O caráter técnico-científico da atuação policial na rua e a (des)necessidade de se realizar perícia para identificar erros

A Lei n. 14.751/2023 – Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares – reconheceu o caráter técnico e científico da natureza das atividades das instituições militares estaduais.

Dentre as diretrizes a serem observadas pelas polícias militares e pelos corpos de bombeiros militares encontra-se o caráter técnico e científico no planejamento e no emprego (art. 4º, VI) e a instituição de programas e projetos vinculados às políticas públicas e ao plano nacional, estadual e distrital de segurança pública, nas suas atribuições, baseados em evidências técnicas e científicas (art. 4º, XVI).

Às polícias militares compete organizar e realizar manifestações técnico-científicas e estatísticas relacionadas com as atividades de polícia ostensiva, de polícia de preservação da ordem pública e de polícia judiciária militar (art. 5º, XIII) e aos corpos de bombeiros militares compete organizar e realizar pesquisas técnico-científicas, testes e manifestações técnicas relacionados com suas atividades (art. 6º, XVI).

Nota-se que a Lei n. 14.751/2023 reconheceu expressamente o policiamento baseado em evidências e a atuação policial de rua baseada na ciência, em razão da observância do caráter técnico e científico no emprego dos policiais militares (art. 4º, VI), o que é reforçado pelo at. 5º, XIII, quando trata da manifestação técnico-científica da atividade de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública.

Além do reconhecimento científico do policiamento, da atuação policial e do trabalho das instituições policiais na atividade-meio (planejamento) e atividade-fim (emprego), o Ministério da Educação, no dia 08 de junho de 2020, homologou o Parecer CNE/CES n. 945/2019, e reconheceu as Ciências Policiais como uma área do saber, conforme publicado no Diário Oficial da União de 09 de junho de 2020, o que torna as Ciências Policiais uma área do conhecimento no rol das ciências estudadas no Brasil.

A ciência é responsável pelo estudo e conhecimento técnico que permite afirmar, comprovadamente, seguindo parâmetros científicos e confiáveis, a eficácia e os resultados, apresentando ainda os caminhos que foram percorridos (a metodologia empregada) para se atingir um determinado fim.

As Ciências Policiais são responsáveis pelos estudos de todos os órgãos policiais, das finalidades das instituições policias, pela produção da teoria, doutrina policial e sua aplicação prática. A segurança pública, o planejamento estratégico voltado para a segurança pública, a atividade de inteligência, a preservação da ordem pública, a prevenção, repressão e a investigação criminal, a ressocialização de um preso, o policiamento comunitário, o crime enquanto fato social, são alguns dos objetos de estudos das Ciências Policiais. Trata-se de uma ciência ampla, que possui em sua composição ramos de diversas outras ciências, sem, no entanto, perder as suas peculiaridades. Trata-se, cientificamente, da Teoria Geral do Direito Policial.

O reconhecimento científico do trabalho das instituições policiais apresenta ganhos no campo teórico, o que reflete, consequentemente, no campo prático, pois a atuação policial, seja na gestão pública e administrativa, seja na atividade de rua e investigativa, visa colocar a teoria em prática.

O estudo das Ciências Policiais é dinâmico e interdisciplinar. Engloba diversas áreas do saber, como a Jurídica, a Psicologia, a Medicina, a Matemática, a Engenharia, a Criminologia, a Administração, a Comunicação Social, Computação, Contabilidade, Economia, dentre outras. Em maior ou menor grau, diversas ciências são estudadas pelas Ciências Policiais.

A atividade policial não se resume, simplesmente, em colocar policiais na rua ou realizar uma investigação. É infinitamente mais do que isso. Exige todo um estudo e preparo – exige a ciência – que muitas vezes é invisível aos olhos da sociedade.

A atividade policial é estritamente técnica e o reconhecimento por lei do caráter técnico e científico, bem como do Ministério da Educação, valoriza as instituições policiais e reforça a tecnicidade da atividade policial.

Em diversos estados exige-se que o militar seja bacharel em Direito para ingressar no Curso de Formação de Oficiais que, inclusive, é considerado carreira jurídica, e ao se formar obtém o título de bacharel em Ciências Militares, sendo exigido qualquer curso superior para ingressar no Curso de Formação de Soldados, que ao se formar obtém o título de Técnico ou Tecnólogo em Segurança Pública, sendo este considerado curso superior.

Além do mais, o policial militar no dia a dia exerce inúmeras atribuições que exigem conhecimentos técnicos, específicos, como habilidade com arma de fogo; saber tipificar ocorrências; noções de primeiros socorros; noções de criminologia; noções profundas de Administração; gestor de pessoas; o Comandante é ordenador de despesas; realização de planejamento, logística, inteligência, comunicação social e inúmeras outras atividades específicas da atividade policial. É inegável que a carreira policial militar é técnica, do Soldado ao Coronel.

O reconhecimento da atividade policial como uma ciência não deixa dúvidas que o cargo de policial militar é técnico, ainda que a instituição não exija curso superior para o ingresso, pois o cargo técnico é aquele que possui um conjunto de atribuições cuja execução reclama conhecimento específico de uma área do saber.

