O uso de aplicativo pessoal de comunicação para tratar de questões de serviço na atividade policial

O tema é polêmico, não existe lei em sentido formal nem encontrei doutrina a respeito.

Fundamentos

• Art. 5º, I, da Constituição Federal
• Art. 37 da Constituição Federal
• Art. 6º da Lei n. 13.726/18
• Princípio da razoabilidade
• Direito à desconexão

Síntese:

a) A Administração Pública, os policiais e servidores podem comunicar entre si pelo Whatsapp do celular, seja pessoal ou funcional;
b) As comunicações devem ocorrer, como regra, durante o horário de expediente ou turno de serviço operacional;
c) A Administração Pública pode obrigar que os policiais e servidores ingressem e permaneçam em grupos de trabalho, por ato normativo do comando, desde que o grupo não seja movimentado, como regra, fora do horário de serviço e que seja, realmente, destinado a assuntos de serviço;
d) O policial não permanece, como regra, de sobreaviso ou de prontidão nos horários de descanso (folga e férias) e possui o direito à desconexão, o que não exclui a obrigatoriedade de atender ao comando quando for acionado e se tiver em condições físicas e psicológicas.

Aplicativos de comunicação, como Whatsapp e Telegram tornaram-se os instrumentos de comunicação entre as pessoas mais utilizados no mundo. E-mails e ligações telefônicas têm sido substituídos por mensagens enviadas por intermédio desses aplicativos.

Diante desse panorama deve-se analisar a possibilidade desses aplicativos pessoais serem utilizados para tratar de questões de serviço.

Não há lei no Brasil que trate do uso de celular pessoal no serviço, devendo-se aplicar princípios, sobretudo o da razoabilidade.

O art. 5º, II, da Constituição Federal diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e o art. 37, caput, diz que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”

Trata-se de aplicação do princípio da legalidade.

Para tanto, deve-se analisar o grau de abrangência do princípio da legalidade, se se trata somente de leis em sentido estrito, aprovadas pelo Poder Legislativo, ou normas jurídicas que podem ser editadas pelo Poder Executivo, como uma portaria, resolução, decreto.

Gilmar Mendes Ferreira e Paulo Gustavo Gonet Branco discorrem sobre o conceito de legalidade e ensinam que:1

O conceito de legalidade não faz referência a um tipo de norma específica, do ponto de vista estrutural, mas ao ordenamento jurídico em sentido material. É possível falar então em um bloco de legalidadeou de constitucionalidade que englobe tanto a lei como a Constituição.Lei, nessa conformação, significa norma jurídica, em sentido amplo, independente de sua forma.

Quando a Constituição, em seu art. 5º, II, prescreve que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, por “lei” pode-se entender o conjunto do ordenamento jurídico (em sentido material), cujo fundamento de validade formal e material encontra-se precisamente na própria Constituição. Traduzindo em outros termos, a Constituição diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não esteja previamente estabelecida na própria Constituição e nas normas jurídicas dela derivadas, cujo conteúdo seja inovador no ordenamento (Rechtsgesetze). O princípio da legalidade, dessa forma, converte-se em princípio da constitucionalidade (Canotilho), subordinando toda a atividade estatal e privada à força normativa da Constituição.

Flávio Martins Alves Nunes Júnior2 leciona que:

(…) como prevê a Constituição (art. 5º, II), “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Indaga-se: essa “lei” a que a Constituição se refere, é lei no sentido amplo ou lato (qualquer ato normativo do poder público, envolvendo decretos, portarias, resoluções, medidas provisórias etc.) ou lei no sentido estrito (um ato emanado do Poder Legislativo)? A expressão “lei” do artigo 5º, II, da Constituição Federal se refere à lei no sentido lato ou amplo. Assim, é possível que sejamos obrigados a fazer algo, por conta de uma Medida Provisória, por exemplo. (…) Da mesma forma, a Prefeitura de um Município poderá, por ato normativo (resolução, portaria etc.) da Secretaria de Transportes, reduzir a velocidade máxima permitida em algumas vias públicas. As pessoas serão obrigadas a dirigir seus veículos naquela velocidade, sob pena de multa.

Importante: não se pode confundir o princípio da legalidade com o princípio da reserva legal.

