A lavratura de termo circunstanciado de ocorrência pelo Poder Judiciário na hipótese do art. 28 da Lei n. 11.343/06 (porte de drogas para consumo pessoal)

SÍNTESE

O tema é polêmico e ainda está no campo dos debates de qual será a postura a ser adotada pelo Poder Judiciário e pelas instituições policiais em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI n. 3807, razão pela qual recomendo a leitura de todo o texto antes de extrair qualquer conclusão.

Fundamentos

• Art. 93, XIV, da Constituição Federal
• Arts. 28 e 48 da Lei n. 11.343/06
• Art. 203, § 4º, do Código de Processo Civil
• Art. 72 da Lei n. 9.099/95
• Art. 3º da Resolução n. 71/09 do Conselho Nacional de Justiça
• Art. 3º do Decreto-Lei n. 911/69
• STF – ADI 3807
• STF – ADI 5647
• STF – Reclamação n. 22470
• Enunciado 34 do FONAJE
• Enunciado n. 12 da Edição n. 131 da Jurisprudência em Teses do STJ
• Nota Técnica da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – ADEPOL (ADI 3807)

Palavras-chaves: termo circunstanciado de ocorrência; atribuição para lavratura do termo circunstanciado; ratio decidendi; obter dictum; eficácia vinculativa do precedente; teoria da transcendência dos motivos; jurisprudência defensiva; plantão judicial; juízo competente; Polícia Militar; Polícia Civil; autoridade policial; usuário de drogas.

Síntese

a) A Polícia Militar pode continuar lavrando termo circunstanciado de ocorrência na rua, nos estados em que já lavra, mesmo diante da decisão do STF na ADI 3807, sem necessidade de encaminhar o usuário de droga (art. 28 da Lei n. 11.343/06) ao fórum, ao quartel ou à Delegacia de Polícia;

b) Caso a abordagem ao usuário seja realizada pela Polícia Civil, deve primar pela lavratura do termo circunstanciado de ocorrência na rua, no local da abordagem, e na impossibilidade, conduzir o usuário de droga (art. 28 da Lei n. 11.343/06) ao fórum, se durante o expediente, e para a Delegacia de Polícia caso o fórum esteja fechado;

c) Apresentado o usuário de droga ao fórum, seja pela Polícia Militar ou pela Polícia Civil, se houver ato normativo do juiz competente, a Secretaria do Juizado Especial Criminal deverá proceder à lavratura do termo circunstanciado de ocorrência ou tal ato poderá ser lavrado por policial militar, desde que haja convênio ou termo de cooperação entre o Poder Judiciário e a Polícia Militar, uma vez que a finalidade precípua do policial militar que permanece no fórum é a segurança;

d) Fora do horário de expediente, isto é, nos finais de semana, em feriados, no horário noturno ou em qualquer situação que o fórum esteja fechado, não cabe ao Poder Judiciário lavrar o termo circunstanciado de ocorrência (art. 1º, III e VIII, da Resolução n. 71/09 do Conselho Nacional de Justiça);

e) Nos locais em que não houver fórum não há que se falar em condução do usuário de droga ao Poder Judiciário, devendo este ser encaminhado diretamente à Delegacia de Polícia, caso não seja possível a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência na rua;

f) O encaminhamento da droga apreendida para a perícia poderá ocorrer pelo próprio Poder Judiciário ou pela instituição policial que tiver efetuado a captura do usuário de drogas, a depender do que for acertado entre as instituições, o que deve ocorrer mediante convênio ou termo de cooperação, dentro da realidade de cada local, uma vez que há fóruns e quartéis ou delegacias que não possuem estrutura física adequada e compatível para a guarda de drogas apreendidas em decorrência do art. 28 da Lei n. 11.343/06;

g) O juiz não deve realizar audiência preliminar ou aplicar qualquer medida em desfavor do usuário de droga sem que haja o laudo de constatação da substância entorpecente.

O Supremo Tribunal Federal decidiu na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3807, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, por 10 votos a 01, vencido o Ministro Marco Aurélio, dois pontos muito importantes:

1º) O termo circunstanciado de ocorrência, em que pese substituir o inquérito policial como principal peça informativa dos processos penais que tramitam nos juizados especiais, não é procedimento investigativo, mas sim um boletim de ocorrência mais detalhado.

2º) O autor do crime previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/06 (porte de droga para consumo pessoal) deve ser encaminhado ao juízo competente que será o responsável pela confecção do termo circunstanciado de ocorrência e requisição dos exames e perícias necessários. Caso não haja disponibilidade do juízo competente, deve o autor ser encaminhado à autoridade policial, que então adotará as providências que seriam adotadas pelo juízo competente.

No voto da Ministra Cármen Lúcia assentou que:

Assim, pelo procedimento previsto nos §§ 2º a 4º do art. 48 da Lei n. 11.343/2006 e na Lei n. 9.099/1995, O AUTOR DO CRIME PREVISTO NO ART. 28 DAQUELE DIPLOMA LEGAL DEVE PREFERENCIALMENTE SER ENCAMINHADO DIRETAMENTE AO JUÍZO COMPETENTE, SE DISPONÍVEL, para que ali ser lavrado termo circunstanciado e requisitados os exames e perícias que se mostrem necessários.

Com a determinação de encaminhamento imediato do usuário de drogas ao juízo competente, afasta-se qualquer possibilidade de que o usuário de drogas seja preso em flagrante ou detido indevidamente pela autoridade policial.

Considerando-se que O TERMO CIRCUNSTANCIADO NÃO É PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO, mas peça informativa com descrição detalhada do fato e as declarações do condutor do flagrante e do autor do fato, deve-se reconhecer que A POSSIBILIDADE DE SUA LAVRATURA PELO ÓRGÃO JUDICIÁRIO NÃO OFENDE OS §§ 1º E 4º DO ART. 144 DA CONSTITUIÇÃO, NEM INTERFERE NA IMPARCIALIDADE DO JULGADOR.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar improcedente a ADI 3807, decidiu pela constitucionalidade do art. 48, §§ 2º e 3º, da Lei n. 11.343/06.

Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.

§ 2º Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.

§ 3º Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2º deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente.

É importante destacar que o STF decidiu que somente na impossibilidade do agente ser encaminhado para o juízo competente é que deve ser encaminhado à autoridade policial. Ou seja, há uma ordem de prioridade, uma vez que o objetivo da lei é afastar o usuário de drogas do ambiente policial e evitar que seja detido indevidamente pela autoridade policial.

As normas dos §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei n. 11.343/2006 foram editadas em benefício do usuário de drogas, visando afastá-lo do ambiente policial quando possível e evitar que seja indevidamente detido pela autoridade policial (Trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia na ADI 3807).

Assim, havendo disponibilidade do juízo competente, o autor do crime previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 deve ser até ele encaminhado imediatamente, para lavratura do termo circunstanciado e requisição dos exames e perícias necessários.

Se não houver disponibilidade do juízo competente, deve o autor ser encaminhado à autoridade policial, que então adotará as providências previstas no § 2º do art. 48 da Lei n. 11.343/2006.

Diante desse cenário deve-se analisar em que consiste a indisponibilidade do juízo competente em receber o usuário de droga e a possibilidade da Polícia Militar ou Civil em proceder à lavratura do termo circunstanciado na rua, sem necessidade de encaminhar o usuário de drogas para o fórum.

Sem entrar em discussões sobre o acerto ou erro da decisão do STF, o importante é que o tema foi pacificado pelo plenário em Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que permite afirmar que vincula todo o Poder Judiciário, o Poder Público e todas as autoridades, por mais que discordem, pelo menos no caso decidido pelo STF – possibilidade do juiz lavrar TCO em se tratando do uso de drogas, na forma do art. 48, §§ 2º e 3º, da Lei 11.343/06 -, e isso surte um importante e nítido efeito para todos os demais casos que forem levados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Poder Judiciário, em razão do efeito persuasivo das decisões do STF, sobretudo em controle abstrato de constitucionalidade e em razão da teoria dos motivos determinantes.

A decisão judicial possui fundamentos que são divididos em ratio decidendi e obter dictum.

Ratio decidendi é o argumento utilizado na decisão que é relevante, essencial à decisão, o qual, se retirado, torna a decisão nula, por ausência de fundamentação, uma vez que a decisão estará desprovida de fundamentos pertinentes e relacionados estritamente ao caso. A ratio decidendirefere-se aos motivos determinantes ou razões de decidir.

Obter dictumé o fundamento que não influencia na decisão e não possui, necessariamente, relação com o caso em discussão. É o fundamento de passagem, como decorrência da retórica jurídica. Trata-se de uma discussão jurídica desnecessária ou irrelevante para o julgamento do caso.

Daniel Amorim Assumpção Neves1 ensina que

A ratio decidendi não é fenômeno alheio ao direito brasileiro, pelo contrário, sendo considerada pelos tribunais superiores com relativa frequência, ora com a utilização da expressão “motivos determinantes” ora com a utilização da expressão “razões de decidir””. Mas não há dúvida de que o fenômeno terá que ser repensado.

Conforme ensina a melhor doutrina, a ratio decidendi (chamada de holding no direito americano) é o núcleo do precedente, seus fundamentos determinantes, sendo exatamente o que vincula. Distingue-se da fundamentação obiter dicta, que são prescindíveis ao resultado do julgamento, ou seja, fundamentos que, mesmo se fossem em sentido invertido, não alterariam o resultado do julgamento”. São argumentos jurídicos ou considerações feitas apenas de passagem, de forma paralela e prescindível para o julgamento, como ocorre com manifestações alheias ao objeto do julgamento, apenas hipoteticamente consideradas”. Justamente por não serem essenciais ao resultado do precedente os fundamentos obiter dicta não vinculam”.

Afirmar-se que a ratio decidendi do precedente vincula, o que não ocorre com a fundamentação obiter dicta, é indiscutível e a parte fácil de se compreender a eficácia vinculante dos precedentes. O mais problemático é a distinção entre elas no caso concreto, já que o conceito de ratio decidendi não é tranquilo, mesmo em países de muito mais tradição em seu exame do que o Brasil, havendo estudo que aponta o incrível número de 74 formas de encontrar a ratio decidendi.

Conforme considerável corrente doutrinária, o ideal é a adoção do método eclético sugerido por Rupert Cross. Dessa forma, combinam-se a técnica da inversão defendida por Wambaugh, que defende a identificação da ratio decidendi como a razão jurídica que, se invertida, resultaria em julgamento diferente e a técnica defendida por Goodhart, pela qual a identificação da ratio decidendi parte dos fatos materiais – categorias de fatos relevantes para o direito – e da decisão jurídica neles embasada – o julgamento final. (destaquei)

Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha2 discorrem didaticamente a respeito da eficácia vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos casos de controle concentrado de constitucionalidade.

A conjugação do art. 927, I, com o art. 988, ambos do CPC, reforça a eficácia formalmente vinculante dos precedentes do STF em casos de controle concentrado de constitucionalidade – e não apenas dos comandos dessas decisões.

Um acórdão de ADIn, ADC e ADPF contém duas partes diversas, assim como qualquer decisão judicial: a) a parte dispositiva, que soluciona a questão e que diz respeito ao ato normativo cuja (in)constitucionalidade foi proclamada; b) a fundamentação, que gera o precedente.

Quanto à parte dispositiva, há coisa julgada, insuscetível, no caso de ADIn, ADC e ADPF, de ação rescisória. O desrespeito a essa coisa julgada pode ser causa de pedir da reclamação.

Já em relação à fundamentação, há eficácia vinculativa do precedente. No exemplo citado, o STF não poderá rediscutir a constitucionalidade da lei estadual, em razão do efeito negativo da coisa julgada, mas o STF deverá seguir este precedente em casos futuros semelhantes; poderá, contudo, proceder ao overruling, superando o entendimento anterior. Se isso acontecer, não estará violando a coisa julgada, mas apenas alterando o seu entendimento jurisprudencial.

A teoria da transcendência dos motivos determinantes diz que os fundamentos essenciais, principais, decisivos (ratio decidendi) nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal também possuem efeito vinculante. Trata-se do efeito irradiante ou transbordante dos motivos determinantes.

O Supremo Tribunal Federal não tem aceito referida teoria, conforme ensina Márcio Cavalcante3.

O STF não admite a “teoria da transcendência dos motivos determinantes”.

Segundo a teoria restritiva, adotada pelo STF, somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante. Os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes.

A reclamação no STF é uma ação na qual se alega que determinada decisão ou ato:

• usurpou competência do STF; ou

• desrespeitou decisão proferida pelo STF.

Não cabe reclamação sob o argumento de que a decisão impugnada violou os motivos (fundamentos) expostos no acórdão do STF, ainda que este tenha caráter vinculante. Isso porque apenas o dispositivo do acórdão é que é vinculante.

Assim, diz-se que a jurisprudência do STF é firme quanto ao não cabimento de reclamação fundada na transcendência dos motivos determinantes do acórdão com efeito vinculante.

STF. Plenário. Rcl 8168/SC, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 19/11/2015 (Info 808).

Trata-se de uma verdadeira jurisprudência defensiva, na medida em que admitir a teoria da transcendência dos motivos determinantes implicaria em um aumento expressivo no número de reclamações perante a Suprema Corte.

Na Reclamação n. 22470, o Supremo Tribunal Federal afirmou que “a exegese jurisprudencial conferida ao art. 102, I, “l”, da Magna Carta rechaça o cabimento de reclamação fundada na tese da transcendência dos motivos determinantes.”4

Dessa forma, não cabe reclamação para o Supremo Tribunal Federal na hipótese em que o juiz, o tribunal ou o Poder Público entender que o termo circunstanciado de ocorrência possui natureza investigativa, em que pese contrariar claramente a decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3807. O instrumento utilizado para impugnar este entendimento deve ser a ação judicial quando a decisão partir do Poder Público ou recursos quando a decisão decorrer do próprio Poder Judiciário.

Pedro Lenza5 ensina que:

Inegavelmente, contudo, temos de reconhecer que a perspectiva de transcendência dos motivos determinantes deve ser revista à luz do CPC/2015, destacando-se os arts. 927 e 988.Já expusemos a nossa crítica à vinculação ampliada pela lei processual, lembrando que a Constituição se limita a estabelecer o efeito vinculante nas ações de controle concentrado e em razão de edição de súmula vinculante.