A partir do momento em que se reconhece, por lei, o caráter técnico e científico do trabalho da Polícia Militar, e pelo Ministério da Educação as Ciências Policiais como uma área do saber, automaticamente, reconhece que os policiais exercem cargo técnico, pois as Ciências Policiais são responsáveis por toda a dinâmica, estudo e prática policial, de todas as instituições policiais. Isto é, os policiais são operadores das Ciências Policiais, razão pela qual exercem cargo técnico.

Teoricamente, o planejamento, emprego e estudos dos trabalhos prestados pelas Polícia Militar está atrelado à Ciência Policial e não a outras áreas do saber isoladamente, pois a Ciência Policial, em razão de sua multidisciplinariedade e interdisciplinaridade, exige a análise conjunta de diversas outras ciências que, reunidas, compõem a Ciência Policial com uma visão própria e adaptada à realidade da atividade policial.

Tome como exemplo um planejamento institucional que busque conhecimentos sociológicos, filosóficos, estatísticos, jurídicos e de gestão pública. Ao invés de mencionar essas diversas áreas do saber será possível dizer que o planejamento teve como base científica a Ciência Policial, sem perder a sua natureza própria e peculiar enquanto ciência.

As instituições policiais militares têm cada vez mais produzido manuais de atuação profissional para os militares que trabalham na rua, a partir de uma comissão de policiais militares que possuem vasta experiência ao longo dos anos e com fundamento em pesquisas técnicas e científicas, o que parametriza a atuação do policial de rua com base na ciência que, muitas vezes, é desconhecida por terceiros e pela sociedade. Ao mesmo tempo em que as instituições policiais produzem, com rigor metodológico, conhecimento científico, também executam o conhecimento produzido, o que permite haver um ciclo completo sob o ponto de visto teórico e prático.

Como exemplo as instituições militares produzem manuais técnico-profissionais de abordagem a veículos; escolta policial; uso da força; blitz policial; defesa pessoal; policiamento com cães; policiamento montado, dentre outros.

Nota-se, portanto, que o trabalho dos policiais de rua possui lastro técnico-científico e protocolar com base em manuais institucionais que devem seguir o rigor científico para produzi-los.

A complexidade da atuação policial na rua muitas vezes exige atuação imediata, em um segundo ou em frações de segundos, em momento de extrema tensão e liberação de adrenalina, o que acelera os batimentos cardíacos e a respiração, o que precisa ser levado em consideração nas análises posteriores feitas em um ambiente de conforto. A análise do uso da força, das técnicas de abordagem e da legítima defesa, por exemplo, não são apenas acadêmicas. É preciso ser feita de acordo com a realidade, a dinâmica e a complexidade dos fatos.

Por mais que os policiais treinem visando a ausência de erros ou o mínimo de erros durante o trabalho operacional, os treinos nunca serão tão reais como a vida real, cujo momento é tomado por extrema tensão, em ambiente desfavorável, com risco imediato do policial perder a própria vida e diante de toda a pressão social e jurídica.

Diante do caráter técnico-científico do trabalho dos policiais muitas atuações devem, antes de concluírem pelo acerto ou erro do policial, passarem por uma perícia técnica, sobretudo em razão da complexidade da atuação prática.

Em outras atividades profissionais antes de concluírem pelo erro ou acerto são feitas perícias, como ocorre quando um paciente morre em uma mesa de cirurgia ou fica com sequelas graves (erro médico), um reajuste do plano de saúde é feito sem a observância dos parâmetros técnicos (erro contábil), um prédio desaba (erro da engenharia), dentre outros.

A realização de perícia é necessária para que decisões não sejam tomadas sem o respeito à ciência e à área do conhecimento especializado, até porque o juiz não detém conhecimento técnico de outras áreas do saber e ainda que possua formação específica não pode exercer a atividade de perícia, sobretudo nos casos em que lhe couber julgar.

O art. 156 do CPC dispõe que “O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.”

O Código de Processo Penal Militar e Comum preveem a realização de perícia, quando necessário, durante as investigações (art. 13, “f” e art. 6º, VII, respectivamente).

Portanto, diante desse contexto, as avaliações dos acertos e erros de policiais durante o trabalho operacional, de rua, deve observar, sempre que necessário, a realização de perícia, pois a atuação policial depende de conhecimento técnico e nesses casos a lei prevê a realização de perícia.

A seguir, alguns exemplos em que as perícias devem ser realizadas:

Ex. 1: A tropa de choque atua para controlar um distúrbio civil, ocasião em que militares formados em linha avançam na direção dos manifestantes para liberarem as ruas, momento em que jogam pedras na direção dos policiais e a polícia reage com lançamento de granadas de lacrimogêneo, além de efetuar disparos com munição de impacto controlado (cartuchos de elastômero). Como resultado várias pessoas ficaram feridas e alegaram abusos por parte dos policiais militares.