Enquanto o princípio da legalidade, base do Estado de Direito, é o parâmetro norteador de todos os atos do poder público e das pessoas, a reserva legal consiste numa determinação constitucional de elaboração de uma lei em sentido estrito para disciplinar determinadas relações. Nas palavras de Gilmar Mendes, “diante de normas densas de significado fundamental, o constituinte defere ao legislador atribuições de significado instrumental, procedimental ou conformador/criador do direito.

(…) há uma diferença substancial entre o princípio da legalidade e o princípio da reserva legal. Enquanto o primeiro se refere à lei no sentido amplo (qualquer ato normativo do poder público), o segundo se refere à lei no sentido estrito (ato emanado do Poder Legislativo).

Nota-se, portanto, que o princípio da legalidade não se restringe somente à lei em sentido formal, sendo possível que atos do Poder Executivo estejam abrangidos pelo conceito de legalidade.

A Administração Pública não pode inovar no direito ao editar atos normativos, sob pena de usurpar competência legislativa e ferir a separação de poderes, o que não a impede de editar normas que visem resguardar o interesse público, nos limites da lei.

Matheus Carvalho3 ensina que:

Neste diapasão, se faz necessário lembrar que a Legalidade não exclui a atuação discricionária do agente público, tendo essa que ser levada em consideração quando da análise, por esse gestor, da conveniência e da oportunidade em prol do interesse público. Como a Administração não pode prever todos os casos onde atuará, deverá valer-se da discricionariedade para atender a finalidade legal, devendo, todavia, a escolha se pautar em critérios que respeitem os princípios constitucionais como a proporcionalidade e razoabilidade de conduta, não se admitindo a interpretação de forma que o texto legal disponha um absurdo.

O poder normativo da Administração Pública possibilita a edição de atos normativos com o fim de complementar a lei, sem, no entanto, inovar no ordenamento jurídico, o que é admitido, para a doutrina majoritária, somente na hipótese de regulamento autônomo previsto no art. 84, VI, da Constituição Federal.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

VI – dispor, mediante decreto, sobre:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

A organização do funcionamento estrutural e hierárquico de uma instituição decorre do poder hierárquico, que permite que a administração pública estruture, organize e ordene as suas atividades administrativas e que os servidores públicos, em uma relação funcional e hierárquica, deem ordens, controlem, gerenciem, corrijam, coordenem as atividades administrativas e observem o cumprimento das regras impostas pelos superiores hierárquicos, em observância ao interesse público.

Demonstrado ser possível a edição de atos normativos pela Administração Pública, com o fim de dar fiel cumprimento à execução da lei e que o princípio da legalidade previsto no art. 5º, II e art. 37, ambos da Constituição Federal, não tratam, necessariamente, de lei em sentido formal, é perfeitamente possível que a instituição policial, mediante ato do Poder Executivo ou do Comando da Instituição edite norma que tratem dos meios e forma de comunicação entre os servidores públicos e policiais.

A comunicação por aplicativo de mensagens permite que o administrador público se comunique com várias pessoas ao mesmo tempo, além de tudo ficar registrado para futuros fins, o que serve de prova.

O art. 6º da Lei n. 13.726/18, que racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação, prevê que:

Art. 6º Ressalvados os casos que impliquem imposição de deveres, ônus, sanções ou restrições ao exercício de direitos e atividades, a comunicação entre o Poder Público e o cidadão poderá ser feita por qualquer meio, inclusive comunicação verbal, direta ou telefônica, e correio eletrônico, devendo a circunstância ser registrada quando necessário.

Nota-se ser possível, como regra, que a mera comunicação entre os órgãos públicos e os cidadãos ocorra por qualquer meio, inclusive por aplicativo de mensagens. Neste caso a administração deve fornecer um número funcional e não o pessoal do servidor, já que o número de telefone é um dado privado, restrito à administração e não deve ser tornado público.4

O usuário de serviço público possui o direito à facilitação do acesso ao servidor público (art. 5º, I, da Lei n. 13.460/17), o que não significa que número de telefone particular deva ser fornecido.

Em se tratando de números funcionais dos servidores públicos, que são aqueles fornecidos pela administração, podem ser de amplo acesso ou não. Será de amplo acesso se tiver como finalidade a comunicação com o público (Whatsapp de atendimento ao público) ou restrito se for para uso interno do servidor (comunicação com os servidores públicos) e, eventualmente, com o público externo (contato com particulares ou servidores públicos de outras instituições).