Nesse sentido, como afirmam Barroso e Mello, “se o CPC/2015 acolheu tal concepção de tese jurídica vinculante, inclusive em sede de controle concentrado da constitucionalidade, isso significa que, com a sua vigência, o entendimento do STF que rejeitava a eficácia transcendente da fundamentação precisará ser revisitado. É que a eficácia transcendente significa justamente atribuir efeitos vinculantes à ratio decidendi das decisões proferidas em ação direta. Mesmo que este entendimento não fosse acolhido pelo STF no passado, o fato é que, ao que tudo indica, o novo Código o adotou”.

Pode-se concluir que a ratio decidendi das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade possui eficácia vinculante, devendo ser obedecida por todo o Poder Judiciário, em todas as instâncias (art. 927, I, do CPC), contudo não cabe reclamação, como regra, das decisões judiciais que descumprem a ratio decidendi.

Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI n. 3807, por 10 votos a 01, no sentido de que o TCO não é procedimento investigativo, certamente, por coerência e integridade do direito, a ADI n. 5647, que questiona a constitucionalidade da autorização concedida pela Lei n. 22.257/16 de Minas Gerais para a Polícia Militar lavrar TCO, deve ser julgada improcedente e, consequentemente, autorizar a lavratura pela Polícia Militar, pois o principal fundamento que visa impossibilitar a Polícia Militar de lavrar TCO consiste na natureza investigativa do termo circunstanciado de ocorrência.

Em razão da decisão do STF na ADI 38071, a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – ADEPOL – emitiu nota técnica e recomendações para a padronização de procedimentos a serem adotados nas ocorrências envolvendo o crime previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/06 (porte de drogas para o consumo pessoal).6

Conforme registrado em nota técnica publicada pela ADEPOL DO BRASIL e pela FENDEPOL, o precedente do STF na ADI 3807 fixou três teses:

(a) termo circunstanciado não é procedimento investigativo, mas peça informativa com descrição detalhada do fato e as declarações do condutor do flagrante e do autor do fato; 

(b) termo circunstanciado não é função privativa de polícia judiciária, de modo que não existe risco à imparcialidade do julgador; e

(c) a autoridade policial pode lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e requisitar exames e perícias em caso de flagrante de uso ou posse de entorpecentes para consumo próprio, desde que ausente a autoridade judicial.

O julgado do STF, de caráter vinculante, é clarto e categórico: apenas de forma excepcional, no caso de ausência da Autoridade Judicial, é que o usuário de drogas será conduzido até a Delegacia de Policial. Esse procedimento, segundo a ministra, afasta a possibilidade de que o usuário de drogas seja preso em flagrante ou detido indevidamente pela autoridade policial. Nessa linha, a preferência é o encaminhamento do usuário de drogas para a Autoridade Judicial, cabendo a essa a adoção dos procedimentos, até mesmo quanto à lavratura do termo circunstanciado. O objetivo é justamente retirar da esfera policial a coerção ao usuário de drogas.

Observe-se que o dispositivo legal confere ao Juiz de Direito o dever de lavratura do TCO nas condutas previstas no art. 28 da citada lei, inclusive de forma prioritária em relação a qualquer outro órgão de segurança pública. Nesses termos, a seguinte sistemática deve ser adotada a partir desse novo precedente da Suprema Corte:

1. Todos os casos envolvendo crime tipificado no art. 28 da Lei n° 11.343/06 devem ser encaminhados diretamente ao plantão do Poder Judiciário pelas Polícias Civil e Militar, em especial porque, nos termos do que foi decidido, a finalidade é retirar o cidadão do ambiente da Delegacia de Polícia.

2. Mesmo durante os fins de semana, feriados ou período noturno, o procedimento é o mencionado no tópico 1, inexistindo qualquer necessidade de acionar a equipe da Polícia Civil que esteja de plantão.

3. Na hipótese de o Magistrado compreender que não se tem o crime de uso de drogas, mas de qualquer outro crime da Lei n° 11.343/16, o caso será encaminhado ao Delegado de Polícia plantonista. Há de se ressaltar que a decisão tomada pelo magistrado não vincula a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito pelo Delegado de Polícia por ser esse dotado de autonomia ou independência funcional, podendo decidir, ao final, por lavrar ele mesmo o TCO com fundamento no art. 28 da Lei n° 11.343/16.

4.Não se aplicam as regras acima mencionadas no caso de ausência da Autoridade Judicial, assim configurada quando na comarca não houver vara criminal ou plantão judiciário, mesmo que em trabalho remoto. Como se extrai da decisão do próprio Supremo Tribunal Federal e do voto da Ministra Cármen Lúcia, a existência do plantão judicial impede a lavratura do TCO pela autoridade policial.

5.Caracterizada a ausência da autoridade judicial na localidade, inexiste necessidade de prévia autorização do Juiz para o Delegado de Polícia lavrar o TCO, uma vez que tal atribuição decorre de previsão legal e não de determinação judicial.

6.Nos casos de autoridade judicial presente, não se admite, legalmente e constitucionalmente, a autorização pelo magistrado para que o Delegado de Polícia lavre ele próprio o TCO, uma vez que incidiria em ato contrário à decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal, passível de responsabilização disciplinar, sem contar a impugnação de tal ato por advogados e membros do Ministério Público com a consequente ilegalidade e incidência por crime na lei de abuso de autoridade. Tal premissa é “jeitinho”, ‘gambiarra jurídica” frente a uma decisão estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal.

Nas palavras do Supremo Tribunal Federal, vale a pena repetir, esse procedimento afasta a possibilidade de que o usuário de drogas seja encaminhado à Delegacia de Polícia, afastando-o do ambiente policial, que é a proposta central do precedente e que deve moldar o sistema criminal, em especial porque, nesta data, foi publicada a ata de julgamento, conferindo efeitos erga omnes e vinculante à decisão, que é de caráter obrigatório para todos os policiais, Delegados de Polícia e magistrados.

Por fim, ressaltamos que não há abuso de autoridade ou prevaricação a temer com a adoção de tais casos. Ao contrário: seguir o contrário do julgado do STF é que pode vir a gerar responsabilidade criminal na forma da Lei 13869/2019.

A Diretoria (destaques no original)

Antes de concluir se houve determinação do Supremo Tribunal Federal para que os juízes atuem nos casos de porte de drogas para uso pessoal em regime de plantão (fora do horário de expediente) deve-se analisar a ratio decidendi e a obiter dicta da fundamentação do voto da Ministra Cármen Lúcia, que foi o voto vencedor, mediante a utilização da “técnica da inversão defendida por Wambaugh, que defende a identificação da ratio decidendi como a razão jurídica que, se invertida, resultaria em julgamento diferente”7

A menção ao plantão judiciário no voto da Ministra Cármen Lúcia é feita ao citar o saudoso Professor Luiz Flávio Gomes, ao justificar a apresentação do usuário de drogas diretamente à autoridade judicial, por se tratar de uma questão de saúde pessoal e de saúde pública.

“[10] Envio do agente ao juízo competente

Normalmente, o agente que se encontra em posse de droga para consumo pessoal acaba sendo capturado por agente militar ou civil (ou federal). Dissemos normalmente porque, na verdade, qualquer pessoa (CPP, art. 301) está autorizada a proceder a essa captura (em flagrante).

Concretizada a captura do agente (e feita a apreensão da droga ou da planta tóxica) cabe ao condutor (pessoa que efetuou a captura) levar o autor do fato (imediatamente) ao juízo competente. Imediatamente significa sem demora, sem delongas, prontamente. Note-se que a lei autoriza essa condução coercitiva, por conseguinte, não há que se falar em delito contra a liberdade individual (de locomoção) do agente capturado.

A nova Lei de Drogas priorizou o “juízo competente”, em detrimento da autoridade policial. Ou seja: do usuário de droga não deve se ocupar a polícia (em regra). Esse assunto configura uma questão de saúde pessoal e pública, logo, não é um fato do qual deve cuidar a autoridade policial.

A lógica da Lei nova pressupõe Juizados (ou juízes) de plantão, vinte e quatro horas. Isso seria o ideal. Sabemos, entretanto, que na prática nem sempre haverá juiz (ou Juizado) de plantão. Conclusão: na prática, o agente flagrado com drogas para consumo pessoal normalmente será apresentado para a autoridade policial, que vai lavrar o termo circunstanciado e liberar o agente capturado.

[11] Falta ou ausência de autoridade judicial

Na falta (ou ausência) de autoridade judicial (ou seja: não havendo juiz ou juizado de plantão), todas as providências que a ela compete serão tomadas pela autoridade policial (ver comentários ao § 3.º logo abaixo). (…)

[13] Exames e perícias necessários

Uma vez lavrado o termo circunstanciado (pela autoridade judicial ou autoridade policial) devem ser requisitados os exames e perícias necessários. (…)

[14] Falta ou ausência da autoridade judicial

Se não existe autoridade judicial de plantão, uma vez capturado o agente do fato (com drogas ou planta tóxica), será ele conduzido à presença da autoridade policial. Como já enfatizamos, quer a lei (como meta prioritária) que o usuário seja apresentado ao juízo competente. Não sendo possível, então o agente do fato será apresentado à autoridade policial, que tomará as providências indicadas no § 2.º. (…) ” (GOMES, Luiz Flávio (Coord). Lei de Drogas comentada . 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014). (destaquei)

Nota-se que a menção ao plantão judicial ocorreu de forma desnecessária e a supressão dessa parte da decisão em nada alteraria o resultado do julgamento, pois a citação visou demonstrar a finalidade de se levar o usuário de droga à autoridade judicial, como dito pela própria Ministra Cármen Lúcia ao citar Luiz Flávio Gomes:

Essa interpretação é defendida por parte da doutrina. Para Luiz Flávio Gomes, o legislador optou pela apresentação do usuário de drogas diretamente à autoridade judicial por se tratar de questão de saúde pessoal e pública, da qual não deveria cuidar a autoridade policial:

Não há na decisão do STF nenhuma menção no voto, a não ser em razão da mencionada citação, da obrigatoriedade do Poder Judiciário atender os casos de usuário de drogas durante o plantão. Trata-se, portanto, de um fundamento obiter dictum, pois dito de passagem, sem maior relevância para o julgamento, razão pela qual não se deve interpretar que o STF determinou que o Poder Judiciário atenda as ocorrências dos usuários de droga durante o plantão.

Além do mais, cabe à lei estipular quais são as matérias de plantão e, consequentemente, ao Poder Judiciário disciplinar e definir quais são as matérias que serão atendidas em regime de plantão.

O art. 48, §§ 2º e 3º8, da Lei n. 11.343/06 trata da obrigatoriedade de conduzir o autor do fato à presença do juízo competente e utiliza as expressões “na falta deste” e “ausente a autoridade judicial”, sem mencionar a obrigatoriedade do usuário de droga ser encaminhado ao Poder Judiciário durante o plantão, pois o simples fato de dizer “na falta deste” ou “ausente a autoridade judicial” significa que a lei não determinada a condução do usuário de droga ao juízo competente em regime de plantão, na medida em que sempre haverá juízo de plantão em todas as comarcas do país, ainda que de forma remota. Caso fosse a vontade do legislador apresentar o usuário de drogas ao juízo competente, em qualquer situação, teria consignado que esta deveria ocorrer em plantão judiciário.

Nesse sentido, a Lei n. 13.043/14 alterou o Decreto-Lei n. 911/69 e passou a prever que o credor ou o proprietário fiduciário pode requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, podendo a medida liminar ser apreciada em plantão judiciário.

De mais a mais, a Resolução n. 71/09 do Conselho Nacional de Justiça, recentemente, alterada pela Resolução n. 326, de 26 de junho de 2020, mesma data em que a votação da ADI 3807 foi concluída, dispõe sobre o regime de plantão judiciário em primeiro e segundo graus de jurisdição. Dentre as matérias elencadas na referida resolução que devem ser analisadas em regime de plantão, encontram-se:

Art. 1º O plantão judiciário, em primeiro e segundo graus de jurisdição, conforme a previsão regimental dos respectivos Tribunais ou juízos, destina-se exclusivamente ao exame das seguintes matérias: (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)

III – comunicações de prisão em flagrante; (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)

VIII – medidas urgentes, cíveis ou criminais, da competência dos Juizados Especiais a que se referem as Leis nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, e nº 10.259, de 12 de julho de 2001, limitadas às hipóteses acima enumeradas. (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)


O art. 48, § 2º, da Lei n. 11.343/06 dispõe que “Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, NÃO SE IMPORÁ PRISÃO EM FLAGRANTE, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.”

A prisão subdivide-se em quatro etapas: a) captura; b) condução; c) prisão (lavratura do Auto de Prisão em Flagrante pelo Delegado) e d) encarceramento. Em se tratando do porte de drogas para consumo pessoal ocorre somente a captura e a condução, e não a prisão, em nenhuma hipótese, nos termos do art. 48, § 2º, da Lei n. 11.343/06, ainda que a pessoa se recuse a assinar o termo circunstanciado e assumir o compromisso de comparecer perante o Juizado Especial Criminal, pois não se aplica neste caso a lógica do art. 69, parágrafo único, da Lei n. 9.099/959, que permite a prisão em flagrante quando o autor do fato se recusar a assumir o compromisso de comparecer, posteriormente, à justiça, pois não existe previsão de pena privativa de liberdade para o art. 28 da Lei n. 11.343/06 (porte de drogas para consumo pessoal).

Portanto, em qualquer situação, ao usuário de droga (art. 28 da Lei de Drogas) nunca será imposta prisão pelo fato de ter sido flagrado portando drogas para uso pessoal.

Na prática em diversos estados, como o Estado de Goiás, a Polícia Militar lavra o TCO em razão do porte de drogas para uso pessoal, o que caracteriza somente a captura do autor do fato, sequer há necessidade de condução, sendo este liberado no local dos fatos, o que atende à finalidade da lei, conforme mencionado pelo Supremo Tribunal Federal, de não conduzir o usuário de droga para um ambiente policial.

