a) Comentários a informativos do STF e STJ: serão comentados os julgados dos informativos do STF e STJ que sejam de interesse da atividade policial;
b) Comentários a artigos de lei: serão selecionados artigos de lei e comentados um a um, até que sejam comentados os principais artigos do ordenamento jurídico de interesse da atividade policial;
c) Temas de interesse da Atividade Policial: os informativos policiais terão temas de interesse do dia a dia do policial e de todas as pessoas, por abordar direitos, obrigações, limites e condutas de todos nas mais diversas situações.
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STJ – Súmula n 636. A folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência.
O Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula 636, em 26/06/2019.
A folha de antecedentes criminais – FAC – é um documento emitido pela Polícia Federal ou Polícia Civil, que contém informações acerca da vida pregressa da pessoa, do ponto de vista criminal e, geralmente, menciona os inquéritos policiais encerrados, desde que haja indiciamento, ações penais em andamento e condenações penais.
Não devem ser mencionados na FAC os inquéritos policiais instaurados e ainda não encerrados (art. 20, parágrafo único, do CPP).
Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes. (Redação dada pela Lei nº 12.681, de 2012)
A seguir, um exemplo de uma FAC emitida pela Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, em que nada consta:
As certidões cartorárias costumam apresentar informações mais detalhadas, como data do fato criminoso e do trânsito em julgado, razão pela qual muitas vezes, a folha de antecedentes criminais, por si só, não é suficiente para aferir os antecedentes do acusado.
Nesse sentido, para que a Súmula 636 do STJ tenha plena aplicabilidade é necessário que a FAC possua informações detalhadas da vida pregressa do acusado, de forma que indique precisamente a data em que o acusado praticou a infração penal e o trânsito em julgado do processo penal, informações imprescindíveis para se analisar os maus antecedentes e a reincidência.
Caso a FAC não contenha todas as informações necessárias, será necessário que seja juntado ao processo a certidão cartorária, sob pena de não se poder reconhecer reincidência ou maus antecedentes.
Para análise da dosimetria da pena, os antecedentes são as infrações penais praticadas pelo acusado antes da data do fato pelo qual está sendo julgado.
Para fins de análise das circunstâncias judiciais, na primeira fase da dosimetria da pena, o agente é considerado possuidor de maus antecedentes quando houver praticado infração penal que não caracterize reincidência ou quando houver duas reincidências, ocasião em que uma é utilizada como agravante e a outra como maus antecedentes, evitando-se o bis in idem.
A reincidência ocorre quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no Brasil ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior (art. 63 do CP).
Em se tratando de contravenção penal, verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção (art. 7º da Lei de Contravenção Penal).
O Brasil adotou o sistema da temporariedade da reincidência, pois não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos (art. 64, I, do CP).
A seguir, quadro esquemático elaborado por Márcio Cavalcante (Dizer o Direito)[1].
Se a pessoa é condenada definitivamente por
E depois da condenação definitiva pratica novo(a)
Qual será a consequência?
CRIME (no Brasil ou exterior)
CRIME
REINCIDÊNCIA
CRIME (no Brasil ou exterior)
CONTRAVENÇÃO (no Brasil)
REINCIDÊNCIA
CONTRAVENÇÃO (no Brasil)
CONTRAVENÇÃO (no Brasil)
REINCIDÊNCIA
CONTRAVENÇÃO (no Brasil)
CRIME
NÃO HÁ reincidência. Foi uma falha da lei. Mas gera maus antecedentes
CONTRAVENÇÃO (no estrangeiro)
CRIME ou CONTRAVENÇÃO
NÃO HÁ reincidência Contravenção no estrangeiro não serve aqui.
Ultrapassado o quinquênio depurador (os cinco anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior) deixa de ser possível a caracterização da reincidência e o agente passar a caracterizar maus antecedentes.
Ocorre que a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal vem decidindo que as “condenações pretéritas não podem ser valoradas como maus antecedentes quando o paciente, nos termos do art. 64, I, do Código Penal, não puder mais ser considerado reincidente.”[2]
Lado outro, há decisões da 1ª Turma do STF e do STJ que admitem o aumento da pena base (circunstâncias judiciais), em razão de maus antecedentes, ainda que a condenação tenha ultrapassado o período depurador.[3]
O Supremo Tribunal Federal, em razão da relevância do tema, reconheceu repercussão geral no RE 593.818 RG/SC, ocasião em que pacificará o assunto.
Caso a tese da 2ª Turma do STF consagre-se vencedora, os maus antecedentes serão possíveis quando houver mais de uma reincidência ou quando o agente for condenado com trânsito em julgado pelo crime anterior no intervalo de tempo entre a prática do novo crime e a sentença penal condenatória.
Nesse caso não poderá haver reincidência, pois o trânsito em julgado será posterior à prática do novo crime, mas haverá maus antecedentes, pois a condenação por fato anterior ao delito que se julga, mas com trânsito em julgado posterior, pode ser utilizada como circunstância judicial negativa, a título de antecedente criminal.[4]
Caso a tese da 1ª Turma do STF consagre-se vitoriosa, os maus antecedentes serão possíveis quando ultrapassar o prazo de 05 (cinco) anos da reincidência, quando houver mais de uma reincidência ou quando o agente for condenado com trânsito em julgado pelo crime anterior no intervalo de tempo entre a prática do novo crime e a sentença penal condenatória.
A Súmula 444 do STJ assevera que “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.
Portanto, nenhum inquérito ou processo penal em andamento pode ser utilizado para aumentar a pena do acusado, em que pese servir para embasar a decretação ou manutenção da prisão preventiva, em razão do periculum libertatis.
Normalmente, os inquéritos policiais são remetidos ao Poder Judiciário com a folha de antecedentes criminais do investigado.
Ocorre que entre o recebimento do inquérito e prolação de sentença penal decorre um período de meses e meses ou até anos, sendo necessário que sejam atualizadas as informações constantes na folha de antecedentes criminais, ocasião em que pode ser juntada a certidão cartorária antes da sentença e caso não seja juntada deve-se utilizar a FAC com as informações ali constantes.
[4] STJ – HC: 210787 RJ 2011/0144485-8, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 10/09/2013, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/09/2013.
Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Caso o policial seja acionado em razão da realização de aborto nos casos permitidos em lei, sem autorização judicial, deverá prender os envolvidos no ato de aborto?
O aborto é a interrupção da gravidez, de forma que cause a morte do produto da concepção (embrião ou feto).
O art. 128 do Código Penal traz as hipóteses de aborto legal ou permitido. São causas especiais de exclusão da ilicitude.
São duas as hipóteses permitidas pelo Código Penal: a) aborto necessário ou terapêutico (art. 128, I); b) aborto sentimental, humanitário, ético ou piedoso (art. 128, II).
Seja qual for a modalidade de aborto legal, somente o médico pode realizá-lo, conforme dispõe o art. 128, caput, ao enunciar que “não se pune o aborto praticado por médico.”
a) aborto necessário ou terapêutico (art. 128, I)
O aborto necessário ocorre quando há risco de vida para a mulher e não há outro meio para salvar a vida da gestante.
Não é necessário que a mulher esteja em iminente ou atual risco de vida, sendo suficiente que o médico constate que se a gestação prosseguir haverá real risco de vida para a mulher.
Não há previsão de uma idade gestacional limite para realizar o aborto, o que deve ser avaliado pelo médico, sendo o limite o risco de vida que o feto causa à mulher.
É necessário que haja o consentimento da mulher para que o médico realize o aborto necessário?
Prevalece que não, pois a vida é um bem jurídico indisponível; o médico é o profissional que possui conhecimentos técnicos para decidir se a gestação deve prosseguir ou se é necessário abortar para preservar a vida da mulher; a lei exige autorização da mulher para a realização de aborto quando a gestação decorrer de estupro, mas nada fala do consentimento da gestante em relação ao aborto necessário. Portanto, o médico que realiza o aborto, ainda que seja contra a vontade da mulher ou diante de seu silêncio, atua no exercício regular de um direito (art. 23, III, do CP).
Flávio Augusto Monteiro de Barros ensina que a “dispensa do prévio consentimento da gestante somente se justifica na hipótese de iminente perigo de vida (art. 146, § 3º, I, do CP). Tratando de perigo futuro à vida da gestante o médico não pode realizar o aborto sem o seu consentimento.”[1]
Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
§ 3º – Não se compreendem na disposição deste artigo:
I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;
Corrente contrária à exigência de prévio consentimento da gestante, seja em situação de risco iminente ou atual ou não, sustenta que em razão da autonomia da vontade da mulher e por ser um ato invasivo, cabe à mulher decidir se praticará o aborto ou tentará salvar a vida do feto em detrimento da sua.
Para esta corrente, deve-se destacar que caso a medicina constate a total impossibilidade do feto sobreviver, não há razões para conceder liberdade de escolha à mulher, que deverá ter a sua vida salva pelos médicos.
Eventuais lesões corporais provocadas na mulher em razão do aborto necessário não são puníveis, seja pelo fato do médico ter atuado no exercício regular de um direito, seja pelo fato do aborto para salvar a vida da gestante constitui causar especial de exclusão da ilicitude.
É necessária que haja autorização judicial para a realização do aborto necessário?
Não. Em nenhum momento a lei exige autorização judicial. A autorização para a realização do aborto necessário é médica e não judicial. Basta que o médico avalie e constate que a realização do aborto será necessária para salvar a vida da mulher.
E na hipótese em que o aborto necessário não for praticado por médico?
