. Suponha-se, neste caso, que o agente, um homem alto, forte e mal-encarado, chegue perto da vítima, uma mulher, e anuncie o roubo dizendo tão-somente: ‘Passe a bolsa’. Nenhuma promessa de mal foi anunciada. Entretanto, poderia a vítima imaginar que algum mal lhe aconteceria caso não entregasse sua bolsa ao agente? A resposta só pode ser positiva.” (Rogério Greco, in “Curso de Direito Penal: parte especial”, vol. 3, Impetus, 6.ª ed., 2009, p. 64/65.)

Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça.

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA FURTO. IMPROPRIEDADE. EMPREGO DE GRAVE AMEAÇA. ASPECTOS PESSOAIS DA VÍTIMA EM RELAÇÃO AO RÉU. CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE ROUBO. RECURSO PROVIDO.

1. Configura-se o crime de roubo quando há o emprego de violência ou grave ameaça contra a vítima. O crime de furto, por sua vez, caracteriza-se quando não há emprego de nenhuma espécie de violência, física ou moral, nem grave ameaça.

2. A gravidade da ameaça, no crime de roubo, deve ser aferida no caso concreto. As condições pessoais da vítima, em relação ao Réu, devem ser consideradas pelo magistrado para aferir a força intimidadora que caracteriza a grave ameaça.

3. No caso, a vítima, então com 13 anos de idade, sentiu-se atemorizada quando o (treze) Réu determinou que lhe entregasse o objeto do crime, uma bicicleta, em virtude de sua compleição física avantajada.

4. Recurso provido.

(STJ – REsp: 1111808 SP 2009/0033707-6, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/09/2009, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: –> DJe 13/10/2009)

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. APELAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO SIMPLES. VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA.

I – Hipótese em que não se questiona a dinâmica dos fatos, restando definido no v. acórdão guerreado, de maneira clara e ausente de dúvidas, que o recorrido, no momento da subtração do veículo, ameaçou atirar na vítima caso não ficasse quieta.

II – Para a configuração do crime de roubo é necessário haver o emprego de violência ou grave ameaça contra a vítima. Entretanto, a violência não precisa ser de tal gravidade a ponto de ensejar lesões corporais, como nas vias de fato. Ademais, a grave ameaça pode ser empregada de forma velada, configurando-se, isso sim, pelo temor causado à vítima, o que leva a permitir que o agente promova a subtração sem que nada possa a pessoa lesada fazer para impedi-lo . (Precedentes).

III – Dito em outras palavras, a grave ameaça é a violência moral, a promessa de fazer mal à vítima, intimidando-a, atemorizando-a, viciando sua vontade de modo a evitar um eventual reação (Luiz Régis Prado in ‘Curso de Direito Penal Brasileiro – Vol. 2’, Ed. RT, 5ª edição, 2006, pág. 418). É necessário que a ameaça seja bastante para criar no espírito da vítima o fundado receio de iminente e grave mal, físico ou moral (Nelson Hungria in ‘Comentários ao Código Penal – Vol. VII’, Ed. Forense, 4ª edição, 1980, pág. 54). Não se exige, contudo, o propósito, por parte do agente, de cumprir verdadeiramente a ameaça, nem que ela possa ser cumprida, basta que, no caso concreto, ela seja idônea para constranger e intimidar o ofendido (Heleno Cláudio Fragoso in ‘Lições de Direito Penal – Parte Especial – Vol. 1’, Ed. Forense, 11ª edição, 1995, pág. 20). Ainda, fatores ligados à vitima (v.g.: sexo, idade, condição social e de saúde, etc) devem, no caso concreto, serem sopesados para que se possa aquilatar o grau de temebilidade proporcionado pela conduta do agente. Recurso especial provido.” (REsp 951841/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 12/11/2007 p. 292, sem grifos no original.)