Dessa forma, a análise conjunta do art. 48, § 2º, da Lei n. 11.343/06 e do art. 1º, III e VIII, da Resolução n. 71 do CNJ permite afirmar que os usuários de droga que praticarem o crime previsto no art. 28 da Lei de Drogas não devem ser conduzidos ao Poder Judiciário quando estiver em regime de plantão, pois à conduta do art. 28 da Lei 11.343/06 não se imporá a prisão em flagrante em nenhuma situação e o plantão judicial atende exclusivamente as comunicações de prisões e as medidas urgentes de natureza criminal do Juizado Especial limitam-se às comunicações de prisões ou outras medidas urgentes criminais, que não abrangem o encaminhamento do usuário de droga, conclusão esta que é possível se extrair da parte final da redação do inciso VIII do art. 1º da Resolução n. 71 do CNJ ao mencionar “limitadas às hipóteses acima enumeradas”.

Art. 1º O plantão judiciário, em primeiro e segundo graus de jurisdição, conforme a previsão regimental dos respectivos Tribunais ou juízos, destina-se exclusivamente ao exame das seguintes matérias: (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)

I – pedidos de habeas corpus e mandados de segurança em que figurar como coator autoridade submetida à competência jurisdicional do magistrado plantonista; (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)

II – medida liminar em dissídio coletivo de greve; (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)

III – comunicações de prisão em flagrante; (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)

IV – apreciação dos pedidos de concessão de liberdade provisória; (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)

V – em caso de justificada urgência, de representação da autoridade policial ou do Ministério Público visando à decretação de prisão preventiva ou temporária; (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)

VI – pedidos de busca e apreensão de pessoas, bens ou valores, desde que objetivamente comprovada a urgência; (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)

VII – medida cautelar, de natureza cível ou criminal, que não possa ser realizada no horário normal de expediente ou de caso em que da demora possa resultar risco de grave prejuízo ou de difícil reparação; (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)

VIII – medidas urgentes, cíveis ou criminais, da competência dos Juizados Especiais a que se referem as Leis nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, e nº 10.259, de 12 de julho de 2001, LIMITADAS ÀS HIPÓTESES ACIMA ENUMERADAS. (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)

A título argumentativo não há comunicação ao juiz plantonista quando o Delegado de Polícia inicia a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, mas constata no decorrer da lavratura que não é o caso de flagrante, por entender, por exemplo, que atuou em legítima defesa (art. 304, § 1º, do CPP), pois o agente não terá sido preso, razão pela qual dispensa a comunicação ao Poder Judiciário em regime de plantão.

A ratio decidendi da ADI 3807 consiste no fundamento de que o termo circunstanciado não é procedimento investigativo, que a sua lavratura não é atribuição exclusiva da polícia judiciária e que não há ofensa à imparcialidade do julgador em proceder à lavratura do termo circunstanciado de ocorrência, pois são fundamentos imprescindíveis para o mérito da questão que foi julgada improcedente. Para chegar a essa conclusão basta inverter a lógica dos fundamentos e sustentar que o termo circunstanciado é procedimento investigativo, a lavratura é atribuição exclusiva da polícia judiciária e que eventual lavratura pelo juiz ofenderia a parcialidade. O resultado seria exatamente o contrário, a ação seria julgado procedente para reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado.

Considerando-se que o termo circunstanciado não é procedimento investigativo, mas peça informativa com descrição detalhada do fato e as declarações do condutor do flagrante e do autor do fato, deve-se reconhecer que a possibilidade de sua lavratura pelo órgão judiciário não ofende os §§ 1º e 4º do art. 144 da Constituição, nem interfere na imparcialidade do julgador.

Dessa forma, é perfeitamente possível afirmar que a Polícia Militar pode proceder à lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência, já que não se trata de um procedimento investigativo e não é atribuição exclusiva da polícia judiciária.

O voto da Ministra Cármen Lúcia menciona Ada Pellerini Grinover, nos seguintes termos:

“Pode também acontecer que, ocorrido o fato, os interessados, ao invés de dirigirem-se à autoridade policial, busquem diretamente o atendimento do Juizado. Por isso mesmo, seria conveniente que a lei local previsse a presença de uma autoridade policial junto aos Juizados, para que o termo circunstanciado fosse ali lavrado. E nada impede, demais, que a lavratura do termo e a tomada das providências cabíveis sejam realizadas pela própria secretaria do Juizado.

Exatamente nesse sentido, a Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura, encarregada de formular as primeiras conclusões sobre a interpretação da lei (v. n. 13 das considerações introdutórias à Seção), apresentou a seguinte:

Nona Conclusão: “A expressão autoridade policial referida no art. 69 compreende todas as autoridades reconhecidas por lei, podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura do termo de ocorrência e tomar as providências devidas no referido artigo” ” (GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995 . 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 118). (destaquei)

Nota-se que para atingir a finalidade da lei, no sentido de não conduzir a pessoa que porta droga para consumo pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343/06) para a Delegacia de Polícia ou para qualquer ambiente policial, seria suficiente haver a presença de um policial no fórum para registrar o termo circunstanciado de ocorrência.

Ao se evitar a condução de um usuário de droga para o ambiente policial a lei tem por fim prevenir o contato do usuário com presos e criminosos, já que o tratamento dado ao usuário, nos termos da Lei n. 11.343/06, deve ser o de uma pessoa que necessita de tratamento médico. Usar droga não é crime.

A Lei de Drogas não pune o vício – visa tratar o usuário -, não pune a pessoa que “usa drogas” – não há o verbo usar ou consumir no art. 28 -, pune somente a pessoa que a porta com o fim de consumi-la (art. 28) ou de comercializá-la ou passá-la a terceiro ou de ficar com a droga para si mesmo, sem, contudo, possuir o intuito de usá-la (art. 33). Pelo fato do usuário de droga movimentar o tráfico de drogas, quando a adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou a traz consigo para consumo pessoal, coloca a saúde pública em perigo, razão pela qual tal conduta é considerada criminosa e não o vício, pois a partir do momento em que o usuário de droga a utiliza, causa lesão a si mesmo, e o direito não pune a autolesão (princípio da lesividade).

O art. 48, § 3º, da Lei n. 11.343/06 prescreve que a ausência da autoridade judicial implica na lavratura imediata do termo circunstanciado de ocorrência pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente.

Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.

§ 3º Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2º deste artigo serão tomadas de IMEDIATO pela autoridade policial, no local em que se encontrar, VEDADA A DETENÇÃO DO AGENTE.

Cléber Masson e Vinícius Marçal10 ensinam que:

Quis a Lei de Drogas, portanto, que o autor do crime de consumo pessoal não fosse levado à delegacia de polícia para o registro da ocorrência, reservando o ambiente policial aos narcotraficantes. Por isso, não sendo possível a lavratura do termo pela secretaria do juízo, a autoridade policial o fará, no local em que estiver o autor do fato – na rua, por exemplo –, sendo vedada a detenção do autor do fato.

Ao vedar a detenção do agente visa a sua liberação no menor tempo possível, após tomadas as providências necessárias para a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência, o que não impede a captura e condução do usuário de drogas ao fórum ou à Delegacia de Polícia, se necessário.

De qualquer forma, a solução mais razoável, prudente e que atende aos objetivos da lei consiste na lavratura do termo circunstanciado de ocorrência pela instituição policial que abordar o usuário na rua, o que é extremamente comum de ocorrer em razão das abordagens realizadas pela Polícia Militar.11

Isso porque o contato do usuário com a polícia será inevitável e natural, pois cabe ao policial abordá-lo e conduzi-lo ao fórum ou à Delegacia de Polícia, e ao lavrar o termo circunstanciado de ocorrência na rua, imediatamente, o policial somente terá realizada a primeira fase da prisão – a captura –, tomado as providências para lavrar o termo circunstanciado de ocorrência de imediato, e liberado o agente no menor tempo possível, atendido ao disposto no art. 48, § 3º, da Lei 11.343/06 que exige a lavratura do termo circunstanciado de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, e veda a detenção do agente.

Tal providência não desobedece ao disposto no art. 48, § 2º, da Lei de Drogas, que exige o encaminhamento do usuário ao juízo competente, pois como dito por Ada Pellerini Grinover e citado pela Ministra Cármen Lúcia, “seria conveniente que a lei local previsse a presença de uma autoridade policial junto aos Juizados, para que o termo circunstanciado fosse ali lavrado.” Ao contrário, ao lavrar o TCO na rua, no local da abordagem, dará um maior cumprimento à finalidade da lei, já que sequer será necessário conduzir o usuário para qualquer local, liberando-o imediatamente.

Portanto, a condução à presença do juízo competente (leia-se: fórum) pode ser substituída por um convênio ou outro instrumento jurídico adequado que permita a lavratura do TCO pelos policiais na rua, sem necessidade de encaminhamento do usuário ao fórum. Nota-se que o Supremo Tribunal Federal citou Ada Pellerini Grinover que menciona a possibilidade do policial trabalhar no fórum e lavrar os termos circunstanciados decorrentes do art. 28 da Lei de Drogas e o fato do policial lavrar o termo circunstanciado de ocorrência na rua somente reforça o cumprimento da lei e atende à sua finalidade, conforme explanado.

Atualmente, no Brasil, em pelo menos 12 (doze) estados, a Polícia Militar lavra o termo circunstanciado de ocorrência na rua.12

Destaca-se que em fóruns maiores não é incomum que haja policiais militares responsáveis pela segurança, sendo possível verificar junto ao Comando da Instituição, caso haja a condução de usuários para o fórum, a possibilidade de autorizar a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência por estes policiais militares.

Na prática policial, em muitas circunstâncias, não será possível lavrar o termo circunstanciado de ocorrência na rua, no local em que o agente foi flagrado com drogas para uso pessoal, razão pela qual deverá ser conduzido para um local na rua seguro para a lavratura ou para o fórum ou na impossibilidade para a Delegacia de Polícia.

Tome como exemplo o usuário de droga que é abordado pela polícia em um “ponto de tráfico” logo após comprar a droga. O local é perigoso e inviabiliza a lavratura do TCO naquele lugar, momento e circunstâncias, o que justifica a condução do usuário para um local seguro nas proximidades, sendo possível que se desloque com o indivíduo para o fórum para utilizar a estrutura física e lavrar o termo circunstanciado e, na impossibilidade, para a Delegacia de Polícia.

É comum que as instituições policiais militares proíbam a condução de usuários de droga para quartéis para a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência, devendo este ser feito na rua. Ocorre que na impossibilidade fundamentada de se lavrar o TCO na rua, não há impedimento legal para que este seja lavrado em um quartel, pois se a PM possuir atribuição para tal, desnecessário se torna conduzir o usuário para a Delegacia de Polícia, até porque no quartel não haverá contatos com criminosos e outros presos, pois estes são conduzidos para a Delegacia de Polícia, o que atende à finalidade da lei de deixar de levar o usuário de drogas para um ambiente policial, evitando, assim, o contato com presos e criminosos.

Imaginar que levar o usuário ao quartel, quando necessário para lavrar o TCO, significa que o indivíduo sofrerá maus-tratos ou tortura, por isso deve ser evitado, é um raciocínio equivocado, pois parte da presunção de que a atuação policial é violenta e que conduzir uma pessoa ao quartel fomenta a prática de violência, o que, se for a intenção dos policiais, ocorrerá na rua ou na Delegacia de Polícia.

De qualquer forma, por uma política institucional das forças militares estaduais, não é comum conduzir usuários de droga ou qualquer conduzido ou preso para o quartel.

Pode ocorrer também dos policiais não possuírem na rua os instrumentos e materiais necessários para a lavratura do termo circunstanciado, o que exigirá o deslocamento com o usuário de drogas para o fórum ou para a Delegacia de Polícia.

Precisas são as lições deCléber Masson e Vinícius Marçal13.

Conquanto esta seja a sistemática idealizada pela Lei de Drogas, não há como negar que dificuldades práticas, por vezes, impedirão o registro do termo circunstanciado e a requisição de exames pela secretaria do juízo, assim como inviabilizarão a lavratura da ocorrência no local em que o autor do fato for encontrado, dada a notória escassez patrimonial (certamente faltarão papéis, impressoras móveis, computadores etc.) das polícias. Igualmente, dificuldades físicas também se apresentarão. Com efeito,

“imagine um agente que é surpreendido portando determinada droga para consumo pessoal em local sabidamente dominado pelo tráfico, em horário próximo ao chamado ‘toque de recolher’ das favelas. Apesar de a autoridade policial ter o dever de enfrentar o perigo, não se pode exigir dela condutas desarrazoadas e, pior, que possam colocar em risco a vida e a segurança do agente e de eventuais testemunhas. Ademais, como dito acima, apesar da omissão da lei, será necessário realizar o chamado exame preliminar, com o intuito de se atestar, provisoriamente, que se trata de droga. Dificilmente a Polícia possuirá narcotestes à disposição para realizar o referido exame no local.”14

Demais disso, nem sempre será tarefa fácil determinar se a conduta configura crime de consumo pessoal ou tráfico ilícito de drogas, o que demandará o aprofundamento das diligências e a coleta de mais elementos. Por tudo isso, não nos parece haver problema algum na captura e subsequente condução (coercitiva, se for o caso) do sujeito diretamente ao estabelecimento policial para fins exclusivos de lavratura do termo circunstanciado, o que pode ser levado a cabo até por qualquer do povo (CPP, art. 301). O que não se admitirá, ressalte-se uma vez mais, é a lavratura de auto de prisão em flagrante e a manutenção do autor do fato no cárcere (detenção). (destaquei)

No mesmo sentido são as lições de Renato Brasileiro de Lima15.

No entanto, a despeito da redação expressa do art. 48, § 3°, da Lei de Drogas, é fato notório que nem sempre será possível a lavratura do termo circunstanciado no local em que o usuário for capturado, seja por conta da ausência de condições materiais (v.g., falta de narcotestes para realização do laudo preliminar), periculosidade de se levar adiante a documentação do crime do art. 28 em locais e horários inadequados (v.g., captura de usuário em comunidade dominada pelo tráfico de drogas após o denominado “toque de recolher “), seja pela dificuldade de se estabelecer com exatidão se se trata de mero usuário ou traficante de drogas. Nessas situações, por mais que a dicção expressa da Lei não tenha deixado explícita essa possibilidade, parece-nos ser plenamente possível a condução coercitiva do usuário de drogas à Delegacia de Polícia para fins de lavratura do termo circunstanciado, desde que sejam adotadas precauções para que este agente não seja colocado em contato com outros criminosos.