Na hipótese narrada, necessariamente, deve ser feita perícia, pois a atuação é técnica e existe todo um protocolo baseado em estudos de como os policiais devem atuar nesses casos. Na perícia deverá ser respondido se os policiais atuaram de acordo com o protocolo institucional; o embasamento científico para a atuação; se os ferimentos foram causados em razão do comportamento dos próprios manifestantes; se os disparos e lançamento de granadas foram feitos no momento correto em quantidade razoável etc.

Ex. 2: Policial ao realizar busca pessoal, cujo indivíduo estava em fundada suspeita, em local conhecido como ponto de tráfico, age de forma firme com a arma em punho e pronta para ser empregada. Após a busca pessoal nada é encontrado e o abordado, em razão do contexto (abordado com a arma em sua direção pronta para ser empregada), abre reclamação na Corregedoria da Polícia Militar.

A forma como o policial deve realizar o primeiro contato com o indivíduo que será abordado exige uma série de avaliações técnicas, como local da abordagem, horário, eventuais denúncias, cooperação do abordado, dentre outras, o que poderá ser melhor avaliado por um perito antes de concluir pelo acerto ou erro do policial.

Ex.3: Durante atuação policial em uma ocorrência, um indivíduo parte para cima do policial, fardado e armado, e pratica agressões, como chute, soco e tenta se atracar com o policial, momento em que este saca a arma e desfere um tiro no sujeito que vem a falecer. Após os fatos alegam que a vítima estava desarmada e que o disparo foi excessivo e desnecessário.

A perícia poderá analisar as circunstâncias da atuação policial naquele momento e se o disparo foi necessário, bem como detalhar todos os riscos envolvidos com base em evidências e de acordo com o uso proporcional da força.

No exemplo mencionado a história demonstra vários fatos em que indivíduos desarmados avançaram em policiais armados, tomaram a arma e atiraram nos policiais.

Em São Paulo, em junho de 2023, um agente, durante luta corporal, tomou a arma de um policial militar e atirou contra os dois que, felizmente, não faleceram.[1]

Em Fortaleza, em maio de 2022, um infrator, ao ser abordado por policiais rodoviários federais, tomou a arma de um deles e atirou contra os dois que faleceram.[2]

Em Goiás, em julho de 2016, um infrator tomou a arma do policial militar pelas costas e efetuou vários disparos contra o militar que faleceu. [3]

Esses fatos demonstram que o disparo contra indivíduo desarmado que avança no policial para entrar em luta corporal, ocasião em que o policial poderá ter a sua própria arma tomada e utilizada contra si, legitima o uso da força letal.

Uma perícia poderá analisar detalhadamente todo o contexto e a proporcionalidade e moderação no uso da arma de fogo pelo policial contra o indivíduo que avançou no militar.

Nota-se, portanto, que a análise de excludente de ilicitude, no caso, legítima defesa, quando envolver situações limítrofes e complexas, também pode ser objeto de perícia para analisar a presença de seus requisitos, o que dará maior segurança jurídica e técnica para o órgão julgador.      

Não obstante a regra seja a realização de perícia, nem sempre essa será necessária, como claro e abusivo uso da força, por exemplo, para agredir indivíduo algemado que não esboça mais reação e os fatos foram filmados. Nesse sentido, o art. 464, § 1º, I e II, do CPC afirma que será dispensada perícia quando a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico e quando for desnecessária em vista de outras provas produzidas. Claramente, agressões gratuitas dispensam perícia para concluir que há erro policial.

O perito deve ser nomeado pelo juiz e ser detentor de conhecimentos especializado sobre o objeto a ser periciado (art. 47 do CPPM e art. 465 do CPC), se durante o processo, ou designado pelo Encarregado, durante o Inquérito Policial Militar (art. 315 do CPPM).

Por ser o objeto de perícia assunto que envolve o conhecimento técnico e científico do trabalho das instituições policiais e dos policiais militares, necessariamente, a perícia deve ser feita por quem possua formação técnica e experiência na área, razão pela qual, os peritos devem ser, na forma do art. 48 do CPPM, preferencialmente, oficiais da ativa especialistas no tema a ser periciado.

Assim como os laudos técnicos de processos que discutem erros médicos são feitos por outros médicos[4] designados pelo juiz, conforme a qualidade técnica e a confiança; os laudos técnicos de processos que discutem o erro policial na rua devem ser lavrados por outros policiais militares designados pelo juiz, conforme a qualidade técnica e a confiança. No caso, preferencialmente, oficiais da ativa e, conforme afirmado, nada impede que o laudo técnico seja feito durante a investigação criminal, sem prejuízo de que o juiz competente determine nova realização de perícia.

É importante consignar a possibilidade de ser feita uma análise técnica preliminar da atuação policial na rua antes que decisões importantes e de impacto sejam tomadas, como a análise da prisão preventiva de militares. Imagine que um policial militar utilize a força letal em serviço, o que é filmado e ganha grande repercussão e comoção nacional. Ao se analisar as imagens há dúvidas se houve legítima defesa, o que gera opiniões diversas. Neste caso é possível que o juiz, antes de tomar uma decisão, determine a realização de uma análise técnica preliminar por um perito, em curto prazo, assim como ocorre nas ações judiciais com pedidos de internação ou medicamento, ocasião em que o juiz poderá ouvir o NatJus – Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário – que elaborará análise técnica em curto tempo sobre a urgência da internação e medicamento.