Questão relevante a ser tratada decorre da possibilidade ou não de superiores hierárquicos demandarem os policiais por aplicativos de conversas pessoais (Whatsapp e Telegram, por exemplo).

Não se aplica aos policiais as regras celetistas, na medida que constituem uma categoria especial de servidores, com deveres e direitos próprios, dada as peculiaridades das atribuições. São estatuários e não celetistas.

No âmbito celetista, a Justiça do Trabalho já decidiu que quando o uso do celular se limita a receber ordens de serviço não cabe indenização pelo uso do celular.

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. INDENIZAÇÃO PELO USO DO CELULAR EM SERVIÇO. O celular utilizado pelo reclamante se limitava a receber as ordens de serviço emanadas da reclamada, sendo que o contato do autor com a reclamada para informar os reparos e a realização dos serviços era feito pelo telefone do cliente e através do serviço gratuito “0800”. Recurso provido. (TRT-4 – RO: 00011753220105040005, Data de Julgamento: 24/11/2011, 5a. Turma)

Por outro lado, caso o celular seja utilizado preponderantemente no serviço, seja para o atendimento ao público ou constantes contatos com superiores e funcionários, os gastos do celular devem ser custeados pelo empregador.

INDENIZAÇÃO PELO USO DE CELULAR. Tratando-se de ferramenta necessária à execução das atividades laborais, não pode o empregador transferir o ônus do negócio ao obreiro. Indenização devida. (TRT-4 – RO: 00007629520105040303 RS 0000762-95.2010.5.04.0303, Relator: CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA, Data de Julgamento: 15/05/2013, 3ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo)

Não há nenhuma ilegalidade no fato de um superior hierárquico demandar um policial e repassar questões de serviço por intermédio de aplicativos de conversas pessoais. Trata-se de um meio idôneo, rápido, simples, eficiente e econômico.

Os gastos com o pacote de dados do policial ao receber mensagens no Whatsapp/Telegram são mínimos, se houver, na medida em que atualmente há vários planos de operadoras que permitem mensagens de Whatsapp ilimitadas, e foge da razoabilidade interpretar que mensagens de serviço não possam ser enviadas por aplicativos de mensagens pessoais. Algumas ponderações necessitam ser feitas.

1. Não é razoável, economicamente viável e não atende ao interesse público exigir que a Administração Pública forneça um celular funcional para todos os servidores, o que é comum para os cargos de direção, em razão das responsabilidades e por não ser incomum que o celular dos policiais que ocupem o Comando sejam fornecidos para diversas autoridades. Evita-se, portanto, a divulgação do celular pessoal e mantém o número ligado à função e não à pessoa, pois esta um dia sairá da função e quem assumi-la continuará com o mesmo número que já é de conhecimento de outras pessoas e autoridades. Em casos especiais, por estratégia, é possível que o número do celular da autoridade seja trocado de tempos em tempos.

2. O Whatsapp/Telegram e correlatos no celular pessoal do policial é uma ferramenta de comunicação particular, contudo isso não impede de receber qualquer ordem de serviço ou orientação, pois é um meio lícito e idôneo de comunicação (pode demonstrar se a pessoa está on-line, se recebeu a mensagem, dentre outros, obviamente, a depender da configuração). Para que a ordem do superior possua validade basta chegar ao conhecimento do destinatário, por qualquer meio, ainda que por intermédio de terceiros.

3. A Administração Pública deve manter todos os contatos dos servidores atualizados, com a finalidade de contatá-lo sempre que necessário, como o acionamento de um plano de chamada. O uso pessoal do Whatsapp acaba, muitas vezes, confundindo-se com o uso profissional. É a forma atual mais eficaz, rápida e comum de comunicação. Certo que a Administração Pública não pode obrigar qualquer servidor a ter celular, por ausência de previsão legal, mas caso tenha, não é possível impedir que o celular seja utilizado para receber ligações e mensagens para tratar de assuntos de serviço, pois seria criar uma dificuldade de comunicação da Administração com o servidor em tempos de mundo virtual, gerando um ônus excessivo para a Administração que teria que se deslocar até a casa do servidor com possibilidade de não encontrá-lo.