Caso o aborto necessário seja praticado por enfermeiro, estudante de medicina ou qualquer pessoa que não seja médico, deve-se distinguir duas situações:
1ª) Havia perigo atual de vida para a gestante e não havia médico disponível para realizar o aborto: neste caso a pessoa que realizou o aborto incorrerá em estado de necessidade (art. 24 do CP)[2], pois atuou para salvar a mulher de um perigo atual (morreria se nada fosse feito);
2ª) Não havia perigo atual de vida para a gestante: praticará o crime de aborto.
Caso o risco seja iminente e caminhe para ser atual (está prestes a ocorrer o risco de vida) e não haja tempo de um médico comparecer para a realização do aborto, igualmente, não haverá crime em razão da excludente de ilicitude do estado de necessidade.
É necessário que o aborto seja realizado por médico especialista em obstetrícia?
O médico obstetra é o especialista em acompanhar a gestação e realizar o parto.
A lei não exige que o aborto seja realizado por especialista. Exige somente que seja realizado por médico. Isto é, basta ter concluído o curso de medicina, razão pela qual não é necessário que o aborto seja realizado por médico especialista em obstetrícia.
O aborto realizado por médico sem o devido registro no Conselho Regional de Medicina configura crime de aborto?
O art. 128 do Código Penal autoriza que o médico realize o aborto nas hipóteses especificadas, mas não menciona que o médico deverá estar devidamente registrado. Parte-se da presunção de que o médico autorizado a realizar o aborto é o que está devidamente registrado e apto a exercer a medicina, pois esta é a regra.
A Lei n. 3.268/1957 dispõe que:
Art. 17. Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade. (Vide Medida Provisória nº 621, de 2013)
A Resolução CFM Nº 2.072/2014 veda o trabalho, em hospitais, de médicos sem inscrição no CRM da respectiva circunscrição.
Art. 1º A prestação de serviços médicos em hospitais e demais instituições de saúde somente é permitida aos médicos que possuam inscrição definitiva ou regular perante o competente Conselho Regional de Medicina;
É necessário que o médico, para ser regular, possua diploma devidamente registrado no Ministério da Educação e Cultura e que esteja regular perante o Conselho Regional de Medicina da circunscrição em que atuar.
O art. 282 do Código Penal prevê o crime de exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica.
Art. 282 – Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único – Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa.
O médico que não esteja devidamente registrado perante o Conselho Regional de Medicina – CRM – e atua, pratica o crime previsto no art. 282 do Código Penal[3], pois não possui autorização legal (art. 17 da Lei n. 3.268/1957).
E o crime de aborto? O médico que não esteja registrado no CRM pratica o crime de aborto?
Entendo que não, pois a lei ao exigir que o aborto fosse praticado por médico visou que o aborto fosse realizado por um profissional com conhecimento técnico suficiente para a realização do aborto. O conhecimento técnico de um médico com diploma reconhecido pelo MEC não se mede pelo registro no Conselho Regional de Medicina. O registro é necessário por uma questão administrativa, mas não retira o conhecimento técnico e profissional que o médico possui.
Tome como exemplo um médico que não pagou a anualidade do Conselho Regional de Medicina na região em que atua, mas atendeu em seu consultório uma mulher gestante, constatou que havia riscos para a vida da mulher e realizou o aborto. Não haverá a prática do crime de aborto, mas haverá a prática do crime de exercício ilegal da medicina (art. 282 do CP).
Um médico sem o registro regular no CRM não deixa de ser médico. Só não pode exercer a profissão.
b) aborto sentimental, humanitário, ético ou piedoso (art. 128, II).
O aborto sentimental, humanitário, ético ou piedoso é o que decorre do estupro.
O fundamento em se permitir a prática do aborto quando a gravidez se originar do estupro reside na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e na crueldade que seria em obrigar uma mulher a ter uma gestação indesejada e um filho decorrente de violência sexual, que na vida faria a vítima rememorar o sofrimento e a violência sofrida.
O estupro ocorre quando há violência real (emprego de força física) ou presumida (quando a lei diz que há violência) ou grave ameaça para a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
O art. 213 do CP trata do crime de estupro e o art. 217 do CP do crime de estupro de vulnerável.
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).
Art. 217-A Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).
O art. 128, II, do CP autoriza o aborto em razão da prática do crime de estupro, mas não menciona o estupro de vulnerável. Assim, seria possível a realização do aborto na hipótese do estupro de vulnerável?
Parte da doutrina sustenta que sim, em razão da analogia in bonam partem.[4]
Entendo que o argumento que possibilita a realização do aborto nos casos de estupro de vulnerável reside no fato da redação do art. 128, II, do Código Penal ser a mesma desde a sua origem (07/12/1940), época em que o crime de estupro previsto no art. 213 do Código Penal abrangia os casos hoje previstos no art. 217-A do Código Penal, na forma do revogado art. 224 do Código Penal que trazia as hipóteses de violência presumida.[5]
Art. 224 – Presume-se a violência, se a vítima: (Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90) (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
a) não é maior de catorze anos; (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009) (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Portanto, é perfeitamente possível realizar o aborto quando a gravidez se originar em decorrência da prática do crime de estupro de vulnerável (art. 217-A , § 1º, do CP), pois o art. 128, II, do CP ao permitir o aborto no caso de estupro abrangia as hipóteses de violência presumida, que desde o advento da Lei n. 12.015, de 07 de agosto de 2009, encontram-se previstas no art. 217-A, § 1º, do Código Penal, por uma opção legislativa que teve por finalidade endurecer a pena.
Doutrina minoritária capitaneada por Nélson Hungria sustenta que os casos de violência presumida “não autorizam o médico a realizar o aborto, pois o escopo da lei penal foi evitar a maternidade odiosa que dê vida a um ser que recordará à mulher, perpetuamente, o horrível episódio de violência sofrida.”[6]
Em se tratando do crime de violação sexual mediante fraude (art. 215 do CP), prevalece na doutrina não ser possível aplicar a autorização de aborto para os crimes de estupro (art. 128, II, do CP), por se tratar de norma excepcional, razão pela qual deve ser interpretada restritivamente.
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
O crime de violação sexual mediante fraude originou-se no Código Penal com o advento da Lei n. 12.015, de 07 de agosto de 2009, e unificou os crimes de posse sexual mediante fraude e atentado ao pudor mediante fraude (arts. 215 e 216). Houve continuidade normativo-típica.
Nota-se que o crime de violação sexual mediante fraude não deriva do crime de estupro, razão pela qual é incabível autorizar o aborto com fundamento no art. 128, II, do Código Penal, além de se ter que interpretar a norma de exceção restritivamente.
Não há norma que imponha um limite temporal para que o aborto possa ocorrer, razão pela qual é possível, para o direito penal, que haja interrupção da gravidez a qualquer momento da gestação, em que pese para a medicina, entre 20 e 22 semanas, o procedimento médico deixar de ser o aborto e passar a ser denominado de parto prematuro. Nesse caso, quando para a medicina passar a ser parto prematuro, pois o procedimento abortivo pode resultar no nascimento prematuro, o médico deve provocar a inviabilidade fetal para em seguida retirar o feto já sem vida, já que para o direito não existe prazo.
Com o advento da Lei n. 12.015/2009, o homem também passou a ser sujeito passivo do crime de estupro. Dessa forma, pode-se cogitar a possibilidade do homem exigir que a mulher aborte? Seria possível o ajuizamento de uma ação pelo homem para obrigar a mulher a abortar à força?
Prevalece não ser possível, pois o art. 128, II, do Código Penal menciona que a autorização do aborto deve partir da mulher – e não do homem – e por se tratar de uma norma de exceção, deve ser interpretada restritivamente. A finalidade da autorização da interrupção da gestação vida proteger a mulher, face à dignidade da pessoa humana e crueldade em se exigir que tenha uma gravidez indesejada e um filho que a lembrará de um momento horrível de sua vida, o que não ocorre quando a mulher é a autora do crime sexual.
Corrente contrária e minoritária argumenta ser possível, em razão da igualdade entre o homem e mulher (art. 5º, I, da CF) e pelo fato do art. 128, II, do Código Penal não ter sofrido atualização desde a sua origem (07/12/1940), época em que o crime de estupro tinha como vítima somente as mulheres. Além do mais, a dignidade da pessoa humana do homem seria violada ao obrigá-lo a ter um filho que decorreu de um ato de violência sexual.
O aborto humanitário exige o livre e prévio consentimento da gestante. Quando se tratar de gestante incapaz, o consentimento deve ser concedido pelo representante legal.
O que define a incapacidade da gestante em autorizar o aborto?
O Código Penal não define o que é “gestante incapaz”.
A primeira corrente sustenta que até completar 18 (dezoito) anos a gestante é incapaz, pois é a partir dessa idade que se alcança a capacidade civil plena e a responsabilidade penal (art. 228 da CF).
A segunda corrente fundamenta que Código Civil preconiza que são relativamente incapazes a certos atos ou à maneira de os exercer os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (art. 4º, I). Entre 16 e 18 anos é possível a prática de diversos atos da vida civil, seja com ou sem assistência, como se casar, o que necessita apenas de autorização dos pais (art. 1.517 do CC), bem como elaborar testamento (art. 1,860, parágrafo único, do CC), o que dispensa a assistência, votar (art. 14, § 1º, II, “c”, da CF), o que independe de autorização dos pais, dentre outros. A assistência seria necessária, por exemplo, para a compra de um imóvel.