Com o avanço do uso das câmeras corporais pelos policiais haverá um aumento na análise das atuações policiais na rua, o que exige, consequentemente, que se passe a analisar mediante laudo técnico, feito por perito qualificado, em respeito à ciência e ao trabalho técnico dos policiais, o que dará maior segurança jurídica para os policiais.

Por fim, o ensino técnico nos cursos de formação das instituições militares estaduais deve ser feito por profissionais qualificados, com formação teórica e experiência, pois a ciência exige a formação por quem também aplica a teoria e não apenas a conhece no plano teórico, o que resulta em maior qualidade na formação. Nesse sentido, o ensino de disciplinas especificamente médicas nos cursos de medicina são privativos de médicos (art. 5º, III, da Lei n. 12.842/2013), pois apenas os médicos executam na prática a medicina. Dessa forma, o ensino de disciplinas especificamente policiais nas academias devem ser exclusivas de policiais.


[1] Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/homem-rouba-arma-de-policial-atira-contra-dois-agentes-e-e-preso-em-sp/>. Acesso em: 12/02/2024.

[2] Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/05/18/homem-toma-arma-de-policial-rodoviario-e-mata-dois-agentes-em-fortaleza.ghtml>. Acesso em: 12/02/2024.

[3] Disponível em: https://g1.globo.com/goias/noticia/2016/07/homem-roubou-arma-e-matou-pm-ao-tentar-evitar-prisao-do-filho-diz-policia.html. Acesso em: 12/02/2024.

[4] As perícias médicas são privativas dos médicos (art. 5º, II, da Lei n. 12.842/2013).

Adesividade do mandado de busca e apreensão

Na dinâmica do crime, em especial, do tráfico de drogas, não é incomum que os criminosos busquem mudar de casa de tempos em tempos com a finalidade de dificultar que sejam descobertos ou eventuais ações da polícia.

Diante desse panorama surge a discussão da possibilidade do mandado de busca e apreensão expedido poder ser cumprido em endereço diverso daquele constante no pedido feito pela autoridade policial, caso se demonstre que o agente mudou de endereço subitamente com o fim de resguardar o seu comércio ilícito de drogas. Trata-se da denominada “adesividade do mandado de busca e apreensão”, o que ocorre mediante autorização judicial.

Tome como exemplo que uma investigação aponte o endereço que o traficante utiliza para vender drogas, o Delegado de Polícia requer o mandado de busca e apreensão e ao cumpri-lo detecta que o agente se mudou, rapidamente, para evitar a apreensão das drogas e, consequentemente, a prisão. Neste caso, poderá a autoridade policial diligenciar para descobrir de imediato o novo endereço e utilizar-se do mesmo mandado de busca e apreensão para ingressar na nova casa do investigado, ainda que no mandado não conste o novo endereço? Ou será necessário relatar essas circunstâncias e requerer novo mandado de busca e apreensão?

O Código de Processo Penal prevê no art. 243, I, que o mandado de busca deverá indicar o mais precisamente possível a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador.

Art. 243.  O mandado de busca deverá:

I – indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;

O art. 5º, XI, da Constituição Federal assegura a possibilidade de se ingressar na residência, durante o dia, mediante autorização judicial.

Nota-se que o Código de Processo Penal prevê que o mandado deve indicar o local que sofrerá a busca o “mais precisamente possível”, o que permite afirmar que em situações de mudança repentina de endereço com a finalidade de se esquivar das investigações, da atuação policial, a polícia poderá, ainda que não haja no mandado o novo endereço, diligenciar de imediato e cumpri-lo no novo endereço, pois, além da proteção constitucional da inviolabilidade domiciliar visar tutelar o morador e não o espaço físico, o CPP autoriza a indicação do endereço na medida do possível.

Em qualquer caso o cumprimento do mandado de busca e apreensão no novo endereço do investigado que se mudou subitamente deverá contar com autorização judicial, o que pode ocorrer na autorização inicial de busca e apreensão, não como uma espécie de “cheque em branco” para entrar em qualquer residência, mas sim na nova residência do investigado.

Na impossibilidade do mandado de busca e apreensão ser cumprido de imediato na nova casa do investigado haverá por prejudicar toda a diligência, em razão do princípio da oportunidade e por malferir o fator surpresa, pois o agente tomará conhecimento de que contra ele há investigação em andamento e mandado de busca e apreensão, fazendo com que destrua as provas contra ele e mude novamente de endereço.

De toda forma, antes de cumprir o mandado de busca e apreensão, a autoridade policial deve ter a cautela necessária para certificar que o endereço do investigado está atualizado.

A evolução do crime, a dinâmica de atuação dos infratores e a complexidade das investigações não podem engessar a repressão ao crime, sob o fundamento de tutela de direitos fundamentais, como se pudessem ser utilizados para proteger a prática de ilícitos penais.