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a grave ameaça “é o constrangimento ou a intimidação provocada na vítima a fim de subtrair um bem móvel de sua propriedade. Trata-se de um elemento subjetivo, tendo em vista a necessidade de se analisar, no caso concreto, se o ato praticado pelo agente foi realmente capaz de incutir na vítima um temor fundado e real. Contudo, o caráter subjetivo da grave ameaça não dispensa a correlação de proporcionalidade e razoabilidade que deve existir entre a conduta praticada pelo agente e a ameaça sentida pela vítima.”4

Flávio Augusto Monteiro de Barros5 ensina que:

A ameaça pode se dar por palavras, gestos, escritos e meios simbólicos. Ela deve referir-se a um mal imediato, pois se for futuro, não caracterizará o roubo, mas sim o delito de extorsão. A ameaça, para a tipificação do roubo, há de ser grave, a ponto de atemorizar a vítima. Na análise da gravidade da ameaça, leva-se em conta as qualidades pessoais da vítima, tais como o sexo, idade, saúde, temperamento, etc. Como ensina Nelson Hungria, não se pode excluir a idoneidade da ameaça ainda quando represente a a promessa de certos males fantásticos (p. ex., os relacionados com a prática de magia negra ou feitiçaria), pois há pessoas, imbuídas de crendices, que se deixam impressionar com semelhante espécie de ameaça. Cumpre ainda destacar que o mal prometido, em si mesmo, não precisa ser injusto, sendo suficiente a injustiça da pretensão que se visa obter com a ameaça. Com efeito, admite-se o roubo com ameaça justa, como na hipótese da pessoa que subtrai a outra, ameaçando contar à polícia o delito cometido por esta última. (destaquei)

Nota-se que a grave ameaça não precisa ser de causar um mal injusto. O mal pode até ser justo, desde que o fim buscado pelo agente seja injusto (subtrair um bem). Isto é, a análise é se o meio utilizado (grave ameaça justa ou injusta) visa um fim justo ou injusto. Caso seja um fim injusto, caracterizará o crime de roubo, como o exemplo citado pelo Professor Flávio Augusto Monteiro de Barros.

O art. 153 do Código Civil dispõe que não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, contudo, no direito penal, deve ser analisada a finalidade da ameaça, razão pela qual a ameaça do exercício normal de um direito que tenha por fim subtrair coisa alheia móvel pode configurar grave ameaça e caracterizar o crime de roubo, como a hipótese em que uma pessoa ameaça ingressar com uma ação penal privada e por danos morais, em razão da prática de diversos crimes contra a honra pela vítima, caso esta não lhe entregue o seu veículo. A ameaça é grave, pois causará um fundado temor de perda temporária da liberdade (ação penal), além da perda patrimonial (ação por danos morais).

O Código Penal utiliza o termo “ameaça”, sem o uso da expressão “grave ameaça”, em três passagens, sendo uma utilizada de forma equivocada.

A primeira utilização é no crime de ameaça (art. 147 do Código Penal).

Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.

Em que pese o crime de ameaça não utilizar o termo “grave ameaça”, a parte final do tipo penal é expressa em dizer que a ameaça deve ser a ponto de causar na vítima um mal injusto e grave, razão pela qual pode-se dizer que o crime de ameaça somente se configura se houver grave ameaça de causar um mal injusto.

Repare que dessa vez o tipo penal exigiu que o mal causado fosse injusto, diversamente do crime de roubo, conforme explicado. Portanto, não configura o crime de ameaça se uma pessoa ameaça a outra de processá-la por crime contra a honra – pois, constitui exercício regular de um direito -, contudo se junto da ameaça subtrai uma coisa alheia móvel, haverá o crime de roubo.

A ameaça será justa quando visar o exercício de direitos, como ingressar na justiça contra uma pessoa que lhe deve determinada quantia em dinheiro. Será injusta quando contrariar o direito, como ameaçar agredir uma pessoa que não devolve um livro que foi emprestado.

A segunda é no crime de roubo majorado (art. 157, § 2º-A, I, do Código Penal).

Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

A redação dada pela Lei n. 13.654/18, que acrescentou o § 2º-A no art. 157 do Código Penal, se equivocou ao usar o termo “ameaça”, pois, naturalmente, o emprego de arma de fogo é suficiente para causar uma “grave ameaça”. Além do mais, o próprio tipo penal exige que a ameaça seja grave e seria incompatível e ilógico prever que o roubo majorado, por presumir situação mais grave ainda, não exigisse que a ameaça fosse grave.

A terceira ocorre no crime de resistência (art. 329 do Código Penal).

Art. 329 – Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:

Pena – detenção, de dois meses a dois anos.

É a única hipótese prevista no Código Penal que não se exige que a ameaça seja grave. A distinção entre a “ameaça” e a “grave ameaça” reside em sua intensidade. Em qualquer caso a ameaça deve possuir poder intimidatório, em menor (ameaça propriamente dita) ou maior grau (grave ameaça).

Tome como exemplo uma pessoa influente que é abordada enquanto dirige, opõe-se à remoção de seu veículo irregular e promete para o agente de trânsito que se o veículo for removido ele também será de suas funções enquanto agente de trânsito, pois conhece várias pessoas influentes. Haverá ameaça, pois esta não chega a ser grave, uma vez que não causa um fundado e sério temor no agente, o que é suficiente para caracterizar o crime de resistência. Caso o particular tivesse ameaçado o agente de morte, a ameaça seria grave, o que também caracteriza o crime de resistência, pois basta que ocorra ameaça, independentemente, do grau desta.

Diante de todo o exposto, pode-se citar os seguintes exemplos:

Exemplo 01: agente alto e forte aborda uma pessoa baixa e franzina, em local ermo, e pede que a bolsa seja entregue. Haverá o crime de roubo, em razão da “grave ameaça” decorrente da compleição física dos envolvidos e do local em que o agente realizou a abordagem.

Exemplo 02: um homem aborda uma mulher sozinha em via pública e com tom intimidativo grita para a mulher passar a bolsa, o que é feito. Haverá o crime de roubo, em razão da diferença de sexo e tom de voz utilizado para a prática do crime, o que caracteriza “grave ameaça”.

Exemplo 03: uma mulher, sem armas, de baixa estatura, aborda um homem forte na rua, que pratica artes marciais e fala para passar a carteira aos gritos, o que é feito. Haverá o crime de furto, pois a ameaça não se tornou grave em razão das diferenças físicas e de sexo e real possibilidade do homem contê-la, tendo entregue a carteira em razão do susto, o que não é suficiente para caracterizar a “grave ameaça”.

Exemplo 04: três homens abordam outro homem em via pública, o cercam e falam para passar o celular e a carteira, o que é feito. Haverá crime de roubo, em razão da “grave ameaça” decorrente da superioridade numérica.

Exemplo 05: um agente na rua, com uma arma de fogo em mãos, se aproxima de um veículo blindado, com o vidro fechado, e manda descer do carro, o que é feito. Haverá o crime de roubo, uma vez que está presente a “grave ameaça”, pois, em que pese o veículo ser blindado, eventual disparo causaria danos patrimoniais no carro.

NOTAS

1 REsp 1.299.021/SP.

2BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial. 8ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2012.

3STJ – REsp: 1111808 SP 2009/0033707-6, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/09/2009, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: –> DJe 13/10/2009.

4STF – HC: 117819 MG, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 22/10/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-221 DIVULG 07-11-2013 PUBLIC 08-11-2013

5 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de Direito Penal. Partes Geral e Especial. Volume Único. 1ª Ed. Salvador: Editora JusPODIVM. 2019. p. 955/956.

Distinções entre o crime de roubo (art. 157 do CP) e o crime de extorsão (art. 158 do CP)

Crime de rouboCrime de extorsão
Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

Os crimes de roubo e extorsão possuem semelhanças, são crimes contra o patrimônio, ambos envolvem violência ou grave ameaça para a obtenção de vantagem econômica indevida e possuem as mesmas penas, contudo apresentam diversas diferenças.