Nota-se que o adolescente com 16 anos possui maturidade suficiente para tomar decisões importantes em sua vida, razão pela qual não pode ser tido como incapaz de decidir sobre si.
A terceira corrente, que é o nosso entendimento, sustenta que o consentimento é válido quando a gestante tiver idade superior a 14 anos, uma vez que o parágrafo único do art. 126 do Código Penal, ao tratar do crime de aborto com o consentimento da gestante, diz que se a gestante que consentir não tiver mais de 14 anos, o consentimento não é válido, devendo-se aplicar a pena do crime de aborto sem consentimento (art. 125 do CP).[7]
Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54)
Pena – reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Portanto, a própria lei já diz quando é possível haver o consentimento da gestante para a prática de aborto (idade superior a 14 anos).
Antes dos 14 anos, o consentimento dado pela gestante para que sofra o aborto, é interpretado como ausência de consentimento, consoante dicção do parágrafo único do art. 126 do CP, que remete essa hipótese de consentimento para a pena do art. 125 do CP, que trata do aborto sem consentimento.
Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de três a dez anos.
É necessário que haja Boletim de Ocorrência ou autorização judicial para a realização do aborto humanitário?
Não. Em nenhum momento a lei exige a confecção de Boletim de Ocorrência; não é necessário que haja condenação penal, nem processo criminal. Não é necessário que haja autorização judicial para a realização do aborto.
A Portaria n. 1.508, de 1º de setembro de 2005, do Ministério da Saúde, dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Dentre as justificativas da portaria encontra-se o fundamento na desnecessidade de se lavrar Boletim de Ocorrência.
Considerando que a Norma Técnica sobre Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes não obriga as vítimas de estupro da apresentação do Boletim de Ocorrência para sua submissão ao procedimento de interrupção da gravidez no âmbito do SUS
A portaria traça o caminho a percorrer para que o médico realize o aborto em razão da prática do crime de estupro. O Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei compõe-se de quatro fases (arts. 3º a 6º da Portaria n. 1.508/2005).
1ª fase: relato circunstanciado do evento, realizado pela própria gestante, perante dois profissionais de saúde do serviço, em que conterá: a) local, dia e hora aproximada do fato; b) tipo e forma de violência; c) descrição dos agentes da conduta, se possível; e d) identificação de testemunhas, se houver.
2ª fase: intervenção do médico que emitirá parecer técnico após detalhada anamnese, exame físico geral, exame ginecológico, avaliação do laudo ultrassonográfico e dos demais exames complementares que porventura houver. Três integrantes, no mínimo, da equipe de saúde multiprofissional subscreverão o Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez, não podendo haver desconformidade com a conclusão do parecer técnico. A equipe de saúde multiprofissional deve ser composta, no mínimo, por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo.
3ª fase: Ocorre com a assinatura da gestante no Termo de Responsabilidade ou, se for incapaz, também de seu representante legal, e esse Termo conterá advertência expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) e de aborto (art. 124 do Código Penal), caso não tenha sido vítima de violência sexual.
4ª fase: é a fase final que se encerra com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que obedecerá aos seguintes requisitos: I – o esclarecimento à mulher deve ser realizado em linguagem acessível, especialmente sobre: a) os desconfortos e riscos possíveis à sua saúde; b) os procedimentos que serão adotados quando da realização da intervenção médica; c) a forma de acompanhamento e assistência, assim como os profissionais responsáveis; e d) a garantia do sigilo que assegure sua privacidade quanto aos dados confidenciais envolvidos, exceto quanto aos documentos subscritos por ela em caso de requisição judicial; II – deverá ser assinado ou identificado por impressão datiloscópica, pela gestante ou, se for incapaz, também por seu representante legal; e III – deverá conter declaração expressa sobre a decisão voluntária e consciente de interromper a gravidez.
Caso o aborto seja realizado após observar todos os trâmites regulamentares e seja descoberto que a mulher mentiu. O médico será responsabilizado? E a mulher?
O médico não será responsabilizado, pois terá atuado no exercício regular de um direito imaginário, putativo (art. 23, III, do CP c/c art. 20, § 1º, do CP). A mulher será responsabilizada pelo crime de consentir que outrem lhe provoque aborto (art. 124 do CP) e pelo crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP), em concurso material (art. 69 do CP), em razão da declaração inverídica prestada ao realizar o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez.
E na hipótese em que o aborto humanitário não for praticado por médico?
Caso o aborto humanitário seja praticado por enfermeiro, estudante de medicina ou qualquer pessoa que não seja médico, haverá a prática do crime de aborto, pois o fato da gravidez decorrer de estupro não provoca uma situação de perigo atual ou iminente (uma situação urgente) que justifique que outra pessoa, que não o médico, realize o aborto.
É necessário que o aborto seja realizado por médico especialista em obstetrícia?
Remetemos leitor para os comentários realizados na parte do aborto necessário.
O aborto realizado por médico sem o devido registro no Conselho Regional de Medicina configura crime de aborto?
Remetemos leitor para os comentários realizados na parte do aborto necessário.
c) Aborto eugênico ou eugenésico
O aborto eugênico consiste em interrupção da gestação em razão do feto possuir alguma deformidade física, psíquica ou anomalia genética. No Brasil essa prática é considerada crime, em razão da ausência de previsão legal e com fundamento na tutela da vida intrauterina e humana.
Além do mais, admitir tal prática seria uma espécie de seleção da raça humana, de forte carga preconceituosa, o que deve ser repudiado, face à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e proibição de qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV, da CF). A composição da sociedade é plural e deve estar aberta a todos, independentemente, de quaisquer circunstâncias e fatores sociais, genéticos, econômicos, de cor, idade, origem, estético, ou deformidade física ou psíquica.
d) Aborto econômico, miserável ou social
Trata-se da interrupção da gravidez por fatores sociais e econômicos, como a mulher que não possui condição financeira de criar um filho ou em razão da família entender que já possui muitos filhos e que não quer mais. Tal prática configura crime de aborto, face à ausência de permissão legal.
e) Aborto de feto anencéfalo
A anencefalia é a malformação do tubo neural, consistente na ausência total ou parcial do encéfalo, decorrente de problemas no fechamento do tubo neural, durante a 16ª e 26ª semana de gestação, geralmente, em razão da ausência de importantes nutrientes, sobretudo o ácido fólico.
É possível interromper a gestação de um feto anencéfalo?
O Supremo Tribunal Federal na ADPF 54 decidiu que sim e que isso não configura aborto, por não haver possibilidade de vida fora do útero, sendo desnecessária autorização judicial para a interrupção da gestação, devendo, para tanto, haver diagnóstico de anencefalia.
Posteriormente, o Conselho Federal de Medicina elaborou a Resolução n. 1.989/2012 que dispõe sobre o diagnóstico de anencefalia para a antecipação terapêutica do parto.
O art. 1º da Resolução n. 1.989/2012 dispõe que “Na ocorrência do diagnóstico inequívoco de anencefalia o médico pode, a pedido da gestante, independente de autorização do Estado, interromper a gravidez.”
A interrupção da gravidez exige: a) diagnóstico inequívoco da anencefalia; b) procedimento realizado por médico; c) pedido da gestante, que tem a opção de prosseguir com a gestação. Em qualquer caso não há necessidade de haver autorização judicial.
E na hipótese em que o procedimento de interrupção da gravidez do feto anencéfalo for realizado por enfermeiro, estudante de medicina ou outra pessoa?
Não haverá a prática do crime de aborto, pois restou decidido pelo STF que por não haver possibilidade de vida extrauterina, tal prática consiste em interrupção da gravidez, sem que se configure uma prática abortiva.
Assim, quem interrompe a gravidez de feto anencéfalo sem ser médico, responde pelo crime de exercício ilegal da medicina (art. 282 do CP).
f) Aborto de feto com microcefalia
A microcefalia ocorre quando há uma malformação congênita em que o cérebro e a cabeça do feto não se desenvolve adequadamente, de forma que fique significativamente menor se comparado a outros fetos na mesma idade gestacional.
O Supremo Tribunal Federal enfrentaria a possibilidade da realização de aborto em caso de microcefalia na ADI n. 5581, contudo, em 30 de abril de 2020, o STF, por unanimidade, julgou prejudicada a Ação Direta de Inconstitucionalidade “ajuizada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) contra dispositivos da Lei 13.301/2016, que trata de medidas de vigilância em saúde relativas aos vírus da dengue, da chikungunya e da zika. O colegiado acompanhou a relatora, ministra Cármen Lúcia, pela perda do objeto da ação, diante da revogação do principal ponto questionado pela Medida Provisória 894/2019, que institui pensão vitalícia a crianças com microcefalia decorrente do zika vírus.”[8]
Dessa forma, o STF não enfrentou o tema e deixou a questão em aberto.
Compartilhamos do entendimento de Jamil Chaim Alves[9], no sentido de que a análise deve ser feita no caso concreto.
a) Se o prosseguimento da gestação trouxer risco à vida da gestante, a aborto não configura crime, incidindo a permissão contida no artigo 128, I, do Código Penal;
b) Se a microcefalia tornar inviável a vida extrauterina, o aborto não será punível, diante da inexigibilidade de conduta diversa;
c) Fora dessas situações, a conduta configura crime.
g) A interrupção da gestação no primeiro trimestre da gestação
O Supremo Tribunal Federal (1ª Turma do STF) decidiu que a interrupção da gravidez nos primeiros três meses não configura crime de aborto, independentemente, das condições do feto e dos riscos à gestante.[10]
Qual foi o critério utilizado para definir o marco de três meses?