O tema é recente e não encontrei decisões dos tribunais superiores o que, com o tempo, começará a ser enfrentado pelo STF e STJ.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná possui decisão que chancelou a legalidade da adesividade do mandado de busca e apreensão. (TJ-PR – HC: 00240616920218160000 Ampére 0024061-69.2021.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Paulo Roberto Vasconcelos, Data de Julgamento: 03/08/2021, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 13/08/2021).

O Decreto n. 11.615/2023 prevê que são de uso proibido os brinquedos, réplicas e os simulacros de arma de fogo. Logo, quem tem a posse/porte desses materiais pratica o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido (art. 16, § 2º, da Lei n. 10.826/03)?

O Decreto n. 11.615/2023 prevê no art. 14, II, que “os brinquedos, as réplicas e os simulacros de armas de fogo que com estas possam se confundir, exceto as classificadas como armas de pressão e as réplicas e os simulacros destinados à instrução, ao adestramento ou à coleção de usuário autorizado, nas condições estabelecidas pela Polícia Federal:”

Art. 14.  São de USO PROIBIDO:

II – os brinquedos, as réplicas e os simulacros de armas de fogo que com estas possam se confundir, exceto as classificadas como armas de pressão e as réplicas e os simulacros destinados à instrução, ao adestramento ou à coleção de usuário autorizado, nas condições estabelecidas pela Polícia Federal;

O art. 16, § 2º, do Estatuto do Desarmamento prevê o seguinte crime:

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:      (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo envolverem ARMA DE FOGO DE USO PROIBIDO, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.       (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Perceba que o tipo penal pune aquele que possui ou porta ARMA DE FOGO DE USO PROIBIDO e o Decreto n. 11.615/2023 não equiparou os brinquedos, réplicas e simulacros de arma de fogo a armas de fogo, somente disse que são de uso proibido. Em nenhum momento o referido decreto diz que esses objetos constituem arma de fogo.

O conceito de “arma de fogo” encontra-se previsto no Anexo III – Glossário do Decreto n. 10.030/2019 que Aprova o Regulamento de Produtos Controlados.

Arma de fogo: arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases, gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara, normalmente solidária a um cano, que tem a função de dar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil.

Veja claramente que brinquedos, réplicas e os simulacros de arma de fogo não se enquadram no conceito de “arma de fogo”.

O mencionado Glossário também conceitua “réplica ou simulacro de arma de fogo”.

Réplica ou simulacro de arma de fogo: para fins do disposto no art. 26 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, é um objeto que, visualmente, pode ser confundido com uma arma de fogo, mas que não possui aptidão para a realização de tiro de qualquer natureza.

Diante de todo o exposto portar arma de brinquedo, réplica ou simulacro de arma de fogo não é crime.

Haverá crime na conduta praticada por quem importa ou exporta arma de brinquedo, simulacro ou réplica, pois é mercadoria proibida (art. 334-A do CP c/c art. 14, II, do Decreto n. 11.615/2023)

Professor, sou policial. O que devo fazer quando me deparar com uma pessoa com arma de brinquedo, réplica ou simulacro de arma de fogo na rua?

Deve apreender a arma de brinquedo, réplica ou simulacro de arma de fogo. Qual é o fundamento?

Arma de brinquedo, réplica ou simulacro de arma de fogo são produtos controlados pelo Exército. Diante do previsto no art. 14, II, do Decreto n. 11.615/2023 são produtos controlados de uso proibido.

Os produtos controlados pelo Exército e que estejam sendo indevidamente utilizados devem ser apreendidos (art. 127 do Decreto 10.030/2019 c/c art. 5º, § 2º, da Portaria n. 02-COLOG/2010-Exército).

O Decreto 10.030/2019 autoriza que autoridades militares e policiais realizem a apreensão de arma de brinquedo, réplica ou simulacro de arma de fogo (art. 126, I e II) e comunique imediatamente o fato ao Comando do Exército para que então o Sistema de Fiscalização Produtos Controlados pelo Exército (SisFPC) providencie a destinação do material e verifique a necessidade de instauração de processo administrativo sancionador que pode resultar em multa que varia de R$500,00 a R$2.000,00 (arts. 130 e 141). Logo, o policial deve apreender a arma de brinquedo, réplica ou simulacro de arma de fogo e encaminhá-la ao Comando do Exército que adotará as providências cabíveis.

Viaturas policiais podem ser multadas por infrações de circulação, parada e estacionamento? Entenda a alteração promovida pela Lei n. 14.599, de 19 de junho de 2023.

Rodrigo Foureaux e Cristiano Mendes

O Código de Trânsito Brasileiro foi alterado no dia 20 de junho pela Lei n. 14.599, de 19 de junho de 2023.

Dentre as alterações destacaremos a mais relevante para a atividade policial.

A previsão inserida no art. 280, § 6º, do Código de Trânsito Brasileiro, criou uma espécie de “isenção” das multas de trânsito relacionadas à circulação, parada ou estacionamento relativa aos veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, aos de polícia, aos de fiscalização e operação de trânsito e às ambulâncias, ainda que não identificados ostensivamente.