A primeira distinção reside no verbo núcleo do tipo que no roubo é “subtrair” e na extorsão é “constranger”.

Subtrair significa retirar, tomar. Constranger significa coagir, subjugar, forçar uma pessoa a adotar determinado comportamento

Ao subtrair um bem, o agente toma, retira à força de determinada pessoa, independentemente, da colaboração da vítima. Logo, esta pode, mediante violência ou grave ameaça, entregar o bem ou o agente retirar-lhe o bem que o crime será de roubo.

Ao constranger alguém o agente coage, força uma pessoa para que adote um comportamento, sem o qual o agente não conseguirá obter a indevida vantagem econômica, uma vez que o art. 158 do CP menciona a necessidade do constrangimento visar que a vítima faça tolere ou deixe de fazer alguma coisa.

Antigamente adotava-se a distinção entre o ato do próprio agente subtrair o bem da vítima (roubo) e esta entregar o bem ao agente (extorsão). Essa distinção encontra-se superada, por ser mínima e não fazer diferença se o bem da vítima é subtraído mediante entrega ou retirada, pois em ambos os casos o bem é subtraído.

O verbo constranger utilizado no art. 158 do Código Penal é empregado no sentido de coagir a vítima a adotar um comportamento imprescindível para que o agente obtenha o bem visado.

A segunda distinção refere-se à contemporaneidade, à atualidade da vantagem visada pelo agente.

No crime de roubo a vantagem visada, buscada pelo agente é imediata. O agente visa subtrair coisa alheia móvel no momento em que pratica a violência ou grave ameaça. Isso porque o art. 157 do Código Penal não permite interpretação para que a subtração do bem ocorra no futuro. A simples leitura do tipo penal permite afirmar que a prática do roubo exige que a subtração da coisa alheia móvel ocorra de imediato, no momento em que o agente emprega violência ou grave ameaça.

Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Em se tratando do crime de extorsão a leitura é diversa, pois o tipo penal permite afirmar que a obtenção da indevida vantagem econômica seja imediata ou futura

Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:

Nota-se que o art. 158 do Código Penal utiliza o verbo “constranger” e o termo “com o intuito” – o que indica finalidade -, de obter indevida vantagem econômica, além de utilizar as expressões “a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”, o que permite afirmar que indica um comportamento que pode ser futuro.

Na extorsão o agente pode constranger a vítima, mediante violência ou grave ameaça, a sacar uma quantia em dinheiro no banco imediatamente (vantagem presente, imediata, atual) ou a transferir um imóvel para determinada pessoa, o que demanda um tempo, em razão das formalidades e burocracias referentes à transferência de um imóvel (vantagem futura).

A terceira distinção reside na contemporaneidade, na atualidade do mal empregado na prática do crime.

No roubo o mal empregado (violência ou grave ameaça) é, necessariamente, contemporâneo à obtenção da vantagem, enquanto que na extorsão o mal empregado pode ser contemporâneo ou futuro, como a hipótese em que o agente diz para a vítima que se no futuro não transferir determinada quantia em dinheiro vai matá-la. A ameaça de causar um mal, obviamente, tem que ser contemporânea ao constrangimento, mas a execução dessa ameaça pode ser futura. Os fundamentos para extrair tais conclusões são os mesmos utilizados na explicação da segunda distinção.

A quarta distinção trata do momento consumativo do crime de roubo e de extorsão.

O art. 158 do Código Penal utiliza o verbo “constranger” e o termo “com o intuito” – o que indica finalidade -, de obter indevida vantagem econômica, além de utilizar as expressões “a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”.

Quando a vítima faz, tolere que se faça ou deixe de fazer alguma coisa, o crime de extorsão se consuma, pois a utilização de constrangimento visa uma ação ou omissão da vítima, sem a qual o crime de extorsão não se consuma, independentemente, da obtenção da vantagem econômica indevida visada pelo agente.

Caso o agente constranja a vítima, mediante violência ou grave ameaça, a obter indevida vantagem econômica, mas a vítima não realize a ação ou omissão visada pelo infrator, o crime é tentado (tentativa de extorsão).