O próprio art. 48, § 4°, da Lei n. 11.343/06, confirma a possibilidade de encaminhamento do usuário de Drogas à Delegacia de Polícia ao dispor que, uma vez concluídos os procedimentos de que trata o § 2° deste artigo, o agente será submetido a exame de corpo de delito, se o requerer ou se a autoridade de polícia judiciária entender conveniente, e em seguida liberado. Referindo-se expressamente à autoridade de polícia judiciária leia-se, ao Delegado de Polícia Civil ou Federal, o dispositivo deixa entrever que haverá situações em que o usuário poderá ser encaminhado à Delegacia de Polícia, oportunidade em que a autoridade policial poderá determinar a realização de exame de corpo de delito, com o objetivo de comprovar a materialidade de eventuais maus-tratos ou lesões corporais perpetradas contra o agente.

Um ponto importante é que o juiz não possui a expertise que um policial possui para detectar, no momento da captura e abordagem, se determinada quantidade de droga, nas circunstâncias em que foi apreendida, caracteriza tráfico ou uso de drogas. Ocorre que quem realizará essa filtragem inicial, se o caso é de uso ou tráfico de drogas, é o policial que realizou a abordagem na rua, geralmente, o policial militar. Caso entenda que seja porte de drogas para uso pessoal, poderá lavrar o termo circunstanciado de ocorrência, do contrário, deverá conduzir o agente para a Delegacia de Polícia em razão da prática de tráfico de drogas.

O art. 48, § 2º, da Lei 11.343/06 menciona expressamente que o autor do fato (art. 28) será encaminhado imediatamente ao juízo competente.

Juízo competente não é, necessariamente, sinônimo de juiz competente. O termo é utilizado de forma mais ampla para abranger o órgão judiciário como um todo, o que abrange a Secretaria do Juízo e as pessoas que trabalham no fórum, como os policiais militares cedidos.

No texto “Juízo é sinônimo de juiz?” publicado no Migalhas, a distinção entre juízo e juiz competente fica nítida.

2) Num primeiro aspecto, importa observar que juízo, como já sintetizava Chiovenda, é o próprio tribunal (MARQUES, 2000, p. 368), quer considerado como órgão julgador, quer tido como estrutura de decisão.

3) Nesse sentido, o vocábulo é empregado em diversos dispositivos do Código de Processo Civil de 1973: a) “Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente…”; b) “Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade…”; c) “Art. 33, parágrafo único. O juiz poderá determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite em juízo o valor correspondente a essa remuneração”.

4) Já o juiz é a pessoa física que detém a atribuição estatal de dizer o direito e, nesse sentido, o vocábulo tem por sinônimos magistrado e julgador.

5) Com essas premissas, já se vê que juízo não pode ser tido, objetivamente, como sinônimo de magistrado, de juiz ou de julgador.

6) Vale a pena observar, entretanto, que, às vezes, se emprega uma figura de linguagem conhecida como metonímia, que consiste em usar uma palavra em lugar de outra, desde que ambas tenham entre si algum tipo de relação e de proximidade. Veja-se, assim, o seguinte exemplo: “Esse juízo decidiu anteriormente…”. Ora, o que se quer dizer é que o juiz decidiu anteriormente, e não o tribunal. Afinal, quem decide é a pessoa, e não a estrutura. E esse uso de uma palavra em lugar de outra é de integral correção.

7) Desse modo, assim pode ser sintetizada a resposta à leitora: a) por um lado, o vocábulo juízo não pode ser tido como sinônimo objetivo de juiz, de magistrado ou de julgador; b) por outro lado, é possível empregar juízo em lugar de juiz, quando se faz uso da figura de linguagem denominada metonímia, pela qual uma palavra toma o lugar de outra, com base em alguma relação de proximidade entre ambas: de causa e efeito, de parte e todo, de autor e obra, etc.

Dessa forma, quando o art. 48, § 2º, da Lei de Drogas diz que “Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente (…).”, significa que a Secretaria do Juízo ou outra seção designada pelo juiz competente pode proceder à lavratura do termo circunstanciado de ocorrência. Pensar de forma diversa contraria, inclusive, a finalidade da lei, de liberação do usuário de droga o quanto antes após a sua captura, pois é comum que o juiz possua várias audiências, razão pela qual o usuário terá que aguardar por muitas horas até que seja recebido pelo juiz.

O § 3º do art. 48 da Lei de Drogas explicita que “Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2º deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente.”, o que demonstra que a condução ao juízo competente visa a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência ou realização da audiência preliminar do Juizado Especial Criminal pelo juiz competente.

Ocorre que a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência em razão da prática do art. 28 da Lei n. 11.343/06 não possui nenhum caráter decisório. Trata-se somente de um registro de fatos, motivo pelo qual a lavratura pode ser interpretada como um ato ordinatório, que é aquele destituído de qualquer carga decisória.

O art. 93, XIV, da Constituição Federal preceitua que:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

XIV os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

O art. 203, § 4º, do Código de Processo Civil prescreve que:

Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário.


Nota-se que os atos ordinatórios são plenamente delegáveis, já que não se delega o poder jurisdicional, e sim a prática de um ato sem conteúdo decisório, como é o caso da lavratura do termo circunstanciado de ocorrência decorrente do art. 28 da Lei n. 11.343/06.

(…) 3. Não há falar em nulidade da delegação aos serventuários de justiça da prática de atos ordinatórios ou de mero expediente, no caso em tela, a intimação das partes para complementação do preparo recursal. (…)”. (STJ, AgRg no AREsp 480.543/RJ, 4ª T., j. 06.09.2016, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 14.09.2016).

Dessa forma, é perfeitamente possível delegar mediante a edição de ato normativo do juiz competente a atribuição de lavrar termo circunstanciado de ocorrência a um serventuário, pois a lavratura do TCO limita-se a registrar fatos sem conteúdo decisório, cujo desfecho já decorre da lei, que é a liberdade do usuário, além de se tratar de um ato do juiz relacionado à administração do juízo, bem como o fato do art. 48, § 2º, da Lei de Drogas dizer expressamente que o autor da conduta prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/06 deve ser encaminhado ao juízo competente para a adoção das providências legais.

A ausência da autoridade judicial que justifica a impossibilidade da lavratura do termo circunstanciado em razão da prática do art. 28 da Lei de Drogas ocorrerá quando o juiz concentrar em si a lavratura do ato, sem delegar essa atribuição a um serventuário.

Não há que se falar em realização de audiência preliminar pelo juiz do Juizado Especial Criminal, na medida em que esta audiência tem por finalidade a proposta de transação penal (art. 72 da Lei n. 9.099/95), podendo haver propostas pelo Ministério Público de aplicação imediata da pena prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/06 (art. 48, § 5º da Lei de Drogas), o que não é possível ocorrer após a captura do indivíduo e condução ao fórum, pois é necessário haver o laudo de constatação da substância entorpecente, na medida em que não é possível propor transação penal ou tomar qualquer decisão em desfavor do autor do art. 28 da Lei de Drogas sem que haja prova da materialidade (como deve ser em qualquer crime).

A Edição n. 131 da Jurisprudência em Teses do Superior Tribunal de Justiça traz enunciados referentes à Lei de Drogas, e o enunciado n. 12, dispõe que: “A comprovação da materialidade do delito de posse de drogas para uso próprio (art. 28 da Lei n. 11.343/2006) exige a elaboração de laudo de constatação da substância entorpecente que evidencie a natureza e a quantidade da substância apreendida.”

A jurisprudência é pacífica nesse sentido, portanto, para que haja responsabilização do agente que possui drogas para uso próprio, a comprovação da droga deve ocorrer mediante a elaboração de laudo de constatação da substância entorpecente.

O encaminhamento da droga apreendida para a perícia poderá ocorrer pelo próprio Poder Judiciário ou pela instituição policial que tiver efetuado a captura do usuário de drogas, a depender do que for acertado entre as instituições, o que deve ocorrer mediante convênio ou termo de cooperação, dentro da realidade de cada local, uma vez que há fóruns e quartéis ou delegacias que não possuem estrutura física adequada e compatível para a guarda de drogas apreendidas em decorrência do art. 28 da Lei n. 11.343/06.

É possível extrair do art. 48, § 2º, da Lei de Drogas que o responsável por lavrar o termo circunstanciado deve providenciar as requisições dos exames e perícias necessários, o que não impede, contudo, mediante aceitação voluntária e colaborativa, que instituição diversa da que lavrar o TCO encaminhe a droga, pois não se trata de procedimento investigativo, o ato de encaminhar a droga para a perícia é um ato que decorre diretamente da lei, cuja providência para a sua realização parte da autoridade que lavrar o termo circunstanciado, sendo a entrega da droga ao instituto de perícias um ato meramente mecânico. Não há, portanto, delegação de atividade investigativa, pois investigação TCO não é, nem delegação de atribuição do juízo competente a terceiro, pois a entrega física da droga não passa de um ato material, sem qualquer conteúdo decisório.

Art. 48 (…)

§ 2º Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.

Por fim, o § 4º do art. 48 da Lei de Drogas ao mencionar que a autoridade de polícia judiciária (Delegado de Polícia), se entender conveniente, submeterá o agente a exame de corpo delito, não significa que dizer que restringiu a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência, quando este for lavrado por autoridade policial, em razão da prática do art. 28 da Lei n. 11.343/06, somente ao Delegado de Polícia, pois o termo circunstanciado de ocorrência, como decidido pelo STF, não é procedimento investigativo e não é atividade exclusiva da polícia judiciária.

A leitura do § 4º do art. 48 da Lei de Drogas permite afirmar que quando for necessário exame de corpo de delito, este compete ao Delegado de Polícia requisitá-lo, tanto é que no § 3º do art. 48 o legislador utilizou o termo “autoridade policial” e não “autoridade de polícia judiciária” e é a úncia menção à “autoridade policial” contida na Lei n. 11.343/06. Em todas as demais menções a expressão utilizada é “autoridade de polícia judiciária”.

Diante de todo o exposto, é possível extrair as seguintes conclusões:

a) A Polícia Militar pode continuar lavrando termo circunstanciado de ocorrência na rua, nos estados em que já lavra, mesmo diante da decisão do STF na ADI 3807, sem necessidade de encaminhar o usuário de droga (art. 28 da Lei n. 11.343/06) ao fórum, ao quartel ou à Delegacia de Polícia;

b) Caso a abordagem ao usuário seja realizada pela Polícia Civil, deve primar pela lavratura do termo circunstanciado de ocorrência na rua, no local da abordagem, e na impossibilidade, conduzir o usuário de droga (art. 28 da Lei n. 11.343/06) ao fórum, se durante o expediente, e para a Delegacia de Polícia caso o fórum esteja fechado;

c) Apresentado o usuário de droga ao fórum, seja pela Polícia Militar ou pela Polícia Civil, se houver ato normativo do juiz competente, a Secretaria do Juizado Especial Criminal deverá proceder à lavratura do termo circunstanciado de ocorrência ou tal ato poderá ser lavrado por policial militar, desde que haja convênio ou termo de cooperação entre o Poder Judiciário e a Polícia Militar, uma vez que a finalidade precípua do policial militar que permanece no fórum é a segurança;

d) Fora do horário de expediente, isto é, nos finais de semana, em feriados, no horário noturno ou em qualquer situação que o fórum esteja fechado, não cabe ao Poder Judiciário lavrar o termo circunstanciado de ocorrência (art. 1º, III e VIII, da Resolução n. 71/09 do Conselho Nacional de Justiça);

e) Nos locais em que não houver fórum não há que se falar em condução do usuário de droga ao Poder Judiciário, devendo este ser encaminhado diretamente à Delegacia de Polícia, caso não seja possível a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência na rua;

f) O encaminhamento da droga apreendida para a perícia poderá ocorrer pelo próprio Poder Judiciário ou pela instituição policial que tiver efetuado a captura do usuário de drogas, a depender do que for acertado entre as instituições, o que deve ocorrer mediante convênio ou termo de cooperação, dentro da realidade de cada local, uma vez que há fóruns e quartéis ou delegacias que não possuem estrutura física adequada e compatível para a guarda de drogas apreendidas em decorrência do art. 28 da Lei n. 11.343/06;

g) O juiz não deve realizar audiência preliminar ou aplicar qualquer medida em desfavor do usuário de droga sem que haja o laudo de constatação da substância entorpecente.

NOTAS

1NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 10ª Edição. Editora JusPODIVM: Salvador. 2018. p. 1.045/1.046.

2 DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil – v. 3: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016. p. 549/550.

3Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/search?q=O+STF+n%C3%A3o+admite+a+teoria+da+transcend%C3%AAncia+dos+motivos+determinantes>. Acesso em: 29/06/2020.

4STF. 1ª Turma. Rcl 22470 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 24/11/2017.

5. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24ª Edição. Saraiva: São Paulo, 2020.

6Disponível em: <https://adepoldobrasil.org.br/recomendacoes-de-medidas-a-serem-adotadas-nos-casos-de-posse-de-drogas-com-base-no-julgado-da-adi-3807/>. Acesso em: 20/07/2020.

7NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 10ª Edição. Editora JusPODIVM: Salvador. 2018. p. 1.045/1.046.

8 Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.

§ 2º Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.

§ 3º Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2º deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente.

9 Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (Redação dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002)

10 MASSON, Cleber. MARÇAL, Vinícius. Lei de Drogas. Aspectos Penais e Processuais. Método: São Paulo. 2019.

11 Enunciado 34 do FONAJE: Atendidas as peculiaridades locais, o termo circunstanciado poderá ser lavrado pela Polícia Civil ou Militar.

12 Disponível em: <https://www.feneme.org.br/30-03-2020-plenario-do-stf-decide-que-tco-lavrado-pela-policia-militar-nao-e-inconstitucional/>. Acesso em: 20/07/2020.