Art. 280 (…)

§ 6º Não há infração de circulação, parada ou estacionamento relativa aos veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, aos de polícia, aos de fiscalização e operação de trânsito e às ambulâncias, ainda que não identificados ostensivamente.    (Incluído pela Lei nº 14.599, de 2023

A isenção da infração de trânsito se aplica a quais veículos?

Às viaturas policiais (PM, PC, PF, PRF, PP), do Corpo de Bombeiros, do SAMU, ambulâncias em geral (como das prefeituras e particulares), veículos do DETRAN, e quaisquer veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, bem com os de fiscalização e operação de trânsito.

A isenção aplica-se aos veículos da Guarda Municipal?

A lei não previu expressamente a Guarda Municipal, mas entendo que possa ser feita uma interpretação que abranja os veículos da Guarda Municipal, pois ao dizer “aos de polícia” não significa, necessariamente, que tenha que ser uma instituição policial, mas sim realize atividades de “polícia”, em sentido amplo, como a Guarda Municipal realiza. Além do mais, guardas municipais podem realizar fiscalização e operação de trânsito, como já decidiu o STF no RE 658.570.

Só o tempo vai dizer se o nosso entendimento vai prevalecer.

Esses veículos não podem ser multados em nenhuma circunstância?

A lei isentou da multa apenas nos casos de:

  1. Circulação: movimentação de pessoas, animais e veículos em deslocamento, conduzidos ou não, em vias públicas ou privadas abertas ao público e de uso coletivo.  
  2. Parada: imobilização do veículo com a finalidade e pelo tempo estritamente necessário para efetuar embarque ou desembarque de passageiros.
  3. Estacionamento: imobilização de veículos por tempo superior ao necessário para embarque ou desembarque de passageiros.

Logo, se o motorista de um dos veículos indicados transita sem cinto de segurança ou utilizando-se do celular, em tese, praticará infração de trânsito, mas se parar, estacionar em local proibido (parada/estacionamento), entrar na contramão de uma via (circulação) não haverá infração de trânsito.

Um exemplo muito comum de aplicação dessa nova previsão legal consiste na possibilidade de estacionar viaturas policiais em cima de passeios sem que pratique infração de trânsito por estacionar irregularmente o veículo.

Para que não haja a prática de infração de trânsito é necessário que os veículos estejam em atendimento de ocorrência ou se deslocando ou atuando em situações que exijam urgência?

Não!

Como se nota a novidade legislativa não trouxe nenhuma exigência, além de ser um veículo nas condições citadas, para que não haja infração de trânsito. Logo, a viatura policial ao entrar em uma contramão, ainda que seja durante o patrulhamento normal, sem urgência, não pratica infração de trânsito. Igualmente, não haverá infração de trânsito quando a viatura avançar um sinal vermelho ou ultrapassar em local proibido, mesmo se não houver urgência.

Uma prática que poderá ocorrer e não será infração de trânsito é uma viatura se deslocar para o quartel próximo do horário do turno de serviço ou após o horário do turno ter se encerrado e para tanto poderá se utilizar da pista exclusiva de ônibus e avançar um sinal vermelho com cautela, durante a madrugada, por exemplo.

Até então era comum que viaturas que se deslocavam para as ocorrências com agilidade tinham que informar o COPOM os radares que a viatura passava, pois chegariam muitas multas. No caso, o fundamento era o estrito cumprimento do dever legal. Agora, o fundamento passa a ser a isenção de multa para veículos oficiais nas situações descritas no § 6º do art. 280 do CTB. De toda forma, não deixa de ser estrito cumprimento do dever legal.

Os veículos deverão estar caracterizados para que não haja infração de trânsito?

Não!

O § 6º do art. 280 do CTB é expresso ao dizer que não há infração nos casos descritos ainda que não estejam identificados ostensivamente.

Logo, os veículos utilizados pelo serviço de inteligência e investigação por parte das instituições policiais, inclusive, os veículos descaracterizados que são utilizados no serviço administrativos, estão isentos da prática de infração de trânsito quando se relacionar à circulação, parada e estacionamento.

Revogação das alíneas “e” e “f” do art. 29, VII, do CTB?

A Lei n. 14.599/2023 revogou alguns dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro, mas deixou intacto o art. 29, VII, “e” e “f”, que parece conflitar com o § 6º do art. 280.

Art. 29 (…) VII – os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade no trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência, de policiamento ostensivo ou de preservação da ordem pública, observadas as seguintes disposições:     (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020)      (Vigência) e) as prerrogativas de livre circulação e de parada serão aplicadas somente quando os veículos estiverem identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação intermitente;    (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020)    (Vigência) f) a prerrogativa de livre estacionamento será aplicada somente quando os veículos estiverem identificados por dispositivos regulamentares de iluminação intermitente;      (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020)     (Vigência)Art. 280 (…)                         § 6º Não há infração de circulação, parada ou estacionamento relativa aos veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, aos de polícia, aos de fiscalização e operação de trânsito e às ambulâncias, ainda que não identificados ostensivamente.