No crime de roubo a consumação ocorre com a inversão da posse, mediante o emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por um curto período de tempo, não sendo necessário que o autor do crime tenha a posse mansa e pacífica do bem ou desvigiada, ou seja, a consumação ocorre, imediatamente, após a subtração do bem.

Portanto, o crime de extorsão é formal (não depende da retirada do bem da vítima), enquanto que o crime de roubo é material (depende da retirada do bem da vítima). Crime formal é aquele que não exige um resultado naturalístico, uma alteração fática no mundo real para que se consume. Crime material, por sua vez, já exige um resultado naturalístico.

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento sumulado a respeito do momento consumativo dos crimes de extorsão e de roubo.

Súmula 96Súmula 582
O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida.Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada.

Dessa forma, tem-se o seguinte cenário quanto ao crime de extorsão:

CondutaCrime consumado ou tentado
Agente constrange a vítima mediante violência ou grave ameaça, contudo a vítima não atende à exigência do infratorTentado
Agente constrange a vítima mediante violência ou grave ameaça e esta realiza a ação ou omissão, contudo sem que o agente obtenha a indevida vantagem econômicaConsumado
Agente constrange a vítima mediante violência ou grave ameaça e esta realiza a ação ou omissão e o agente obtém a indevida vantagem econômicaCrime exaurido, isto é, o crime é consumado, mas o agente foi além do que o tipo penal exige para a consumação, pois a obtenção da vantagem constitui em exaurimento do crime de extorsão, o que pode ser utilizado como circunstâncias judicial desfavorável na aplicação da pena.

A quinta distinção trata da possibilidade da subtração no crime de extorsão de bem móvel ou imóvel, enquanto que no crime de roubo a subtração pode ser somente de bem móvel.

O crime de roubo é expresso em dizer que a subtração deve ser de “coisa móvel alheia”, enquanto que no crime de extorsão a menção é à “indevida vantagem econômica”.

A indevida vantagem econômica é uma expressão mais ampla e engloba qualquer bem, móvel ou imóvel, ou qualquer coisa que possua valor econômico.

A sexta distinção trata da possibilidade de prisão em flagrante.

No crime de roubo é perfeitamente possível que ocorra a prisão em flagrante quando o agente recebe o bem subtraído, pois este ato de receber o bem subtraído configura o momento de transição da tentativa para a consumação. Após recebido o bem, caso o autor do crime de roubo seja perseguido, logo após, ou encontrado, logo depois com o objeto roubado, também poderá ser preso em flagrante delito, pois o crime de roubo acabara de ocorrer (art. 302 do CPP).

No crime de extorsão não é possível a prisão em flagrante quando o agente recebe a indevida vantagem econômica, caso o comportamento da vítima exigido pelo agente infrator não tenha ocorrido pouco antes da entrega do bem ao autor do crime, pois o lapso temporal da situação de flagrante delito já não estará mais presente. Portanto, se o agente infrator exige que a vítima lhe entregue dez mil reais em determinado dia e a vítima saque esse dinheiro dias antes de passar para o infrator, no momento da entrega do dinheiro não poderá ser preso em flagrante delito, contudo, caso o saque do dinheiro tenha ocorrido minutos antes do encontro com o agente, este poderá ser preso em flagrante.

Dessa forma é possível resumir as distinções entre os crimes de roubo e extorsão da seguinte forma:


RouboExtorsão
Comportamento da vítimaO comportamento da vítima é indiferente para que o agente obtenha a coisa alheia móvel. Pouco importa se a vítima entrega o bem ou se este é tomado pelo agente.O comportamento da vítima é imprescindível para a obtenção da indevida vantagem econômica. A vítima pode até morrer se não ceder ao comportamento do agente, mas este não conseguirá a obtenção da vantagem econômica.
Vantagem visada pelo agente no tempoA vantagem visada pelo agente é imediata, ou seja, o agente visa subtrair a coisa alheia móvel no momento em que emprega violência ou grave ameaça.A vantagem visada por ser imediata ou futura. Isto é, o agente pode empregar violência ou grave ameaça visando obter a indevida vantagem econômica daqui um tempo.
Mal empregado pelo agente no tempoO mal empregado (violência ou grave ameaça) é atual, isto é, o agente emprega a violência ou grave ameaça no momento em que subtrai a coisa alheia móvel.O mal empregado pode ser atual ou futuro, em que pese a ameaça, necessariamente, de um mal futuro, ter que ser atual.
Momento consumativo do crimeCrime materialCrime formal
Natureza do bem subtraídoCoisa alheia móvelQualquer bem, móvel ou imóvel, ou qualquer coisa que possua valor econômico.
Possibilidade de prisão em flagranteÉ possível que ocorra a prisão em flagrante no momento exato da subtração da coisa ou pouco depois,Não é possível a prisão em flagrante quando o agente for receber a indevida vantagem econômica, caso a vítima tenha se submetido à vontade do agente há mais tempo, pois o recebimento da vantagem econômica é mero exaurimento do crime.

Feitas as explanações, passamos aos exemplos.

Caso hipotético 01: agente exige, mediante grave ameaça, por telefone, sob a alegação de que está com o filho da vítima, que esta transfira para a sua conta bancária a quantia de R$10.000,00 (dez mil reais).

Crime: Extorsão consumada, caso a vítima transfira e tentada caso a vítima não transfira.

Fundamento: é necessário que haja um comportamento imprescindível da vítima (digitar a senha) para que o agente obtenha a indevida vantagem econômica. A competência para processar e julgar o crime de extorsão é o local em que a vítima está.1

Caso hipotético 02: uma pessoa entra no banco para sacar dinheiro e é abordado por um agente que a obriga a sacar todo o valo que tiver disponível no banco.

Crime e fundamento: caso seja necessária a utilização de senha, o crime será o de extorsão, pois dependerá de um comportamento imprescindível da vítima. Caso o agente consiga forçar o saque obrigando a vítima a colocar a digital do dedo no caixa eletrônico, o crime será o de roubo, pois não será imprescindível o comportamento da vítima, já que o agente pode, mediante o uso de força, colocar o dedo da vítima no caixa eletrônico.

Caso hipotético 03: agente obriga, mediante violência ou grave ameaça, a vítima a assinar um cheque.

Crime: extorsão

Fundamento: a conduta da vítima (assinar um cheque) é imprescindível para que o agente obtenha a indevida vantagem econômica.

Caso hipotético 04: agente aponta arma para a cabeça da vítima e a obriga a passar o carro, contudo o carro possui tecnologia que é necessário digitar senha para o veículo ligar.

Crime: extorsão

Fundamento: será necessária uma conduta da vítima para que o agente consiga, efetivamente, subtrair o veículo. Caso o veículo ligue com chave, sem ser necessário que haja senha, o crime é de roubo.

Caso hipotético 05: agente aponta arma para a vítima na rua e manda passar o celular, mochila e pertences.

Crime: roubo

Fundamento: a conduta da vítima é indiferente para que o agente obtenha os seus bens, pois se não passar o celular, a mochila e os pertences, o agente poderá tomar da vítima.

Caso hipotético 06: agente ameaça matar a família da vítima caso esta não transfira um imóvel para o nome de determinada pessoa.

Crime: extorsão

Fundamento: a conduta da vítima é essencial, imprescindível, para que o agente obtenha a indevida vantagem econômica (coisa imóvel), que é, inclusive, uma vantagem futura e o mal prometido também é futuro.

Caso hipotético 07: agente exige que a vítima saque uma quantia em dinheiro e lhe entregue pessoalmente (extorsão). A vítima saca o dinheiro cinco dias antes do encontro agendado para repassar o dinheiro.

Poderá ocorrer a prisão em flagrante? Não, pois não se encontram presentes os requisitos do art. 302 do Código de Processo Penal, uma vez que o crime era tentado quando houve a exigência, passou a ser consumado quando houve o saque do dinheiro e exauriu quando o agente obteve o dinheiro.