13 MASSON, Cleber. MARÇAL, Vinícius. Lei de Drogas. Aspectos Penais e Processuais. Método: São Paulo. 2019.

14 MENDONÇA, Andrey Borges de; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Lei de drogas: Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 – comentada artigo por artigo. 3. ed. São Paulo: Método, 2012. p. 253-254. Igualmente: “E o problema maior é este: terá, mesmo, a autoridade policial de realizar um termo circunstanciado em qualquer lugar, numa praia, numa praça, na estação de trem ou no terminal de ônibus, numa festa rave ou num estádio de futebol, isto para evitar a detenção do agente? Se assim for, o propósito do legislador não é outro senão o de tornar a cláusula procedimental absolutamente ineficaz, o que, convenhamos, não deve estar na gênese jurisfilosófica de nenhuma lei. Afinal, não se legisla para não funcionar. […] Em suma, entendemos que a autoridade policial deverá realizar o TC na delegacia de polícia, conduzindo o infrator para o efeito.” (GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Nova Lei Antidrogas comentada: crimes e regime processual penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 170)

15DE LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Comentada. Volume Único. 8ª Edição. Editora JusPODIVM: Salvador. 2020.

A Guarda Municipal pode lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência?

SÍNTESE

Fundamentos
• Art. 144 da CF
• Art. 144, § 8º, da CF
• Art. 5º, I, e art. 37, ambos da CF
• Lei 13.022/14 (Estatuto Geral das Guardas Municipais)
• Art. 48, § 2º, da Lei 11.343/06
• Art. 69 da Lei n. 9.099/95
• STF – ADI 3807

Síntese: Os guardas municipais não podem lavrar termo circunstanciado de ocorrência, pois não são autoridades policiais, e sim autoridades municipais da Guarda Civil, e o art. 69 da Lei n. 9.099/95 autoriza a lavratura somente por autoridades policiais, contudo nada impede que haja alteração legislativa que permita a lavratura do TCO pelos guardas municipais, pois não se trata de ato de investigação nem privativo de autoridades policiais, pois o Supremo Tribunal Federal decidiu na ADI 3807 que juízes podem lavrar TCO quando envolver a prática do crime previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/06 (porte de drogas para consumo pessoal).

A Constituição Federal preceitua que “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei” (art. 144, § 8º).

A Constituição menciona que os municípios poderão constituir guardas municipais e a Lei 13.022/14 – Estatuto Geral das Guardas Municipais – expressa que o município pode criar, por lei, sua guarda municipal (art. 6º).

Trata-se de uma faculdade do Poder Público Municipal e não de uma obrigação, portanto, o ato de criação é discricionário e deve observar a realidade socioeconômica de cada município.

A função da Guarda Municipal é a proteção dos bens, serviços e instalações municipais, conforme dispuser a lei.

Os bens referem-se aos bens públicos, às coisas, móveis ou imóveis, corpóreas ou incorpóreas, semoventes e tudo aquilo que pertence à pessoa jurídica de direito público municipal. Inclui-se nesse conceito os bens das pessoas de direito privado que estejam afetados ao interesse da coletividade.

O art. 98 do Código Civil dispõe que “São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.”

Os bens públicos subdividem-se em bens de uso comum do povo, como os rios, mares, estradas, ruas e praças; os de uso especial, como os edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração municipal, inclusive os de suas autarquias e os bens dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades (art. 99, I, II e III, do CC).

Os bens a que se refere o § 8º do art. 144 da Constituição Federal são os aqueles de natureza patrimonial do município, não abrangendo os bens jurídicos ou particulares, em que pese nestes poderem atuar, em caráter secundário, conforme será demonstrado.

O parágrafo único do art. 4º da Lei n. 13.022/14 assevera que os bens de competência das guardas municipais abrangem os de uso comum, de uso especial e os dominicais.

Quando a Constituição Federal quis outorgar a proteção de bens jurídicos aos órgãos de segurança pública, disse expressamente “interesse”, como consta no art. 144, § 1º, I, ao mencionar que compete à Polícia Federal apurar infrações penais em detrimento de bens, serviços e interesses da União.

Por serviços entenda-se a prestação de serviço público que seja de responsabilidade do município, como a coleta de lixo, iluminação pública nas ruas, tratamento de água potável, construção de postos de saúde e de hospitais, serviço de transporte coletivo (ônibus, trem, metrô), loteamento, calçamento de ruas e praças, dentre outros.

A prestação de serviço público, para fins do § 8º do art. 144 da Constituição Federal, consiste na atividade administrativa desempenhada pelo município, com o fim de satisfazer as necessidades coletivas e individuais dos munícipes, sob a incidência total ou parcial de um regime de direito público.

Em se tratando de instalações, tem-se a estrutura física e os logradouros do município, como o prédio em que fica a prefeitura.

O conceito de bens é mais amplo e abrange, necessariamente, as instalações do município (coisa imóvel).

A seguir, tabela esquematizada que aborda o tripé constitucional da finalidade da Guarda Municipal.


ConceitoExemplo
BensBens públicos, coisas, móveis ou imóveis, corpóreas ou incorpóreas, semoventes e tudo aquilo que pertence à pessoa jurídica de direito público municipal. Inclui-se nesse conceito os bens das pessoas de direito privado que estejam afetados ao interesse da coletividade.Animais da prefeitura.
ServiçosConsiste na atividade administrativa desempenhada pelo município, com o fim de satisfazer as necessidades coletivas e individuais dos munícipes, sob a incidência total ou parcial de um regime de direito público.Coleta de lixo; iluminação pública nas ruas; tratamento de água potável; construção de postos de saúde e de hospitais; serviço de transporte coletivo (ônibus, trem, metrô); loteamento; calçamento de ruas e praças.
InstalaçõesEstrutura física e os logradouros do município.Prédio do município em que fica a prefeitura.

A Lei n. 13.022, de 08 de agosto de 2014, em observância ao art. 144, § 8º, da CF, instituiu as normas gerais para as guardas municipais, constituindo o Estatuto Geral das Guardas Municipais.1

As guardas municipais vinculam-se ao Poder Executivo Municipal e são instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas, conforme previsto em lei2, e tem por função a proteção municipal preventiva (art. 2º).

A doutrina diverge quanto à caracterização da Guarda Municipal como um órgão de segurança pública.

A primeira corrente preconiza que a Guarda Municipal não é um órgão de segurança pública, com base nos seguintes argumentos3:

• As guardas municipais não pertencem ao rol de órgãos do sistema de segurança pública elencados no art. 144 da Constituição Federal, que é taxativo;

• A Guarda Municipal é mencionada no § 8º do art. 144 da CF e não no caput;

• Os constituintes rechaçaram propostas de se criar a polícia municipal, sendo função do município colaborar com a segurança pública, em apoio ao Estado;

• Lei não pode expandir a competência da Guarda Municipal, limitando-se a detalhar as atribuições referentes à proteção de bens, serviço e instalações municipais.

A segunda corrente defende ser a Guarda Municipal um órgão do sistema de segurança pública, sob os seguintes fundamentos4:

• O rol previsto no art. 144, caput, da Constituição Federal não é taxativo, na medida em que o artigo diz que a segurança pública é dever do Estado e de todos, o que permite incluir a Guarda Municipal;

• A própria Constituição Federal trata das guardas municipais no § 8º do art. 144, que trata da segurança pública, o que demonstra ser um órgão de segurança pública;

• A atuação da Guarda Municipal é voltada para a proteção de bens, serviços e instalações municipais, respeitadas as atribuições dos órgãos federais e estaduais, o que demonstra ser um órgão municipal de segurança pública.

Com o tempo as guardas municipais têm ganhado relevância na participação da segurança pública, na defesa dos bens, serviços e instalações municipais, além do apoio e colaboração com os órgãos de segurança pública previstos no rol do art. 144 da Constituição Federal. É necessário realizar uma interpretação evolutiva das normas constitucionais.

A Lei 13.675/18 instituiu o Sistema Único de Segurança Pública – SUSP –, integrado pelos órgãos relacionados no art. 144 da Constituição Federal, bem como pelas guardas municipais (art. 9º).

As guardas municipais são integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Pública (art. 9º, § 2º, VII), ao lado dos demais órgãos de segurança pública.

Uma das finalidades do Ministério Extraordinário da Segurança Pública é promover ações que efetivem o intercâmbio de experiências técnicas e operacionais entre os órgãos policiais federais, estaduais, distrital e as guardas municipais (art. 13).

Nota-se que a lei colocou lado a lado os órgãos policiais federais, estaduais e as guardas municipais, mas não a mencionou como órgão policial, o que, no entanto, não a exclui do sistema de segurança pública do Brasil, sendo, inclusive, integrante operacional.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 846.854/SP, reconheceu que as Guardas Municipais executam atividade de segurança pública (art. 144, § 8º, da CF), essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º, CF).

Ao decidir se as guardas municipais possuem direito à aposentadoria especial, a Suprema Corte destacou que as guardas municipais não integram o conjunto de órgãos de segurança pública relacionados no art. 144, I a V da CF e que a proximidade da atividade das guardas municipais com a segurança pública é inegável, porém, à luz do § 8º do mesmo dispositivo constitucional, sua atuação é limitada, voltada à proteção do patrimônio municipal.5

Desse modo, o rol previsto no art. 144 da Constituição Federal menciona, de forma taxativa, os órgãos policiais de segurança pública, mas não exclui a Guarda Municipal como um órgão de segurança pública, em que pese não possuir natureza de órgão policial definido pela Constituição Federal.

No Brasil, a natureza policial de uma Corporação é concedida pela própria Constituição, como o fez no art. 144, I a VI (PF, PRF, PFF, PC, PM e PP).

Logo, por opção legislativa, a Constituição relaciona, de forma exaustiva, os órgãos públicos que possuem natureza policial, o que não impede que outros órgãos integrem o sistema de segurança pública, como é o caso dos institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação e a própria Guarda Municipal.

Os integrantes dos órgãos policiais elencados no art. 144 da Constituição Federal são autoridades policiais em sentido amplo, com exceção dos Delegados de Polícia que são autoridades policiais em sentido estrito.

A expressão “autoridade policial” é utilizada por diversas leis, de forma reiterada, sem apresentar um rigor técnico.

O termo “autoridade” remete à ideia de poder, o que na Administração Pública relaciona-se aos agentes públicos que possuam poder para tomar decisões que impactam de alguma forma em direitos de terceiros.

O termo “policial” refere-se a todos os policiais que pertençam aos órgãos policiais previstos no art. 144 da Constituição Federal, isto é: a) polícia federal; b) polícia rodoviária federal; c) polícia ferroviária federal; d) polícias civis; e) polícias militares e f) polícias penais.

O Código de Processo Penal utiliza o termo “autoridade policial”, na maior parte das vezes, para se referir ao Delegado de Polícia, uma vez que trata de atos de investigação ou diligências que devem ser realizadas em sede de inquérito policial, motivo pelo qual a autoridade policial é empregada, nesses casos, em seu sentido estrito, como nos seguintes exemplos:

Art. 5º (…) §3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.

Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.

Art. 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.

Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.

Por outro lado, a lei, em diversas passagens, utiliza o termo “autoridade policial” em sentido genérico, sem abranger somente os Delegados de Polícia, como ocorre no art. 11 da Lei n. 11.340/06 ao elencar diversas providências policiais no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I – garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II – encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV – se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

Referidas providências são adotadas comumente por policiais militares e a lei menciona caber à autoridade policial e não há qualquer questionamento ou discussão se os militares estaduais podem adotar essas providências. O termo autoridade policial utilizado no art. 11 da Lei n. 11.340/06 está em sentido amplo.

Portanto, autoridade policial pode ser qualquer integrante dos órgãos policiais previstos no art. 144 da Constituição Federal (autoridade policial em sentido amplo).

O art. 69 da Lei 9.099/95 autoriza a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência por “autoridade policial”.

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (Redação dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002))

Os guardas municipais exercem um importante e relevante papel na sociedade, contudo não são autoridades policiais, pois não estão no rol taxativo do art. 144 da Constituição Federal.

De fato a Guarda Municipal é um órgão de segurança pública, contudo não é um órgão policial em sentido estrito de segurança pública, que são aqueles relacionados no art. 144 da Constituição Federal, o que impede que seus integrantes sejam denominados de “autoridades policiais”, ainda que em sentido amplo. São autoridades, mas não policiais. São autoridades da Guarda Municipal, autoridades municipais que exercem a função de guardas municipais, pois possuem poder por estarem investidos na Administração Pública e possuírem o poder-dever de zelar pela proteção de seus bens, serviços e instalações municipais, conforme disposto na Lei n. 13.022/14, e tomar decisões que impactam de alguma forma em direitos de terceiros, como lavrar auto de infração de trânsito (art. 5º, VI), encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração (art. 5º, XIV), dentre outras.

Em que pese os guardas municipais não serem autoridades policiais, nada impede que lavrem o termo circunstanciado de ocorrência, desde que haja autorização em lei, pois o TCO não é exclusividade da autoridade policial, pois não se trata de ato de investigação.

A polícia é uma instituição que representa o Estado e usa o poder autorizado pela Constituição e pelas leis, com o fim de manter o status de estabilidade e cumprimento do ordenamento jurídico, estando autorizada a limitar direitos individuais quando necessário atender ao interesse público.

A denominação “polícia” utilizada para se referir às instituições de segurança pública, conforme consta no art. 144 da Constituição Federal, é uma opção política do constituinte, em razão do significado histórico e cultural, sendo, inclusive, utilizada a denominação “polícia” em todas as constituições da história do Brasil. Em diversos países pelo mundo a polícia de natureza militar recebe outra denominação, como a Gendarmaria Nacional na França, a Guarda Nacional Republicana em Portugal e o Carabinieri na Itália.

As funções exercidas pela instituição é que definem a sua natureza policial e não o nome que ela recebe, como a Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, que é a Polícia Militar.

A Guarda Municipal, em que pese não receber o nome Polícia Municipal, é uma instituição que possui atribuições de natureza policial, em que pese, no Brasil, a Constituição Federal ter adotado a opção taxativa de definir quais são os órgãos policiais responsáveis pela segurança pública e utilizar a denominação “polícia” para referenciá-los.

Em julgamento concluído em 26/06/2020, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3807, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, o Supremo Tribunal Federal por 10 votos a 01, vencido o Ministro Marco Aurélio, decidiu que o termo circunstanciado de ocorrência embora substitua o inquérito policial como principal peça informativa dos processos penais que tramitam nos juizados especiais, não é procedimento investigativo, mas sim um boletim de ocorrência mais detalhado.