Márcio Cavalcante[11] (Dizer o Direito) explica detalhadamente.
Existe uma intensa e polêmica discussão sobre quando se inicia a vida e qual é o status jurídico do embrião durante a fase inicial da gestação. Dentre outras, há duas posições principais e antagônicas em relação a isso:
1ª) de um lado, os que sustentam que existe vida desde a concepção, desde que o espermatozoide fecundou o óvulo, dando origem à multiplicação das células.
2ª) de outro lado, estão os que sustentam que antes da formação do sistema nervoso central e da presença de rudimentos de consciência (o que geralmente se dá após o terceiro mês da gestação) não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno.
Não há solução jurídica para esta controvérsia. Ela dependerá sempre de uma escolha religiosa ou filosófica de cada um a respeito da vida. Porém, existe um dado científico que é inquestionável: durante os três primeiros, meses o córtex cerebral (que permite que o feto desenvolva sentimentos e racionalidade) ainda não foi formado nem há qualquer potencialidade de vida fora do útero materno. Assim, não há qualquer possibilidade de o embrião subsistir fora do útero materno nesta fase de sua formação. Ou seja: ele dependerá integralmente do corpo da mãe.
Justamente com base nessas premissas científicas, diversos países do mundo adotam como critério que a interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada, desde que feita no primeiro trimestre da gestação. É o caso da Alemanha, Bélgica, França e Uruguai. (destaquei)
Em que pese o STF ter decidido nesse sentido, não se pode falar que é permitido o aborto no primeiro trimestre da gestação, pois o tema não foi pacificado e decorreu de uma decisão isolada da 1ª Turma do STF, em que três Ministros votaram pela possibilidade de aborto neste caso (Roberto Barroso, Edson Fachin e Rosa Weber), não tendo os demais ministros da 1ª Turma se manifestado (Marco Aurélio e Luiz Fux), pois discutiram somente a legalidade da prisão preventiva. É necessário que o tema seja enfrentado pelo plenário para que haja um posicionamento do STF.
h) Conclusões
Atualmente, são reconhecidas somente três formas lícitas de se interromper a gestação: a) aborto necessário (art. 128, I, do CP); b) aborto humanitário (art. 128, II, do CP) e c) interrupção da gravidez de feto anencéfalo (ADPF 54/DF).
As duas primeiras decorrem de previsão legal e a terceira de criação do Supremo Tribunal Federal.
Em qualquer situação não se exige autorização judicial e o aborto deve ser realizado por médico.
Portanto, caso o policial seja acionado em razão da realização de aborto nos casos permitidos, sem autorização judicial, não deverá prender os envolvidos no ato de aborto.
Em síntese, tem-se o seguinte cenário.
Interrupção da gestação (fundamento)
Por quem?
Necessidade de Consentimento da gestante
É crime?
Risco de vida para a gestante
Médico
Não
Não. Art. 128, I, do CP.
Estupro
Médico
Sim
Não. Art. 128, II, do CP.
Feto anencéfalo
Médico
Sim
Não. STF – ADPF 54,
Risco de vida para a gestante
Não médico
Não
Sim. Arts. 124 e 126 do CP.
Risco de vida atual ou iminente para a gestante
Não médico
Não
Não. Estado de necessidade (art. 24 do CP).
Estupro
Não médico
Sim
Sim. Arts. 124 e 126 do CP.
Feto anencéfalo
Não médico
Sim
Sim. Art. 282 do CP.
Impossibilidade de vida extrauterina
Médico
Sim
Inexigibilidade de conduta diversa (tema controverso)
Impossibilidade de vida extrauterina
Não médico
Sim
Sim. Art. 282 do CP.
NOTAS
[1] BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de Direito Penal. Partes Geral e Especial. Volume Único. 1ª Ed. Salvador: Editora JusPODIVM. 2019. p. 738.
[2] Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
[3] Não pratica a contravenção penal de exercício ilegal da profissão (art. 47 do Decreto-Lei n. 3.688), por este tipo contravencional ser subsidiário e haver previsão específica para o caso de exercício ilegal da medicina.
[5] Nesse sentido: BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de Direito Penal. Partes Geral e Especial. Volume Único. 1ª Ed. Salvador: Editora JusPODIVM. 2019. p. 739.
[6] Informação extraída de: BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de Direito Penal. Partes Geral e Especial. Volume Único. 1ª Ed. Salvador: Editora JusPODIVM. 2019. p. 739.
[7] Nesse sentido: BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de Direito Penal. Partes Geral e Especial. Volume Único. 1ª Ed. Salvador: Editora JusPODIVM. 2019. p. 740.
Os policiais possuem direito a portar arma de fogo, ainda que não estejam em serviço (art. 6º, II, § 1º, da Lei n. 10.826/03), e não é incomum que se desloquem armados para o fórum para qualquer finalidade, seja para ser ouvido em um processo, para acompanhar presos, para buscar informações de seu interesse pessoal ou profissional.
O Decreto n. 9.847/19 regulamenta o Estatuto do Desarmamento e assegura que cabe ao comando das instituições policiais adotar as normas para dispor sobre o porte de arma dos policiais (arts. 24, §§ 3º e 4º e 26, § 2º)[1].
Em se tratando do ingresso de policiais no fórum, estes têm direito de entrarem nas dependências do fórum armados em qualquer situação? O juiz pode restringir o acesso de policiais armados ao fórum?
A Lei n. 12.964/12 autoriza que os tribunais adotem medidas para reforçar a segurança dos prédios da justiça.
Art. 3º Os tribunais, no âmbito de suas competências, são autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente:
I – controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais;
II – instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes;
III – instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios.
A Resolução n. 291/2019 do Conselho Nacional de Justiça trata do Sistema Nacional de Segurança do Poder Judiciário e dispõe que:
Art. 13. Os Tribunais de Justiça, Regionais Federais, do Trabalho e Eleitorais, no âmbito de suas competências, adotarão, gradativamente, as seguintes medidas de segurança:
IX – restrição do ingresso de pessoas armadas em suas instalações, ressalvados magistrados e policiais, na forma de ato normativo próprio;
O Poder Judiciário possui autonomia administrativa (art. 99 da CF) para gerir o seu funcionamento, de forma que assegure o livre exercício da magistratura.
A Constituição Federal assegura que o Conselho Nacional de Justiça pode expedir atos regulamentares no âmbito de sua competência (art. 103, § 4º, I), o que torna os atos regulamentares emitidos pelo CNJ em atos normativos primários, pois retiram sua validade diretamente da Constituição, o que autoriza, inclusive, o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Portanto, assim como as leis são atos normativos primários, as resoluções do CNJ também são.
A independência do Poder Judiciário é garantida quando os seus membros possuem total liberdade para aplicarem a Constituição e as leis em suas decisões, sem que haja qualquer receio de que sofram perseguições, ingerências ou qualquer atentado à vida ou integridade física.
No tocante à garantia da vida e integridade física dos magistrados é necessário que haja segurança institucional e a presença de policiais armados dentro do fórum pode colaborar para o fortalecimento dessa segurança, assim como no abrandamento da segurança, caso se permita, por exemplo, que um policial réu em uma ação penal compareça armado ao fórum para participar da audiência de instrução e julgamento em que figura como acusado, o que, por consequência, poderia afetar a rigidez da necessária independência funcional.
Nesse sentido, o aspecto visual (o juiz visualizar o réu armado) é um fator externo ao direito e pode influenciar a tomada de decisões durante a audiência, o que contraria o art. 5º do Código de Ética da Magistratura e o art. 2º do Código Ibero-Americano de Ética Judicial.
Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.
Art. 2º.- O Juiz independente é aquele que determina a partir do Direito vigente a decisão justa, sem se deixar influenciar de forma real ou aparente por factores alheios ao próprio Direito.
A independência dos órgãos judiciários, sob a perspectiva de se garantir a segurança da vida e da integridade física encontra amparo, ainda, no art. 10[2] da Declaração Universal dos Direitos Humanos e art. 14, item 1[3], do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
É necessário, portanto, que haja um equilíbrio entre o direito dos policiais portarem arma, assegurado pelo Estatuto do Desarmamento – Lei n. 10.826/03 -, e o direito à segurança no fórum – Lei n. 12.964/12. Ambos possuem previsão em lei. Portanto, é incabível o argumento de que o direito do policial andar armado não pode ser restringido por ato administrativo do Poder Judiciário quando o porte ocorrer dentro das dependências do fórum, pois este ato administrativo decorre de previsão em lei, além do mais, a Resolução n. 291/2019 do Conselho Nacional de Justiça autoriza a restrição ao porte de arma e possui status de ato normativo primário, assim como as leis.
O Conselho Nacional de Justiça, antes da Resolução n. 291, de 23 de agosto de 2019, já havia decidido que os tribunais podem e devem restringir o ingresso de pessoas armadas em suas instalações e que cumpre ao próprio Poder Judiciário, exercer o poder de polícia dentro de suas instalações, ainda que importe em restrição ao porte legal de armas.