Portanto, em um primeiro momento pode-se pensar que o art. 29, VII, alíneas “e” e “f”, foram revogadas com fundamento no art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (lei posterior revoga lei anterior quando seja com ela incompatível), pois o § 6º diz expressamente que não há infração de trânsito ainda que o veículo não esteja identificado ostensivamente, ao passo que as referidas alíneas exigem a identificação por dispositivo regulamentar de iluminação intermitente.

Entretanto, deve-se destacar que o art. 29 situa-se no capítulo que trata das normas gerais de circulação e conduta (norma de comportamento), enquanto o art. 280 localiza-se no capítulo que trata do processo administrativo (norma de consequências). É certo que as normas que determinam comportamentos, mas não impõem punições podem ser vistas como meras recomendações.

De toda forma, é possível dizer que o inciso VII do art. 29 aplica-se nos casos em que os veículos estiverem em serviço de urgência, de policiamento ostensivo ou de preservação da ordem pública e para se valer, nestes casos, da prerrogativa de livre circulação e parada deverão estar com a iluminação e sirene ligados e, em relação à prerrogativa de estacionamento, com o dispositivo de iluminação ligado. Todavia, com o advento do § 6º do art. 280, caso o motorista não ligue o dispositivo não poderá ser multado, ou seja, não haverá consequências administrativas (infração de trânsito), mas poderá haver consequências cíveis.

Tome como exemplo o motorista da viatura que a estaciona durante uma ocorrência em uma via movimentada, com pouca iluminação, mas não liga o giroflex. O motorista não poderá ser multado, mas em caso de acidente responderá civilmente, pois não observou o dever objetivo de cuidado e o princípio da confiança na circulação de trânsito.

Dessa forma, pode-se afirmar que o art. 29, “e” e “f” do CTB continuam vigentes.

Carta branca para não cumprir as leis de trânsito?

Em que pese a nova redação inserida no Código de Trânsito Brasileiro vir ao encontro do interesse público por conceder segurança jurídica para a atuação dos policiais e todos os profissionais que atuam nos veículos mencionados, é muito importante e necessário que haja muita cautela e prudência dos motoristas para que não haja riscos desnecessários para a segurança do trânsito.

Obviamente, avançar o sinal vermelho e transitar na contramão, por exemplo, somente deve ocorrer com a máxima segurança. Não se trata de uma autorização legislativa para que veículos oficiais, nas condições descritas, exponham a risco elevado a segurança do trânsito, até porque o condutor ficará isento da multa, mas não da responsabilidade cível e criminal.

Por fim, caso se constate no caso concreto que houve desvio de finalidade, em que pese o cenário ideal ser a lavratura da multa, o policial na rua, no momento da aplicação da multa não tem como avaliar as circunstâncias e decidir por superar a previsão legal que isenta da multa e lavrar a autuação de trânsito, razão pela qual neste caso deve comunicar o órgão do policial para a adoção das providências disciplinares cabíveis.

A título exemplificativo, podemos citar a hipótese em que uma pessoa se utiliza de um veículo oficial (viatura descaracterizada) para fins particulares e pratica infrações de trânsito relacionadas à circulação e estacionamento irregular do veículo ou, mesmo durante o serviço, vale-se da isenção da infração de trânsito para estacionar e deixar por longo período o veículo oficial na porta da garagem do desafeto, o que o impede de sair de casa naquele dia. São situações claras de desvio de finalidade que não têm como serem analisadas individualmente pelo agente de trânsito na rua e como não é possível a lavratura de multa posteriormente, após instaurado procedimento administrativo para apurar o caso, este deverá ser resolvido pela via disciplinar.

A busca pessoal aleatória em aeroportos e aviões

Recentemente, houve muita polêmica a respeito de um passageiro em um avião que foi abordado pela Polícia Federal, cujo fundamento foi a aleatoriedade, isto é, foi sorteado para passar por uma busca pessoal, conforme vídeo abaixo.

Essa conduta é permitida?

A Convenção sôbre Aviação Civil Internacional, concluída em Chicago a 7 de dezembro de 1944 e firmado pelo Brasil, em Washington, a 29 de maio de 1945 (Decreto n. 21.713/1946) prevê que “As leis e regulamentos de um Estado contratante, sôbre a entrada ou a saída de seu território de passageiros, tripulação, ou carga de aeronaves (tais como regulamentos de entrada, despacho, imigração, passaportes, alfândegas e quarentena) deverão ser cumpridas ou observadas pelos passageiros, tripulação ou carga, ou por seu representante, tanto por ocasião de entrada como de saída ou enquanto permanecer no território dêsse Estado.” (art. 13)

O Código Brasileiro de Aeronáutica – Lei n. 7.565/1986 – diz que “A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas legais constantes do bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de ato que cause incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifique a aeronave, impeça ou dificulte a execução normal do serviço.” (art. 232)

O Decreto Federal n. 11.195/2022 trata do Programa Nacional de Segurança da Aviação Civil contra Atos de Interferência Ilícita – PNAVSEC – e prevê a possibilidade de busca aleatória: “Como medida dissuasória adicional de segurança, em razão do nível de ameaça e de fatores de risco, e em frequência compatível com os riscos envolvidos, poderá ser aplicada inspeção de segurança aleatória, incluídas a busca pessoal e a inspeção manual de bagagens, mesmo após a realização de inspeção de segurança da aviação civil por meio de equipamentos”. (art. 92).