4. Diversos gastos em razão do trabalho devem ser suportados pelos policiais, como os gastos de gasolina para o deslocamento para o trabalho5 e os cortes de cabelo que devem ocorrer periodicamente e o recebimento de mensagens em aplicativos representa um gasto mínimo, se o policial estiver usando o pacote de dados, isso caso as mensagens pelo Whatsapp não sejam ilimitadas, o que retira qualquer possibilidade de aumento de gastos. O mesmo raciocínio aplica-se, no que couber, para todos os servidores públicos que devem comprar roupas adequadas para trabalharem, pagarem a gasolina do deslocamento, dentre outros.

5. Caso haja preocupação do policial com os gastos em razão do pacote de dados basta desativar a opção de baixar documentos e vídeos e selecionar o que pretende baixar utilizando o pacote de dados ou então deixar para baixar tudo quando tiver acesso ao wi-fi.

6. Deve-se levar em consideração que por diversas vezes os próprios policiais buscam a Administração Pública por intermédio do Whatsapp, mediante o envio de mensagens, para tirar dúvidas decorrentes do serviço, fazer pedidos ou por questões particulares, sendo estas recebidas e respondidas pelos celulares pessoais de superiores hierárquicos. Interpretar que o contrário não pode ocorrer seria o mesmo que dizer que os superiores não deveriam responder ou aceitar mensagens pelo Whatsapp, o que somente dificultaria o serviço e geraria mais gastos para o policial que teria que efetuar ligações ou comparecer à unidade. Por uma questão de razoabilidade e boa-fé, a via deve ser de mão dupla.

7. Em um ambiente de trabalho os servidores possuem dever de colaboração e facilitação do andamento dos trabalhos. Trata-se de envolvimento profissional e dedicação e receber mensagens de Whatsapp relacionadas ao trabalho não causa prejuízos para o servidor.

8. Entender que este meio de comunicação não possa ser utilizado aproxima-se de vedar que questões de serviço não podem ser tratadas mediante uma ligação para o celular do policial o que inviabilizaria os contatos entre a Administração Pública e os policiais.

No que tange à permanência de policiais – ou de servidores – em grupos de Whatsapp/Telegram, entendo que é possível obrigar a permanência, seja em celulares particulares ou funcionais, desde que o grupo não seja movimentado, como regra, fora do horário de serviço e que seja, realmente, destinado a assuntos de serviço, na medida em que não é incomum que ocorram postagens que não possuam nexo com a finalidade do grupo. O comando pode criar um grupo no qual somente os administradores podem postar e inserir informações, o que impede a inserção de conteúdos alheios e mantém o controle de mensagens de interesse profissional, sendo possível, por exemplo que o Comandante do turno de serviço seja o responsável por repassar no grupo as informações relevantes do turno de serviço.

Especialistas em direito do trabalho e em recursos humanos foram ouvidos pelo G16 e responderam à pergunta “O empregado é obrigado a entrar no grupo?” da seguinte forma:

Ruslan Stuchi: Ele deve ingressar no grupo de trabalho, pois é um canal de comunicação oficial, rápido e interativo. É uma ferramenta que facilita as ações entre a empresa e o empregado.

Lariane Pinto Del-Vecchio: Em algumas empresas, o Whatsapp é visto como ferramenta de trabalho. O empregado só é obrigado se for uma condição estabelecida pelas partes no contrato de trabalho.

Roberto Recinella: O colaborador não tem obrigação de entrar no grupo e, caso entre, pode optar por não responder às mensagens. Deve ficar claro que se trata de uma ferramenta de trabalho apenas para circular informações, não deve ser usada como ordem de serviço. Por isso, não existe a obrigatoriedade de resposta.

A obrigatoriedade de permanência em grupos decorre do fato de, atualmente, ter ocorrido um processo natural de oficialização do Whatsapp pelo Poder Público e empresas, de forma que se tornou uma ferramenta de trabalho. É comum que as informações decorrentes de trabalho sejam oficialmente comunicadas pelo Whatsapp e que as pessoas fiquem sabendo das ordens de serviço, primeiramente, por intermédio deste aplicativo de comunicação.

Nota-se que até mesmo em um contrato celetista há entendimento pela possibilidade do empregado permanecer em grupo de trabalho do Whatsapp, o que com maior razão aplica-se aos policiais que estão sujeitos a normas próprias de hierarquia e disciplina.