CONSULTA E PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. JULGAMENTO CONJUNTO DIANTE DA IDENTIDADE DE OBJETOS. CONSULTA ACERCA DA POSSIBILIDADE DO INGRESSO DE PESSOAS ARMADAS NAS DEPENDÊNCIAS DO PODER JUDICIÁRIO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO DO ATO EMANADO DA DIRETORIA DO FORO DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MINAS GERAIS. PORTARIA 10/124/DIREF IMPUGNADA PELO SINDICATO DOS POLICIAIS FEDERAIS DO ESTADO DE MINAS GERAIS. CONSULTA RESPONDIDA NO SENTIDO QUE OS TRIBUNAIS PODEM E DEVEM RESTRINGIR O INGRESSO DE PESSOAS ARMADAS EM SUAS INSTALAÇÕES, COM A RECOMENDAÇÃO DE QUE EDITEM NORMAS NESTE SENTIDO. PERDA DO OBJETO DO PROCEIDMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO.
I – A Resolução nº 104, de 06 de abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça determinou o controle de acesso das pessoas nos Tribunais, bem como a instalação de aparelhos de detecção de metais nas áreas de ingresso aos prédios dos fóruns.
II – A segurança nos prédios públicos administrados pelo Poder Judiciário deve ser rigorosa, pois nestes locais circulam inúmeras pessoas e há o ingresso e trânsito de detentos, muitas vezes elementos perigosos, cuja custódia exige cuidados especiais
III – Consulta respondida no sentido que os Tribunais podem e devem restringir o ingresso de pessoas armadas em suas instalações, com a recomendação de que editem normas neste sentido.
IV – Cumpre ao próprio Poder Judiciário, exercer o poder de polícia dentro de suas instalações devendo ser observadas as regras estabelecidas, mesmo que importem em restrição ao porte legal de armas.
V – Procedimento de Controle Administrativo que perdeu o objeto em razão da extinção do ato administrativo impugnado. (CNJ – PCA – Procedimento de Controle Administrativo – 0005286-37.2010.2.00.0000 – Rel. FELIPE LOCKE CAVALCANTI – 117ª Sessão – j. 23/11/2010 ).
O Superior Tribunal de Justiça decidiu, recentemente, pela possibilidade de portaria do juiz Diretor do Foro restringir o acesso de pessoas armadas em suas dependências e que as áreas afetas ao Fórum são controladas por sua própria administração, a quem incumbe o exercício do poder de polícia e a garantia da segurança local.
ADMINISTRATIVO. PORTE DE ARMA. DEPENDÊNCIAS DE FÓRUM. RESTRIÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Conforme estabelecido no Enunciado Administrativo n. 2 – STJ, “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”.
2. A Constituição Federal/1988 assegura ao Poder Judiciário autonomia administrativa e competência privativa para a organização do funcionamento dos seus prédios, providência contemplada pelo legislador ordinário ao editar a Lei n. 12.694/2012.
3. A par de tal panorama, inexiste ilegalidade na portaria editada pelo Juiz Diretor do Foro da Comarca de Sete Quedas que restringiu o ingresso de pessoas armadas com arma de fogo nas dependências do Fórum daquela Comarca, mormente quando o Conselho Nacional de Justiça, exercendo a atribuição que lhe foi outorgada pelo art. 103-B, § 4º, da CF/1988 (“zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, poder expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;”), recomendou a edição de normas, pelos Tribunais, com tal restrição, o que ensejou a edição da Resolução n. 104/2010 – CNJ (alterada pela Resolução n. 291/2019 – CNJ). 4. Recurso ordinário desprovido. (RMS 38.090-MS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 16/03/2020)
Diante dos fundamentos apresentados não há dúvidas que o Poder Judiciário pode restringir o acesso de policiais armados nas dependências do fórum, sendo possível que a restrição esteja prevista em ato normativo do próprio tribunal ou do fórum.
Ocorre que essa restrição deve ser ter parâmetros, não sendo possível que restrinja o ingresso de policiais armados em todas as hipóteses, pois o art. 3º, III, da Lei n. 12.964/12 e o art. 13, IX, da Resolução 291/2019 do CNJ autorizam o ingresso de policiais armados no fórum, em situações específicas.
Destaca-se que impedir o ingresso de policiais armados nas dependências da justiça é uma providência facultativa do tribunal ou do fórum, de acordo com a realidade local, pois a Lei 12.964/12 diz em seu inciso III do art. 3º que os tribunais estão autorizados a adotarem medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça e o inciso IX do art. 3º da Resolução 291/2019 do CNJ expressa que os policiais podem entrar armados no fórum, na forma de ato normativo do próprio órgão judiciário. Isto é, ato normativo do tribunal definirá as hipóteses que o policial não poderá entrar armado, o que se encontra no âmbito de discricionariedade de cada tribunal.
Lei n. 12.964/12
Art. 3º Os tribunais, no âmbito de suas competências, SÃO AUTORIZADOS a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente:
I – controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais;
II – instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes;
III – instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios.
Resolução n. 291/2019 do CNJ
Art. 13. Os Tribunais de Justiça, Regionais Federais, do Trabalho e Eleitorais, no âmbito de suas competências, adotarão, gradativamente, as seguintes medidas de segurança:
IX – restrição do ingresso de pessoas armadas em suas instalações, ressalvados magistrados e policiais, NA FORMA DE ATO NORMATIVO PRÓPRIO;
Nota-se a clareza do art. 13, IX, da Resolução 291/2019 do CNJ ao constar que magistrados e policiais podem entrar armados nas dependências dos prédios do Poder Judiciário e remeter essa possibilidade a ato normativo do órgão judiciário, o que deve ser lido em consonância com o art. 3º, III, da Lei n. 12.964/12, que permite o ingresso armado de policiais integrantes de missão policial, que participem da escolta de presos, bem como os agentes ou inspetores de segurança próprios.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais editou a Portaria Conjunta n. 788/PR/2018, que versa sobre o ingresso de pessoas armadas nas dependências dos prédios do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais.
A referida portaria adota como regra a vedação ao ingresso de qualquer pessoa armada e dentre as exceções encontra-se o policial militar, civil, federal, rodoviário federal, ferroviário federal, bombeiro militar, agente penitenciário, guarda municipal e militares das Forças Armadas, desde que exercendo atividade de serviço na edificação do Poder Judiciário, para a qual, se exija o porte de arma (art. 7º, I), Ou seja, o ingresso de policiais armados em serviço, quando se exija o porte de arma, está autorizado.
O que define se um policial estará em serviço quando for ao fórum ser ouvido?
O policial estará em serviço quando a audiência ou compromisso no fórum ocorrer durante o horário de serviço para o qual o policial estiver previamente escalado. Ocorre que o depoimento prestado em juízo constitui serviço público (art. 463 do CPC)[4], além de não ser incomum que as próprias instituições policiais definam que a intimação para prestar esclarecimentos, em juízo, de atos decorrentes do serviço, ainda que de folga ou em descanso, é considerado ato de serviço, razão pela qual o policial estará em serviço.
Lei n. 5.301/69 – Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais
Art. 240-E – Considera-se em serviço o militar do Estado que, intimado, for prestar, no período de folga ou descanso, esclarecimentos em procedimento ou processo administrativo ou judicial acerca de fato em que se tenha envolvido em razão do exercício de sua função.”
(Artigo acrescentado pelo art. 14 da Lei Complementar nº 109, de 22/12/2009.)
Dessa forma, sempre que o policial comparecer ao fórum em decorrência de sua atuação enquanto policial, estará em serviço, seja como testemunha, vítima, acusado, perito.
É necessário, portanto, criar hipóteses bem definidas de quando será permitido o ingresso de policiais armados nas dependências do fórum.
Não é incomum que nos fóruns circulem pessoas que foram presas por policiais e, consequentemente, passaram a responder a processos criminais e que estejam em liberdade, ocasião em que podem se deparar com um policial e este, desarmado, ficar desprotegido, o que justificaria o porte de arma nas dependências do fórum.
Pode ocorrer de, durante a audiência, seja o policial ouvido na condição de vítima, testemunha ou réu, sendo mais comum nesta hipótese, quando indagado pelo Ministério Público, do juiz ou defesa ou acusação “apertarem” o policial com perguntas e técnicas de oratória, o que pode aflorar os ânimos da audiência e a visualização de uma arma na cintura do policial ou a ciência de que este a possui naquele momento, pode causar receio de que as perguntas sejam feitas de forma livre, em razão do impacto simbólico da presença de uma arma de fogo sob responsabilidade de uma pessoa que está a sofrer pressão.
É possível, inclusive, que durante a audiência o juiz, o promotor de justiça ou a defesa dê voz de prisão para a testemunha policial em razão da prática do crime de falso testemunho, e a circunstância do policial estar armado será um inibidor e caso seja dada voz de prisão poderá haver consequências mais graves, a depender do controle emocional que o policial possui.
Por outro lado, durante a audiência em que o policial é vítima ou testemunha, o acusado acompanhará a audiência e poderá colocar em risco a integridade física do policial.
Como equacionar essas questões e chegar a um equilíbrio de forma que a integridade física do policial seja garantida e, concomitantemente, seja assegurada a independência funcional do juiz, do promotor de justiça e da defesa?
Deve-se verificar se o fórum possui equipe de segurança para garantir a integridade física dos policiais nas dependências do fórum e acompanhar as audiências em que policiais prestam depoimento, nas mais diversas ocasiões. Caso possua, não há necessidade do policial estar armado; do contrário, é razoável autorizar que o policial entre no fórum armado e assim preste depoimento.
A Resolução n. 291/2019 do Conselho Nacional de Justiça estabelece a possibilidade dos prédios da justiça contarem com policiamento ostensivo.