Considerando-se que O TERMO CIRCUNSTANCIADO NÃO É PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO, mas peça informativa com descrição detalhada do fato e as declarações do condutor do flagrante e do autor do fato, deve-se reconhecer que A POSSIBILIDADE DE SUA LAVRATURA PELO ÓRGÃO JUDICIÁRIO NÃO OFENDE OS §§ 1º E 4º DO ART. 144 DA CONSTITUIÇÃO, nem interfere na imparcialidade do julgador. (Trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia).

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal pacificou que o termo circunstanciado de ocorrência não é procedimento investigativo e pode ser lavrado por autoridade diversa do Delegado de Polícia e que isso não ofende o art. 144, §§ 1º e 4º da Constituição Federal, que trata das atribuições da Polícia Federal e Polícia Civil.

No caso julgado o STF decidiu que o art. 48, § 2º, da Lei n. 11.343/06 é constitucional e que o juiz pode lavrar termo circunstanciado de ocorrência quando houver a prática da infração penal prevista no art. 28 da Lei 11.343/06 (porte de drogas para consumo pessoal).

Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.
§ 2º Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.

§ 3º Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2º deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente.

A decisão do STF não contraria o disposto no art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.830/13, ao prever que “Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais”, pois pacificou que o termo circunstanciado de ocorrência não é investigação criminal.

Sem entrar em discussões sobre o acerto ou erro da decisão do STF, a qual entendo que foi acertada, o importante é que o tema foi pacificado pelo plenário em ação direta de inconstitucionalidade, o que permite afirmar que vincula todo o Poder Judiciário, o Poder Público e todas as autoridades, por mais que discordem, pelo menos no caso decidido pelo STF – possibilidade do juiz lavrar TCO em se tratando do uso de drogas, na forma do art. 48, § 2º, da Lei 11.343/06 -, e isso surte um importante e nítido efeito para todos os demais casos que forem levados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Poder Judiciário, em razão do efeito persuasivo das decisões do STF, sobretudo em controle abstrato de constitucionalidade e em razão da teoria dos motivos determinantes.

A teoria da transcendência dos motivos determinantes diz que os fundamentos essenciais, principais, decisivos nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal também possuem efeito vinculante. Trata-se do efeito irradiante ou transbordante dos motivos determinantes.

O Supremo Tribunal Federal não tem aceito referida teoria, conforme ensina Márcio Cavalcante6.

O STF não admite a “teoria da transcendência dos motivos determinantes”.

Segundo a teoria restritiva, adotada pelo STF, somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante. Os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes.

A reclamação no STF é uma ação na qual se alega que determinada decisão ou ato:

• usurpou competência do STF; ou

• desrespeitou decisão proferida pelo STF.

Não cabe reclamação sob o argumento de que a decisão impugnada violou os motivos (fundamentos) expostos no acórdão do STF, ainda que este tenha caráter vinculante. Isso porque apenas o dispositivo do acórdão é que é vinculante.

Assim, diz-se que a jurisprudência do STF é firme quanto ao não cabimento de reclamação fundada na transcendência dos motivos determinantes do acórdão com efeito vinculante.

STF. Plenário. Rcl 8168/SC, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 19/11/2015 (Info 808).

Trata-se de uma verdadeira jurisprudência defensiva, na medida em que admitir a teoria da transcendência dos motivos determinantes implicaria em um aumento expressivo no número de reclamações perante a Suprema Corte.

Na Reclamação n. 22470, o Supremo Tribunal Federal afirmou que “a exegese jurisprudencial conferida ao art. 102, I, “l”, da Magna Carta rechaça o cabimento de reclamação fundada na tese da transcendência dos motivos determinantes.”7

Dessa forma, não cabe reclamação para o Supremo Tribunal Federal na hipótese em que o juiz, o tribunal ou o Poder Público entender que o termo circunstanciado de ocorrência possui natureza investigativa, em que pese contrariar claramente a decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3807. O instrumento utilizado para impugnar este entendimento deve ser a ação judicial quando a decisão partir do Poder Público ou recursos quando a decisão decorrer do próprio Poder Judiciário.

Pedro Lenza8 ensina que:

Inegavelmente, contudo, temos de reconhecer que a perspectiva de transcendência dos motivos determinantes deve ser revista à luz do CPC/2015, destacando-se os arts. 927 e 988.Já expusemos a nossa crítica à vinculação ampliada pela lei processual, lembrando que a Constituição se limita a estabelecer o efeito vinculante nas ações de controle concentrado e em razão de edição de súmula vinculante.

Nesse sentido, como afirmam Barroso e Mello, “se o CPC/2015 acolheu tal concepção de tese jurídica vinculante, inclusive em sede de controle concentrado da constitucionalidade, isso significa que, com a sua vigência, o entendimento do STF que rejeitava a eficácia transcendente da fundamentação precisará ser revisitado. É que a eficácia transcendente significa justamente atribuir efeitos vinculantes à ratio decidendi das decisões proferidas em ação direta. Mesmo que este entendimento não fosse acolhido pelo STF no passado, o fato é que, ao que tudo indica, o novo Código o adotou”.

Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI n. 3807, por 10 votos a 01, no sentido de que o TCO não é procedimento investigativo, certamente, por coerência, a ADI n. 5647, que questiona a constitucionalidade da autorização concedida pela Lei n. 22.257/16 de Minas Gerais para a Polícia Militar lavrar TCO, deve ser julgada improcedente e, consequentemente, autorizar a lavratura pela Polícia Militar, pois o principal fundamento que visa impossibilitar a Polícia Militar de lavrar TCO consiste na natureza investigativa do termo circunstanciado de ocorrência.

Não é possível que ato normativo do Poder Executivo Municipal ou da Guarda Municipal preveja a possibilidade de lavratura de termo circusntanciado de ocorrência pela Guarda Municipal, pois seria uma inovação no ordenamento jurídico, o que não é possível mediante atos do Poder Executivo.

O art. 5º, II, da Constituição Federal diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e o art. 37, caput, diz que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”

Trata-se de aplicação do princípio da legalidade.

Para tanto, deve-se analisar o grau de abrangência do princípio da legalidade, se se trata somente de leis em sentido estrito, aprovadas pelo Poder Legislativo, ou normas jurídicas que podem ser editadas pelo Poder Executivo, como uma portaria, resolução, decreto.

Gilmar Mendes Ferreira e Paulo Gustavo Gonet Branco discorrem sobre o conceito de legalidade e ensinam que:9

O conceito de legalidade não faz referência a um tipo de norma específica, do ponto de vista estrutural, mas ao ordenamento jurídico em sentido material. É possível falar então em um bloco de legalidadeou de constitucionalidade que englobe tanto a lei como a Constituição.Lei, nessa conformação, significa norma jurídica, em sentido amplo, independente de sua forma.

Quando a Constituição, em seu art. 5º, II, prescreve que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, por “lei” pode-se entender o conjunto do ordenamento jurídico (em sentido material), cujo fundamento de validade formal e material encontra-se precisamente na própria Constituição. Traduzindo em outros termos, a Constituição diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não esteja previamente estabelecida na própria Constituição e nas normas jurídicas dela derivadas, cujo conteúdo seja inovador no ordenamento (Rechtsgesetze). O princípio da legalidade, dessa forma, converte-se em princípio da constitucionalidade (Canotilho), subordinando toda a atividade estatal e privada à força normativa da Constituição.

Flávio Martins Alves Nunes Júnior10 leciona que:

(…) como prevê a Constituição (art. 5º, II), “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Indaga-se: essa “lei” a que a Constituição se refere, é lei no sentido amplo ou lato (qualquer ato normativo do poder público, envolvendo decretos, portarias, resoluções, medidas provisórias etc.) ou lei no sentido estrito (um ato emanado do Poder Legislativo)? A expressão “lei” do artigo 5º, II, da Constituição Federal se refere à lei no sentido lato ou amplo. Assim, é possível que sejamos obrigados a fazer algo, por conta de uma Medida Provisória, por exemplo. (…) Da mesma forma, a Prefeitura de um Município poderá, por ato normativo (resolução, portaria etc.) da Secretaria de Transportes, reduzir a velocidade máxima permitida em algumas vias públicas. As pessoas serão obrigadas a dirigir seus veículos naquela velocidade, sob pena de multa.

Importante: não se pode confundir o princípio da legalidade com o princípio da reserva legal.

Enquanto o princípio da legalidade, base do Estado de Direito, é o parâmetro norteador de todos os atos do poder público e das pessoas, a reserva legal consiste numa determinação constitucional de elaboração de uma lei em sentido estrito para disciplinar determinadas relações. Nas palavras de Gilmar Mendes, “diante de normas densas de significado fundamental, o constituinte defere ao legislador atribuições de significado instrumental, procedimental ou conformador/criador do direito.

(…) há uma diferença substancial entre o princípio da legalidade e o princípio da reserva legal. Enquanto o primeiro se refere à lei no sentido amplo (qualquer ato normativo do poder público), o segundo se refere à lei no sentido estrito (ato emanado do Poder Legislativo).

Nota-se, portanto, que o princípio da legalidade não se restringe somente à lei em sentido formal, sendo possível que atos do Poder Executivo estejam abrangidos pelo conceito de legalidade.

Ocorre que a Administração Pública não pode inovar no direito ao editar atos normativos, sob pena de usurpar competência legislativa e ferir a separação de poderes, o que não a impede de editar normas que visem resguardar o interesse público, nos limites da lei.

Matheus Carvalho11 ensina que:

Neste diapasão, se faz necessário lembrar que a Legalidade não exclui a atuação discricionária do agente público, tendo essa que ser levada em consideração quando da análise, por esse gestor, da conveniência e da oportunidade em prol do interesse público. Como a Administração não pode prever todos os casos onde atuará, deverá valer-se da discricionariedade para atender a finalidade legal, devendo, todavia, a escolha se pautar em critérios que respeitem os princípios constitucionais como a proporcionalidade e razoabilidade de conduta, não se admitindo a interpretação de forma que o texto legal disponha um absurdo.

O poder normativo da Administração Pública possibilita a edição de atos normativos com o fim de complementar a lei, sem, no entanto, inovar no ordenamento jurídico, o que é admitido, para a doutrina majoritária, somente na hipótese de regulamento autônomo previsto no art. 84, VI, da Constituição Federal.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

VI – dispor, mediante decreto, sobre:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

A organização do funcionamento estrutural e hierárquico de uma instituição decorre do poder hierárquico, que permite que a administração pública estruture, organize e ordene as suas atividades administrativas e que os servidores públicos, em uma relação funcional e hierárquica, deem ordens, controlem, gerenciem, corrijam, coordenem as atividades administrativas e observem o cumprimento das regras impostas pelos superiores hierárquicos, em observância ao interesse público.

Destarte, é perfeitamente possível que uma lei preveja a possibilidade da Guarda Municipal lavrar TCO, contudo não é possível que ato normativo do Poder Executivo permita a lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência pela Guarda Municipal.

E o Poder Legislativo Municipal, pode legislar e prever que cabe à Guarda Municipal lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência?

Em um primeiro momento pode-se pensar que não, sob o argumento de que cabe à União e aos Estados legislarem, concorrentemente, sobre processo do juizado e procedimentos em matéria processual (art. 24, X e XI, da CF), ocorre que a lavratura do TCO não se relaciona com processo do juizado e com procedimento em matéria processual, pois trata-se de um procedimento administrativo extrajudicial, feito por um órgão de segurança pública, o que não afeta a forma como o procedimento tramitará no Juizado Especial Criminal nem a matéria de sua competência.

O Supremo Tribunal Federal na ADI 3807 chancelou que o TCO não é um ato investigativo nem privativo da autoridade de polícia judiciária. Dessa forma, é possível afirmar que por se tratar somente de um relato dos fatos que ocorreram com a tipificação penal não há vedação para que a Guarda Municipal confeccione o Termo Circunstanciado de Ocorrência, sobretudo por ser uma instituição que possui atribuições de natureza policial, conforme acima explicado.

No dia a dia das atividades da Guarda Municipal são lavrados os boletins de ocorrência quando atuam em ocorrências relacionadas às suas atribuições. Esses boletins, geralmente, são encaminhados à autoridade policial, na forma do art. 5º, XIV, da Lei n. 13.022/14.

As atribuições da Guarda Municipal encontram-se previstas nos arts. 4º e 5º da Lei n. 13.022/14, mas nada impede que lei municipal especifique e detalhe as atribuições da Guarda Municipal, dentro dos limites traçados pela Constituição Federal e pelo Estatuto Geral das Guardas Municipais.

Cabe ao Poder Legislativo Municipal criar a Guarda Municipal (art. 6º da Lei n. 13.022/14), definir o efetivo (art. 7º, parágrafo único), definir o plano de carreira e o salário (art. 9º), estabelecer os requisitos básicos para a investidura no cargo de guarda municipal (art. 10, parágrafo único), definir como se dará a perda dos mandatos do corregedor e ouvidor (art. 13, § 2º), tratar do código de conduta (art. 14), estabelecer o percentual mínimo para o sexo feminino na Guarda Municipal (art. 15, § 2º), o que possibilita afirmar que cabe à lei municipal detalhar as atribuições da Guarda Municipal, dento dos parâmetros estabelecidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto Geral das Guardas Municipais.

Em que pese o art. 5º, XIV, da Lei n. 13.022/14 dispor que nos casos de flagrante delito a ocorrência deva ser encaminhada ao delegado de polícia, é possível afirmar que nem toda ocorrência deve obrigatoriamente ser destinada à autoridade policial quando a lei permitir destinação diversa, como ocorre nos casos de lavratura do TCO, que tem como destinatário o Juizado Especial Criminal. Portanto, sendo permitida a lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência pela Guarda Municipal, o termo deve ser encaminhado para o juízo competente, conforme dispõe o art. 69 da Lei n. 9.099/95.

Em razão da simplicidade, informalidade e celeridade, princípios que regem o Juizado Especial Criminal, somado ao fato do município poder legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, da CF), bem como dispor sobre as atribuições da Guarda Municipal, mediante lei, além de ser uma instituição que possui atribuições de natureza policial, não há empecilhos para que as guardas municipais passem a lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, caso haja lei municipal, até porque os guardas municipais são autoridades administrativas que possuem poder de polícia

A título exemplificativo, a Lei n. 3.077/14 do município de Niterói prevê como atribuição da Guarda Municipal confeccionar o relato administrativo previsto no art. 69 da Lei nº 9.099/95 (art. 19, XI).