Em um cenário ideal, caso o aplicativo de mensagens permita, este deve ser configurado para o horário de funcionamento, de acordo com a escala de trabalho do policial, de forma que receba as mensagens do grupo somente durante o horário de seu serviço.

De qualquer forma, o policial possui o direito à desconexão,que consiste no direito do servidor – ou do trabalhador – em desconectar-se completamente do trabalho, sem receber mensagens ou informações relacionadas ao trabalho durante o seu horário de descanso, que é um momento de recomposição da fadiga mental e física causada pela atividade policial e que o policial pode se dedicar exclusivamente à sua família, ao seu lazer ou a outros interesses, sem maiores preocupações com o trabalho.

Nesse sentido, o artigo “Direito à desconexão e os limites da jornada de trabalho” publicado no ConJur, de autoria de Gabriela Maria Fernandes, assevera que:

Basicamente, o direito à desconexão consiste no direito de o empregado usar seu tempo fora do ambiente de trabalho para atividades pessoais, familiares ou outras de interesse e que não estejam relacionados ao trabalho, até como forma de privilegiar os direitos fundamentais. Em suma, é o direito de não trabalhar fora do seu horário de expediente, bem como de não ter interrompido os seus horários livres e de férias.


Não é incomum que leis estaduais e normas institucionais prevejam que o policial deverá estar em condições, a qualquer hora, independentemente, de estar em gozo de férias ou folga, de atender a convocações da Corporação em situações extremas, o que pode ocorrer em razão de um assalto a banco.

Um exemplo é o art. 15 do Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais – Lei n. 5.301/69.

Art. 15 – A qualquer hora do dia ou da noite, na sede da Unidade ou onde o serviço o exigir, o policial-militar deve estar pronto para cumprir a missão que lhe for confiada pelos seus superiores hierárquicos ou impostos pelas leis e regulamentos.

Isso não significa que o policial deva estar 24 horas por dia, todos os dias do ano, de sobreaviso ou em condições de atender aos chamados do comando quando estiver de folga ou de férias, pois nestas ocasiões pode levar uma vida normal, participar de festas, ingerir bebidas alcoólicas e viajar. Todavia, caso o policial seja acionado pelo comando e tenha condições de se deslocar, deverá entrar de serviço imediatamente. Obviamente, se tiver ingerido bebida alcoólica em seu momento de lazer e não tiver condições de trabalhar, não deverá se deslocar.

Em qualquer caso deve haver bom senso e razoabilidade, de forma que os policiais não sejam excessivamente demandados ou recebam mensagens com constância fora do horário de trabalho, sob pena de violar o direito à desconexão.

Nas palavras do ministro Cláudio Brandão, “o avanço tecnológico e o aprimoramento das ferramentas de comunicação devem servir para a melhoria das relações de trabalho e otimização das atividades, jamais para escravizar o trabalhador7.

Diante de todo o exposto é possível concluir que:

a) A Administração Pública, os policiais e servidores podem comunicar entre si pelo Whatsapp do celular, seja pessoal ou funcional;

b) As comunicações devem ocorrer, como regra, durante o horário de expediente administrativo ou turno de serviço operacional;

c) A Administração Pública pode obrigar que os policiais e servidores ingressem e permaneçam em grupos de trabalho, por ato normativo do comando, desde que o grupo não seja movimentado, como regra, fora do horário de serviço e que seja, realmente, destinado a assuntos de serviço;

d) O policial não permanece, como regra, de sobreaviso ou de prontidão nos horários de descanso (folga e férias) e possui o direito à desconexão, o que não exclui a obrigatoriedade de atender ao comando quando for acionado e se tiver em condições físicas e psicológicas.

NOTAS

1MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

2NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 839/840.

3CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4ª edição. Salvador: Juspodivm. 2017. p. 68.

4 Interpretação extraída do art. 31 da Lei n. 12.527/11 e do art. 2º, I da Lei n. 13.079/18.

5Exceto nos casos de deslocamento em razão de serviço que fuja da rotina, como uma viagem, e nos casos de autoridades que possuam o direito ao uso funcional de veículos oficiais.

6 Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2020/01/21/funcionario-tem-que-entrar-em-grupo-de-Whatsapp-da-firma-troca-de-mensagens-fora-do-expediente-gera-hora-extra-veja-tira-duvidas.ghtml>. Acesso em: 19/01/21.

7 TSE – AIRR nº 2058-43.2012.5.02.0464.