Art. 13. Os Tribunais de Justiça, Regionais Federais, do Trabalho e Eleitorais, no âmbito de suas competências, adotarão, gradativamente, as seguintes medidas de segurança:
VII – POLICIAMENTO OSTENSIVO com agentes próprios, preferencialmente, ou terceirizados, inclusive nas salas de audiências e áreas adjacentes, quando necessário;
Caso o policial seja réu, o porte de arma nas dependências do fórum ou na audiência não se justifica, uma vez que é da natureza do ser humano sentir-se desconfortável ao ser acusado e a presença de arma poderá inibir o juiz, o promotor, o defensor, além da vítima e testemunhas do processo.
A presença do policial armado no fórum, de forma ostensiva, ainda que não pertença ao quadro de policiais responsáveis pela segurança do fórum, constitui, na maioria dos casos, fator de segurança institucional.
No Mato Grosso, no Fórum de Vila Rica, um juiz foi alvejado no ombro esquerdo por um acusado em um processo de homicídio, ocasião em que um policial militar armado e que estava no fórum para uma audiência com um réu preso, atirou e matou o autor do disparo contra o magistrado.[5]
Neste caso pode-se indagar se houvesse um rigoroso sistema de segurança ao ingressar no fórum, o homem que entrou armado teria conseguido entrar armado? O uso da arma pelo policial seria necessário?
Em outro episódio, no Estado do Rio Grande do Sul, no Fórum de Marau, enquanto um policial civil era ouvido em audiência, três infratores efetuaram disparos de arma de fogo, de fora para dentro do fórum, na direção das janelas da sala de audiências, com o fim de resgatarem um preso e matarem juízes, ocasião em que o policial que estava armado em audiência revidou os disparos e garantiu, naquele momento, que o ataque não avançasse.[6]
Neste caso, ainda que houvesse rigoroso controle de acesso de armas no fórum, não teria como a situação ser evitada, pois os disparos partiram de fora para dentro do fórum.
Diante de todos esses fatores, o ingresso do policial armado no fórum para ser ouvido em um processo judicial deve ser analisado caso a caso, pelo juiz que presidirá a audiência. A regra deve ser permitir o ingresso quando o policial estiver em serviço, salvo se for ser ouvido em audiência e houver como garantir a segurança do policial enquanto presta depoimento.
Além das hipóteses de comparecimento do policial ao fórum para ser ouvido em processos em razão da atuação profissional, os policiais também comparecem ao fórum durante a realização de escolta de presos ou de qualquer missão policial, como acompanhar uma testemunha que possui medida de proteção (art. 7º, II, da Lei n. 9.807/99) ou uma vítima de violência doméstica (art. 11, I, da Lei n. 11.340/06). Nestes casos exige-se o porte de arma dentro do fórum, pois os policiais estarão a atuar na função de segurança.
Nessas situações, a regra deve ser o livre acesso do policial armado, conforme autoriza o art. 3º, III, da Lei n. 12.964/12.
Art. 3º Os tribunais, no âmbito de suas competências, SÃO AUTORIZADOS a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente:
III – instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, RESSALVADOS OS INTEGRANTES DE MISSÃO POLICIAL, A ESCOLTA DE PRESOS e os agentes ou inspetores de segurança próprios.
O porte de arma dentro do fórum pode ser vedado por ato normativo do tribunal ou do Diretor do Foro nos casos de comparecimento do policial para finalidades diversas da realização de segurança, como despachar com o juiz um pedido de prisão preventiva, entregar um processo físico no cartório ou realizar qualquer outra diligência decorrente de suas atividades, cujo porte de arma de mostre desnecessário.
O ato normativo que regula o ingresso de policiais armados no fórum pode vedar ainda o ingresso de policiais que possuam processos no fórum, de natureza cível ou criminal, seja no polo ativo ou passivo, com o fim de evitar que o comparecimento armado possa ser visto como qualquer ameaça ou pressão no processo em que o policial é parte.
É responsabilidade do Judiciário possuir local apropriado para a guarda e armazenamento das armas daqueles que ingressam no fórum. Ora, se a justiça veda o acesso de policiais armados não pode exigir que estes saiam de casa ou do serviço desarmados, pois não compete ao Judiciário querer controlar o uso de arma por policial quando não estiver nas dependências dos prédios da justiça, até porque a arma é utilizada pelo policial como um instrumento de proteção. Igualmente, não cabe ao Judiciário orientar que os policiais deixem a arma no carro, em razão dos riscos da arma ser furtada, além de poder responder pelo crime de peculato culposo, caso a arma seja da Corporação.
A Resolução n. 16/2013 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios trata do ingresso de pessoas armadas nas dependências dos prédios da justiça no Distrito Federal e prevê que:
Art. 7º É proibido o porte de arma de fogo nas dependências do TJDFT, salvo por:
II – policiais quando no estrito exercício de suas atividades:
a) por requisição da Presidência do Tribunal para segurança de magistrado ou das dependências do TJDFT;
b) em escolta armada de presos, vítimas ou testemunhas;
III – integrantes do quadro de agentes e guardas prisionais, bem como militares que estejam no exercício efetivo de escolta de presos;
§ 2º A Coordenação de Segurança – COORSEG DEVERÁ MANTER LOCAL SEGURO E ADEQUADO PARA A GUARDA E CUSTÓDIA DE ARMA DE QUEM A PORTE LEGALMENTE E PRETENDA INGRESSAR NOS FÓRUNS.
Assim, caso não haja cofre ou local adequado para o policial guardar a arma, não será possível vedar o acesso do policial armado nas dependências da justiça.
Em caso concreto, um policial civil foi condenado no Distrito Federal pelo crime de desobediência (art. 330 do CP) por ter descumprido ordem legal de guardar a arma durante a audiência.[7]
Diante de todo o exposto é possível concluir que:
a) O Judiciário pode, por intermédio de ato normativo do tribunal ou do juiz Diretor do Foro, proibir o acesso de policiais armados no fórum, mas não indistintamente, sendo possível seguir as diretrizes expostas entre os itens “b” e “h”;
b) A regra é que os policiais em serviço possam entrar armados no fórum, quando for necessário o porte de arma, em razão da função que estiver a desempenhar no fórum, como a de garantir a segurança (art. 13, IX, da Resolução n. 291/2019 do CNJ c/c art. 3º, III, da Lei n. 12.964/12);
c) Caso o policial esteja de serviço em razão de ser ouvido em audiência, não poderá entrar armado, salvo se não houver como o Judiciário garantir a segurança do policial durante o seu deslocamento no fórum e em audiência;
d) Em qualquer caso, o policial que for réu, não poderá estar armado na audiência;
e) O policial que estiver de serviço e comparecer ao fórum com o fim de cumprir missão policial que exija o porte de arma ou realizar escolta de presos, poderá entrar armado;
f) Não é recomendável que o policial que possua processo na justiça compareça armado no fórum em que o processo tramita;
g) O policial que comparece ao fórum no horário de folga não poderá entrar armado;
h) Em qualquer caso, o Judiciário deve garantir a segurança do policial que estiver desarmado no fórum, em razão do serviço ou não, por não ter sido permitido o ingresso armado nas dependências da justiça;
i) Quando não houver local seguro e adequado para a guarda e custódia de arma de quem pretende ingressar no fórum, o policial poderá entrar armado.
NOTAS
[1] Art. 24. O porte de arma de fogo é deferido aos militares das Forças Armadas, aos policiais federais, estaduais e distritais, civis e militares, aos corpos de bombeiros militares e aos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em razão do desempenho de suas funções institucionais.
§ 2º A autorização do porte de arma de fogo para as praças sem estabilidade assegurada será regulamentada em ato do Comandante da Força correspondente.
§ 3º Ato do Comandante da Força correspondente disporá sobre as hipóteses excepcionais de suspensão, cassação e demais procedimentos relativos ao porte de arma de fogo de que trata este artigo.
Art. 26. Os órgãos, as instituições e as corporações a que se referem os incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, estabelecerão, em normas próprias, os procedimentos relativos às condições para a utilização das armas de fogo de sua propriedade, ainda que fora de serviço.
§ 2º As instituições, os órgãos e as corporações, ao definir os procedimentos a que se refere o caput, disciplinarão as normas gerais de uso de arma de fogo de sua propriedade, fora do serviço, quando se tratar de locais onde haja aglomeração de pessoas, em decorrência de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas, estádios desportivos e clubes, públicos e privados.
[2] Art. 10. Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
[3] ARTIGO 14 – 1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores.
[4] Art. 463. O depoimento prestado em juízo é considerado serviço público.
O art. 9º, II, “a”, do Código Penal Militar define que:
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:(Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017).
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
Militar em situação de atividade é o militar da ativa, que está no serviço ativo, conforme definição exposta no art. 6º da Lei n. 6.880/80 – Estatuto dos Militares.
Art. 6º São equivalentes as expressões “na ativa”, “da ativa”, “em serviço ativo”, “em serviço na ativa”, “em serviço”, “em atividade” ou “em atividade militar”, conferidas aos militares no desempenho de cargo, comissão, encargo, incumbência ou missão, serviço ou atividade militar ou considerada de natureza militar nas organizações militares das Forças Armadas, bem como na Presidência da República, na Vice-Presidência da República, no Ministério da Defesa e nos demais órgãos quando previsto em lei, ou quando incorporados às Forças Armadas. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.215-10, de 31.8.2001).
O militar da ativa poderá estar de férias, licença, folga, agregado que não perderá a condição de militar para fins de aplicação da lei penal militar.