Caso hipotético 08: agente aborda a vítima em seu carro na rua e a obriga passar no caixa eletrônico para sacar dinheiro mediante o uso de senha. Após, o agente subtrai o veículo e leva o dinheiro.

Crimes: roubo e extorsão em concurso material (art. 69 do CP).

Fundamento: Não se admite continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, dada as diversas diferenças citadas.

Caso hipotético 09: flanelinha exige do motorista que acaba de parar o carro na rua o pagamento antecipado de R$50,00 (cinquenta reais) como condição para que o veículo fique onde foi estacionado.

Crime: a depender do caso concreto poderá ser o crime de extorsão.

Fundamento: Poderá haver o crime de extorsão, pois o motorista vai se sentir constrangido, uma vez que o pedido de forma antecipada pode configurar “grave ameaça”, a depender da forma como é feito, na medida em que há perturbação psíquica e da tranquilidade do motorista, pois este pensa ao negar o pedido que o flanelinha vai arranhar ou danificar, de alguma forma, o veículo. Trata-se de “grave ameaça” por atentar contra a tranquilidade e paz da pessoa e da possibilidade concreta do flanelinha em danificar o patrimônio alheio. A “grave ameaça” pode se dar de forma velada, implícita, indireta. Além do mais, a conduta do flanelinha visa obter indevida vantagem econômica, consistente em dinheiro de terceiros que não são obrigados a pagar. Como o flanelinha não anunciou o crime de roubo, a vítima fica livre para pagar ou não (conduta imprescindível da vítima), pois houve um constrangimento, mediante grave ameaça, para que a vítima faça algo (dar dinheiro para o flanelinha).2

Caso hipotético 10: agente aponta arma de fogo para um frentista e manda encher o tanque do carro, sendo a bomba de gasolina desativada mediante o uso de senha.

Crime: extorsão.

Fundamento: A subtração da gasolina depende de um comportamento imprescindível do agente, que consiste na digitação da senha para liberar o abastecimento. Caso não fosse necessário o uso de senha e a bomba destravasse com o uso de um cartão pelos frentistas, haveria o crime de roubo, pois o gente poderia pegar este cartão e desbloquear a bomba de gasolina para, em seguida, abastecer o veículo.

Na prática, para que não haja confusão, basta analisar no caso concreto a imprescindibilidade do comportamento da vítima para que o agente infrator obtenha a indevida vantagem econômica. Caso seja imprescindível, será extorsão; do contrário, será roubo.

NOTAS

1DIREITO PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO. COMPETÊNCIA DO STF. LOCAL DA CONSUMAÇÃO DO CRIME. POSSÍVEL PRÁTICA DE EXTORSÃO (E NÃO DE ESTELIONATO). ART. 102, I, f, CF. ART. 70, CPP. 1. Trata-se de conflito negativo de atribuições entre órgãos de atuação do Ministério Público de Estados-membros a respeito dos fatos constantes de inquérito policial. 2. O conflito negativo de atribuição se instaurou entre Ministérios Públicos de Estados-membros diversos. 3. Com fundamento no art. 102, I, f, da Constituição da República, deve ser conhecido o presente conflito de atribuição entre os membros do Ministério Público dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro diante da competência do Supremo Tribunal Federal para julgar conflito entre órgãos de Estados-membros diversos. 4. Os fatos indicados no inquérito apontam para possível configuração do crime de extorsão, cabendo a formação da opinio delicti e eventual oferecimento da denúncia por parte do órgão de atuação do Ministério Público do Estado de São Paulo. 5. Conflito de atribuições conhecido, com declaração de atribuição ao órgão de atuação do Ministério Público onde houve a consumação do crime de extorsão (STF – ACO: 889 RJ, Relator: ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 11/09/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-01 PP-00001)

2 Posteriormente, publicarei no site “Atividade Policial” um texto que abordará somente a situação dos flanelinhas.