A Lei n. 11.182/2005 prevê que cabe à ANAC expedir regras sobre segurança em área aeroportuária e a bordo de aeronaves civis, porte e transporte de cargas perigosas, inclusive o porte ou transporte de armamento, explosivos, material bélico ou de quaisquer outros produtos, substâncias ou objetos que possam pôr em risco os tripulantes ou passageiros, ou a própria aeronave ou, ainda, que sejam nocivos à saúde (art. 8º, XI).

A Agência Nacional de Aviação Civil é uma agência reguladora federal e possui poder normativo e, em cumprimento ao previsto em lei (art. 8º, XI, da Lei n. 11.182/2005) trata dos procedimentos de segurança de em aviação civil na Resolução n. 515/2019 que prevê a possibilidade de busca pessoal aleatória, a saber:

Art. 3º Os procedimentos a serem observados no canal de inspeção de segurança da aviação civil contra atos de interferência ilícita devem atender às seguintes disposições:

V – aleatoriamente e sempre que julgado necessário, os passageiros devem passar por medidas adicionais de segurança, que podem incluir busca pessoal, inspeção manual da bagagem de mão e a utilização de detectores de traços de explosivos – ETD e outros equipamentos de segurança;

Portanto, uma pessoa que passa pelo raio-X no aeroporto pode ser abordada, caso seja sorteada pelo sistema ou se for avaliado que é necessário abordar determinada pessoa.

A busca pessoal deverá ser realizada por APAC do mesmo sexo, devendo ser realizada em local público ou, a pedido do inspecionado, em sala reservada, com discrição e na presença de testemunha (art. 3º, XV, da Resolução n. 515/2019).

Para que o Agente de Proteção da Aviação Civil – APAC – realize a busca pessoal é necessário que haja consentimento do inspecionado (art. 3º, § 1º, da Resolução n. 515/2019).

O art. 232, § 1º, da Código Brasileiro de Aeronáutica prevê que “A autoridade de aviação civil regulamentará o tratamento a ser dispensado ao passageiro indisciplinado, inclusive em relação às providências cabíveis.”

Caso o passageiro recuse a submeter-se a busca pessoal, seu acesso à sala de embarque deverá ser negado e o APAC deverá acionar o órgão de segurança pública responsável pelas atividades de polícia no aeroporto para avaliar a situação (art. 3º, § 2º, da Resolução n. 515/2019).

A Polícia Federal ao ser acionada poderá impedir que o passageiro entre na sala de embarque e determinar que se retire sem realizar a busca pessoal; autorizar que prossiga para a sala de embarque após a busca pessoal ou até mesmo realizar busca pessoal contra a vontade do passageiro, se houver, neste caso, fundada suspeita (art. 244 do CPP).

A pessoa ao comprar passagem de avião sabe que ela poderá ser fiscalizada ao entrar no aeroporto e não poderá negar que sofra os procedimentos de segurança, como busca pessoal (art. 232 do CBA; art. 13 do Decreto n. 21.713/1946; art. 92 do Decreto Federal n. 11.195/2022; art. 3º, V, da Resolução n. 515/2019 da ANAC).

Diante de todo esse cenário, a respeito do caso ocorrido e que viralizou nas redes sociais, tenho que:

a) Se o passageiro tiver sido escolhido aleatoriamente para passar por uma busca pessoal, mas não aceitou ou não esperou, a conduta da Polícia Federal ao entrar na aeronave para revistá-lo foi correta;

b) Se o passageiro não tiver sido escolhido aleatoriamente, tendo a Polícia Federal o escolhido sem critérios, sem justificativa, sem fundamentar, a conduta da Polícia Federal foi errada;

Em se tratando de segurança de aviação civil é perfeitamente possível que ocorram buscas pessoais preventivas. É necessário um alto rigor na segurança de aviação civil, pois qualquer deslize ou falha pode acarretar em consequências catastróficas e quem vai viajar de avião já sabe de antemão que poderá sofrer buscas pessoais.

A busca pessoal prevista no art. 244 do Código de Processo Penal é apenas uma das buscas previstas no ordenamento jurídico, sendo perfeitamente possível a previsão de outras buscas. Alguns exemplos de buscas preventivas:

a) Busca antes de entrar no estádio de futebol ou recinto esportivo (Art. 13-A, III, da Lei n. 10.671/13).

b) Busca realizada por autoridade aduaneira em veículo do exterior com o fim de prevenir e reprimir tráfico e infrações à lei (Art. 37, § 4º, do Decreto-Lei n. 37/66).

c) Busca realizada por particular antes de adentrar em casa noturna. Esta possui natureza privada e decorre de um contrato (Art. 6º, I, do CDC – segurança do serviço prestado).