Pela literalidade do art. 9º, II, “a”, do Código Penal Militar, os crimes praticados entre militares (sujeitos ativo e passivo) serão crimes militares, ainda que não encontrem previsão no Código Penal Militar, pois o inciso II, do art. 9º, com o advento da Lei n. 13.491/17, passou a permitir que os crimes previstos na legislação penal – e não só no Código Penal Militar, o que abrange todas as leis penais, sejam crimes militares. Logo, poderá haver crime militar entre militares em razão da prática do crime de abuso de autoridade (Lei n. 13.869/19)
A finalidade do legislador ao inserir a previsão de que crimes entre militares da ativa seria crime militar consistiu em preservar a hierarquia e disciplina, que são os pilares das Instituições Militares.
Nesse sentido, a comissão ao deliberar por inserir a redação contida no art. 9º, II, “a”, do Código Penal Militar, fundamentou que:
“Como qualquer crime cometido por militar contra militar, ambos em atividade, quase sempre atinge direta ou indiretamente a disciplina, que é a base da organização ou das instituições militares, foi, pela maioria da comissão considerado crime militar, sem que se indague a causa geradora aparente do ato delituoso”[1].
Seja pela literalidade da lei, seja em razão de sua finalidade, a simples condição de militar do autor e vítima do crime, é suficiente para caracterizar o crime de natureza militar.
Ocorre que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça são no sentido de que a circunstância de autor e vítima serem militares, por si só, não é suficiente para caracterizar o crime de natureza militar, pelos seguintes fundamentos:
a) Não há que se falar em crime militar se a prática do crime não guarda qualquer direta vinculação nem conexão com o desempenho da atividade castrense, especialmente quando os delitos tenham sido perpetrados fora do horário de expediente, por motivo de caráter estritamente pessoal e em lugar não sujeito à administração militar;
b) A competência da Justiça Militar não é para os crimes dos militares, mas sim para os crimes militares; porque, no ambiente militar, há também o homem, o cidadão, e os factos delituosos praticados nesta qualidade caem sob a alçada da vida civil; “o fôro especial é só para o crime que ele praticar como soldado, ‘ut miles’, na frase do jurisconsulto romano. Os militares, assim como as demais pessoas, têm a sua vida privada, familiar e conjugal, regidas pelas normas do Direito Comum;
c) Afrontaria o princípio da igualdade o arredar-se da justiça ordinária o processo e julgamento de crimes comuns para uma jurisdição especial e de excepção;
d) A congruência entre a definição legal do crime militar e as razões da existência da Justiça Militar exsurge como critério básico, implícito na Constituição, a impedir a subtração arbitrária da Justiça comum de delitos que não tenham conexão com a vida castrense;
e) O cometimento de delito por agente militar contra vítima militar somente desafia a competência da Justiça Castrense nos casos em que houver vínculo direto com o desempenho da atividade militar.
f) Não se aplica o art. 9º, II, do CPM, quando o militar está a exercer atividade de natureza nitidamente civil, como a participação em uma festa carnavalesca, pois não há violação a dever funcional;
g) A caracterização do crime militar em decorrência da aplicação do critério ratione personae previsto no art. 9º, II, “a”, do CPM deve ser compreendido à luz da principal diferença entre o crime comum e o crime militar impróprio: bem jurídico a ser tutelado. Nesse juízo, portanto, torna se elemento indispensável para configuração do tipo penal especial (e, portanto, instaurar a competência da Justiça Militar) a demonstração de ofensa a bens jurídicos de que sejam titulares as Instituições Militares. O delito cometido fora do ambiente castrense ou cujo resultado não atinja as instituições militares será julgado pela Justiça comum. Em se tratando de crime contra o patrimônio privado, cometido fora de local sujeito à administração militar, a mera condição de militar do acusado e do ofendido, ambos fora de serviço, é insuficiente para justificar a competência da Justiça especializada, já que ausente outro elemento de conexão com a vida militar;
h) Só é crime militar, na forma do art. 9º, II, a, do Código Penal Militar, o delito perpetrado por militar da ativa, em serviço, ou quando tenha se prevalecido de sua função para a prática do crime;
i) Caso o crime envolvendo militares ocorra fora do horário de serviço, quando não envergavam farda e em momento algum se valeram de seu cargo para o cometimento dos delitos, é viável concluir que agiram como civis e que sua conduta não se enquadra na hipótese do art. 9º, II, “a”, do Código Penal Militar (crimes praticados por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado), única que, em tese, poderia se amoldar ao confronto entre militares da ativa.
Nota-se haver a criação de um critério jurisprudencial para a configuração do crime militar na hipótese do art. 9º, II, “a”, do Código Penal Militar (militar da ativa X militar da ativa), consistente em haver, de alguma forma, conexão do crime com as atividades funcionais, ou seja, além do sujeito ativo e passivo terem que ser militares da ativa, exige-se também, que a prática do crime, possua relação com a função e ofensa a bens jurídicos de que sejam titulares as Instituições Militares.
Assim, a prática de crime militar com fulcro no art. 9º, II, “a”, do Código Penal Militar (militar da ativa X militar da ativa) exige o critério legal e o critério jurisprudencial.
O critério legal exige a presença de militares da ativa como sujeitos ativo e passivo do crime. O critério jurisprudencial exige que além do autor e vítima serem militares, que a prática do crime tenha conexão com a atividade funcional e que haja ofensa a bens jurídicos de que sejam titulares as Instituições Militares.
Dessa forma, pode-se afirmar que a prática de homicídio ou lesão corporal entre militares em uma festa particular, sem que haja qualquer vínculo com as atividades funcionais, será crime comum; todavia, se a prática desses crimes ocorrer em razão do autor do crime querer vingar decisões tomadas pela vítima em razão da função, como escalar o militar autor do crime em horários de serviço prejudiciais ao militar, haverá crime militar, pois houve conexão com a atividade funcional, além de afrontar os bens jurídicos tutelados pelas Instituições Militares (hierarquia e disciplina).
Há uma interpretação jurisprudencial restritiva de crime militar.
Em sentido diverso aos julgados acima citados, o próprio Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, já decidiram, em decisões minoritárias, que a simples condição de autor e vítima serem militar da ativa, é suficiente para configurar crime de natureza militar.
CONSTITUCIONAL. PENAL MILITAR. CRIME MILITAR. JUSTIÇA MILITAR: COMPETÊNCIA. C.F., ARTIGO 124. CPM, ART. 9., II, A. I. CRIME PRATICADO POR MILITARES, AMBOS DA ATIVA, CONTRA MILITAR NA MESMA SITUAÇÃO, VALE DIZER, NA ATIVA: MESMO NÃO ESTANDO EM SERVIÇO OS MILITARES ACUSADOS, O CRIME É MILITAR, NA FORMA DO DISPOSTO NO ART. 9., II, A, DO CPM. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. C.F., ART. 124. II. PRECEDENTES DO RE 122.706 RJ”>STF: RE 122.706-RJ, RTJ 137/418; HC 69.682-RS, RTJ 144/580. III. – CONFLITO CONHECIDO, DECLARANDO-SE A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR FEDERAL E, EM CONSEQUENCIA, DO S.T.M. PARA JULGAR A APELAÇÃO. (STF – CJ: 7021 RJ, Relator: Min. CARLOS VELLOSO, Data de Julgamento: 26/04/1995, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 10-08-1995 PP-23555 EMENT VOL-01795-01 PP-00045)
“CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. CRIME PRATICADO POR MILITAR EM ATIVIDADE CONTRA MILITAR EM IDÊNTICA SITUAÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR.
1. Compete à Justiça Castrense processar e julgar crime praticado por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado. (CC 85.607/SP, Rel. Min. OG FERNANDES, DJ 8/9/08)
2. Militar em situação de atividade quer dizer ‘da ativa’ e não ‘em serviço’, em oposição a militar da reserva ou aposentado.
3. Conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo, ora suscitado (STJ – CC: 96330 SP 2008/0125719-0, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 22/04/2009, S3 – TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: 20090520 –> DJe 20/05/2009)
CRIMES MILITARES (ARTIGO 205, § 2º, INCISOS IV E V, COMBINADO COM O ARTIGO 30, INCISO II, ARTIGO 177, § 1º, E ARTIGO 242, TODOS DO CÓDIGO PENAL MILITAR). ALEGADA INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO PENAL MILITAR AOS POLICIAIS MILITARES. DIPLOMA LEGAL CUJA INCIDÊNCIA ESTARIA RESTRITA AOS MILITARES DAS FORÇAS ARMADAS. POSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO DOS POLICIAIS MILITARES ÀS NORMAS PENAIS CASTRENSES. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 125, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO.
1. A competência de Justiça Castrense está delineada no artigo 125, § 4º, da Constituição Federal, que preceitua competir “à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”, redação que lhe foi dada com o advento da Emenda Constitucional 45/2004.
2. Os policiais militares estão abrangidos no conceito de militares dos Estados, sendo totalmente descabida e improcedente a interpretação que o recorrente pretende conferir ao citado dispositivo constitucional, restringindo a sua aplicação apenas aos militares federais, que estão sob o comando das Forças Armadas. Doutrina. Precedentes. TENTATIVA DE HOMICÍDIO, RESISTÊNCIA QUALIFICADA E ROUBO. CRIMES MILITARES IMPRÓPRIOS. INFRAÇÕES PRATICADAS POR MILITAR DA ATIVA CONTRA OUTRO NA MESMA SITUAÇÃO. DIFERENÇA ENTRE MILITAR EM ATIVIDADE E MILITAR EM SERVIÇO. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 9º, INCISO II, ALÍNEA A, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA CASTRENSE.