É importante destacar que nada impede do Estatuto Geral das Guardas Municipais ser alterado para passar a prever a possibilidade da Guarda Municipal lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, o que possibilitaria a lavratura do termo em todos os municípios do país que tenham a Guarda Municipal.

O conhecimento técnico e jurídico necessário para lavrar o termo circunstanciado de ocorrência, ainda que os guardas municipais não sejam formados em Direito, pode ser adquirido nos cursos de formação ao dedicarem boa parte da carga horária para o ensino teórico e prático de todos os temas afetos à lavratura do termo circunstanciado de ocorrência, o que supre a necessidade de se formar em Direito, pois o conhecimento jurídico e técnico necessário para a lavratura do TCO não possui a profundidade e complexidade dos conhecimentos que um Delegado deve possuir para conduzir um inquérito policial. Trata-se de um procedimento sem maiores complexidades, cujo conhecimento necessário para a sua lavratura pode ser ensinado em um bom curso de formação, assim como ocorre com a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal.

A exigência de conhecimento técnico e jurídico para a lavratura do TCO pela Guarda Municipal não é um óbice, pois este é facilmente resolvido com o aperfeiçoamento técnico e reformulação dos cursos de formação, além de ser possível exigir um aprofundamento nessa área nos concursos públicos para guardas municipais e cobrar nas provas toda a matéria penal e processual penal que sejam necessárias conhecer para a confecção do TCO.

Eventual autorização legal para a lavratura do TCO pelas guardas municipais, autoriza que a Guarda Municipal assim proceda nas ocorrências que sejam de seu mister constitucional, sob pena de haver um desvirtuamento das atribuições da Guarda Municipal, o que é inconstitucional. Isto é, a lavratura do TCO pela Guarda Municipal, se autorizada por lei, deve se restringir às ocorrências relacionadas à proteção de bens, serviços e instalações municipais, como no exemplo do crime de dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico previsto no art. 165 do Código Penal. Caso um agente pratique este crime contra coisa tombada pelo município, a Guarda Municipal poderia lavrar o TCO do agente.

Art. 165 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Portanto, a lei não pode autorizar, por exemplo, que a Guarda Municipal lavre TCO de um crime de lesão corporal leve (art. 129 do CP) ou de ameaça (art. 147 do CP) praticado entre particulares, mas poderia autorizar a lavratura quando o crime atentar contra os serviços dos guardas municipais, como a lesão corporal simples a um guarda municipal que se desloca para uma ocorrência durante o serviço.

Diante de todo o exposto, pode-se afirmar que a Guarda Municipal pode lavrar termo circunstanciado de ocorrência se houver previsão em lei, desde que seja em infrações penais relacionadas à proteção de bens, serviços e instalações municipais, uma vez que o TCO não é ato de investigação e pode ser lavrado por qualquer servidor público, dentro de suas funções, desde que haja previsão em lei.

NOTAS

1. A FENEME – Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais – ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n. 5.156/2014) questionando vários dispositivos da Lei 13.022/2014. Na ação a FENEME sustenta que a União não tem competência para legislar sobre guardas municipais, sendo a competência de cada município, bem como que, em suma, a Guarda Municipal não pode atuar como a polícia.

2. Lei 10.826/03 – Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para: III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei; (Vide ADIN 5538) (Vide ADIN 5948) IV – os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço; (Redação dada pela Lei nº 10.867, de 2004) (Vide ADIN 5538) (Vide ADIN 5948)

3. Nesse sentido: VIEIRA, Thiago Augusto. A Polícia Ostensiva e a Preservação da Ordem Pública. A competência das Polícias Militares: O município como partícipe do sistema de segurança pública e vários autores citados: José Afonso da Silva, Aristides Medeiros, Lazzarini, Ferreira Pinto, dentre outros.

4. Nesse sentido: DOMINGOS, Rafael Faria. Estatuto Geral das Guardas Municipais: análise dos dispositivos da Lei nº 13.022/2014. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4066, 19 ago. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31004>. Acesso em: 21 dez. 2018.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Resumo esquematizado sobre a Lei n. 13.022/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais). Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2015/01/lei-13-022-estatuto-das-guardas-municipais.pdf. Acesso 21 dez. 2018.

5. Diante da ausência de legislação específica, não cabe ao Poder Judiciário garantir aposentadoria especial [CF; art. 40, § 4º, II] a guarda municipal. Com base nessa orientação, o Plenário, em julgamento conjunto e por maioria, (…) entendeu que o referido benefício não pode ser estendido aos guardas civis, uma vez que suas atividades precípuas não são inequivocamente perigosas e, ainda, pelo fato de não integrarem o conjunto de órgãos de segurança pública relacionados no art. 144, I a V da CF. A proximidade da atividade das guardas municipais com a segurança pública é inegável, porém, à luz do § 8º do mesmo dispositivo constitucional, sua atuação é limitada, voltada à proteção do patrimônio municipal. Conceder esse benefício por via judicial não seria prudente, pois abriria margem reivindicatória a diversas outras classes profissionais que, assim como os guardas municipais, lidam com o risco diariamente. Ademais, cabe ao legislador, e não ao Judiciário, classificar as atividades profissionais como sendo ou não de risco para fins de aposentadoria especial. [MI 6.515, MI 6.770, MI 6.773, MI 6.780, MI 6.874, rel. p/ o ac. min. Roberto Barroso, j. 20-6-2018, P, Informativo 907.]

6Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/search?q=O+STF+n%C3%A3o+admite+a+teoria+da+transcend%C3%AAncia+dos+motivos+determinantes>. Acesso em: 29/06/2020.

7STF. 1ª Turma. Rcl 22470 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 24/11/2017.

8. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24ª Edição. Saraiva: São Paulo, 2020.

9MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

10NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 839/840.

11CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4ª edição. Salvador: Juspodivm. 2017. p. 68.

A Polícia Penal pode lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência?

SÍNTESE

O tema é muito polêmico e controverso e este texto realiza um cotejo entre o art. 69 da Lei n. 9.099/95, que prevê ser atribuição da autoridade policial lavrar o termo circunstanciado de ocorrência, e a recente decisão do STF na ADI 3807, que decidiu que o termo circunstanciado de ocorrência não é procedimento investigativo.

É importante que seja feita uma leitura de todo o texto antes de formar opinião.

Em síntese, pode-se afirmar que a Polícia Penal pode lavrar termo circunstanciado de ocorrência nas seguintes situações:

a) Qualquer infração de menor potencial ofensivo que envolva os presos ou terceiros que visem o preso e sejam praticadas dentro do estabelecimento penal, pois em todos esses casos haverá relação com a atividade de segurança do estabelecimento penal, que possui como finalidade prevenir e reprimir imediatamente a prática de infrações penais por presos, contra os presos ou que de qualquer forma envolva os presos;

b) Qualquer infração de menor potencial ofensivo que envolva os policiais penais ou qualquer pessoa e tenha relação com a atividade de segurança do estabelecimento penal e seja praticada dentro do estabelecimento penal;

c) Qualquer infração de menor potencial ofensivo praticada fora do estabelecimento penal, desde que seja nas imediações e atente contra a segurança do estabelecimento penal, dos presos ou dos policiais penais.

Com o advento da Emenda Constitucional n. 104, de 04 de dezembro de 2019, foi criada a Polícia Penal.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

VI – polícias penais federal, estaduais e distrital. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019)

A Polícia Penal foi criada em nível federal, estadual e distrital.

A Polícia Penal Federal subordina-se ao Presidente da República, enquanto que as Polícia Penais Estaduais e Distrital subordinam-se aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

§ 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019)

Inexiste Polícia Federal Municipal, uma vez que a Emenda Constitucional n. 104/2019 limitou-se a criar as Polícias Penais Federais e Estaduais e Distrital.

A Polícia Penal do Distrito Federal é organizada e mantida pela União, mas subordinada ao Governador do Distrito Federal.

A “organização e manutenção” não se confunde com a “subordinação”. A primeira refere-se à organização propriamente dita, ao caráter financeiro, à criação de cargos, concessão de aumento e de benefícios. A segunda refere-se ao vínculo administrativo e hierárquico.

Art. 21. Compete à União:

XIV – organizar e manter a polícia civil, a polícia penal, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019)

Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger- se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 4º Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, da polícia civil, da polícia penal, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019)

Os policiais penais eram denominados “agentes penitenciários” ou “agentes de segurança penitenciária” que passaram, automaticamente, a serem chamados de policiais penais, em razão do disposto no art. 4º da Emenda Constitucional n. 104/2019.

Art. 4º O preenchimento do quadro de servidores das polícias penais será feito, exclusivamente, por meio de concurso público e por meio da transformação dos cargos isolados, dos cargos de carreira dos atuais agentes penitenciários e dos cargos públicos equivalentes.


As atribuições dos policiais penais encontram-se previstas no § 5º-A do art. 144 da Constituição Federal.

Art. 144 (…)

§ 5º-A. Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos penais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019)

Aos policiais penais cabe garantir a ordem e a segurança nos estabelecimentos penais do país; realizarem escolta armada de presos; trabalharem na ressocialização dos presos; fiscalizarem a entrada de pessoas e veículos nos estabelecimentos penais e realizarem buscas pessoais; cuidarem da vigilância interna, externa e da disciplina dos estabelecimentos prisionais, dentre outras atribuições especificadas em lei.

Os policiais penais compõem o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) como um integrante operacional (art. 9º, § 2º, VIII, da Lei n.13.675/18).

A competência para legislar sobre direito penitenciário é concorrente entre a União, Estados e o Distrito Federal (art. 24, I, da CF), o que permite que estados legislem a respeito de regras para as polícias penais, inclusive, sobre as atribuições destas, desde que esteja dentro do parâmetro estabelecido no § 5º-A do art. 144 da Constituição Federal (segurança dos estabelecimentos penais).

Ao inserir a Polícia Penal no rol do art. 144 da Constituição Federal, os profissionais responsáveis pelos estabelecimentos penais são valorizados e passam a compor uma instituição policial que passa a receber mais atenção do Governo e investimentos, sendo necessário que haja uma valorização salarial, plano de carreira, além de passarem a ser vistos socialmente como policiais.

Os integrantes dos órgãos policiais elencados no art. 144 da Constituição Federal são autoridades policiais em sentido amplo, com exceção dos Delegados de Polícia que são autoridades policiais em sentido estrito.

A expressão “autoridade policial” é utilizada por diversas leis, de forma reiterada, sem apresentar um rigor técnico.

O termo “autoridade” remete à ideia de poder, o que na Administração Pública relaciona-se aos agentes públicos que possuam poder para tomar decisões que impactam de alguma forma em direitos de terceiros.

O termo “policial” refere-se a todos os policiais que pertençam aos órgãos policiais previstos no art. 144 da Constituição Federal, isto é: a) polícia federal; b) polícia rodoviária federal; c) polícia ferroviária federal; d) polícias civis; e) polícias militares e f) polícias penais.

O Código de Processo Penal utiliza o termo “autoridade policial”, na maior parte das vezes, para se referir ao Delegado de Polícia, uma vez que trata de atos de investigação ou diligências que devem ser realizadas em sede de inquérito policial, motivo pelo qual a autoridade policial é empregada, nesses casos, em seu sentido estrito, como nos seguintes exemplos:

Art. 5º (…) §3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.

Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.

Art. 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.

Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.

Por outro lado, a lei, em diversas passagens, utiliza o termo “autoridade policial” em sentido genérico, sem abranger somente os Delegados de Polícia, como ocorre no art. 11 da Lei n. 11.340/06 ao elencar diversas providências policiais no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I – garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II – encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV – se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

Referidas providências são adotadas comumente por policiais militares e a lei menciona caber à autoridade policial e não há qualquer questionamento ou discussão se os militares estaduais podem adotar essas providências. O termo autoridade policial utilizado no art. 11 da Lei n. 11.340/06 está em sentido amplo.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a interpretação restritiva do termo ‘autoridade policial’, que consta do art. 69 da Lei nº 9.099/95, não se compatibiliza com o art. 144 da Constituição Federal, que não faz essa distinção. Pela norma constitucional, TODOS OS AGENTES QUE INTEGRAM OS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA – polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, policias civis, polícia militares e corpos de bombeiros militares –, CADA UM NA SUA ÁREA ESPECÍFICA DE ATUAÇÃO, SÃO AUTORIDADES POLICIAIS.1

Renato Brasileiro de Lima ensina que “Na expressão autoridade policial constante do caput do art. 69 da Lei nº 9.099/95 estão compreendidos todos os órgãos encarregados da segurança pública, na forma do art. 144 da Constituição Federal (…)”2

Dessa forma é perfeitamente possível afirmar que os policiais penais são autoridades policiais em sentido amplo.

Recentemente, em julgamento concluído em 26/06/2020, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3807, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, o Supremo Tribunal Federal por 10 votos a 01, vencido o Ministro Marco Aurélio, decidiu que o termo circunstanciado de ocorrência embora substitua o inquérito policial como principal peça informativa dos processos penais que tramitam nos juizados especiais, não é procedimento investigativo, mas sim um boletim de ocorrência mais detalhado.

Considerando-se que O TERMO CIRCUNSTANCIADO NÃO É PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO, mas peça informativa com descrição detalhada do fato e as declarações do condutor do flagrante e do autor do fato, deve-se reconhecer que A POSSIBILIDADE DE SUA LAVRATURA PELO ÓRGÃO JUDICIÁRIO NÃO OFENDE OS §§ 1º E 4º DO ART. 144 DA CONSTITUIÇÃO, nem interfere na imparcialidade do julgador. (Trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia).

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal pacificou que o termo circunstanciado de ocorrência não é procedimento investigativo e pode ser lavrado por autoridade diversa do Delegado de Polícia e que isso não ofende o art. 144, §§ 1º e 4º da Constituição Federal, que trata das atribuições da Polícia Federal e Polícia Civil.

A decisão do STF não contraria o disposto no art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.830/13, ao prever que “Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais”, pois pacificou que o termo circunstanciado de ocorrência não é investigação criminal.

Sem entrar em discussões sobre o acerto ou erro da decisão do STF, a qual entendo que foi acertada, o importante é que o tema foi pacificado pelo plenário em ação direta de inconstitucionalidade, o que permite afirmar que vincula todo o Poder Judiciário, o Poder Público e todas as autoridades, por mais que discordem, pelo menos no caso decidido pelo STF – possibilidade do juiz lavrar TCO em se tratando do uso de drogas, na forma do art. 48, § 2º, da Lei 11.343/06 -, e isso surte um importante e nítido efeito para todos os demais casos que forem levados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Poder Judiciário, em razão do efeito persuasivo das decisões do STF, sobretudo em controle abstrato de constitucionalidade e em razão da teoria dos motivos determinantes.

A teoria da transcendência dos motivos determinantes diz que os fundamentos essenciais, principais, decisivos nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal também possuem efeito vinculante. Trata-se do efeito irradiante ou transbordante dos motivos determinantes.

O Supremo Tribunal Federal não tem aceito referida teoria, conforme ensina Márcio Cavalcante3.

O STF não admite a “teoria da transcendência dos motivos determinantes”.

Segundo a teoria restritiva, adotada pelo STF, somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante. Os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes.

A reclamação no STF é uma ação na qual se alega que determinada decisão ou ato:

• usurpou competência do STF; ou

• desrespeitou decisão proferida pelo STF.

Não cabe reclamação sob o argumento de que a decisão impugnada violou os motivos (fundamentos) expostos no acórdão do STF, ainda que este tenha caráter vinculante. Isso porque apenas o dispositivo do acórdão é que é vinculante.

Assim, diz-se que a jurisprudência do STF é firme quanto ao não cabimento de reclamação fundada na transcendência dos motivos determinantes do acórdão com efeito vinculante.

STF. Plenário. Rcl 8168/SC, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 19/11/2015 (Info 808).

Trata-se de uma verdadeira jurisprudência defensiva, na medida em que admitir a teoria da transcendência dos motivos determinantes implicaria em um aumento expressivo no número de reclamações perante a Suprema Corte.

Na Reclamação n. 22470, o Supremo Tribunal Federal afirmou que “a exegese jurisprudencial conferida ao art. 102, I, “l”, da Magna Carta rechaça o cabimento de reclamação fundada na tese da transcendência dos motivos determinantes.”4

Dessa forma, não cabe reclamação para o Supremo Tribunal Federal na hipótese em que o juiz, o tribunal ou o Poder Público entender que o termo circunstanciado de ocorrência possui natureza investigativa, em que pese contrariar claramente a decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3807. O instrumento utilizado para impugnar este entendimento deve ser a ação judicial quando a decisão partir do Poder Público ou recursos quando a decisão decorrer do próprio Poder Judiciário.

Pedro Lenza5 ensina que:

Inegavelmente, contudo, temos de reconhecer que a perspectiva de transcendência dos motivos determinantes deve ser revista à luz do CPC/2015, destacando-se os arts. 927 e 988.Já expusemos a nossa crítica à vinculação ampliada pela lei processual, lembrando que a Constituição se limita a estabelecer o efeito vinculante nas ações de controle concentrado e em razão de edição de súmula vinculante.

Nesse sentido, como afirmam Barroso e Mello, “se o CPC/2015 acolheu tal concepção de tese jurídica vinculante, inclusive em sede de controle concentrado da constitucionalidade, isso significa que, com a sua vigência, o entendimento do STF que rejeitava a eficácia transcendente da fundamentação precisará ser revisitado. É que a eficácia transcendente significa justamente atribuir efeitos vinculantes à ratio decidendi das decisões proferidas em ação direta. Mesmo que este entendimento não fosse acolhido pelo STF no passado, o fato é que, ao que tudo indica, o novo Código o adotou”.

Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI n. 3807, por 10 votos a 01, no sentido de que o TCO não é procedimento investigativo, certamente, por coerência, a ADI n. 5647, que questiona a constitucionalidade da autorização concedida pela Lei n. 22.257/16 de Minas Gerais para a Polícia Militar lavrar TCO, deve ser julgada improcedente e, consequentemente, autorizar a lavratura pela Polícia Militar, pois o principal fundamento que visa impossibilitar a Polícia Militar de lavrar TCO consiste na natureza investigativa do termo circunstanciado de ocorrência.

Por serem os policiais penais autoridades policiais, em sentido amplo, assim como são os policiais militares e rodoviários federais, e pelo fato do termo circunstanciado de ocorrência não ser um procedimento investigativo, nada impede que os policiais penais passem a lavrar TCO, assim como a Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal, por ser uma atribuição prevista em lei (art. 69 da Lei n. 9.099/95).

A finalidade precípua da Polícia Penal é a segurança dos estabelecimentos penais, o que autoria a lei a conceder outras funções que tenham relação com a atividade-fim da Polícia Penal.

Inicialmente, a Proposta de Emenda à Constituição n. 14/2016 do Senado Federal, que recebeu o número 372/2017 na Câmara dos Deputados, que posteriormente, se transformou na PEC n. 104/2019, que, por sua vez, foi aprovada e se transformou na Emenda Constitucional n. 104/2019 (Criou a Polícia Penal) previa que à Polícia Penal caberia “a segurança dos estabelecimentos penais, além de outras atribuições definidas em lei específica de iniciativa do Poder Executivo.”, sendo aprovada somente a segurança dos estabelecimentos penais.

Isso, contudo, não significa que a lei não possa trazer funções para a Polícia Penal que possuam correlação com a segurança dos estabelecimentos, até porque a Emenda Constitucional n. 104/2019 somente criou a Polícia Penal e é necessária lei para regulamentar a Polícia Penal, dispor sobre a carreira e as funções. Além do mais, a competência para legislar sobre direito penitenciário é concorrente entre a União, Estados e o Distrito Federal (art. 24, I, da CF), o que permite que estados legislem a respeito de regras para as polícias penais, inclusive, sobre as atribuições destas, desde que esteja dentro do parâmetro estabelecido no § 5º-A do art. 144 da Constituição Federal (segurança dos estabelecimentos penais).

Não pode o legislador ampliar as atribuições da Polícia Penal que não possuam correlação com a segurança dos estabelecimentos penais, como permitir a realização de policiamento ostensivo e a condução de investigações criminais.

Nesse sentido, são as lições de Henrique Hoffmann e Fábio Roque:6

Não foi aprovada a redação sugerida inicialmente na Proposta de Emenda à Constituição, segundo a qual, além de realizar a segurança dos estabelecimentos penais, caberia à Polícia Penal “outras atribuições definidas em lei específica de iniciativa do Poder Executivo”. A retirada desse trecho impede a indevida ampliação de competência por ato infraconstitucional (por exemplo uma lei federal que autorizasse a Polícia Penal a realizar investigação criminal),

A lavratura de termo circunstanciado de ocorrência pela Polícia Penal é autorizada pela lei (art. 69 da Lei n.9.099/95) e por não constituir atividade investigativa nada impede que seja lavrado pela Polícia Penal, na medida em que se trata de uma comunicação ao Poder Judiciário da ocorrência de um fato aparentemente criminoso ocorrido dentro do estabelecimento penal, o que possui direta relação com a finalidade constitucional da Polícia Penal, que é a segurança dos estabelecimentos penais.

A ocorrência de fatos que caracterizam crime dentro do estabelecimento penal possui intrínseca conexão com a função da Polícia Penal, pois a segurança do estabelecimento penal abrange a prevenção à fuga, à prática de crimes e repressão imediata, o que inclui a captura de agentes em fuga, ainda que já tenham saído das dependências do presídio, com a necessária formalização dos acontecimentos à autoridade competente.

Por óbvio, os policiais penais devem sempre atuar quando constatarem a prática de qualquer crime dentro do estabelecimento penal7 e possuem a obrigação de prender em flagrante delito (art. 301 do CPP), pois são autoridades policiais em sentido amplo e isso se refere à repressão imediata. Seria de todo inadequado, inoportuno e desarrazoável entender que aos policiais penais caberia somente a segurança do estabelecimento penal sem atuação repressiva imediata, pois esta caberia à Polícia Militar ou Polícia Civil. Inviabilizaria os trabalhos da Polícia Penal, além de ser uma interpretação extremamente restritiva do § 5º-A do art. 144 da Constituição Federal, que não foi a finalidade da Emenda Constitucional n. 104/2019, que teve por fim fortalecer e atribuir à Polícia Penal a segurança dos estabelecimentos penais em seu sentido mais amplo, pois o autor da proposta da PEC que criou a Polícia Federal consignou na justificativa da proposta que a atividade do Policial Penal preserva a ordem pública e a incolumidade das pessoas e que “O objetivo desta Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é criar as polícias penitenciárias como órgãos de segurança pública nos âmbitos federal, estadual e distrital, conferindo aos agentes penitenciários os direitos inerentes à carreira policial e liberando os policiais civis e militares das atividades de guarda e escolta de presos.” Isto é, libera as polícias civis e militares para as suas finalidades precípuas previstas constitucionalmente e toda a segurança do estabelecimento penal, em sua acepção mais ampla, fica por conta da Polícia Penal.

Diante desse cenário é perfeitamente possível afirmar que a Polícia Penal pode lavrar os termos circunstanciados de ocorrência quando as infrações penais de menor potencial ofensivo ocorrerem dentro do estabelecimento penal ou visar atingir o estabelecimento penal e tiverem relação com a atividade-fim da Polícia Penal.

Como a Polícia Penal possui como finalidade a segurança dos estabelecimentos penais, toda ocorrência envolvendo presos ou terceiros que visem os presos ou policiais penais, desde que afete a segurança, e que seja infração penal de menor potencial ofensivo, poderá ser registada pela própria Polícia Penal, mediante a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência com o consequente encaminhamento para o Juizado Especial Criminal.

Lado outro, caso a infração penal de menor potencial ofensivo não guarde nenhuma conexão com a segurança do estabelecimento penal, como um crime contra a honra praticado por um policial penal contra outro, por motivos pessoais, o registro deve ser feito pela Polícia Militar ou Polícia Civil.

No tocante ao conhecimento técnico e jurídico necessário para lavrar o termo circunstanciado de ocorrência, ainda que as autoridades policiais não sejam formadas em Direito, os cursos de formação podem dedicar boa parte da carga horária para o ensino teórico e prático de todos os temas afetos à lavratura do termo circunstanciado de ocorrência, o que supre a necessidade de se formar em Direito, pois o conhecimento jurídico e técnico necessário para a lavratura do TCO não possui a profundidade e complexidade dos conhecimentos que um Delegado deve possuir para conduzir um inquérito policial. Trata-se de um procedimento sem maiores complexidades, cujo conhecimento necessário para a sua lavratura pode ser ensinado em um bom curso de formação, assim como ocorre com a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal.

A exigência de conhecimento técnico e jurídico para a lavratura do TCO pela Polícia Penal não é um óbice, pois este é facilmente resolvido com o aperfeiçoamento técnico dos policiais penais e reformulação dos cursos de formação, além de ser possível exigir um aprofundamento nessa área nos concursos públicos para policiais penais e cobrar nas provas toda a matéria penal e processual penal que sejam necessárias conhecer para a confecção do TCO.

Diante de todo o exposto, pode-se afirmar que a Polícia Penal pode lavrar termo circunstanciado de ocorrência nas seguintes situações:

a) Qualquer infração de menor potencial ofensivo que envolva os presos ou terceiros que visem o preso e sejam praticadas dentro do estabelecimento penal, pois em todos esses casos haverá relação com a atividade de segurança do estabelecimento penal, que possui como finalidade prevenir e reprimir imediatamente a prática de infrações penais por presos, contra os presos ou que de qualquer forma envolva os presos;

b) Qualquer infração de menor potencial ofensivo que envolva os policiais penais ou qualquer pessoa e tenha relação com a atividade de segurança do estabelecimento penal e seja praticada dentro do estabelecimento penal;

c) Qualquer infração de menor potencial ofensivo praticada fora do estabelecimento penal, desde que seja nas imediações e atente contra a segurança do estabelecimento penal, dos presos ou dos policiais penais.

Exemplo 01: preso é flagrado com droga para uso pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343/06) dentro do estabelecimento penal. A Polícia Penal poderá lavrar o TCO. Neste caso é importante que a Polícia Penal comunique à Polícia Civil para que avalie a apuração da prática de tráfico de drogas e como a droga chegou até o preso;

Exemplo 02: Policial Penal discute com outro dentro do estabelecimento prisional, por motivos pessoais, e pratica vias de fato (art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/41), consistente em um pequeno empurrão. A Polícia Penal deverá acionar a Polícia Militar para o registro da ocorrência, já que a referida contravenção penal não possui conexão com a atividade-fim da Polícia Federal (segurança dos estabelecimentos penais);

Exemplo 03: Policial Penal deixa de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a celular (art. 319-A do CP). A Polícia Penal poderá lavrar o TCO.

Exemplo 04: Um visitante tenta ingressar no estabelecimento penal com um celular para passar para um preso (art. 349-A do CP), sendo impedido de entrar por um Policial Penal na parte externa do estabelecimento prisional. A Polícia Penal poderá lavrar o TCO.

Por fim, a Polícia Penal pode implementar como política de gestão administrativa a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência imediatamente, contudo é recomendável que os policiais penais passem por capacitação técnica antes de iniciarem a lavratura. A partir do momento em que a Polícia Penal passar a lavrar TCO não será necessário acionar a Polícia Militar ou a Polícia Civil, devendo encaminhar os termos circunstanciados diretamente ao Juizado Especial Criminal.

NOTAS

1STF. RE 1.050.631-SE, Min. Rel. Gilmar Mendes, decisão monocrática em 22/09/2017.

2LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019.p. 1491

3Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/search?q=O+STF+n%C3%A3o+admite+a+teoria+da+transcend%C3%AAncia+dos+motivos+determinantes>. Acesso em: 29/06/2020.

4STF. 1ª Turma. Rcl 22470 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 24/11/2017.

5. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24ª Edição. Saraiva: São Paulo, 2020.

6 Polícia Penal é novidade no sistema de segurança pública. Disponível em:<https://www.conjur.com.br/2019-dez-12/opiniao-policia-penal-novidade-sistema-seguranca-publica>. Acesso em: 29/06/2020.

7 Oportunamente será abordado se o policial penal possui obrigação de prender em flagrante delito fora do estabelecimento penal.