1. Os crimes de tentativa de homicídio qualificado, resistência qualificada e roubo caracterizam-se como impropriamente militares, já que constituem infrações penais que podem ser praticadas por qualquer pessoa, seja ela civil ou militar, estando previstas no Código Penal Militar porque lesionam bens ou interesses militares, motivo pelo qual se deve verificar a presença de alguma das situações elencadas nas alíneas do inciso II do artigo 9º do citado diploma legal.
2. No caso em exame, tanto o recorrente quanto a suposta vítima dos ilícitos são militares da ativa, enquadrando-se a hipótese na alínea a do inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar.
3. Os militares da ativa não se confundem com os militares em serviço, uma vez que aqueles se caracterizam como sendo os que estão em atividade, ou seja, que não estão na reserva, sendo desinfluente, por conseguinte, a circunstância de o paciente estar de folga quando dos acontecimentos narrados na denúncia. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF. 4. Recurso improvido. (STJ – RHC: 41251 GO 2013/0328398-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 22/10/2013, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/10/2013)
É necessário, portanto, que o Supremo Tribunal Federal pacifique o tema, sendo possível a edição de Súmula Vinculante, nos termos do art. 103-A da Constituição Federal, pois há controvérsia da qual há reiteradas decisões sobre matéria constitucional (competência da Justiça Militar) em tema que acarreta grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
O conceito de militar em situação de atividade, também denominado de “militar da ativa” não se confunde com o de militar em serviço, pois este está, necessariamente escalado para o serviço, enquanto que aquele ainda não foi para a reserva. São conceitos distintos.
A finalidade do art. 9º, II, “a” do Código Penal Militar é exatamente proteger a hierarquia e disciplina, pois os militares, em que pese possuírem também uma vida comum e privada fora do horário de serviço, como afirmado nos jugados do STF, devem, sempre, seguir rigorosamente os valores militares e respeitar a hierarquia e disciplina em qualquer situação, onde quer que estejam dentro do território nacional.
Inegavelmente, há um abalo dos pilares (hierarquia e disciplina) das instituições militares quando há a prática de crime entre militares, ainda que esteja no horário de folga, de férias ou de licença, pois a condição de militar acompanha a pessoa de forma incessante, por toda a vida.
Nesse sentido, é comum que nos regulamentos disciplinares militares constem que a “disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos permanentemente pelos militares na ativa e na inatividade” (art. 8, § 2º, do RDE[12]; que os militares devem preservar e praticar, mesmo fora do serviço ou quando já na reserva remunerada, os preceitos da ética militar; serem discretos e corteses em suas atitudes, maneiras e linguagem e observar as normas da boa educação; (art. 9º, XIII, VIII, do CEDM[13].
O crime de militar não se confunde com o crime militar, pois este ocorre quando está presente uma das hipóteses do art. 9º do Código Penal Militar, enquanto que aquele decorre da prática de qualquer crime que o sujeito ativo seja militar, independentemente, do crime ser comum ou militar.
A prática de crime militar entre militares (autor e vítima), na forma do art. 9º, II, “a”, do CPM, exige para a sua configuração que o autor do crime tenha ciência de que a vítima é militar, pois do contrário não há que se falar em qualquer afronta à hierarquia e disciplina, o que foge completamente da finalidade da lei, conforme exposto. Tal entendimento mostra-se ainda mais evidente diante da jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que exige, além da condição de militar, que a prática do crime tenha nexo com as atividades funcionais e afronte as instituições militares.
Corrente contrária sustenta a desnecessidade de um militar conhecer a condição de militar do outro, pois tal condição não é exigida pela lei, salvo quando o tipo penal militar trouxer a condição de superior ou de inferior, em conformidade com o art. 47, I, do Código Penal Militar.[14]
Art.47. Deixam de ser elementos constitutivos do crime:
I – a qualidade de superior ou a de inferior, quando não conhecida do agente;
Este entendimento não se sustenta, pois à Justiça Militar compete julgar os crimes militares e crimes dos militares.
Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal.
Crime praticado por militar contra militar em contexto em que os envolvidos não conheciam a situação funcional de cada qual, não estavam uniformizados e dirigiam carros descaracterizados. Hipótese que não se enquadra na competência da Justiça Militar defi nida no art. 9º, II, a, do CPM. (…) A Justiça Castrense não é competente a priori para julgar crimes de militares, mas crimes militares (HC 99.541, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 10-5-2011, Primeira Turma, DJE de 25-5-2011.)
É possível a ocorrência de crime militar que envolva militares estaduais de unidades federativas diversas, pois o militar é militar em todo o país. Dessa forma, um policial militar de São Paulo pode praticar crime militar contra um bombeiro militar do Estado de Minas Gerais no Estado do Rio de Janeiro. A competência para processar e julgar o autor do crime (militar de São Paulo) será da Justiça Militar do Estado de origem do militar autor do crime – São Paulo -, conforme Súmula 78 do Superior Tribunal de Justiça.
Súmula 78 – STJ: Compete à Justiça Militar processar e julgar policial de corporação estadual, ainda que o delito tenha sido praticado em outra unidade federativa.
O Código Penal Militar dispõe expressamente que o militar da ativa pode praticar crime militar contra outro militar da ativa (art. 9º, II, “a”) ou militar da reserva ou reformado (art. 9º, II, “b”, “c”, “d”) e o militar da reserva ou reformado pode praticar crime militar contra militar da ativa (art. 9º, III, “b”, “c”, “d”), mas não dispõe que o militar da reserva ou reformado pode praticar crime militar contra outro militar da reserva ou reformado.
É importante salientar que diante da jurisprudência pacífica dos tribunais superiores (STF e STJ), no sentido de que a prática de crime militar entre militares exige que haja alguma conexão com a atividade funcional, necessariamente, ao haver esta conexão, haverá afronta aos pilares das instituições militares (hierarquia e disciplina), pois qualquer prática de crime entre militares que esteja relacionada às atividades da caserna, por si só, abala a hierarquia e disciplina, sobretudo por haver previsão nos regulamentos disciplinares que imponham a obrigatoriedade dos militares acatarem a ética militar, ainda que não estejam em serviço.
Vale dizer, a exigência jurisprudencial de que a prática de crime militar entre militares deve afrontar as instituições militares está satisfeita a partir do momento em que a própria jurisprudência exige que para o crime ser de natureza militar haja relação com as atividades castrenses.
Na prática nota-se uma resistência das instituições militares e da justiça militar em acatarem a jurisprudência pacífica dos tribunais superiores (STF e STJ), o que pode acarretar em impunidade e haver prejuízos para a hierarquia e disciplina, pois a depender do crime praticado, como uma lesão corporal, cuja prescrição é de 04 (quatro) anos no Código Penal comum, o processo decorrente da Justiça Militar chegará ao STF ou STJ, mediante recursos, e será reconhecida a sua nulidade, com o encaminhamento do processo à Justiça Comum, ocasião em que a chance de já estar prescrito quando o processo for se iniciar na Justiça Comum será muito alta.
Diante de todo o exposto, é possível afirmar que:
a) A prática de crime entre militares da ativa não será, necessariamente, crime militar;
b) A prática de crime entre militares da ativa será militar se houver conexão com as atividades funcionais e afronta às instituições militares (critério legal + critério jurisprudencial).
NOTAS
[1] ALVES-MARREIROS, Adriano; ROCHA, Guilherme; FREITAS, Ricardo. Direito Penal Militar: teoria crítica & prática. Rio de Janeiro: Editora Método, 2015.
[2] STF – HC: 155245 RS – RIO GRANDE DO SUL, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 09/04/2019, Data de Publicação: DJe-075 11/04/2019; HC 115.590/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX; STF – HC: 110286 RJ, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 14/02/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-064 DIVULG 28-03-2012 PUBLIC 29-03-2012; STJ – CC 38.476/RS, Rel. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Terceira seção, julgado em 28.02.2007, DJ 26.03.2007 p. 195; STJ – RHC 25.895/CE, 5.ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJe de 13/09/2010; STJ – HC 163.752/RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, QUINTA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe 22/08/2011.
[3] STF – HC 121.778/AM, Rel. Min. LUIZ FUX.
[4] HC nº 58.883/RJ, rel. Min. Soares Muñoz.
[5] STF – HC 121.778/AM, Rel. Min. LUIZ FUX.
[6] STF – RE nº 122.706, Plenário, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJe de 21.11.90.
[7] STF – HC 135.675/MG, Rel. Min. ROSA WEBER.
[8] STF – RHC 88.122/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; HC 83.003/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO; HC 102.380/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO.
[9] STF – HC n. 117.254/PR, Ministro Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 15/10/2014.
[10] STJ – CC 170.201-PI, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 11/03/2020, DJe 17/03/2020
[11] STJ – CC n. 162.399/MG, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, DJe 15/3/2019; STF – HC n. 118.708/MS, Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 25/4/2018.
[12] Regulamento Disciplinar do Exército, Decreto n. 4.346/2002.
[13] Código de Ética Militar dos Militares do Estado de Minas Gerais.
[14] Nesse sentido: MIGUEL, Cláudio Amim; CRUZ, Ione de Souza. Elementos de Direito Penal Militar – Parte Geral. Rio de Janeiro: L Lumen Juris, 2011. p .36; GIULIANI, Ricardo Henrique Alves. Direito Penal Militar. 3. ed. Verbo Jurídico, 2011, p. 40; LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3. ed. Brasília Jurídica, 2006, p. 121.